PRÁTICAS DE REESCRITA E REVISÃO DE TEXTOS NA SALA DE AULA Risoleide Rosa Freire de Oliveira (UERN) [email protected] Considerações iniciais Este trabalho tem como objetivo mostrar a importância da atividade de revisão de textos em sala de aula, com base na experiência da autora e de estudos anteriores sobre a temática (OLIVEIRA, 2010, OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2011). Para tanto, propõe que o processo de revisão seja concebido como uma atividade que ultrapasse a mera correção pelo professor da “redação” em uma única versão para determinar uma nota, passando a ser visto como um processo interativo que envolve a produção e a análise de gêneros escritos em inúmeras etapas, o que tem sido geralmente ignorado no âmbito escolar. A discussão toma como referência a perspectiva dialógica de linguagem de Bakhtin (2003), porque relaciona os gêneros do discurso às atividades humanas, assim como as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino da língua portuguesa nos primeiros e segundos ciclos do ensino fundamental, por enfatizarem a importância da revisão na sala de aula. Essa escolha se justifica porque ambas as orientações teórico-metodológicas possibilitam reflexões mais aprofundadas que podem subsidiar a prática de gêneros na educação inicial de professores de língua, o que abastece o diálogo sobre o porquê de o ensino escolarizado não ter se mostrado eficiente no trabalho com a produção de gêneros escritos e reafirma a relevância da revisão como uma atividade fundamental no desenvolvimento da produção textual de alunos. Rescrita e revisão: práticas necessárias A escrita tem sido tema de diversos trabalhos que se preocupam com o seu insucesso no âmbito escolar. Entretanto, a prática de revisão não tem sido enfocada como deveria no processo de ensino-aprendizagem da produção textual escrita, sendo pouco explorada em trabalhos acadêmicos e em sala de aula, conforme discute Oliveira (2011), e Oliveira e Oliveira (2011), o que justifica a relevância e contribuição de estudos nessa área. Sabe-se que as dificuldades apresentadas pelo aluno quanto à atividade de escrita resultam de diversos fatores que permeiam o ensino-aprendizagem. Diante disso, é válido levantar questões de ordem pedagógica, pois é impossível fazer reflexões sobre o ensino-aprendizagem da escrita sem tratar da prática docente, uma vez que compete principalmente à escola a responsabilidade de ensinar a ler e a escrever. Tal realidade leva a ponderar sobre duas causas para essas dificuldades. Uma delas é a ausência de orientações teóricas que permitam identificar os conhecimentos envolvidos no processo de escrita. Outra é a cristalização de uma prática fundada no pressuposto de que o professor tem de corrigir integralmente o texto que o aluno escreve. A consequência imediata é que, mesmo com conhecimentos novos, o professor se vê aprisionado pela rotina legitimada: em uma aula, os alunos escrevem; em outra, ele devolve os textos corrigidos. Em muitos âmbitos escolares, o texto não passa de um objeto de avaliação cuja nota está em jogo e o único propósito do professor é apontar erros gramaticais. A perspectiva teórica e metodológica aqui delineada pressupõe a superação de determinadas práticas escolares incompatíveis com uma proposta de escrita segundo a qual o aluno aprende a escrever, de preferência, praticando a escrita em diversos gêneros. Essa afirmativa reforça o título deste artigo, o qual traz a reflexão de que a revisão de textos é um processo que se amplia na medida em que se exercita a escrita e se reflete sobre ela, por meio de práticas dialógicas entre o professor e seus alunos. No entanto, a escola não tem levado em consideração questões essenciais para isso, como as condições de produção, circulação e recepção do texto em desenvolvimento. Conforme diz Oliveira (1998, p. 84), “O ensino da produção textual nas escolas, ao prender-se quase que essencialmente à problemática da estrutura da língua, deixa de perceber a relevância do sentido que está sendo construído no contexto.” Dessa forma, o texto é produzido priorizando-se seus aspectos linguísticos, o que deixa muitas vezes consequências irreparáveis, pois a escola esquece que o texto desenvolve funções sociais. Sobre isso, orientam os PCN: Compreendida como um processo comunicativo e cognitivo, como uma atividade discursiva, a prática de produção de textos precisa realizar-se num espaço em que sejam consideradas as funções e funcionamentos da escrita, bem como as condições nas quais é produzida. Para que, para quem, onde e como se escreve (BRASIL, 2000, p. 68). Pode-se constatar, assim, que os PCN enfatizam a importância de uma produção textual que leve em consideração a função que os textos desempenham socialmente, assim