COMÉRCIO JUSTO NA CITRICULTURA PAULISTA [email protected] Apresentação Oral-Agricultura Familiar e Ruralidade ISABEL FERNANDES PINTO VIEGAS. APTA/ UNICAMP, CAMPINAS - SP - BRASIL. Comércio Justo na Citricultura Paulista RESUMO: O objetivo deste artigo é caracterizar o Comércio Justo e a inserção da citricultura nessa certificação, verificando se essa inserção pode ser aprofundada e verificando algumas limitações. O Comércio Justo pode ser visto como uma alternativa ao comércio tradicional que integra produtores do hemisfério sul com consumidores solidários do hemisfério norte e intermediários sem fins lucrativos. É mantido e fortalecido por uma parcela de consumidores dispostos a buscar uma alternativa para a desigualdade e injustiça, recompensando empresas com objetivos sociais, preocupações ambientais e capacidade de melhorar as condições de trabalhadores dos países menos desenvolvidos (Pérez et al, 1999). O complexo agroindustrial do suco de laranja é um grande gerador de divisas para o Brasil. Entretanto, a distribuição dessas divisas é bastante desigual. Os pequenos produtores não fazem parte dos interesses da indústria, pois a produção pulverizada implica em maiores custos de transação. No caso do suco de laranja, existem critérios específicos para o Brasil, que incluem a limitação da propriedade a quatro módulos fiscais; o proprietário e/ou membros da família devem estar diretamente envolvidos no gerenciamento da unidade; o proprietário deve viver na propriedade ou próximo a ela. Desde que em conformidade com esses critérios, o proprietário poderá contratar mão-de-obra (FLO, 2008). Os benefícios trazidos pela inserção de mais produtores no mercado e a oportunidade de maiores rendimentos devem trazer melhorias para as organizações de modo geral, capitalizando-as. Com isso, espera-se que sejam implementadas medidas que incluam melhores condições para os empregados e para a comunidade em que se inserem. No curto prazo, o comércio justo visa a oferecer vantagens a produtores e trabalhadores rurais através 1 de melhor remuneração; no longo prazo, visa a influenciar as regras do comércio internacional, equilibrando as relações comerciais (Machado, Paulillo & Lambert, 2006). ABSTRACT: This paper aims to characterize Fair Trade and the inclusion of citriculture in this certification, verifying if this inclusion can be increased and its limitations. Fair Trade can be considered as an alternative to traditional trade which integrate producers from south with consumers from north and non-profit intermediaries. It is maintained and strengthened by consumers willing to seek an alternative to inequality and injustice, rewarding companies with social, environmental objectives and ability to improve conditions of workers from underdeveloped countries (Pérez et al, 1999). The orange juice agroindustrial complex is a important generator of foreign currency to Brazil. However, the distribution of these currencies is quite unequal. Small producers are not included in industrial interests, because high number of growers implies in higher transactional costs. In the case of orange juice, Fair Trade establishes specific criteria to Brazil, which includes farm area limitation to four fiscal module, the owner or family members must be directly involved in the management of the unit, the owner might live near the farm. Since in accordance to these criteria, the farmer may hire labor (FLO, 2008). The benefits from inclusion of more producers in the market and the opportunity of higher incomes should bring improvements for the organization, capitalizing them. Therefore, it is expected a implementation of measures which includes better conditions for employees and the community as a whole. In the short term, Fair Trade aims to offer advantages to producers and rural workers through revenue, in the long term, it aims to influence international trade rules, balancing trade relations (Machado, Paulillo & Lambert, 2006) Palavras-chave: comércio justo, suco de laranja, economia solidária, certificação. Key Words: fair trade, orange juice, social economy, certification. 