ISABEL DE OLIVEIRA E SILVA MONGUILHOTT
ESTUDO SINCRÔNICO E DIACRÔNICO DA CONCORDÂNCIA
VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO PLURAL
NO PB E NO PE
Tese de Doutorado
Curso de Pós-Graduação em Lingüística
Universidade Federal de Santa Catarina
ISABEL DE OLIVEIRA E SILVA MONGUILHOTT
ESTUDO SINCRÔNICO E DIACRÔNICO DA CONCORDÂNCIA
VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO PLURAL
NO PB E NO PE
Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em
Lingüística da Universidade Federal de Santa Catarina
como requisito parcial à obtenção do título de Doutor
em Lingüística.
Orientadora: Profa Dra Izete Lehmkhul Coelho (Universidade Federal de Santa Catarina)
Co-orientadora no exterior: Profa Dra Ernestina Carrilho (Universidade de Lisboa)
FLORIANÓPOLIS
2009
Esta tese foi julgada adequada para a obtenção do título de
Doutor em Lingüística
E aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação em Lingüística pela
Universidade Federal de Santa Catarina
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Izete Lehmkuhl Coelho (Universidade Federal de Santa Catarina) –
orientadora
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Marta Pereira Scherre (Universidade Federal do Espírito
Santo/Universidade de Brasília)
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Silvia Rodrigues Vieira (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
______________________________________________________________________
Dr. Paulino Vandresen (Universidade Federal de Santa Catarina/Universidade Católica
de Pelotas)
______________________________________________________________________
Dr. Felício Wessling Margotti (Universidade Federal de Santa Catarina)
______________________________________________________________________
Dra. Edair Maria Görski (Universidade Federal de Santa Catarina) – suplente
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Izete Lehmkuhl Coelho (Universidade Federal de Santa Catarina)
Orientadora
Profa. Dra. Maria Marta Pereira Scherre (Universidade Federal do Espírito Santo)
Profa. Dra. Silvia Rodrigues Vieira (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Prof. Dr. Paulino Vandresen (Universidade Federal de Santa Catarina/Universidade
Católica de Pelotas)
Prof. Dr. Felício Wessling Margotti (Universidade Federal de Santa Catarina)
À professora Izete Lehmkuhl Coelho, minha orientadora, pelo incentivo para fazer o
doutorado, pela orientação mais do que exemplar, pela força para fazer o estágio no
exterior, pela amizade, e, sobretudo, pelo exemplo de vida, tanto profissional, quanto
pessoal.
À professora Ernestina Carrilho, co-orientadora no exterior, por ter oportunizado a
realização de parte da pesquisa em Lisboa.
Aos professores Maria Marta Pereira Scherre, Silvia Rodrigues Vieira, Paulino
Vandresen e Felício Wessling Margotti, por terem participado da minha Banca de
Defesa, pelas sugestões e pelos olhares críticos, fundamentais para o crescimento da
pesquisa.
Aos professores Fábio Lopes e Rosângela Hammes Rodrigues, coordenadores do Curso
de Pós-Graduação em Lingüística, pelo incentivo e apoio para o estágio de doutorado
no exterior.
Aos professores da Pós-Graduação em Lingüística – Izete Lehmkhul Coelho, Edair
Görski, Felício Wessling Margotti, Rosângela Hammes Rodrigues, Ruth Lopes – pela
contribuição na minha formação durante o curso
À professora Maria Lobo por ter me aceitado como aluna especial na sua disciplina
ministrada na Universidade Nova de Lisboa.
Ao amigos do curso de Pós-Graduação em Lingüística – Cláudia Rost, Lucilene Lisboa
de Liz, Marco Antônio Martins, Sueli Costa, Patrícia Rocha, Leandra Oliveira, Ana
Kelly, Tatiana Pimpão – pelo apoio e convivência amiga.
À Cláudia Rost pela revisão cuidadosa e pela ajuda na formatação do meu texto.
À professora Maria Helena Mira Mateus pela acolhida em Lisboa.
Aos amigos em Lisboa – Marco, Lucrécio, George Cereça, Mirian Cerqueira, Daniela
Fabrino, Bibhuti, Emili – pela parceria em terras lusitanas.
Aos meus entrevistados em Florianópolis e em Lisboa, por terem disponibilizado parte
do seu tempo; sem eles, não teria realizado esta pesquisa.
À professora Vera Collaço e ao dramaturgo Antônio Cunha, pela ajuda na recolha dos
textos teatrais.
À Universidade Federal do Amazonas, por ter concedido licença integral das minhas
atividades durante todo o curso.
Aos colegas do Departamento de Língua Portuguesa da Universidade Federal do
Amazonas, por terem ficado durante esse tempo com o quadro de professores ainda
mais escasso.
À Capes, pelo suporte financeiro durante parte do curso e durante o doutorado
sanduíche.
À Mirza, minha mãe, pelo incentivo aos estudos, pelo apoio, pela amizade, por ter me
acompanhado na realização das entrevistas em Florianópolis e por ter cuidado da
Carolina durante os “finalmentes” da tese.
Ao Cris pelo apoio incondicional, por ter me acompanhado na realização das entrevistas
em Lisboa e pelo suporte nos mapas, figuras e gráficos.
À Carolina, que me tirou o tempo, mas me trouxe força e felicidade.
Agradeço.
5
RESUMO
Esta tese objetiva investigar a variação na concordância verbal de terceira pessoa do
plural sincrônica e diacronicamente, a partir de amostras do PB e do PE. Baseando-nos
teórico-metodologicamente na teoria da variação e mudança lingüística e na dialetologia
pluridimensional, analisamos o condicionamento do fenômeno em questão
correlacionando-o a grupos de fatores lingüísticos, geográficos e sociais. A amostra
sincrônica constitui-se de trinta e duas entrevistas gravadas, dezesseis das quais
realizadas com informantes de Florianópolis (PB) e dezesseis de Lisboa (PE),
estratificadas de acordo com idade e escolaridade. A amostra diacrônica compõe-se de
dez peças de teatro do século XIX e dezoito do século XX, sendo a metade escrita por
autores catarinenses (PB) e a outra metade escrita por autores portugueses (PE). Em
relação à amostra sincrônica, os resultados gerais mostram percentuais distintos de
variação na concordância verbal de terceira pessoa do plural, com índices mais altos de
marcação para o PE. A análise estatística evidencia, de um lado, os grupos de fatores
saliência fônica e paralelismo formal como os mais relevantes no condicionamento da
variação no PB, seguidos dos grupos posição do sujeito em relação ao verbo e traço
humano no sujeito. Por outro lado, a análise mostra que, no PE, são os grupos traço
humano no sujeito, posição do sujeito em relação ao verbo e tipo de verbo os que mais
condicionam a variação da concordância. No que se refere aos grupos de fatores
extralingüísticos, geográficos e sociais, a variável social idade/escolaridade foi
selecionada para as duas amostras analisadas com o mesmo nível de relevância para o
PB e para o PE e a variável geográfica diatopia foi selecionada somente para o PB como
a menos relevante dentre as variáveis controladas. No que tange à análise diacrônica,
nossos resultados evidenciam que, assim como para a amostra sincrônica, o PE se
mostrou mais conservador preservando as marcas de concordância nos verbos. Os
resultados mostram, ainda, que temos indícios de um sistema com concordância
obrigatória com sujeito posposto no século XIX diferentemente do século XX em que já
encontramos mais dados de não marcação da concordância verbal com sujeito posposto.
Vale ressaltar que os dados desta investigação, tanto sincrônica quanto diacrônica,
revelam semelhanças entre a sintaxe do PB e do PE no que se refere ao sujeito posposto,
argumento interno de um verbo inacusativo, marcado preferencialmente com traço
[-humano]. Esse contexto sintático leva à não marcação da concordância verbal de
terceira pessoa do plural.
Palavras-chave: Sincronia; Diacronia; Concordância verbal; Variação lingüística;
Dialetologia pluridimensional.
ABSTRACT
This study investigates the variation in subject-verb agreement for the third-person
plural, synchronically and diachronically, in samples of Brazilian Portuguese (BP) and
European Portuguese (EP). Theoretically and methodologically based on the theory of
variation and linguistic change and on pluridimensional dialectology, we analyze the
conditioning of the phenomenon under examination by correlating it to groups of
linguistic, geographical, and social factors. The synchronous sample consists of thirtytwo recorded interviews, sixteen of which were carried out with informants of
Florianópolis, Santa Catarina, Brazil (BP) and sixteen with informants of Lisbon,
Portugal (EP), who were stratified according to age and educational level. The
diachronic sample consists of ten plays of the 19th century and eighteen plays of the
20th century, half of which written by playwrights living in Santa Catarina (BP) and the
other half written by Portuguese authors (EP). In what concerns the synchronic sample,
the general results show different percentiles of variation in the subject-verb agreement
for the third-person plural, with higher indexes of number marking for EP. The
statistical analysis shows, on one hand, that the groups of factors phonic saliency and
formal parallelism are the most relevant in the conditioning of variation in BP, followed
by the groups subject position in relation to the verb and human trait in the subject. On
the other hand, the analysis shows that in EP variation in agreement is more strongly
conditioned by the groups human trait in the subject, position of the subject in relation
to the verb and verb type. In what concerns the groups of extralinguistic, geographical,
and social factors, age/educational level has been selected for the two samples under
analysis with the same level of relevance for BP and EP, and the geographical variable
diatopy has been selected only for BP as the less relevant among the variables under
control. Concerning the diachronic analysis, our results show that, as well as for the
synchronic sample, EP seems to be more conservative in preserving the agreement
marking in verbs. Our results show, moreover, that we have indications of a system with
obligatory agreement with a postponed subject in the 19th century, differently from the
20th century, for which we have found more data showing the absence of subject-verb
agreement marking with a postponed subject. It is also worth to emphasize that the data
of this investigation, both synchronically and diachronically, reveal similarities between
the syntax of BP and EP in what refers to the postponed subject, functioning as the
internal argument of an inaccusative verb, marked preferentially with the trait [-human].