como a necessidade de o aluno ter esse conhecimento. Por meio da escrita, interagimos uns com os outros. Por isso, é que ela tem esse caráter dialógico: escrevemos sempre para um “outro”, o que implica a postura responsiva de quem escreve (autor/produtor). Nesse sentido, os PCN, com base nos estudos do Círculo de Bakhtin, apontam para a necessidade de se inserir os diversos gêneros escritos no contexto escolar, compreendendo-se o reconhecimento de seus principais aspectos – conteúdo temático, forma composicional e estilo – o que facilita a adequação de seu uso em qualquer esfera comunicativa. Conforme explica Bakhtin (2003, p. 279): [...] a riqueza e a variedades dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria escrita se desenvolve e fica mais complexa. Em virtude dos diversos gêneros existentes e de muitos que vão surgindo para atender às necessidades da sociedade, é importante que a escola reconheça que a melhor forma de se ensinar a diversidade escrita é possibilitando ao aluno o contato com os mais diferentes gêneros discursivos. É claro que, sabendo-se da infinidade existente, caberá à escola adequar a prática desses gêneros conforme as necessidades do aluno. Para tanto, reconhecendo a dinamicidade dos gêneros, não se pode mais conceber os textos como algo pronto e isolado, pois eles vão sendo produzidos de forma dinâmica de acordo com as diferentes esferas das atividades humanas. Assim, o texto, seja oral, seja escrito, é construído no processo das relações humanas, isto é, quando um sujeito interage com outro. Como assinala Bakhtin (2003), ao tratar da alteridade, da relação com o outro, um texto sempre implica relações dialógicas entre, pelo menos, duas consciências, dois sujeitos. Seguindo esse raciocínio, ele propõe que o texto seja analisado em dois polos: o do enunciado e o da oração, que se inter-relacionam. No primeiro polo, são consideradas no texto as relações dialógicas entre pelo menos duas vozes; no segundo, os aspectos linguísticos convencionais. Neste capítulo, enfatiza-se o primeiro polo, voltando-se para uma prática educacional que conceba o texto como atividade que acontece nas interações socioverbais. Entende-se, portanto, que o ensino-aprendizagem da língua escrita não depende só da apreensão de um código (o alfabeto, as convenções gramaticais), mas, principalmente, da adequação de uma multiplicidade de regras sociais que envolvem o uso da linguagem. Em outras palavras, não basta o aluno ser capaz de dominar os padrões formais da língua, do código, embora isso seja necessário; ele precisa também reconhecer a função do texto em uma dada sociedade e em que gênero está inserido, para poder saber produzir em qualquer que seja a situação do seu cotidiano, seja ela escolar, seja ela extraescolar. Nessa perspectiva, os PCN enfatizam a necessidade de a escola desenvolver atividades de escrita as quais possibilitem ao aluno aplicá-las também fora do contexto escolar. Ensinar a escrever textos torna-se uma tarefa fora do convívio com textos verdadeiros, com leitores e escritores verdadeiros, com situação de comunicação que os tornem necessários. Fora da escola, escrevemse textos dirigidos a interlocutores verdadeiros de fato (BRASIL, 2000, p. 34). De acordo com o exposto, o melhor é ensinar para a vida. Nesse processo de ensino-aprendizagem, e não só de ensino, a atividade de revisão de textos é fundamental para que o aluno se torne autônomo nas suas produções textuais tanto no mundo escolar quanto na sua vida fora da escola. O termo revisar lembra automaticamente “corrigir”, caçar erros, grifar de lápis vermelho, mostrar aos alunos as infrações cometidas sobre a língua no texto escrito. No entanto, a concepção de revisão apontada neste trabalho foge dessas considerações e se subsidia nas orientações dos PCN (BRASIL, 1997; 2000) e na concepção dialógica de linguagem proposta por Bakhtin (2003), além de Oliveira (2010). Entretanto, a revisão ainda não adquiriu essa compreensão no contexto escolar, conforme enfatiza Oliveira (2010, p. 17): Em uma perspectiva tradicional, a revisão é vista como uma etapa subsequente à produção escrita, principalmente de alunos, com o objetivo principal de corrigir o texto e detectar transgressões nas convenções da norma culta. Tal concepção é pautada no senso comum de que revisar resume-se a corrigir ortografia, pontuação, concordância verbal e nominal, de acordo com as normas apontadas em gramáticas, dicionários e manuais, sendo a revisão tratada como uma das etapas de reescritura em que se focalizam os aspectos estruturais do texto. A revisão, na verdade, não deveria ser concebida como uma tarefa em que o professor apenas corrige “erros”, mas também como uma atividade que motive o aluno a assumir suas responsabilidades