2 INTRODUÇÃO: O objetivo deste artigo é caracterizar o Comércio Justo e a inserção da citricultura nessa certificação, verificando se essa inserção pode ser aprofundada e verificando algumas limitações. Para isso, este artigo foi dividido em quatro seções: na primeira seção, foi realizada uma breve descrição do Comércio Justo e de seus critérios. Na segunda seção, foram apresentados alguns dados sobre a importância da citricultura para o Brasil e foram realizadas algumas considerações com respeito à inserção de pequenos produtores no mercado. Na terceira seção, foram apresentadas as iniciativas de Comércio Justo para a citricultura brasileira. Na quarta seção, foram feitas considerações finais, ressaltando algumas oportunidades e limitações da inserção de pequenos produtores no Comércio Justo. 1. O Comércio Justo. A crescente necessidade de competitividade e eficiência na agricultura, inerente ao capitalismo, tem contribuído, cada vez mais, para a exclusão de pequenos produtores, que encontram dificuldades de diversas naturezas para se integrar. O neoliberalismo, refletido na competitividade das commodities no mercado global, tem resultado em pressões sobre os preços, que vêm deteriorando a renda e as condições sociais de muitos produtores e trabalhadores do setor (FLO, 2008). Segundo a OCDE (2006), os maiores desafios para a agricultura brasileira são: sustentar os avanços na competitividade internacional e, ao mesmo tempo, inserir os pequenos produtores no processo de desenvolvimento. A Economia Solidária surge como uma alternativa para esses produtores e trabalhadores marginalizados pelo mercado, incentivando a socialização de meios de produção e distribuição, permitindo assim a adoção de progresso técnico com ação coordenada. No Brasil, teve início nos anos 70, através de iniciativas de ONGs internacionais associadas à igreja e às organizações de trabalhadores rurais, dando origem na década de 1980 às Redes de Economia Solidária que prosperaram em 1990 como resposta ao desemprego. A Economia Solidária compreende um grupo de atividades econômicas – produção, distribuição, consumo e crédito – sendo organizada e sustentada com cooperação, auto-gestão, viabilidade econômica e solidariedade (ICLEI, 2008). A unidade básica da economia solidária 3 é a cooperativa regida pelos princípios legítimos estabelecidos em Rochdale1 (SINGER, 2003). O cooperativismo, como alternativa para inserção de pequenos produtores, possibilita melhoria nas condições de produção e comercialização, substituindo ações individuais por ações coletivas baseadas em valores humanísticos como solidariedade, confiança e organização funcional de grupos. Possibilita a participação e inclusão social de pequenos negócios no processo de globalização tornando-os mais produtivos, flexíveis e capazes de gerar produtos de melhor qualidade com maiores condições de êxito no contexto econômico mundial (BRASIL, 2004). Além disso, as cooperativas diminuem os riscos e possibilitam maior agregação de valor para produtores rurais que não tem condições favoráveis no relacionamento com mercados concentrados (Bialoskorski Neto, 2001). O Comércio Justo (Fair Trade) é reconhecido como uma das iniciativas de Economia Solidária e pode ser visto como uma alternativa ao comércio tradicional que integra produtores do hemisfério sul com consumidores solidários do hemisfério norte (mais recentemente, do sul também) e intermediários sem fins lucrativos. É mantido e fortalecido por uma parcela de consumidores dispostos a buscar uma alternativa para a desigualdade e injustiça, recompensando empresas com objetivos sociais, preocupações ambientais e capacidade de melhorar as condições de trabalhadores dos países menos desenvolvidos (Pérez, Rico & Arechaga, 1999). Os princípios e práticas do Comércio Justo são fortemente relacionados com os da Economia Solidária (ICLEI, 2008): 1. Ética, transparência, relações co-responsáveis entre os diferentes agentes. 