This syntactic context leads to the non-marking of subject-verb agreement for the thirdperson plural.
Keywords: Synchrony. Diachrony. Subject-verb agreement. Linguistic variation.
Pluridimensional dialectology.
SUMÁRIO
LISTA DE MAPAS, QUADROS, FIGURAS, TABELAS E GRÁFICOS .............. 11
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 17
CAPÍTULO I – O FENÔMENO EM ESTUDO........................................................ 19
1.1 Revisão Bibliográfica: alguns estudos sobre a concordância verbal de
terceira pessoa do plural .............................................................................................. 19
1.1.1 No Português do Brasil............................................................................ 19
1.1.1.1 Português urbano ........................................................................ 20
1.1.1.2 Português não urbano.................................................................. 29
1.1.2 No Português Europeu............................................................................. 35
1.1.3 Síntese ..................................................................................................... 38
1.2 Objetivos, questões e hipóteses da pesquisa ................................................. 41
1.2.1 Objetivos geral e específicos ................................................................... 41
1.2.1.1 Objetivo Geral............................................................................. 41
1.2.1.2 Objetivos Específicos.................................................................. 41
1.2.2 Principais Questões ................................................................................. 41
1.2.3 Hipóteses Gerais...................................................................................... 42
CAPÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA.............. 43
2.1 Teoria da Variação e Mudança ..................................................................... 43
2.1.1 Pressupostos Básicos............................................................................... 43
2.1.2 A variação na sintaxe .............................................................................. 47
2.1.3 Comunidade de fala................................................................................. 48
2.1.4 Redes sociais ........................................................................................... 50
2.1.5 Sobre mudança lingüística....................................................................... 53
2.2 Dialetologia Pluridimensional........................................................................ 57
2.2.1 Os estudos no Brasil ................................................................................ 57
2.2.2 Os estudos em Portugal ........................................................................... 58
2.2.3 Pressupostos da Dialetologia................................................................... 59
2.3 Axiomas metodológicos................................................................................... 62
2.4 A amostra utilizada e a análise quantitativa ................................................ 64
2.5 Perfil sócio-histórico de Florianópolis e de Lisboa ...................................... 72
2.5.1 Florianópolis............................................................................................ 72
2.5.2 Lisboa ...................................................................................................... 79
2.6 A variável dependente e as variáveis independentes ................................... 85
2.6.1 Contextos de Restrição............................................................................ 86
2.6.2 Os grupos de fatores lingüísticos............................................................. 87
2.6.2.1 As hipóteses neogramática e difusionista ................................... 87
2.6.2.1.1 Saliência fônica............................................................. 88
2.6.2.1.2 Paralelismo Formal....................................................... 90
2.6.2.2 A hipótese da inacusatividade..................................................... 91
2.6.2.2.1 Tipo de verbo................................................................ 97
2.6.2.2.2 Posição do sujeito em relação ao verbo........................ 99
2.6.2.2.3 Traço humano no sujeito ............................................ 100
2.6.2.2.4 Tipo de sujeito ............................................................ 101
2.6.3 Os grupos de fatores extralingüísticos................................................... 102
2.6.3.1 Os grupos de fatores sociais...................................................... 103
2.6.3.1.1 Sexo ............................................................................ 103
2.6.3.1.2 Idade/escolaridade ...................................................... 103
2.6.3.1.3 Redes sociais............................................................... 104
2.6.3.2 Os grupos de fatores geográficos:............................................. 106
2.6.3.2.1 Diatopia ...................................................................... 106
2.6.3.2.2 Diazonalidade ............................................................. 113
2.7 Síntese............................................................................................................. 114
CAPÍTULO III – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS..................... 115
3.1 Análise e discussão dos resultados sincrônicos do PB ............................... 115
3.1.1 Variáveis lingüísticas ............................................................................ 117
3.1.1.1 Saliência Fônica ........................................................................ 117
3.1.1.2 Paralelismo Formal ................................................................... 122
3.1.1.3 Posição do sujeito em relação ao verbo .................................... 124
3.1.1.4 Traço humano no sujeito........................................................... 126
3.1.1.5 Tipo de verbo ............................................................................ 128
3.1.1.6 Tipo de sujeito........................................................................... 130
3.1.2 Variáveis sociais.................................................................................... 132
3.1.2.1 Idade/escolaridade..................................................................... 132
3.1.2.2 Sexo........................................................................................... 133
3.1.2.3 Redes Sociais ............................................................................ 134
3.1.3 Variáveis geográficas ............................................................................ 141
3.1.3.1 Diatopia..................................................................................... 141
3.1.3.2 Diazonalidade ........................................................................... 142
3.2 Análise e discussão dos resultados sincrônicos do PE ............................... 143
3.2.1 Variáveis lingüísticas ............................................................................ 144
3.2.1.1 Traço humano no sujeito........................................................... 145
3.2.1.2 Posição do sujeito em relação ao verbo .................................... 146
3.2.1.3 Tipo de verbo ............................................................................ 147
3.2.1.4 Saliência Fônica ........................................................................ 150
3.2.1.5 Paralelismo Formal ................................................................... 152
3.2.1.6 Tipo de sujeito........................................................................... 154
3.2.2 Variáveis sociais.................................................................................... 155
3.2.2.1 Idade/escolaridade..................................................................... 156
3.2.2.2 Sexo........................................................................................... 157
3.2.2.3 Redes Sociais ............................................................................ 157
3.2.3 Variáveis geográficas ............................................................................ 164
3.2.3.1 Diatopia..................................................................................... 165
3.2.3.2 Diazonalidade ........................................................................... 166
3.3 Síntese............................................................................................................. 166
CAPÍTULO IV – SOBRE CONDICIONAMENTOS SINCRÔNICOS E
DIACRÔNICOS: ALGUMAS REFLEXÕES ......................................................... 168
4.1 Retomada das variáveis selecionadas no PB e no PE ................................ 168
4.1.1 Saliência Fônica .................................................................................... 169
4.1.2 Paralelismo formal ................................................................................ 174
4.1.3 Posição do sujeito em relação ao verbo................................................. 175
4.1.4 Traço humano no sujeito ....................................................................... 175
9
4.1.5 Tipo de verbo......................................................................................... 176
4.1.6 Idade/escolaridade ................................................................................. 179
4.1.7 Diatopia ................................................................................................. 180
4.1.8 Algumas considerações ......................................................................... 181
4.2 Análise diacrônica do PB e do PE ............................................................... 183
4.3 Problemas empíricos para a mudança lingüística ..................................... 189
4.4 Síntese............................................................................................................. 201
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 202
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 205
ANEXOS ..................................................................................................................... 216
10
LISTA DE MAPAS, QUADROS, FIGURAS, TABELAS E GRÁFICOS
MAPAS
Mapa 2.1: Distribuição das localidades no PB........................................................... 65
Mapa 2.2: Distribuição das localidades no PE........................................................... 65
Mapa 3.1: Distribuição da marcação da concordância verbal no PB ................... 116
Mapa 3.2: Distribuição da marcação da concordãncia verbal no PE ................... 144
QUADROS
Quadro 2.1: Estratificação dos informantes .............................................................. 67
Quadro 2.2: Perfil dos informantes do PB e do PE ................................................. 217
Quadro 2.3: Questões realizadas para facilitar o reconhecimento das redes sociais
...................................................................................................................................... 218
Quadro 3.1: Avaliação da saliência fônica ............................................................... 219
Quadro 3.2: Critérios para estabelecer os graus de relação em rede .................... 135
Quadro 4.1: Dados diacrônicos do PB ...................................................................... 184
Quadro 4.2: Dados diacrônicos do PE ...................................................................... 185
Quadro 4.3: Teste de atitude sobre a concordância verbal .................................... 197
FIGURAS
Figura 3.1: Redes sociais no Ribeirão da Ilha.......................................................... 136
Figura 3.2: Redes sociais na Costa da Lagoa ........................................................... 136
Figura 3.3: Redes sociais na região central de Florianópolis ................................. 136
Figura 3.4: Redes sociais nos Ingleses....................................................................... 136
Figura 3.5: Redes sociais em Sintra .......................................................................... 158
Figura 3.6: Redes sociais em Cascais ........................................................................ 158
Figura 3.7: Redes sociais na região central de Lisboa ............................................ 158
Figura 3.8: Redes sociais em Belém .......................................................................... 158
TABELAS
Tabela 1.1: Taxa de concordância verbo/sujeito em função da oposição
singular/plural em oito textos portugueses medievais (NARO e SCHERRE, 2007,
p.60)................................................................................................................................ 37
Tabela 1.2: Taxa de concordância verbo/sujeito em função do traço ‘humano’ do
sujeito em oito textos portugueses medievais (NARO e SCHERRE, 2007, p.63) ... 37
Tabela 3.1: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável saliência
fônica............................................................................................................................ 118
Tabela 3.2: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável saliência
fônica com amálgama dos fatores do nível 1 e nível 2............................................. 119
Tabela 3.3: Resultados de diferentes estudos sobre a CV de terceira pessoa do
plural no PB em comparação com nossos resultados do PB, segundo a variável
saliência fônica ............................................................................................................ 120
Tabela 3.4: Comparação entre os resultados deste estudo com dados do PB, os de
Scherre e Naro (1997) e Naro (1981), para a freqüência de CV no cruzamento
entre as variáveis saliência fônica e escolaridade .................................................... 122
11
Tabela 3.5: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável
paralelismo formal...................................................................................................... 123
Tabela 3.6: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável posição
do sujeito em relação ao verbo .................................................................................. 125
Tabela 3.7: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável traço
humano no sujeito....................................................................................................... 126
Tabela 3.8: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável tipo de
verbo ............................................................................................................................ 128
Tabela 3.9: Freqüência de CV no PB, segundo a variável tipo de sujeito............. 130
Tabela 3.10: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável
idade/escolaridade ...................................................................................................... 132
Tabela 3.11: Freqüência de CV no PB, segundo a variável sexo ........................... 134
Tabela 3.12: Freqüência de CV no PB, segundo a variável redes sociais (localismo)
...................................................................................................................................... 137
Tabela 3.13: Freqüência de CV no PB, segundo a variável redes sociais
(mobilidade) ................................................................................................................ 137
Tabela 3.14: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
indivíduo e redes sociais (localismo) ......................................................................... 139
Tabela 3.15: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
indivíduo e redes sociais (mobilidade) ...................................................................... 141
Tabela 3.16: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável diatopia
...................................................................................................................................... 142
Tabela 3.17: Freqüência de CV no PB, segundo a variável diazonalidade ........... 142
Tabela 3.18: Freqüência e probabilidade de CV no PE, segundo a variável traço
humano no sujeito....................................................................................................... 145
Tabela 3.19: Freqüência e probabilidade de CV no PE, segundo a variável posição
do sujeito em relação ao verbo .................................................................................. 146
