| COMUNICAÇÃO | PRONTOS PARA QUALQUER EMERGÊNCIA AS QUATRO ETAPAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE UM PLANO DE GESTÃO DE CRISES Por Gilmara Espino Colaborou Isabela Pimentel N o imaginário da população, um hospital precisa estar preparado para tudo. Na prática, não é bem assim. Como em qualquer outro negócio, os prestadores de serviços de saúde estão sujeitos a fatores externos e situações não calculadas que, se concretizados, teriam potencial de causar grande dano à imagem da instituição. Para fazer frente a esse desafio, existe o Plano de Gestão de Crises. “Uma crise é qualquer situação negativa que prejudique seriamente a integridade financeira ou a reputação de uma empresa, afetando a confiança ou a lealdade de seus consumidores, podendo comprometer a sua fatia de mercado, e até mesmo significar o fim da companhia”, explica Tatiana Jordão, fundadora da Crisis Response e mestre em Comunicação em Crise. Segundo Tatiana, como não é possível enfrentar todos os riscos possíveis, o ideal é conhecê-los, priorizá-los e, então, de forma consciente e em consenso com os principais interessados, decidir para quais riscos o hospital estará preparado e para os quais não consegue, nesse momento, estar. “Corporativamente, você tem que ser o mais forte possível sempre. Mas a propensão ao risco varia de uma pessoa a outra, por isso, aceitar quais tipos de riscos correr é uma decisão colegiada. O que é arriscado para um pode não ser para outro; o que é arriscado hoje, pode não ser amanhã”, comenta. Daí a importância de planejar o quê, quando e como fazer se algum fato inesperado ocorrer, como um incêndio na unidade, uma quantidade de feridos chegando ao mesmo tempo ao pronto-atendimento, um evento adverso de repercussão pública, um assalto ou uma denúncia, só para citar algumas possibilidades. De acordo com Tatiana, a metodologia usada na gestão de crises considera quatro etapas principais: prevenção, preparação, resposta e reconstrução, detalhadas a seguir. Melh res Práticas | 49 | COMUNICAÇÃO | PREVENÇÃO 4 FASES DA GESTÃO DE CRISES “Chamamos de prevenção tudo aquilo que pode diminuir o impacto de um risco materializado”, diz Tatiana. O primeiro passo, portanto, é levantar os riscos. Esse trabalho pode ser feito por um profissional especializado, mas, segundo a especialista, o ideal é que seja conduzido por uma equipe de trabalho do próprio hospital. “Quem conhece a empresa é quem trabalha ali; são pessoas que sabem as características intrínsecas do negócio. Um técnico em segurança tem muito valor para um plano de emergências, mas para a gestão de crises precisamos de um olhar mais holístico, voltado à estratégia, que permita a criação de ferramentas que responderão à imprensa, à pessoa afetada e aos órgãos reguladores”. O passo seguinte ao mapeamento de riscos é a priorização. “É uma conta na qual você avalia a severidade (consequências) versus a probabilidade (número de vezes), representada por um número percentual”, diz. É nesse momento em que se decide para quais riscos vale a pena ter uma resposta. RECONSTRUÇÃO Passada a crise, é hora de avaliar os danos causados e preparar-se para os próximos desafios. “Quando você reconstrói, você volta, no mínimo, à condição que você tinha antes. Essa é a hora de fazer melhor e não repetir os mesmos erros”, explica a fundadora da Crisis Response. SIMULADOS Na fase de preparação, é provável que se identifique a necessidade de treinar, de forma prática, os colaboradores do hospital. Quase toda ação prevista pode ser simulada. Treinar os brigadistas no reconhecimento e uso adequado de extintores, por exemplo, é fácil e barato. No outro extremo, verificar a adequação de um fluxo planejado para o atendimento simultâneo a múltiplas vítimas requer um considerável 50 | Melh res Práticas PREPARAÇÃO Nesta fase, levantam-se e organizam-se todos os recursos que precisarão estar disponíveis em uma situação de crise. Inclui, por exemplo, campanhas de educação, cursos e simulados. O resultado esperado é um plano testado e aprovado, pronto para ser colocado em prática. RESPOSTA A resposta é o acionamento do sistema. “O plano precisa ser simples e o mais genérico possível, sem ser simplista. A parte mais importante é a ativação do procedimento, por exemplo, o coordenador faz isso, a assessoria de imprensa faz aquilo”, detalha