2. Remuneração justa e construção de relações solidárias na economia. 3. Valorização da diversidade cultural, conhecimento e imagem de comunidades tradicionais. 4. Efetiva integração entre produtores e consumidores finais, incentivo à difusão de produtos regionais no mercado local. 5. Estímulo à preservação ambiental. Considera-se que o Comércio Justo teve origem em 1968, durante a conferência da UNCTAD (United Nations Conference Trade And Development) em Nova Délhi, com o slogan “comércio, não ajuda”, que reivindicava condições mais justas de inserção dos países 1 Adesão aberta; controle democrático; juros limitados ou fixados sobre o capital subscrito; distribuição de parte do excedente proporcional à participação; neutralidade política e religiosa; vendas à vista; promoção da educação. 4 subdesenvolvidos nas relações comerciais com os países desenvolvidos, que efetivassem seus esforços desenvolvimentistas. A intermediação entre produtores de países subdesenvolvidos e consumidores de países desenvolvidos para que o comércio fosse direto era feita por ONGs e associações religiosas, sem fins lucrativos, como mecanismo de apoio financeiro (FLO, 2008). A partir daí, foram-se desenvolvendo iniciativas isoladas de certificação que, em 1997, se uniram em uma única organização, a Fairtrade Labelling Organization (FLO), harmonizando os certificados. A ela foram atribuídas as funções de definição de critérios para o Comércio Justo, facilitação do comércio e apoio ao produtor e certificação de produtores e comerciantes com o selo “Fairtrade” (que passou a ser feita pela FLO Cert. Limited com o padrão ISO 65) (FLO, 2008). Em 2001, a FLO junto com outras redes de Comércio Justo (IFAT, NEWS e EFTA) criou a FINE e se estabeleceu a definição de Comércio Justo: “O Comércio Justo é uma parceria comercial baseada em diálogo, transparência e respeito, que busca maior igualdade no comércio internacional. Ele contribui para o desenvolvimento sustentável ao oferecer melhores condições comerciais e assegurar os direitos de produtores e trabalhadores marginalizados – especialmente no Hemisfério Sul.” (FINE, 2001) Os produtores são os principais beneficiários do Comércio Justo. A certificação da FLO lhes garante um preço mínimo de comércio justo, um prêmio de comércio justo e o acesso a um pré-financiamento de até 60%. Os preços mínimos garantem o recebimento pelos produtores de valor equivalente ao custo de produção sustentável de sua mercadoria; entretanto, quando esse preço for menor que o preço de mercado, o valor mais alto se aplica. O prêmio equivale a um extra que os consumidores pagam por esses produtos, que se reverte para o desenvolvimento social e econômico coletivo da organização, principalmente de trabalhadores. O pré-financiamento tem o objetivo de garantir liquidez e dar condições para que os produtores iniciem sua atividade (FLO, 2005). O objetivo maior dessa proposta é mover os produtores e trabalhadores marginalizados de uma posição de vulnerabilidade para a auto-suficiência, fortalecendo-os como proprietários de suas organizações e permitindo que obtenham equidade no comércio internacional (FLO, 2008). Para que o produto receba o selo Fairtrade é necessário que todos os elos da cadeia cumpram os critérios estabelecidos. Esse certificado garante que o produtor obedece a 5 condições sociais, ambientais e trabalhistas mínimas e baseia-se nos critérios estabelecidos pela FLO que o restringe a pequenos produtores e trabalhadores assalariados do Hemisfério Sul (120 países) que foram desfavorecidos econômica e socialmente pelas condições comerciais (FLO, 2008b). Além disso, exige a formação de uma organização com estrutura decisória democrática, adequação do produto a padrões internacionais e interesse de importação por parte de algum comprador. Existem também critérios específicos para cada produto, estabelecendo os padrões aceitos, além de requisitos de progresso. São realizadas inspeções anuais para garantir a credibilidade do selo e para monitorar o impacto no desenvolvimento socioeconômico da comunidade (FLO, 2005). Essa estrutura visa a: 1. Parceria e respeito entre produtores e consumidores. 