Tabela 3.20: Freqüência e probabilidade de CV no PE, segundo a variável tipo de
verbo ............................................................................................................................ 148
Tabela 3.21: Freqüência de CV no PE, segundo a variável saliência fônica com
amálgama dos fatores do nível 1 e nível 2 ................................................................ 150
Tabela 3.22: Freqüência de CV no PE, segundo a variável saliência fônica......... 151
Tabela 3.23: Freqüência de CV no PE, segundo a variável paralelismo formal .. 153
Tabela 3.24: Freqüência de CV no PE, segundo a variável tipo de sujeito........... 154
Tabela 3.25: Freqüência e probabilidade de CV no PE, segundo a variável
idade/escolaridade ...................................................................................................... 156
Tabela 3.26: Freqüência de CV no PE, segundo a variável sexo ........................... 157
Tabela 3.27: Freqüência de CV no PE, segundo a variável redes sociais (localismo)
...................................................................................................................................... 159
Tabela 3.28: Freqüência de CV no PE, segundo a variável redes sociais
(mobilidade) ................................................................................................................ 159
Tabela 3.29: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
indivíduo e redes sociais (localismo) ......................................................................... 163
Tabela 3.30: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
indivíduo e redes sociais (mobilidade) ...................................................................... 164
Tabela 3.31: Freqüência de CV no PE, segundo a variável diatopia..................... 165
Tabela 3.32: Freqüência de CV no PE, segundo a variável diazonalidade ........... 166
Tabela 3.33: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
saliência fônica e diazonalidade ................................................................................ 220
12
Tabela 3.34: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
saliência fônica e escolaridade................................................................................... 220
Tabela 3.35: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
paralelismo formal e diazonalidade .......................................................................... 220
Tabela 3.36: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
posição do sujeito em relação ao verbo e idade/escolaridade ................................. 221
Tabela 3.37: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
posição do sujeito em relação ao verbo e diazonalidade ......................................... 221
Tabela 3.38: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
traço humano no sujeito e posição do sujeito em relação ao verbo ....................... 221
Tabela 3.39: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
traço humano no sujeito e diazonalidade ................................................................. 221
Tabela 3.40: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de verbo e posição do sujeito em relação ao verbo .......................................... 221
Tabela 3.41: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de verbo e traço humano no sujeito .................................................................. 222
Tabela 3.42: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de verbo e diazonalidade .................................................................................... 222
Tabela 3.43: Freqüência de posposição do sujeito no PB, segundo a variável tipo de
sujeito........................................................................................................................... 222
Tabela 3.44: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de sujeito e diazonalidade................................................................................... 223
Tabela 3.45: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
idade/escolaridade e diazonalidade........................................................................... 223
Tabela 3.46: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
sexo e diazonalidade ................................................................................................... 223
Tabela 3.47: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
redes sociais (localismo) e diazonalidade.................................................................. 223
Tabela 3.48: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
redes sociais (localismo) e diazonalidade.................................................................. 223
Tabela 3.49: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
traço humano no sujeito e diazonalidade ................................................................. 224
Tabela 3.50: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
escolaridade e posição do sujeito em relação ao verbo............................................ 224
Tabela 3.51: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
posição do sujeito em relação ao verbo e diazonalidade ......................................... 224
Tabela 3.52: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de verbo e posição do sujeito em relação ao verbo .......................................... 224
Tabela 3.53: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de verbo e traço humano no sujeito .................................................................. 225
Tabela 3.54: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de verbo e diazonalidade .................................................................................... 225
Tabela 3.55: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
saliência fônica e diazonalidade ................................................................................ 225
Tabela 3.56: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
saliência fônica e escolaridade................................................................................... 225
Tabela 3.57: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
paralelismo formal e diazonalidade .......................................................................... 226
Tabela 3.58: Freqüência de posposição do sujeito no PE, segundo a variável tipo de
sujeito........................................................................................................................... 226
13
Tabela 3.59: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de sujeito e diazonalidade................................................................................... 226
Tabela 3.60: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
idade/escolaridade e diazonalidade........................................................................... 226
Tabela 3.61: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
sexo e diazonalidade ................................................................................................... 227
Tabela 3.62: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
redes sociais (localismo) e diazonalidade.................................................................. 227
Tabela 3.63: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
redes sociais (mobilidade) e diazonalidade............................................................... 227
Tabela 4.1: Freqüência de CV no PB e no PE, segundo a variável saliência fônica
com amálgama dos fatores do nível 1 e nível 2 ........................................................ 169
Tabela 4.2: Freqüência e probabilidade de CV no PB e no PE, segundo a variável
saliência fônica na rodada sem verbos copulativos para a amostra do PE ........... 173
Tabela 4.3: Freqüência de CV no PB e no PE, segundo a variável saliência fônica
com amálgama dos fatores do nível 1 e nível 2 na rodada sem verbos copulativos
para a amostra do PE................................................................................................. 173
Tabela 4.4: Freqüência de CV no PB e no PE, segundo a variável paralelismo
formal........................................................................................................................... 174
Tabela 4.5: Freqüência e probabilidade de CV no PB e no PE, segundo a variável
posição do sujeito em relação ao verbo..................................................................... 175
Tabela 4.6: Freqüência e probabilidade de CV no PB e no PE, segundo a variável
traço humano no sujeito............................................................................................. 176
Tabela 4.7: Freqüência e probabilidade de CV no PB e no PE, segundo a variável
tipo de verbo................................................................................................................ 177
Tabela 4.8: Freqüência e probabilidade de CV no PB e no PE, segundo a variável
tipo de verbo na rodada sem verbos copulativos para ambas as amostras........... 177
Tabela 4.9: Freqüência de CV no PB e no PE, segundo o cruzamento entre as
variáveis posição do sujeito em relação ao verbo e saliência fônica com verbos
copulativos................................................................................................................... 178
Tabela 4.9': Freqüência de CV no PB e no PE, segundo o cruzamento entre as
variáveis posição do sujeito em relação ao verbo e saliência fônica com verbos
copulativos................................................................................................................... 229
Tabela 4.10: Freqüência e probabilidade de CV no PB e no PE, segundo a variável
idade/escolaridade ...................................................................................................... 179
Tabela 4.11: Freqüência de CV no PB e no PE, segundo o cruzamento entre as
variáveis idade/escolaridade e diazonalidade .......................................................... 180
Tabela 4.12: Freqüência de CV no PB e no PE, segundo a variável diatopia....... 180
Tabela 4.13: Resultados do teste de atitude sobre a concordância verbal ............ 199
GRÁFICOS
Gráfico 3.1: Distribuição geral dos dados do PB..................................................... 116
Gráfico 3.2: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
saliência fônica e diazonalidade ................................................................................ 120
Gráfico 3.3: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
saliência fônica e escolaridade................................................................................... 121
Gráfico 3.4: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
paralelismo formal e diazonalidade .......................................................................... 124
14
Gráfico 3.5: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
posição do sujeito em relação ao verbo e idade/escolaridade ................................. 125
Gráfico 3.6: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
posição do sujeito em relação ao verbo e diazonalidade ......................................... 126
Gráfico 3.7: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
traço humano no sujeito e posição do sujeito em relação ao verbo ....................... 127
Gráfico 3.8: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
traço humano no sujeito e diazonalidade ................................................................. 127
Gráfico 3.9: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de verbo e posição do sujeito em relação ao verbo .......................................... 129
Gráfico 3.10: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de verbo e traço humano no sujeito .................................................................. 129
Gráfico 3.11: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de verbo e diazonalidade .................................................................................... 130
Gráfico 3.12: Freqüência de posposição do sujeito no PB, segundo a variável tipo
de sujeito...................................................................................................................... 131
Gráfico 3.13: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de sujeito e diazonalidade................................................................................... 131
Gráfico 3.14: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
idade/escolaridade e diazonalidade........................................................................... 133
Gráfico 3.15: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
sexo e diazonalidade ................................................................................................... 134
Gráfico 3.16: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
redes sociais (localismo) e diazonalidade.................................................................. 138
Gráfico 3.17: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis
redes sociais (mobilidade) e diazonalidade............................................................... 138
Gráfico 3.18: Distribuição geral dos dados do PE................................................... 143
Gráfico 3.19: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
traço humano no sujeito e diazonalidade ................................................................. 145
Gráfico 3.20: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
escolaridade e posição do sujeito em relação ao verbo............................................ 146
Gráfico 3.21: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
posição do sujeito em relação ao verbo e diazonalidade ......................................... 147
Gráfico 3.22: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de verbo e posição do sujeito em relação ao verbo .......................................... 149
Gráfico 3.23: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de verbo e traço humano no sujeito .................................................................. 149
Gráfico 3.24: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de verbo e diazonalidade .................................................................................... 150
Gráfico 3.25: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
saliência fônica e diazonalidade ................................................................................ 152
Gráfico 3.26: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
saliência fônica e escolaridade................................................................................... 152
Gráfico 3.27: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
paralelismo formal e diazonalidade .......................................................................... 153
Gráfico 3.28: Freqüência de posposição do sujeito no PE, segundo a variável tipo
de sujeito...................................................................................................................... 155
Gráfico 3.29: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
tipo de sujeito e diazonalidade................................................................................... 155
15
Gráfico 3.30: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
idade/escolaridade e diazonalidade........................................................................... 156
Gráfico 3.31: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
sexo e diazonalidade ................................................................................................... 157
Gráfico 3.32: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
redes sociais (localismo) e diazonalidade.................................................................. 160
Gráfico 3.33: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
redes sociais (mobilidade) e diazonalidade............................................................... 161
16
INTRODUÇÃO
A variação na concordância verbal vem sendo estudada principalmente à luz da
sociolingüística variacionista e num recorte sincrônico (Lemle e Naro, 1977; Naro e
Scherre, 1991, 1996; Scherre e Naro, 1992, 1993, 1997; Monguilhott, 2001;
Monguilhott e Coelho, 2002; Amaral, 2003; Cardoso, 2005). Neste estudo, com o
intuito de contribuir com novos resultados acerca da concordância verbal de terceira
pessoa do plural, tema central da nossa pesquisa, analisaremos uma amostra sincrônica e
outra
diacrônica,
apoiando-nos
teórico-metodologicamente
na
sociolingüística
variacionista e na dialetologia pluridimensional.