como autor, a analisar os problemas do texto do ponto de vista discursivo (OLIVEIRA, 2010). Desse modo, ao refletir sobre o seu dizer, desenvolvendo sua autonomia, ele consegue, por meio da revisão, reorganizar e reescrever seu texto para garantir seus propósitos enquanto autor, além de atender às necessidades sociais ou exigências escolares. Nessa perspectiva, a revisão é concebida não apenas como uma das fases de produção de um texto, mas, sobretudo, como aquela que sinaliza o caráter processual da escrita. Um texto nunca estará pronto após a primeira escrita, mas somente com releituras que irão possibilitar possíveis reescrituras. No âmbito escolar, essa revisão pode ser feita tanto oralmente, na sala de aula, em grande grupo ou em encontro individual do professor com cada aluno, quanto por escrito, com observações do professor no texto do aluno. As orientações dos PCN sobre essa prática são esclarecedoras e instigantes, uma vez que consideram a revisão como “espaço privilegiado de articulação das práticas de leitura, produção escrita e reflexões sobre a língua [...] conjunto de procedimentos por meio dos quais um texto é trabalhado até o ponto em que se decide que está suficientemente bem escrito” (BRASIL, 1997, p. 80-81). Concebida sob esse ângulo, a atividade de revisão é um momento de reflexão sobre a produção textual, que viabiliza a adequação do texto à determinada situação sociocomunicativa, o que necessariamente envolve aspectos que precisam ser levados em conta para que um texto seja considerado acabado, como para quem se escreve, em que condições, em que gênero, entre outros. A revisão como atividade de ensino-aprendizagem O processo de revisão, apesar de ser pouco praticado na sala de aula, é de grande importância para o desenvolvimento de todos os alunos, de diferentes esferas educacionais, no que diz respeito à produção de textos. Sendo o professor aquele que orienta os alunos no processo de escrita e reescrita de um texto, cabe a ele, conforme propõe Antunes (2003, p. 115-116), instruir o aluno a “vivenciar a experiência de: primeiro planejar, depois escrever [...]; e, em seguida, revisar e reformular seu texto conforme cada passo, para deixá-lo na versão definitiva”. Nesse sentido é que, no processo de produção de textos escolares, diante das dificuldades apresentadas pelos alunos e dentre as muitas formas de solucioná-las, destaca-se a revisão de textos, pois por meio desta o aluno pode desenvolver o senso crítico no processo de aprendizagem. Como afirmam Pasquier e Dolz (1996, p. 7), “a revisão constitui um dos momentos fortes na aprendizagem da produção de um texto”. Os PCN também enfatizam a atividade de revisão, recomendando aos professores que “se o objetivo é que os alunos tenham uma atitude crítica em relação à sua própria produção de textos, o conteúdo a ser ensinado deverá ser procedimentos de revisão dos textos que produzem” (BRASIL, 1997, p. 37). Dessa forma, destacam a responsabilidade do aluno como autor, estimulando-o a analisar e revisar seus textos em função dos objetivos estabelecidos, da interação comunicativa e do leitor a quem são destinados, reescrevendo as versões necessárias para considerar o texto adequado e bem escrito. Essas orientações dos PCN em relação à atividade de revisão de textos são direcionadas ao nível fundamental, mas podem ser praticadas nos demais níveis de ensino, como se pode constatar nos trechos abaixo transcritos, que reafirmam a importância da revisão no processo de produção textual: a revisão do texto assume um papel fundamental na prática de produção. É preciso ser sistematicamente ensinada, de modo que, cada vez mais, assuma sua real função: monitorar todo o processo de produção textual desde o planejamento, de tal maneira que o escritor possa coordenar eficientemente os papéis de produtor, leitor e avaliador do seu próprio texto. Isso significa deslocar a ênfase da intervenção, no produto final, para o processo de produção, ou seja, revisar, desde o planejamento, ao longo de todo o processo: antes, durante e depois. A melhor qualidade do produto, nesse caso, depende de o escritor, progressivamente, tomar nas mãos o seu próprio processo de planejamento, escrita e revisão dos textos. Quando isso ocorre, pode assumir um papel mais intencional e ativo no desenvolvimento de seus procedimentos de produção (BRASIL, 1997, p. 51). Dessa perspectiva, a revisão de texto seria uma espécie de controle de qualidade da produção, necessário desde o planejamento e ao longo do processo de redação e não somente após a finalização do produto (BRASIL, 1997, p. 55). Quando se enfatiza a importância das atividades de revisão é por esta razão: trata-se de uma oportunidade privilegiada de ensinar o aluno a utilizar os conhecimentos que