2. Preço justo para assegurar desenvolvimento sustentável do ponto de vista social e do ambiental. 3. Condições de trabalho saudáveis. 4. Redução da pobreza devido ao maior acesso ao mercado. 5. Parcerias estáveis, transparentes e duradouras. 6. Garantia de salários mínimos e pagamento à vista. 7. Assistência financeira. 8. Programas de desenvolvimento da comunidade. 9. Estímulo a melhores práticas ambientais. No âmbito da Organização Mundial de Comércio, durante a conferência de Seattle, manifestações levantaram a questão das desigualdades criadas pelas rodadas anteriores de negociações e reforçaram a necessidade de conscientização quanto à responsabilidade coletiva pelos problemas enfrentados pelos países pobres (STIGLITZ & CHARLTON, 2005). Existe uma tendência crescente de mudanças de valores sociais refletida no comportamento dos consumidores e nos produtos consumidos. Em confronto ao modelo fordista de consumo de massas, há o surgimento de um consumidor individualista, o que possibilita a abertura de novos nichos de mercado para satisfazer tais valores sociais. Com isso, há uma tendência de aumento dos produtos ofertados, cuja adequação aos valores sociais se torna um processo de agregação de valor (GREEN & SANTOS, 1992). Por ser uma certificação, o selo de Comércio Justo exige credibilidade e adesão para que se sustente. Por isso, esse movimento inclui atividade de conscientização dos consumidores e do governo. A FINE trabalha na promoção do selo para que nele seja 6 reconhecida a garantia de um sistema transparente de promoção do desenvolvimento sustentável. 2. O Complexo Agroindustrial do Suco de Laranja X Pequeno Citricultor e Agricultura Familiar. A citricultura apresenta números expressivos, que refletem a grande importância econômica e social desta atividade para o Brasil. Em 2003, a citricultura movimentou US$3,23 bilhões, gerou US$1,33 bilhão em divisas através das exportações e recolheu US$139,41 milhões em impostos federais (NEVES & LOPES, 2006). Segundo dados da FAO de 2005, o Brasil é o principal produtor de laranja do mundo, respondendo por 28% da produção mundial e essa é a oitava commodity mais produzida neste país (em termos de valor). Em torno de 72% da produção brasileira de laranja é destinada à indústria de suco de laranja concentrado congelado (FAO, 2005). A indústria citrícola brasileira é muito eficiente e possui claras vantagens comparativas no contexto internacional. Sua produção é voltada basicamente ao mercado internacional, principalmente europeu e norte-americano, com exportações atingindo volumes crescentes. Apresenta um comportamento oligopolista, grande concentração das indústrias com conduta orquestrada, sendo que as quatro maiores empresas sempre detiveram mais de 70% da produção de suco de laranja e, após 2005, passaram a deter 90% dessa produção. As empresas possuem forte dominação na cadeia e usam estratégias para explorar ao máximo os recursos disponíveis, aumentando cada vez mais seu poder. As ações das empresas para obter vantagens comparativas no mercado internacional são baseadas no pagamento de preços próximos ou iguais ao custo de produção da caixa de laranja, o que tem tornado a cadeia produtiva mais adensada e excludente. Fatores como a verticalização para trás das empresas (produção em pomares próprios – Figura 1), quebra de contrato-padrão (que estabelecia preço base para a caixa de laranja), colheita por conta dos produtores e enfraquecimento da representatividade, têm tornado a atividade pouco rentável para produtores e trabalhadores fazendo com que pequenas propriedades cedam espaço para as grandes. Além disso, o baixo envolvimento dos produtores com organizações sociais tem gerado assimetria de informações, principalmente para a escolha de canais de comercialização mais rentáveis. Ações anticompetitivas produzem o processo de definição unilateral dos preços e a estrutura oligopsônica garante vantagens ao segmento na relação com produtores de matéria-prima que, aliadas à formação de estoques de suco, influenciam o preço 7 internacional da commodity. (PAULILLO, VIEIRA & ALMEIDA, 2006). Um processo recente de integração vertical entre os processadores e engarrafadores, aumentou ainda mais essa distorção entre o preço ao produtor e o preço no varejo a partir da safra 95/96, conforme a figura 2. Portanto, observa-se que existe uma grande margem a ser melhor distribuída se houver uma desconcentração industrial com a participação dos produtores, através da cooperativa, na industrialização do produto. 