A amostra sincrônica selecionada levará em conta diferentes localidades, tanto
do Português do Brasil (PB), quanto do Português Europeu (PE), cada qual com sua
história e cultura particulares, pertencentes não só à zona urbana, mas também à zona
não urbana, a fim de controlar as dimensões diatópica e diazonal. O controle da diatopia
e da diazonalidade no estudo da concordância verbal no sul do Brasil, assim como em
Portugal, poderá comprovar a relevância destes parâmetros no uso variável da
concordância verbal.
Pretendemos, também, investigar o percurso diacrônico da concordância verbal
em peças de teatro de autores catarinenses e portugueses. Essa investigação objetivará
primeiramente descrever o percurso histórico do fenômeno da variação da concordância
verbal do século XIX até o século XX, bem como, testar a hipótese de que o fenômeno
em estudo, por um lado, apresenta um sistema com concordância obrigatória com
sujeito posposto no século XIX, por outro lado, um sistema com concordância variável
com sujeito posposto no século XX, tanto no PB quanto no PE, embora nossa
expectativa seja de que, em termos de freqüência, a variação se mostre mais evidente no
PB.
Gostaríamos de evidenciar ainda que a nossa análise se dará também no PE, a
fim de tecer comparações a respeito da variação da concordância verbal com o PB, no
intuito de caracterizar o fenômeno nos dois países de língua portuguesa.
O quadro teórico da pesquisa se constituirá de um lado da Teoria da Variação e
Mudança (cf. Weinreich, Labov e Herzog, 1968; Labov, 1972, 1994) e da Dialetologia
Pluridimensional (cf. Radtke e Thun, 1996; Thun, 1998; Bellmann, 1999). Por outro
17
lado, nos apoiaremos nos pressupostos da Teoria Gerativa (cf. Chomsky, 1981, 1986)
para darmos conta de alguns dos grupos de fatores lingüísticos a serem controlados no
nosso estudo.
Nosso trabalho está assim organizado. No primeiro capítulo, com base em
trabalhos realizados sobre a concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB e no
PE, circunscrevemos os limites do fenômeno em estudo, definindo os objetivos geral e
específicos e as hipóteses gerais da nossa pesquisa. No segundo capítulo, discutimos os
pressupostos teórico-metodológicos da Teoria da Variação e Mudança Lingüística (cf.
Weinreich, Labov e Herzog, 1968; Labov, 1972, 1994) e da Dialetologia
Pluridimensional (cf. Radtke e Thun, 1996; Thun, 1998; Bellmann, 1999), abordagem
em que baseamos nosso trabalho. Definimos ainda neste capítulo, a amostra da
pesquisa, o programa estatístico utilizado e a variável dependente do nosso estudo.
Caracterizamos também as variáveis independentes e levantamos as hipóteses
específicas para cada uma delas. Por fim, delineamos o perfil sócio-histórico das
comunidades de fala a serem investigadas e indicamos os contextos de restrição do
fenômeno em estudo. No terceiro capítulo, apresentamos e discutimos os resultados da
análise sincrônica do PB e do PE. No quarto capítulo, retomamos as variáveis
selecionadas nas amostras do PB e do PE, discutimos a correlação sintática entre os
fenômenos da concordância verbal, da ordem e do preenchimento do sujeito,
apresentamos e discutimos os resultados da análise diacrônica do PB e do PE e
relacionamos os problemas para a mudança lingüística (Weinreich, Labov e Herzog,
1968) com o fenômeno da concordância verbal de terceira pessoa do plural.
18
Capítulo I – O FENÔMENO EM ESTUDO
Neste capítulo, delimitamos o fenômeno em estudo, baseando-nos em trabalhos
realizados sobre a concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB e no PE.
Apontamos, ainda, o objetivo geral e os objetivos específicos da nossa pesquisa, bem
como delineamos as hipóteses gerais a serem testadas em nosso trabalho.
1.1 Revisão Bibliográfica: alguns estudos sobre a concordância verbal de terceira
pessoa do plural
A concordância verbal de terceira pessoa do plural no português brasileiro vem
sendo estudada, à luz da sociolingüística variacionista, desde a década de 70, com o
trabalho precursor de Lemle e Naro (1977). No português europeu, estudos nos moldes
labovianos já não são tão recorrentes como no Português do Brasil, embora alguns
estudos sobre a concordância verbal de terceira pessoa do plural já apontem variação, no
que se refere a esse fenômeno, desde a década de 501. Os estudos do português europeu
na área de sintaxe desenvolvidos por europeus situam-se, basicamente, na linha da
lingüística formal. Vamos apresentar, a seguir, resultados de alguns estudos que
investigaram o fenômeno nas variedades brasileira e européia.
1.1.1 No Português do Brasil
Como temos referência de vários trabalhos sobre a concordância verbal de
terceira pessoa do plural no PB, achamos melhor subdividi-los em análises que
investigaram o português urbano e análises que investigaram o português não urbano.
1
Alguns estudos realizados por portugueses indicam a variação na concordância verbal de terceira pessoa
do plural como Mateus (1954), Cruz (1991) e Alves (1993 – realizado em 1965). Todos eles estão
referidos em Naro e Scherre (2007).
19
1.1.1.1 Português urbano
Em relação a trabalhos desenvolvidos com amostras do português urbano,
apresentaremos resultados dos seguintes autores: Lemle e Naro (1977), Pontes (1986),
Berlinck (1988), Scherre e Naro (1993), Scherre e Naro (1997), Scherre e Naro (1998),
Monguilhott (2001), Scherre, Naro e Cardoso (2007)2 e Bortoni-Ricardo (2008).
Lemle e Naro (1977) analisaram em sua pesquisa os fatores condicionadores do
uso da regra variável da concordância verbal na fala de mobralenses do Rio de Janeiro,
seguindo a metodologia laboviana. Segundo os autores, a alternância da regra da
concordância por um mesmo informante, às vezes na mesma sentença e até com o
mesmo verbo, permitiu-lhes tratar a concordância verbal como regra variável.
O corpus do trabalho compreendeu sete entrevistas de uma hora de gravação
com cada um dos 20 informantes. Foram extraídas todas as ocorrências de verbo com
sujeito de terceira pessoa do plural. Os fatores controlados foram: variável estilística,
variável morfológica, variável sintática e variável semântica.
No que tange à variável estilística3, os autores evidenciam que os resultados
encontrados não se mostraram consistentes. De acordo com Lemle e Naro, os
mobralenses, no que tange à concordância verbal, não levam em conta o fator
formalidade, “os informantes exibiram as mais diversas reações a situações sociais
semelhantes” (LEMLE e NARO, 1977, p.47).