possui, ao mesmo tempo que é fonte de conteúdos a serem trabalhados (BRASIL, 1997, p. 60). Assim, a revisão no contexto escolar é uma atividade que contribui sobremaneira para o processo de ensino-aprendizagem de produção textual, especialmente quando o professor assume o papel de revisor crítico do texto de seus alunos. Sendo escrever um ato complexo, revisar também não constitui uma atividade simples. Na verdade, exige do professor um olhar especial, compreensivo, que faça com que os alunos tenham gosto no ato de escrever, pois na maioria das vezes o que se vê são estudantes frustrados quanto à prática da escrita, em consequência da falta de entendimento daquilo que queria dizer no seu texto. Entretanto, a produção de texto, a “redação”, ainda continua sendo vista no contexto escolar como um objeto apenas utilizado para a obtenção de uma nota a ser dada pelo professor. Diante de tal realidade, essa concepção de escrita pode ser uma das causas para o fracasso do ensino, conforme assinala Britto (2001, p. 120): Na situação escolar existem relações muito rígidas e bem definidas. O aluno é obrigado a escrever dentro de padrões previamente estipulados e, além disso, o seu texto será julgado, avaliado. O professor, a quem o texto é remetido, será o principal – talvez o único – leitor da redação. Consciente disso, o estudante procurará escrever a partir do que acredita que o professor gostará (e consequentemente, dará uma boa nota). Mais precisamente, fará a redação com base na imagem que cria do “gosto” e da visão de língua do professor. Serviço à la carte. Nessas condições, o aluno somente escreve aquilo que supõe ser do gosto e aprovação do professor, que lhe “dará uma boa nota”, o que consequentemente o impede de buscar outras ideias para o seu texto. Entretanto, o que se evidencia aqui é uma prática de ensino-aprendizagem de produção de textos que esteja além de uma proposta de redação de uma única versão corrigida pelo professor para a computação de uma nota; que se conceba a escrita como um processo interativo que envolve inúmeras etapas, o que geralmente tem sido ignorado no âmbito escolar, com preocupantes prejuízos para os alunos. Assim, compreende-se que escrever não é algo que acontece apenas em uma única etapa e que o texto não termina quando é posto um ponto final. A prática de revisitar o escrito inúmeras vezes é, concretamente, o que permite que a interlocução entre autor (aluno) e destinatários aconteça. É importante ressaltar que a atividade de revisão não está separada desse processo de produção textual. Isso levanta mais um questionamento: Será que os alunos sabem que o texto que produzem não termina quando escrevem o ponto final? Na verdade, o papel do professor é fundamental para essa compreensão, tendo em vista que nem todos os alunos reconhecem a revisão, assim como a reescritura, como uma atividade que envolve etapas. Nesse sentido, ele deveria apresentar-lhes questões como: que é revisão? qual sua importância no processo de produção textual? de que forma pode ser feita? em que etapas da produção escrita é importante revisar? Considerando isso, a revisão de textos constitui um conteúdo procedimental que precisa ser ensinado, pois os alunos não aprendem sozinhos e muito menos escrevendo um texto em apenas uma versão. A primeira versão de um texto é apenas o primeiro rascunho. Desse modo, as várias etapas de revisão se configuram como práticas intensas e significativas no ato de escrever. Comumente, orientar os alunos a reescreverem o próprio texto tem sido uma das atividades mais angustiantes para o professor de língua materna, uma vez que as aulas de produção acontecem mais especificamente nessa disciplina. Nessa empreitada, o professor tem de propor estratégias para ajudar os alunos a produzirem seus textos sem reprimi-los e sem fazê-los envergonhar-se de suas escritas. Como se vê, o professor tem um papel fundamental no processo de escrita do aluno, para que este obtenha sucesso nas suas produções, pois na maioria das vezes as suas dificuldades no texto são resultado de uma revisão superficial por parte daquele, que se atém apenas às normas gramaticais, deixando de lado as relações de sentido e os posicionamentos do aluno no texto. Dessa forma, o professor sempre acaba supervalorizando os aspectos formais em detrimento dos discursivos, do querer dizer dos alunos, o que leva estes a se sentirem frustrados quanto à prática da escrita. Ao tratarem desse problema, Bacelar e Cunha (2000) enfatizam que quando o autor de um texto está bastante preocupado com os aspectos formais, reprime-se a busca de ideias para fortalecer o texto. As autoras apontam uma reflexão, em especial para o professor, ao questionarem: Valerá a pena tanta preocupação com a correção