8 Figura 1- Distribuição dos pomares citrícolas em 2004. Figura 2 – Divergências entre preços futuros e preços de varejo do FCOJ Fonte: Florida Citrus Mutual (2003). 9 A citricultura exige muitos tratos culturais e cuidados específicos, o que exige certa prática e experiência dos produtores. A citricultura emprega muita mão-de-obra, a maioria das atividades realizadas é manual e de difícil mecanização no longo prazo, e, além da mão-deobra formal, requer, para outros trabalhos, mão-de-obra temporária. Segundo dados da Coopercitrus (2000), a citricultura gera 400 mil empregos diretos e 1,2 milhões de empregos indiretos. De acordo com dados preliminares levantados pela CATI (Coordenadoria de Assistência Integral) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, 95% dos citricultores paulistas são pequenos, com pomares de 34,3 ha em média, sendo que metade dos citricultores paulistas têm propriedades com menos de 9,7 ha. No Estado de São Paulo, 40% dos proprietários moram na propriedade (PAULILLO, VIEIRA & ALMEIDA, 2006). Segundo a ABECITRUS (Associação Brasileira de Exportadores de Cítricos), que é a representante da indústria, não há espaço para pequenos produtores e para a agricultura familiar na produção industrial (Gazeta Mercantil, 2003). Em resumo, o complexo agroindustrial do suco de laranja é um grande gerador de divisas para o Brasil. Entretanto, a distribuição dessas divisas é bastante desigual, podendo beneficiar uma gama muito mais ampla de produtores e trabalhadores. Os pequenos produtores não fazem parte dos interesses da indústria, pois a produção pulverizada implica em maiores custos de transação. Dado também que a laranja é uma cultura tradicional do Estado de São Paulo e que gera muitos empregos de difícil mecanização, medidas para a manutenção dessa atividade de uma forma mais inclusiva podem trazer benefícios econômicos e sociais para esse Estado como um todo. 3. O Comércio Justo de suco de laranja no Brasil. No caso do suco de laranja, a FLO determinou critérios específicos para o Brasil, que incluem a limitação da propriedade a quatro módulos fiscais; o proprietário e/ou membros da família devem estar diretamente envolvidos no gerenciamento da unidade; o proprietário deve viver na propriedade ou próximo a ela. Desde que em conformidade com esses critérios, o proprietário poderá contratar mão-de-obra (FLO, 2008). Segundo Machado, Paulillo & Lambert (2006), com relação ao suco de laranja no Brasil, existem atualmente cinco organizações de produtores certificadas pelo Fairtrade: Associação dos Pequenos Agricultores do Oeste Catarinense (APACO), Central de 10 Associações do Litoral Norte (CEALNOR), Cooperativa dos Agricultores Solidários de Itápolis (COAGROSOL), Associação dos Citricultores do Paraná (ACIPAR), Cooperativa dos Agricultores Ecológicos do Vale do Caí (ECOCITRUS). Todas juntas representam em torno de 1000 produtores. Essas organizações não têm estrutura para processamento e terceirizam a capacidade processadora de indústrias certificadas pela Fair Trade Labelling Organization- Cert. A Ecocitrus e a Coagrosol exportam diretamente o suco produzido, as demais terceirizam a exportação. Os principais países que importam suco de laranja concentrado brasileiro (Alemanha, Suíça, Holanda, Bélgica, França, Itália, Áustria) têm importadores cadastrados pela FLO-Cert. Até pouco tempo atrás, a experiência de Comércio Justo brasileira restringia-se às exportações para países da União Européia. Até hoje o bloco é o principal comprador desses produtos (Tabela 1). Com relação aos produtos comercializados, os principais são banana, cacau, café, frutas desidratadas, frutas e verduras frescas, sucos de frutas, ervas e temperos, mel, nozes e sementes oleaginosas, quinoa, arroz, cana-de-açúcar, chá, uvas viníferas, algodão em caroço, flores e bolas de futebol. 