No que se refere à variável morfológica, os resultados indicam que o uso da
regra da concordância pelos informantes se relaciona diretamente com o grau de
saliência fônica entre as formas singular e plural dos verbos. Os resultados obtidos, em
termos de probabilidade4, foram os seguintes: para os pares menos salientes –
come/comem (.06), fala/falam (.17), diz/dizem (.27); para os pares mais salientes –
foi/foram (.69), é/são (.81).
Para a variável sintática, a posição em que o sujeito está imediatamente antes do
verbo favoreceu a concordância no verbo (.70 de peso relativo), opondo-se à posição em
que o sujeito está posposto ao verbo, em que houve maior índice de desfavorecimento
da concordância verbal (.22 de peso relativo).
2
Com relação a este estudo, embora o situemos nesta subseção que trata de variedades urbanas, a análise
se dá em duas amostras de variedades urbanas e em uma de variedade não urbana.
3
A variável estilística controlada por Lemle e Naro (1977) consiste nos diferentes estilos de formalidade,
prevendo a variação de locais, entrevistadores e atitudes.
4
Neste trabalho, usamos probabilidade e peso relativo com o mesmo sentido. Ambos referem-se aos
resultados de uma análise multivariada.
20
Os resultados, referentes à variável semântica, apontam para altos índices de
concordância verbal quando o sujeito é do tipo indeterminado (.61 de peso relativo) e
para baixos índices quando o sujeito é do tipo determinado (.39 de peso relativo). Para
os autores, o fato de o sujeito do tipo indeterminado apresentar como único traço
relevante do sujeito a pluralidade parece natural ao favorecimento da regra de
concordância, em oposição ao sujeito determinado, já que esse reúne outras
características além do traço plural.
Lemle e Naro estabelecem uma generalização a respeito das variáveis
lingüísticas apresentadas: a realização da regra de concordância verbal depende do grau
de impacto dos efeitos perceptuais com que ela se materializa. Para eles, são os fatores
condicionadores que alicerçam a regra de concordância verbal.
Pontes (1986) investiga, em seu trabalho, a relação entre posição do sujeito e
concordância verbal. A autora discute o estatuto de sujeito do sintagma nominal (SN)
posposto evidenciando que as duas características superficiais mais marcantes do sujeito
em português são a posição (anteposta ao verbo) e a concordância estabelecida entre o
SN e o verbo (V). No entanto, existem casos em que o sujeito não apresenta nenhuma
dessas características, como em (1) em que o SN dente está posposto e não apresenta
marcas de concordância.
(1) A Sarinha tá nascendo dente (PONTES, op. cit., p.18)
A concordância entre V e o suposto sujeito posposto, no exemplo em (1), de
acordo com a autora, é proibida. Para ilustrar temos o exemplo extraído de Pontes (op.
cit., p.18), em (2).
(2) *A Sarinha tão nascendo dentes5
A autora conclui que esse SN posposto apresenta, então, características de objeto
(posição V SN, [- concordância]). Entretanto, no que diz respeito à cliticização que todo
objeto a princípio admite, esse SN é de natureza diferente, pois não permite assumir a
forma de um pronome acusativo, assemelhando-se nesse caso a um sujeito. Assim sendo,
5
O asterisco no início da sentença indica agramaticalidade.
21
segundo Pontes, de acordo com o argumento da cliticização, embora questionável6, o SN
posposto não pode ser objeto, como podemos observar em (3).
(3) *A Sarinha nasceu-o
Pontes ressalta, em seu livro, um teste realizado com alguns alunos da Faculdade
de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1984, para sondar
conhecimentos e intuições desses estudantes, a respeito de sujeito e objeto. Os
resultados do teste evidenciam que “os SNs pospostos não são considerados sujeitos por
uma parcela significativa dos falantes; muitos falantes marcam como objeto os SNs
pospostos, apesar de terem aprendido na escola o contrário; a concordância nos casos
típicos não apresenta problemas para os alunos” [ou seja, nos casos em que o sujeito é
aquele considerado prototípico: anteposto, com traços mais animados]. No entanto, nos
casos em que o SN não é percebido como sujeito, a concordância passou a não ser
marcada pelos estudantes. (PONTES, op. cit., p.144)
Berlinck (1988), ao investigar os condicionamentos da ordem VS no PB, leva
em consideração a concordância verbal subdividida em três categorias, a saber: presença
de concordância, ausência de concordância e não se aplica (para casos de formas
homófonas entre singular e plural e para formas inaudíveis).
A autora investiga três corpora: dois diacrônicos, compostos por cartas de cunho
pessoal (com 500 ocorrências cada um) dos séculos XVIII e XIX; e um sincrônico,
composto por 20 falantes (com idade entre 20 e 30 anos, de ambos os sexos e com nível
de escolaridade universitário, perfazendo um total de 1588 dados) do século XX, de
1987.
Os resultados sincrônicos indicam a concordância verbal como estatisticamente
relevante, o que não ocorre nas amostras diacrônicas. A ordem VS relaciona-se quase
categoricamente com a não marcação da concordância verbal (94%, 0.93 de aplicação
da regra7), em contraste com a marcação da concordância verbal (20%, 0.17 de
aplicação da regra).
De acordo com a autora, os resultados servem de “argumento favorável à tese do
caráter ‘menos subjetivo’ do sujeito (ou SN) que ocorre em VSN, uma vez que a
6
Para Pontes (1986) o argumento da cliticização é questionável pois “o uso de clíticos é um processo
altamente artificial para nós brasileiros, porque hoje está praticamente restrito à língua escrita. [...] Daí,
seus resultados [resultados sobre análise dos clíticos], a meu ver, nem sempre serem muito confiáveis, no
sentido de não refletirem a nossa competência da língua hoje, que usamos no dia-a-dia.” (p.27)
7
A aplicação da regra refere-se ao objeto que está em discussão, no caso do estudo de Berlinck, a ordem
VS. No nosso estudo, refere-se ao uso da concordância verbal.
22
concordância verbal sempre foi considerada uma das propriedades formais definidoras
da função-sujeito” (op. cit., p.98).
Scherre e Naro (1993) apresentam resultados de um estudo da concordância
verbo/sujeito numa amostra de 64 falantes cariocas, pertencentes ao Corpus Censo do
Programa de Estudos sobre o Uso da Língua (PEUL).
A variável presença versus ausência da marca formal de plural nos verbos foi
observada em relação aos grupos de fatores: (1) paralelismo formal no nível clausal
(marcas
do sujeito) e
(2)
paralelismo formal
no
nível discursivo (marcas do
verbo).
Os resultados obtidos em relação ao grupo de fatores (1) apontam para o fato de
que, quando o último elemento flexionável do sintagma nominal sujeito apresenta
marca explícita de plural, independente de estar ou não inserido em um sintagma
preposicional (ex.: os professores não perceberam isso), o verbo correspondente tende a
exibir também marca explícita de plural (.61 e .56)8 e, quando o último elemento do
sujeito, inserido ou não em um sintagma preposicional, apresenta um zero plural (ex.:
tem umas pessoaØ que gostaØ de...), o verbo correspondente tende a exibir um zero
plural (.24 e .17). Quando o último elemento do sujeito é um numeral, que não
apresenta marca formal de plural depreensível, a concordância fica numa faixa
intermediária, com .34 de peso relativo (ex.: os dois trabalham...). O sujeito com a
última marca neutralizada (ex.: meus irmãos+são legal...) apresenta comportamento
estatístico semelhante (.58) aos casos que apresentam a marca de plural explícita (.56 e
.61).
Em relação ao grupo de fatores (2), os autores verificam que o mesmo efeito
detectado no nível clausal se refletiu no nível discursivo: marcas conduzem a marcas, e
zeros conduzem a zeros, evidenciando a tendência de formas gramaticais particulares
ocorrerem juntas. Os resultados relacionados ao grupo de fatores (2) mostram forte
correlação entre o aparecimento de um verbo marcado e a presença de marcas explícitas
no verbo subseqüente (.66). Scherre e Naro verificam ainda que o surgimento de um
verbo não marcado provoca a ausência de marca na ocorrência verbal seguinte (.18). O
fato de um dado verbo ocorrer isolado ou ser o primeiro de uma série não provocou
aumento ou diminuição de marcas em relação à média global da concordância, com o
peso relativo ficando entre os dois extremos (.48).
8
Os números referem-se aos pesos relativos da forma de plural explícita.
23
Em outro estudo, Scherre e Naro (1997) analisam a concordância verbo/sujeito,
dentre outros fenômenos de concordância de número, focalizando as variáveis
lingüísticas saliência fônica e posição do sujeito e também as sociais sexo, idade e
escolaridade, em dados de fala do PEUL, com 4632 construções de concordância
verbal.
A amostra da pesquisa constituiu-se de 64 informantes, sendo 32 do sexo
masculino e 32 do sexo feminino, subdivididos de acordo com os seguintes anos de
escolarização: 1 a 4; 5 a 8 e 9 a 11 anos.
Em relação ao grupo de fatores saliência fônica, os autores verificam que a
oposição não-acentuada desfavorece a concordância, enquanto a oposição acentuada
favorece a concordância independente dos anos de escolarização dos falantes.
Entretanto, a diferença entre os anos de escolarização dos falantes é determinante na
nitidez da escala da saliência na concordância verbal.
Para o grupo de fatores posição, os resultados de Scherre e Naro apontam para o
fato de que, quando o sujeito está em uma posição mais à esquerda e mais próximo do
verbo, existe maior probabilidade de favorecimento da ocorrência da variante explícita,
enquanto a posição à direita e o distanciamento em relação ao verbo a desfavorecem,
independentemente do grau de escolaridade dos falantes.
