Instituto Eqüit – Gênero, Economia e Cidadania Global Boletim bimensal Vol. VI Nº 02 Março e Abril de 2009 IV Cúpula dos Povos das Américas A Cúpula dos Povos teve lugar entre os dias 16 e 18 de Abril na cidade de Port Spain, em Trinidad e Tobago. A crise global e seus impactos nas Américas foram os temas centrais dos debates. Já na sessão de abertura, importantes análises caracterizaram a crise sistêmica do capitalismo, que demonstra, a cada dia com maior clareza, a incapacidade do sistema de garantir a vida digna das populações atuais e futuras do planeta. Os debates foram realizados sob a forma de eixos ou perspectivas sobre a crise: econômica,alimentaria, energética, climática, social e democrática, entre outras, que tiveram uma interessante variedade de participações. O Comitê de Mulheres da ASC foi responsável pela organização do debate do Eixo Social, onde foi discutida a necessidade de pensar e agir para mudar o modelo produtivo que gera níveis crescentes de desemprego e trabalho precário, particularmente para as mulheres. Além dos debates em eixos, também aconteceram debates auto-organizados, dos quais participaram mulheres representantes de organizações caribenhas que evidenciaram os efeitos desta crise sistêmica na segurança e soberania alimentar dos povos. Nesse sentido, chamaram a atenção para a relevância do papel que as mulheres têm na superação destas condições. Houve lugar também para o diálogo e a troca de experiências de resistências entre os movimentos sociais caribenhos e continentais, que deram mostra do nível atual das lutas e processos de construção de alternativas desde os povos. A proposta de declaração final da IV Cúpula dos Povos das Américas centrou-se no olhar crítico da declaração Oficial da Cúpula de Presidentes, enfatizando aspectos importantes que não foram sequer citados na proposta de declaração oficial, tais como a militarização do continente, Plano Colômbia, Iniciativa Mérida, IIRSA, ASPAN, impactos da crise do sistema capitalista na segurança alimentar, nas vidas das mulheres e dos povos em geral, entre outros aspectos. Entretanto, a Cúpula Oficial que começou no dia 17, terminou sem que nenhuma Declaração fosse assinada. Os presidentes da ALBA afirmaram que o projeto de Declaração era inaceitável e divulgaram uma Declaração avançada com propostas de superação da crise na região. As tensões e disputas entre os próprios paises da América Latina, ainda que não tenham aparecido nitidamente, começaram a despontar em termos de projetos diferenciados para a região. O distanciamento das políticas impulsionadas por Washington, que vinha num ritmo crescente ainda que tímido, pode ser freado ainda mais, dadas as expectativas criadas pelas mudanças anunciadas pela administração norte-americana. Não obstante, podemos destacar que a importância desta Cúpula não foi dada pela declaração final nem pelos temas tratados, mas por uma diferença essencial em relação à Cúpula de Mar del Plata, que acabou com o projeto da ALCA. Agora, o governo dos EUA encontrou a região com uma agenda própria, com esforços consideráveis de integração regional, e com mecanismos como a Unasul e ALBA, que caminham e inclusive por vezes disputam o sentido desta integração. Isso ficou evidente na realização de um diálogo mais qualificado e a partir de uma maior autonomia regional. Por tudo isso, e de um ponto de vista dos povos do continente, devemos continuar pressionando os governos por mudanças profundas neste modelo de desenvolvimento baseado na exportação, até processos focalizados no desenvolvimento local e regional. Por sua vez, devemos pressionar pelo aprofundamento da integração latino-americana sobre essas bases, como também continuar impulsionando a integração sob a perspectiva dos povos da região, que são sujeitos sociais e históricos protagonistas das mudanças possíveis. Diálogo dos Movimentos Sociais do Continente Para ler o informe completo sobre a Cúpula dos Povos, acesse: http://www.equit.org.br/docs/ar tigos/IVCupulaTyT-port.pdf A crise financeira e a Governança Global: debates na ONU Desde que a crise financeira eclodiu em 2008, são diversas as expectativas sobre qual espaço da