4. Considerações finais Uma boa estratégia de desenvolvimento consiste em dar condições aos agricultores familiares de competir de forma sustentável no mercado, aproveitando suas vantagens competitivas (BUAINAIN, 2006): O Comércio Justo representa um nicho de mercado que estabelece relações de apoio mútuo entre produtores e consumidores, restaurando o sentido de comunidade e permitindo fluxos de circulação de capital a favor dos pequenos produtores. Considerando a forte manipulação dos preços das commodities pelas multinacionais, os preços pagos não retribuem o valor do trabalho revertido no produto. Por isso, o pagamento de um sobrepreço (10 a 15% do preço de mercado) é condição essencial para que haja Comércio Justo. Esse sobrepreço visa a melhorar as condições de vida dos produtores através de projetos sociais e é repassado ao consumidor, por isso há a necessidade de conscientização dos consumidores para um consumo consciente (PÉREZ, RICO & ARECHAGA, 1999). Para Van Hauwermeiren (1995), produtos com vantagens comparativas podem apresentar dinâmica desigual entre os países, existe mobilidade internacional de capital, existem externalidades e alguns produtos apresentam preços instáveis. O autor alega que os custos devem embutir danos ambientais, à saúde de trabalhadores e da população, exploração de recursos naturais e mão-de-obra. Além disso, a especialização em produtos com preços de 11 mercado instáveis e pouco dinâmicos deve comprometer o desenvolvimento do país. O Comércio Justo é uma alternativa que incorpora objetivos de sustentabilidade no processo de liberalização econômica, impondo limites ambientais e sociais. Promove a internacionalização dos custos sociais e ambientais através da sensibilização de consumidores solidários com os produtos de países em desenvolvimento. Segundo o autor, o comércio não deve ser usado apenas visando ao crescimento econômico, mas também para promover um desenvolvimento social e ambientalmente sustentável. Nesse sentido, a agricultura familiar ocupa papel de destaque na agenda de desenvolvimento, pois, além de contribuições econômicas, gera também impactos sociais (aspectos distributivos) e políticos (distribuição do poder), sendo importante para fortalecer a democracia. Esses temas estão sendo cada vez mais valorizados pelos consumidores, que se dispõem a pagar mais por esses produtos (BUAINAIN, 2006). Do ponto de vista do produtor, a certificação do Comércio Justo funciona como um diferencial, que transforma uma commodity em especialidade, agregando valor ao produto. Com isso, esse produtor recebe um valor maior pelo seu produto, o que lhe proporciona melhores condições de sobrevivência no mercado competitivo e melhor acesso ao mercado. Por outro lado, os parâmetros exigidos do produtor impossibilitam a participação de agentes da cadeia agroindustrial e dificultam que estes sejam prejudicados por práticas concorrenciais. Em troca, esse produtor garante a qualidade do produto e segue alguns critérios de responsabilidade social e ambiental. Atente-se para o fato de que o processo de certificação é difícil e implica na atenção a todos os requisitos exigidos, o que muitas vezes limita a participação dos que mais precisam, ou seja, daqueles que se encontram em piores condições. Além disso, devido ao fato de se tratar de organizações de pequenos produtores, existem dificuldades de escala, regularidade de oferta, escassez de matéria-prima e negociação com importadores. Por isso, há a necessidade de orientação e assistência técnica constantes. A certificação de Comércio Justo diferencia os produtores por tamanho da propriedade e mão-de-obra familiar, que podem ser considerados proxys de baixas condições de competição no comércio internacional e de dificuldade de integração com os demais elos da cadeia agroindustrial. Apesar de o tamanho da propriedade não ser indicativo de pobreza, deseconomias de escala são comuns às unidades independentes e podem ser consideradas fator limitante à inserção delas no mercado. Por isso, a unidade básica do Comércio Justo é a cooperativa, que deve proporcionar melhorias na produção e comercialização através de ações coletivas, incentivando a união, cooperação, solidariedade, confiança e organização funcional de grupos. 