Dentre os grupos de fatores sociais analisados, os anos de escolarização, assim
como o sexo, mostraram-se os mais relevantes. Os autores verificam que os falantes
com mais anos de escolaridade e do sexo feminino apresentam maior tendência ao uso
da variante explícita. Os resultados revelam as pressões que os falantes sofrem pelo fato
de a variante zero ser estigmatizada pelos padrões sociais vigentes (cf. LABOV, 1975,
1981; CHAMBERS, J. K., 1995) e também que as mulheres estão mais expostas à
correção gramatical, bem como são mais sensíveis às normas de prestígio. A variável
faixa etária indicou que as pessoas mais pressionadas pela idade profissionalmente
produtiva usam mais as formas prestigiadas.
Scherre e Naro (1998), em seu estudo a respeito das restrições sintáticas e
semânticas no controle da concordância verbal em português, analisam o efeito do traço
humano no sujeito sobre a concordância no português falado (64 horas de fala de
informantes cariocas, pertencentes ao corpus do PEUL) e a interação entre o traço de
número e o traço humano no controle da concordância em dados do PB escrito na
década de 90 e em dados de documentos do português do século XIII ao XVI.
24
Os autores constatam, através dos resultados estatísticos, que o traço humano
exerce influência em dados da fala, em dados da escrita do PB moderno e em dados do
português antigo. Em relação à língua falada, Scherre e Naro verificam que o verbo com
sujeito [+humano] tende a uma maior concordância com seu sujeito (.53),
diferentemente do verbo com sujeito [-humano] que apresenta menor probabilidade
de concordância (.29).
Monguilhott (2001) analisa a concordância verbal em uma amostra de língua
falada pertencente ao Projeto Varsul (Variação Lingüística Urbana na Região Sul)
composta de 24 florianopolitanos estratificados de acordo com idade, sexo e
escolaridade. De um total de 1583 ocorrências, 1251 (79%) apresentaram marcas
explícitas de concordância nos verbos e 332 (21%) apresentaram a variante zero de
plural nos verbos.
Os resultados do estudo apontaram os fatores lingüísticos: saliência fônica,
posição do sujeito em relação ao verbo, paralelismo formal, traço humano no sujeito,
tipo de verbo e tipo de sujeito, como mais relevantes em detrimento dos sociais,
escolaridade e idade.
O grupo de fatores saliência fônica mostrou-se o mais relevante no controle da
variação na concordância verbal, confirmando a hipótese de que as formas mais
salientes favorecem as marcas explícitas de plural nos verbos (os resultados referem-se
às três categorias do nível 1, oposição não acentuada: 25%, .02 de peso relativo – p.r.;
80%, .46 de p.r. e 66%, .13 de p.r de aplicação da regra de concordância verbal),
diferentemente das formas menos salientes (resultados referentes às três categorias do
nível 2, oposição acentuada: 96%, .88 de p.r.; 83%, .65 de p.r. e 90%, .75 de p.r).
A variável posição do sujeito em relação ao verbo foi a segunda a ser
selecionada como mais significativa para o condicionamento da concordância verbal,
confirmando a hipótese de que o sujeito posposto desfavorece a marcação da
concordância, pois é encarado, muitas vezes, como objeto e não sujeito da sentença9. Os
resultados apontam o sujeito anteposto ao verbo como favorecedor da concordância
(84%, .78 de p.r., de aplicação da regra de concordância verbal), enquanto o sujeito
posposto ao verbo como favorecedor da não concordância (52%, .17 de p.r., de
aplicação da regra de concordância verbal).
9
Pontes (1986) ressalta que o SN posposto é encarado por uma parcela significativa de falantes do
português como objeto pelas características que apresenta (posição VSN, - concordância).
25
O outro grupo a ser selecionado foi o paralelismo formal que confirmou a
expectativa de que, por um lado, quando o último ou único elemento do SN
apresentasse marca explícita de plural, o verbo também apresentaria tendência à
pluralização, assim como a presença de plural também influenciaria na marcação do
plural e de que, por outro lado, quando houvesse presença de zero no último elemento,
haveria o desfavorecimento da forma de plural no verbo. Os resultados confirmaram o
princípio do paralelismo de “formas gramaticais particulares ocorrerem juntas”
(SCHERRE, 1998, p.42) (84%, .54 de p.r. de aplicação da regra de concordância verbal
quando havia presença da forma de plural explícita no último elemento e 61%, .32 de
p.r. quando havia presença da forma zero de plural no último elemento).
Em seguida, o grupo de fatores traço humano no sujeito foi selecionado para o
condicionamento da concordância verbal, confirmando a hipótese de que, quando o SN
da sentença fosse [+humano], a probabilidade seria de marcação da concordância (85%,
.55 p.r. de marcação da concordância) e quando o SN fosse [-humano] a tendência seria
de não marcação da concordância no verbo (58%, .28 de p.r. de marcação da
concordância).
No que se refere ao grupo de fatores tipo de verbo, o quinto grupo a ser
selecionado, atestou-se a inacusatividade como ambiente favorecedor da não-marcação
da concordância verbal de terceira pessoa do plural na fala florianopolitana (78%, .63
p.r. de marcação da concordância para os verbos do tipo cópula, 82%, .49 de p.r., para
os verbos transitivos, 82%, .46 de p.r. para os verbos intransitivos e 71%, .37 de p.r.
para os inacusativos).
O sexto grupo de fatores lingüísticos selecionado foi o tipo de sujeito. Foram
controlados os seguintes tipos de SN: pleno simples, pleno nu, pleno composto,
pronome pessoal, pronome indefinido, pronome demonstrativo, quantificador e
SN+pronome relativo que. Alguns desses fatores foram amalgamados em função de
seus índices de freqüência, bem como de seu comportamento uniforme quando da
presença de outros fatores. Os resultados indicam que as categorias pronome pessoal +
pronome demonstrativo (88%, .59 p.r. de aplicação da regra de concordância) e SN +
pronome relativo (que) (83%, .47 de p.r de aplicação da regra) favorecem as marcas de
concordância, enquanto as categorias SN pleno composto (40%, .18 de p.r. de aplicação
da regra) e quantificador + pronome indefinido (60%, .22 de p.r. de aplicação da regra)
desfavorecem tais marcas.
26
Em relação aos grupos de fatores sociais controlados no estudo de Monguilhott
(2001), os resultados apontam que, para o fenômeno em estudo, se mostram menos
decisivos que os fatores lingüísticos. A escolaridade, dentre os fatores sociais
controlados, foi a variável que se mostrou mais relevante, confirmando a hipótese de
que quanto maior o nível de escolaridade, maior a probabilidade de o falante utilizar a
regra de concordância verbal (81%, .57 de p.r. de marcação da concordância para
falantes com 11 anos de escolarização, 78%, .44 de p.r. de marcação da concordância
para falantes com 4 anos de escolarização), já que a escola privilegia o uso dessa norma.
O grupo de fatores idade, selecionado como último fator relevante neste estudo,
apontou para uma tendência à marcação de concordância na fala dos mais velhos (52 a
76 anos) (81%, .55 de p.r de aplicação da regra de concordância) e dos mais jovens (15
a 24 anos) (81%, .52 de aplicação da regra) e para uma leve tendência à não-marcação
na fala dos informantes de meia-idade (25 a 45 anos) (75%, .42 de p.r. de aplicação da
regra). Os resultados indicam uma tendência questionável, já que o esperado, em função
dos resultados de outros estudos que controlaram idade no fenômeno da concordância
verbal de terceira pessoa do plural, era que os falantes mais jovens e mais velhos
tendessem a não-marcação da concordância e os falantes de meia-idade tendessem ao
uso das marcas de concordância.
A investigação de Monguilhott (2001) confirma resultados de estudos anteriores
(LEMLE e NARO, 1977; NARO, 1981; PONTES, 1986; LIRA, 1986; BERLINCK,
1988; SCHERRE e NARO, 1993; SCHERRE e NARO, 1997; SCHERRE e NARO,
1998) que haviam controlado os mesmos grupos de fatores, alguns tendo a concordância
verbal como variável dependente, outros a tendo como variável independente.
Scherre, Naro e Cardoso (2007) investigam o papel do tipo de verbo na
concordância verbal de terceira pessoa no PB em três amostras distintas: (i) duas delas
do Corpus Censo, uma com 64 falantes (dados coletados na década de 80), e outra com
16 falantes (recontactados na década de 90) e (ii) uma amostra de uma falante
maranhense radicada em Brasília (dados de Cardoso, 2005).
Os dados da primeira amostra totalizam 5000 ocorrências e foram distribuídos
em três categorias: verbos nocionais, auxiliares em estruturas ativas e passivas e verbos
de ligação. Levando em consideração outros grupos de fatores, como saliência fônica,
traço humano do sujeito, posição e distância do sujeito em relação ao verbo e
paralelismo discursivo e oracional, a análise do grupo tipo de verbo não se mostrou
relevante.
27
A segunda amostra totalizou 1200 construções que foram categorizadas
diferentemente dos dados da amostra anterior. Segundo os autores, foi levado em conta
“além do aspecto semântico-lexical do verbo, a idéia de transitividade verbal como um
fato dependente do contexto sintático, paralelamente à concepção de que os verbos
apresentam uma transitividade preferencial” (op. cit., p.05). Essa análise também não
revelou significância para o grupo de fatores tipo de verbo.