ortográfica, com a margem paragráfica, enfim, com toda a forma da escrita de nossos alunos, se isso, ao invés de torná-los bons redatores, tem efeito contrário? Não será melhor permitir que primeiro eles aprendam a lidar com o conteúdo, depois, cuidarem da forma? (BACELAR; CUNHA, 2000, p. 106). Cabe ao docente refletir sobre a sua condição de “corretor” e assumir o papel de revisor do texto do aluno na perspectiva aqui apontada, ou seja, o texto deveria ser visto como um todo, levando em consideração os seus aspectos discursivos, além dos composicionais, ou seja, de que forma o aluno escreve, que escolhas lexicais ele elege para compor o seu dizer, pois isso implica posicionamento axiológico, visão de mundo. Desse modo, o professor abandonaria o lugar de “censor” e passaria a ser interlocutor. Um professor que continua ligado ao exercício de “tingir de vermelho” o texto inteiro está longe de promover uma interferência efetivamente positiva. Isso não quer dizer que não existam professores que levam em conta a diversidade de gêneros e suas peculiaridades e adequações às situações sociodiscursivas, no entanto, ainda há grande atraso no ensino-aprendizagem da escrita. Com base nisso, Lopes-Rosi (2000, p. 21) diz que “certas condições de produção de redação na escola são consideradas inadequadas, pela atitude comum do professor de comportar-se como ‘corretor de texto do aluno’ e não como leitor participativo na construção do texto”. Em outras palavras, se não houver uma interação do professor que está na escola para ajudar o aluno a construir seu texto, e não para condenar, um ensinoaprendizagem da produção textual de qualidade não se concretizará. Por isso é que os PCN enfatizam a importância de um revisor competente (o professor) dentro do processo de escrita e revisão: “[...] ocasião em que o professor pode desempenhar um importante papel de modelo de revisor, colocando boas questões para serem analisadas e dirigindo o olhar dos alunos para problemas a serem resolvidos” (BRASIL, 1997, p. 55). Para os PCN, o professor é o agente responsável por conduzir o aluno a refletir sobre o próprio texto e ao mesmo tempo revelar-se como autor, o que só será possível se houver a interação entre professor e aluno. Para tanto, todo professor que pretenda ensinar procedimentos de revisão, precisa se preocupar muito mais com a “atitude crítica” do aluno em relação ao próprio texto do que com “a qualidade da produção” (BRASIL, 1997, p. 37). Considerando o exposto, a revisão torna-se uma prática dialógica, uma vez que o professor, ao assumir o papel de leitor crítico e comprometido com as produções escritas dos alunos, realiza suas orientações com um objetivo bem claro: estimular a autonomia do aluno por meio da revisão e reescrita. Entende-se, assim, que a mediação do professor é um dos fatores indispensáveis para que os alunos obtenham sucesso tanto no domínio das peculiaridades dos diversos gêneros que circulam nas atividades humanas, quanto no desenvolvimento da escrita, e que o sucesso dessa ação está no modo como ele intervém no texto do aluno, no processo de revisão. Considerações finais Espera-se que as reflexões e propostas teórico-metodológicas aqui apresentadas contribuam para uma prática docente que considere as atividades de revisão no processo de ensino-aprendizagem de produção textual, mais especificamente com a prática de gêneros que estejam relacionados com a vida dos alunos. Essa postura, especialmente na educação inicial de professores de língua, pode preencher a lacuna deixada pelo ensino escolarizado no que se refere ao trabalho com os gêneros escritos, assim como reafirmar a relevância da revisão como uma atividade fundamental no desenvolvimento da produção de textos dos alunos. Acredita-se que a intervenção que o professor realiza, ao assumir o papel de revisor na produção textual do aluno, tem relação direta com a qualidade e a adequação desse texto ao propósito comunicativo. Essa mediação do professor é indispensável, mas só adquire significação se conduz o aluno à reescrita de seu texto com o objetivo de buscar uma escrita que considere as relações de sentido no texto, além dos aspectos estruturais. Considera-se que o professor, ao conceber a linguagem em uma perspectiva dialógica, certamente, auxiliará seus alunos a obterem avanços significativos na superação das dificuldades em relação à produção textual, passando estes a desenvolverem a autonomia necessária para isso e a se assumirem como autores. Para tanto, a prática docente necessariamente deveria pressupor um trabalho de interação e interlocução constante com seus alunos no processo de produção textual. Referências ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003. 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