12 Segundo Bialoskorski Neto (2001) na existência de oligopólios, a união em cooperativas deve ser benéfica promovendo superaditividade de economias envolvidas: economia de operações combinadas, economia de coordenação, economia da informação e economia de relacionamentos estáveis. Essas economias podem propiciar ações de agregação de valor aos produtos e reduzir barreiras à entrada em mercados específicos. O grau de integração vertical ou horizontal deve determinar o vetor de benefícios e sendo este maior que o vetor de custos, poderá incorrer em maximização de lucro e utilidade do produtor, proporcionando maior ganho com a participação na cooperativa em relação à produção individual ou comercialização com empresas oligopolistas. Os cooperados são proprietários e usuários da cooperativa e podem levá-la à maximização de eficiência física no uso de insumos, mas não à maximização de eficiência econômica, devido à doutrina cooperativista que impede o acúmulo de capital. O consumidor é a peça chave nesse sistema de comércio. A certificação só gera um diferencial ao produto se for reconhecida pelo consumidor, principalmente nesse caso em que o produto é mais caro. O reconhecimento do consumidor deve-se dar pelos aspectos sociais e ambientais do produto, mas também pela qualidade. Esse ponto é muito importante, pois sem o reconhecimento do consumidor, todas as outras ações se tornam inúteis. Deve envolver, assim, pesadas estratégias de marketing e de conscientização do consumidor. A qualidade e uniformidade do produto, além da frequência de abastecimento devem ser fortemente trabalhadas junto ao produtor. A tarefa de conscientização também deve passar pelo produtor, no sentido de que a cooperativa pertence a ele e depende dele para sobreviver. Com relação ao consumo, vem crescendo na Europa, devido às maiores preocupações sociais e ambientais. Entretanto, deve-se pensar em uma forma de generalizar esse modelo, para que cada vez mais produtores sejam beneficiados. A demanda institucional poderia ampliar significativamente esse mercado. O mercado para esses produtos dentro do Brasil ainda é muito incipiente, embora apresente grande potencial com a crescente preocupação desses consumidores em relação ao desenvolvimento sustentável e à proteção ao meio ambiente (FLO, 2008). Em resumo, os benefícios trazidos pela inserção de mais produtores no mercado e a oportunidade de maiores rendimentos devem trazer melhorias para as organizações de modo geral, capitalizando-as. Com isso, espera-se que sejam implementadas medidas que incluam a maior preservação do meio ambiente e responsabilidade social, através de melhores condições para os empregados e para a comunidade em que se inserem. No curto prazo, o comércio justo visa a oferecer vantagens a produtores e trabalhadores rurais através de melhor remuneração; 13 no longo prazo, visa a influenciar as regras do comércio internacional, equilibrando as relações comerciais (Machado, Paulillo & Lambert, 2006). BIBLIOGRAFIA: AZEVEDO, P.F.; CHADDAD, F.R.; FARINA, E.M.M.Q. The food industry in Brazil and the United States: The Effects of the FTAA on trade and investment.mar/04. INTAL-ITD (Working paper – SITI – 07) BIALOSKORSKI NETO, S. Agronegócio Cooperativo. In: BATALHA, M.O. (Coord.) Gestão Agroindustrial. São Paulo: Atlas, 2001. 2 ed., v.1, cap.12. p.628-655. BRASIL. Presidência da República Casa Civil: Grupo de trabalho interministerial do cooperativismo. 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