Em relação à amostra da falante maranhense, os 464 dados coletados foram
categorizados, de acordo com Cardoso (2005), em: transitivos, intransitivos nãoinacusativos, intransitivos inacusativos, auxiliares/inacusativos, ligação/inacusativos,
existenciais/inacusativos e impessoais/inacusativos. A análise desta amostra também
não se mostrou relevante estatisticamente, no entanto, em termos de freqüência observase a classe dos inacusativos desfavorecendo levemente a marcação da concordância
(50%), em contraste com os transitivos (53%) e com os intransitivos (60%).
Os autores fizeram ainda uma nova categorização com os dados dos 16 falantes
do Corpus Censo seguindo a categorização de Cardoso (2005). Mesmo com a nova
categorização, o grupo não foi selecionado como significativo, apresentando, em termos
percentuais correspondência com os resultados da falante maranhense, ou seja, os
inacusativos
tendem
levemente
a
não
marcação
da
concordância
(72%),
comparativamente aos transitivos (84%) e aos intransitivos (76%).
Por fim, Scherre, Naro e Cardoso, analisam os dados da amostra com os 16
falantes do Corpus Censo e da falante maranhense em termos de uma oposição binária,
de um lado os inacusativos, existenciais/inacusativos e impessoais/inacusativos, de
outro os demais verbos. Também não houve seleção do grupo de fatores, mas em
termos de percentuais, percebe-se que o grupo dos inacusativos tendeu a não aplicação
da regra de concordância com 63% em relação aos demais verbos, com 84% de
aplicação.
Diante dos resultados, os autores afirmam que “o efeito associado à categoria
tipo de verbo é apenas aparente e que é, na realidade, o resultado da ação de outros
fatores cuja presença se correlaciona aos fatores deste grupo” (p.17) [grifos dos
autores].
Bortoni-Ricardo (2008) avalia, em seu estudo, reações subjetivas em relação à
não marcação da concordância verbal em dois experimentos. O primeiro experimento
28
procurou identificar duas comunidades de fala10, de acordo com a definição de Labov
(1966), em termos de suas reações ao traço em estudo. Já o segundo experimento
avaliou as reações de universitários à concordância não-padrão em diversos ambientes
morfossintáticos que provaram ser relevantes à aplicação da regra na pesquisa de Lemle
e Naro (1977).
No que se refere ao primeiro experimento, a autora, ao investigar se a
concordância não-padrão era percebida da mesma forma por falantes de diferentes graus
de escolaridade (universitários e alunos de supletivo de 1º. grau), constatou que os
falantes que têm acesso a curso superior estigmatizam a concordância não-padrão, o que
não acontece com os falantes que freqüentam curso supletivo, mesmo aqueles que
residem em área urbana e têm curso primário.
Bortoni-Ricardo evidencia que o fato de a não marcação da concordância verbal
nas classes desfavorecidas ser maior do que nas classes escolarizadas corrobora a
hipótese de Labov (1964, p.68) de que a “capacidade de perceber o significado social de
diferenças dialetais precede a aquisição de estilos consistentes de prestígio”
(BORTONI-RICARDO, 2008, p.370).
Em relação ao segundo experimento, a autora, partindo do estudo de Lemle e
Naro (1976), testou, em uma amostra de 360 alunos universitários, a hipótese de que as
formas verbais em que mais ocorre a concordância não-padrão são as formas menos
estigmatizadas. Os seus resultados indicaram que a estigmatização do traço ocorre mais
evidentemente nos ambientes em que a não marcação é menos freqüente e confirmaram
também a hipótese de Lemle e Naro de que a concordância verbal em português é
menos provável precisamente onde sua ausência é minimamente saliente.
1.1.1.2 Português não urbano
No que se refere a trabalhos desenvolvidos com amostras do português não
urbano, destacaremos resultados das seguintes pesquisas: Rodrigues (1987), Silva
(2003), Pereira (2004), Cardoso (2005) e Lucchesi (2006). 11
10
No capítulo II, seção 2.1.3, discutiremos mais detalhadamente o conceito de comunidade de fala.
Caracterizamos como português não urbano as amostras das pesquisas com informantes que vivem em
áreas periféricas como as favelas de São Paulo (RODRIGUES, 1987), áreas periféricas do Distrito
Federal (CARDOSO, 2005), comunidades rurais da Bahia, de São Paulo e Minas Gerais (SILVA, 2003;
PEREIRA, 2004). Inserimos o estudo de Lucchesi nesta seção, pois embora retrate amostras do português
urbano (PEUL, NURC e VARSUL), também traz resultados de amostras do português não urbano
(SILVA, 2003; VIEIRA, 1997 e NINA, 1980).
11
29
Rodrigues (1987) descreve a realização da regra de concordância verbal no
português popular de São Paulo. Para a autora, fala popular é aquela usada pelo falante
que “não adquire a variedade de língua que Labov rotula standard ou padrão
consistente” (p.96).
A amostra de sua pesquisa é composta por 40 informantes adultos, de ambos os
sexos (16 homens e 24 mulheres), com baixo nível de escolaridade (escolaridade nula
ou de 1ª. a 4ª. série do ensino fundamental), estratificados em três faixas etárias (20 a 35
anos, 36 a 50 anos, mais de 51 anos), procedentes da capital e do noroeste do Estado de
São Paulo, do norte do Paraná, do norte de Minas Gerais, do sul da Bahia e da região
nordeste do país (Pernambuco, Alagoas, Ceará e Paraíba), todos residentes das favelas
dos jardins Carombé e Paulistano, na periferia paulistana.
A autora analisou a concordância verbal de primeira e terceira pessoa do plural.
Evidenciaremos os resultados referentes à terceira pessoa que apresentaram uma
freqüência geral de não-marcação da concordância de 71% de um total de 1356 dados.
No que tange aos fatores lingüísticos, a autora controlou a posição do sujeito em relação
ao verbo, a saliência fônica e a classe morfológica do sujeito. Os resultados evidenciam
que os três fatores lingüísticos considerados na análise se mostraram relevantes.
Em relação ao grupo de fatores posição do sujeito, constatou-se que o sujeito
posposto influenciou a não-concordância (97%12, .88), diferentemente do sujeito
anteposto (76%, .31) e do sujeito distante do verbo (78%, .45). No grupo de fatores
saliência fônica, atestou-se o que já era previsto em Naro (1981): formas mais salientes
apresentam mais marcas de concordância padrão (ex. fez/fizeram 31% .20) do que
formas menos salientes (ex.: fala/falam 94%, .93). No que se refere ao grupo de fatores
classe morfológica do sujeito, os resultados indicam, por um lado, um menor uso da
concordância padrão para o sujeito não-pronominal (82%, .67), seguido do sujeito
explícito (72%, .45) e, por outro lado, o sujeito não explícito influenciando o uso de
marcas de concordância (48%, .38).
Rodrigues (1987) analisou, em seu trabalho, os grupos de fatores sociais: sexo,
idade, escolaridade e procedência. Em relação à marcação da concordância verbal de
terceira pessoa do plural, os grupos sexo e escolaridade foram considerados irrelevantes
na análise. O grupo de fatores idade indicou que “formas lingüísticas aceitas como
padrão tendem a ocorrer, predominantemente, entre falantes mais velhos” (p.219). Os
12
Vale ressaltar que as freqüências e os pesos relativos desse estudo referem-se à não-marcação da
concordância verbal.
30
falantes mais jovens (20 a 35 anos) são os que menos utilizam marcas de concordância
em sua fala (80%, .66), em contraste com os falantes da faixa etária intermediária (36 a
50 anos – 70%, .39) e com os falantes mais velhos (mais de 51 anos – 65%, .44). No
que se refere à procedência, grupo de fatores mais significativo entre os sociais, a autora
constatou que os falantes de São Paulo (capital) são os que mais preservam as marcas de
concordância verbal (63%, .39), e os falantes do Norte de Minas Gerais e sul da Bahia
são os que menos preservam as marcas em sua fala (75%, .71).
Silva (2003) investiga a concordância verbal de terceira pessoa do plural em três
comunidades rurais do estado da Bahia: Cinzento, Helvécia e Rio de Contas. Das 1706
ocorrências levantadas no corpus da pesquisa, 273 apresentaram marcas de
concordância, 16% do total. Dentre as variáveis lingüísticas controladas, as seguintes
foram selecionadas pelo programa Varbrul, por ordem de relevância: saliência fônica,
indicação plural no SN sujeito, concordância nominal no sujeito, realização e posição do
sujeito, tipos de verbo e caracterização semântica do sujeito. Já dentre as variáveis
extralingüísticas selecionadas estão: faixa etária, comunidade e sexo.
Em relação à saliência fônica, seus resultados comprovaram que as formas mais
salientes são aquelas que mais favorecem a marcação da concordância verbal (CV)
(31% de freqüência e .78 de peso relativo, contra 6% de freqüência e .27 de peso
relativo para as marcas menos salientes).
No que se refere à variável indicação plural no SN sujeito, foram controlados os
fatores de indicação mórfica, quantificador e lexical13. Os resultados apontam para a
indicação lexical como mais favorecedora da marcação da CV, com 80% de freqüência
e .97 de peso relativo. Já a indicação mórfica apresentou 12% de freqüência e .47 de
peso relativo e a indicação quantificador 17% de freqüência e .52 de peso relativo.
A outra variável selecionada foi a concordância nominal no sujeito. Os
resultados indicam que, quando havia concordância nominal, as chances de haver
concordância verbal eram maiores (24% de freqüência e .74 de peso relativo) do que
quando a concordância nominal não ocorria (9% de freqüência e .48 de peso relativo).