Tatiana Jordão. investimento de tempo e preparação. No hospital Quinta D’Or, no Rio de Janeiro, são realizados simulados de atendimento a múltiplas vítimas desde 2013. Desde então, quatro já foram feitos. “Fechamos a emergência entre 8 e 10h da manhã no dia do simulado, criamos uma ala para triagem, sem afetar a rotina dos que já estão instalados no hospital. Precisamos ser ágeis na identificação do grau de complexidade e urgência, prezan- do pela transcrição correta de informações no prontuário, que será a base para os próximos passos. Superando essa barreira, estaremos azeitando a prática. E é nessas simulações que percebemos, com clareza, o que está funcionando bem ou não”, destaca Arthur Martinez, coordenador médico da emergência. Na opinião de Tatiana Jordão, da Crisis Response, é a natureza do negócio que vai definir quais ações precisam ser testadas na prática e quais não. “O importante é que a empresa garanta a capacidade de resposta”, afirma. Ainda assim, ela é contrária ao uso de atores e maquiadores que “teatrealizam” os simulados. “Já vi casos em que os voluntários hiperventilaram ao se fingirem de vítimas. Ninguém sabe como seria na vida real. No máximo, essas pessoas estão imitando o que já viram em filmes. Esse não é o objetivo de um treinamento prático, que deve ser focado em validar os processos. Se o plano diz para chamar um ramal específico, o teste deve confirmar se haveria alguém do outro lado da linha na madrugada de um feriado, por exemplo.” ROTATIVIDADE Um dos maiores desafios da educação continuada nos hospitais privados brasileiros é a alta rotatividade de funcionários, especialmente nos setores de enfermagem e hotelaria. Por isso, na opinião do coordenador médico da emergência do Hospital Copa D’Or, no Rio de Janeiro, Marcelo London, os treinamentos precisam ser regulares. “No Copa D’Or, são realizados a cada seis meses. O diferencial é a participação de grupos de apoio formados por recepcionistas, equipes de laboratório, banco de sangue, psicólogos e assistentes sociais, engenharia clínica, almoxarifado, mensageiros, segurança e farmácia. Esses funcionários devem ficar a postos e preparados para atender qualquer demanda da equipe médica e de enfermagem”, observa London. Mais uma vez, essa periodicidade irá variar conforme a instituição tenha defi- nido em seu Plano de Gerenciamento de Crise. De qualquer forma, Tatiana Jordão recomenda que se dedique um tempo, ainda que curto, na integração de novos colaboradores para abordar o tema. “Cerca de 20 minutos já são suficientes para contar que existe um Plano e que a empresa se preocupa com isso. Não se pode esquecer que o funcionário é o porta-voz mais óbvio. Quando uma crise se instaura, ele tem que chegar à sala e dizer: ‘minha empresa está preparada para isso’”, recomenda. COMUNICAÇÃO De acordo com Tatiana, a empresa deve estar pronta para reforçar três mensagens em situações de crise: que está preparada para enfrentar a emergência, que está em absoluto controle da situação, e que está empenhada em fazer todo o necessário para um desfecho satisfatório para a comunidade envolvida. Durante a crise, o importante é que a coordenação da comunicação esteja concentrada na sede da empresa, com a responsabilidade delegada aos funcionários de linha de frente, bem treinados. Ainda segundo a especialista, em geral, o tom dos comunicados elaborados pela mídia passa por três momentos: primeiro, a imprensa faz um retrato imediato da situação (descrição do caso, relato de testemunhas e número de vítimas); em seguida, dá ênfase aos aspectos emocionais, com depoimentos de familiares e seu sofrimento; e, finalmente, começa a especulação e a procura por culpados. “Em situações de crise, a comunicação é dificultada pelas circunstâncias e pelos ruídos internos e externos; além disso, construir a relação com a imprensa leva tempo. Por isso, recomendo que a aproximação com os públicos estratégicos (empregados, clientes, investidores, fornecedores, reguladores e principalmente a mídia) seja constante e planejada. A reputação que a empresa cultivou no mercado ao longo dos anos será um dos principais aliados na condução desse difícil momento”, finaliza. O PLANO PRECISA SER SIMPLES E O MAIS GENÉRICO POSSÍVEL, SEM SER SIMPLISTA. A PARTE MAIS IMPORTANTE É A ATIVAÇÃO DO PROCEDIMENTO Melh res Práticas | 51