governança global deve acomodar os debates sobre a reposta internacional à crise —incluindo a discussão sobre uma nova arquitetura financeira e monetária internacional. A expansão do G8 para o G20 não significa de forma alguma que este espaço seja legítimo ou inclusivo. Ao mesmo tempo, a grande mídia e muitas organizações da sociedade civil não têm dedicado atenção ao processo que se está levando a cabo dentro da Assembléia Geral da ONU. No entanto, e apesar das dúvidas e questionamentos que se fazem em relação à ONU e à sua necessidade de reformas, este é atualmente o único espaço multilateral suficientemente inclusivo para ser considerado com alguma legitimidade para tal debate. Neste sentido, é fundamental acompanhar este processo. O presidente da Assembléia Geral, o nicaragüense Miguel D’Escoto, tem se mostrado muito ativo na mobilização dos países para a “Conferência da ONU sobre a Crise Econômica e Financeira e seus Impactos no Desenvolvimento”, e sua atuação tem aumentado a qualidade dos debates que vêm acontecendo na ONU. Entretanto, apesar de ser latino-americano, o processo por ele facilitado não tem tido suficiente visibilidade na região. Dentre as iniciativas impulsionadas por D´Escoto está a Comissão de Experts sobre a Reforma do Sistema Financeiro e Monetário Internacional (informalmente conhecida como Comissão Stiglitz), cujo informe final sai neste mês de maio. Na elaboração desse documento, houve um processo de consulta com organizações da sociedade civil e movimentos sociais que puderam enviar suas propostas, muitas delas incorporadas ao documento da comissão. Mais informações podem ser encontradas no site da ONU: http://www.un.org/ga/president /63/commission/financial_commis sion.shtml A versão atual do relatório da Comissão não aprofunda suficientemente alguns pontos. Ainda assim, é um dos documentos mais progressistas circulando nos meios intergovernamentais e, mesmo não sendo um documento formalmente relacionado à Assembléia e à Conferência, certamente servirá de documento de insumo para a “Conferência da ONU sobre a Crise Econômica e Financeira e seus Impactos no Desenvolvimento”, que acontecerá em Nova York de 1 a 3 de junho de 2009. A participação da sociedade civil latino-americana seria fundamental nesse processo, já que os países da região que fazem parte do G20 (como o Brasil) não têm dado a devida atenção ao processo. De fato, o boicote de todos os países do G20 ao processo da Assembléia Geral é claro, declarando que a discussão de temas econômicos não é da jurisdição da ONU, e que discutir a arquitetura financeira internacional entre 192 países não é operacional. O comportamento dos países emergentes do G20 tem enfraquecido a capacidade do bloco G77+China (coalizão da ONU de que o Brasil faz parte) que está internamente dividido pelos interesses dos países que se sentem protagonistas no G20. O comportamento do Brasil está entre os mais representativos dessa ambigüidade: o país que historicamente defende a cooperação Sul-Sul e o combate as desigualdades estruturais, vê agora o presidente Lula considerar “chique” ser credor do FMI, e priorizar o ascenso ao G20. Nesse contexto, é necessário um maior envolvimento das organizações da sociedade civil e movimentos sociais do Brasil no processo. Mas principalmente, é fundamental promover um debate amplo na sociedade brasileira sobre qual o tipo de política externa que queremos ver priorizada pelo governo: a defesa da inclusão e a luta contra as desigualdades estruturais, e não a que tem se configurado ao privilegiar a entrada do Brasil em um clube privado de países protagonistas globais que não representam a comunidade internacional. Para entender o processo que levou à conferência, mais informações (em inglês) podem ser encontradas em: http://web.igtn.org/home/index. php? option=com_content&view=article &id=46&Itemid=44 e http://web.igtn.org/home/index. php? option=com_content&view=article &id=156&Itemid=128 Boletim elaborado pelo Instituto Eqüit – Gênero, Economia e Cidadania Global Para assinatura ou cancelamento: eqü[email protected] Para ler os boletins anteriores acesse: www.equit.org.br Editora responsável: Lucia Santalices