A variável seguinte selecionada foi a realização e posição do sujeito. Os
resultados para esta variável apontaram um favorecimento da concordância verbal para
o sujeito não realizado (27% de freqüência e .61 de peso relativo), seguido do sujeito
13
Essa variável refere-se às estratégias de pluralização do sujeito: noção de plural indicada pelo morfema
(indicação mórfica) “os minino tirô as calça”, noção de plural indicada pelo quantificador (quantificador)
“muitos dele adoece” e noção de plural indicada pelo valor semântico do item lexical (lexical) “a nova
geração tão animado”. Os exemplos foram extraídos do trabalho do autor.
31
posposto (11% de freqüência e .51 de peso relativo), do sujeito anteposto (14% de
freqüência e .49 de peso relativo) e um desfavorecimento da concordância para o sujeito
retomado por um relativo (9% de freqüência e .35 de peso relativo). Vale ressaltar que
houve inversão em termos de freqüência e peso relativo para os fatores sujeito posposto
e anteposto, embora em termos percentuais o sujeito posposto tenha desfavorecido a
concordância em relação ao sujeito anteposto; em termos de peso relativo, houve uma
inversão.
O tipo de verbo apresentou os seguintes resultados: os verbos intransitivos foram
os que mais preservaram as marcas de CV (16% de freqüência e .58 de peso relativo),
seguido dos transitivos (15% de freqüência e .51 de peso relativo) e dos auxiliares (18%
de freqüência e .47 de peso relativo). Os verbos ergativos foram os que menos
preservaram as marcas de CV (8% de freqüência e .29 de peso relativo).
Por fim, a última variável lingüística selecionada foi a caracterização semântica
do sujeito que apontou para o SN-sujeito com traço [+humano] como favorecedor das
marcas de CV (17% de freqüência e .52 de peso relativo), contrário ao SN-sujeito com
traço [-humano] (10% de freqüência e .40 de peso relativo).
Nos resultados de Silva (2003), no que se refere às variáveis extralingüísticas
selecionadas, a faixa etária foi a mais significativa apontando um favorecimento nas
marcas de CV para a faixa I (20 a 40 anos) com 22% de freqüência e .62 de peso
relativo, seguido da faixa II (41 a 60 anos) com 14% de freqüência e .48 de peso
relativo, por fim a faixa III (61 anos em diante) indicando desfavorecimento das marcas
de CV com 10% de freqüência e .36 de peso relativo.
A segunda variável extralingüística selecionada foi comunidade. Os resultados
indicam que Rio de Contas é a localidade que mais preserva marcas de CV com 24% de
freqüência e .67 de peso relativo, seguida de Helvécia com 16% de freqüência e .47 de
peso relativo. Já Cinzento foi a comunidade que menos preservou marcas de CV com
13% de freqüência e .43 de peso relativo. O autor atribui os resultados à história de cada
comunidade evidenciando que Rio de Contas apresenta maiores índices de marcação da
CV em função das atividades turísticas existentes na localidade que tendem a
influenciar a fala de seus habitantes.
Por fim, a variável sexo foi selecionada e os resultados apontam uma tendência
maior à marcação da CV para os homens (19% de freqüência e .56 de peso relativo) do
que para as mulheres (13% de freqüência e .45 de peso relativo). Os resultados, de
acordo com Silva, devem-se ao fato de, nas comunidades estudadas, a mulher apresentar
32
“comportamento conservador em função da história e do contexto social que o meio
rural lhe proporciona” (SILVA, 2003, p.180).
Pereira (2004), em seu estudo acerca da concordância verbal de 1ª. e 3ª. pessoa
do plural no português popular falado por pessoas idosas na zona rural de São Paulo e
Minas Gerais, encontra um índice de concordância verbal de terceira pessoa do plural de
24%. A amostra investigada pela autora faz parte do Corpus de língua falada do Projeto
Filologia Bandeirante14.
Em seu estudo, Pereira controla treze grupos de fatores para o condicionamento
da concordância verbal de terceira pessoa, dos quais seis foram selecionados: saliência
fônica, presença/ausência do sujeito pronominal, paralelismo discursivo, traço
semântico do sujeito [+/- humano], paralelismo oracional e papel semântico do sujeito.
Os resultados encontrados corresponderam às hipóteses da pesquisa com os
seguintes fatores favorecedores da marcação da concordância nos verbos: formas
verbais mais salientes, sujeito zero, verbo precedido de verbo com marca formal de
plural, traço [+humano] no sujeito, presença de marca formal de plural no último
elemento do SN sujeito e sujeito agente15.
Cardoso (2005), ao analisar a fala de uma mulher de 40 anos com três anos de
escolaridade, constatou a relevância dos fatores lingüísticos no controle da concordância
verbal de 3ª e 1ª pessoa do plural: saliência fônica, traço semântico do sujeito,
paralelismo oracional, paralelismo discursivo, adjacência entre núcleo e verbo e pessoa
gramatical do sujeito.
A autora coletou 656 dados de concordância verbal de 3ª. e 1ª. pessoa do plural,
incluindo a gente. Na análise, os casos de a gente foram excluídos devido à
categoricidade de concordância na 3ª pessoa do singular. Sendo assim, foram analisados
507 dados, sendo 264 (53%) com marcas de concordância verbal e 243 (47%) sem
marcas de concordância verbal.
Os resultados de Cardoso corroboraram resultados acerca do fenômeno em
outros estudos, tendo os seguintes fatores condicionado a marcação da concordância
verbal: formas verbais mais salientes, sujeito com traço mais humano, SN sujeito com
marca formal de plural, sintagma verbal precedente com marca explícita de plural, SN
imediatamente à esquerda do verbo e sujeito de 3ª pessoa do plural.
14
O projeto objetiva coletar dados de falantes de núcleos rurais dos estados de São Paulo, Minas Gerais,
Goiás e Mato Grosso, localizados na rota dos bandeirantes.
15
Este último fator, conforme evidenciado pela autora, confirmou suas hipóteses em termos de
percentuais, mas não em termos de probablilidade.
33
Lucchesi (2006), investigando a polarização sociolingüística do Brasil, evidencia
resultados de estudos da variação da concordância verbal no PB em variedades cultas e
semicultas (em amostras do PEUL, NURC16 e VARSUL) e em variedades populares.
Sua análise acerca das normas cultas e semicultas indica que a variação na
concordância verbal “tenha sido determinada, em suas origens, pela posição do sujeito
relacionada à inacusatividade verbal; e essa variação pode ter sido intensificada por um
eventual processo de enfraquecimento fonético da nasalidade do segmento final, na
norma culta do PB” (op. cit., p.99).
Em relação às variedades populares, Lucchesi menciona o estudo de Silva
(2003), realizado em três comunidades rurais afro-brasileiras do Estado da Bahia, que
indica a atuação da faixa etária no condicionamento da concordância verbal de terceira
pessoa do plural. A freqüência e a probabilidade de marcação aumentam conforme a
idade do falante diminui17, indicando, segundo o autor, “um processo de incremento da
concordância verbal nas comunidades rurais afro-brasileiras” (p.104). Em outros dois
estudos (VIEIRA, 1997; NINA, 1980) acerca da variedade popular, apresentados por
Lucchesi, a relação entre concordância verbal e faixa etária é a mesma. Vieira (1997)
investigou uma amostra de pescadores do norte do Rio de Janeiro e Nina (1980),
pesquisou uma amostra de falantes analfabetos de dez municípios do interior do Pará.
Para o autor, no processo de formação das variedades populares do PB houve
erosão da morfologia flexional de pessoa e número do verbo que deve ter variado de
acordo com cada situação sociolingüística. Ao longo do século XX, em função da
crescente influência dos padrões lingüísticos urbanos, o uso dessa morfologia, conforme
o autor, teria sido incrementado.
Tal situação parece ser confirmada pelos resultados dos estudos acerca da
concordância verbal. De um lado, em estudos de variedades populares, percebe-se o
aumento no uso da concordância verbal na fala dos mais jovens; por outro lado, estudos
de variedades urbanas cultas e semicultas indicam tendência de queda no nível de
aplicação da regra para falantes mais jovens (cf. GRACIOSA, 1991) ou indicam
variação estável (cf. SCHERRE e NARO, 1997).
16
Norma Lingüística Urbana Culta.
Os resultados encontrados por Silva (2003) de acordo com a marcação da concordância verbal: faixa I
(20 a 40 anos) – 22%, .62; faixa etária II (41 a 60 anos) – 14%, .48 e faixa etária III (61 anos em diante) –
10%, .36.
17
34
1.1.2 No Português Europeu
No que se refere ao Português Europeu, salientaremos os seguintes estudos:
Carrilho (2003), Varejão (2006) e Naro e Scherre (2007).
Carrilho (2003) analisa, sob uma perspectiva formalista, a variação na
concordância verbal de terceira pessoa em dados que fazem parte do CORDIAL-SIN18.
Segundo a autora, a “discordância” verbal aparece em contextos em que o
constituinte ocupa posição pós-verbal. Os dados analisados atestam que esta não
marcação de concordância entre o verbo e um sujeito posposto ocorre apenas em
construções com predicados verbais que não selecionam um argumento externo
referencial, em casos de construções com verbos inacusativos e construções
predicativas.
Varejão (2006) investiga o fenômeno da concordância verbal de terceira pessoa
do plural sob a ótica da Teoria da Variação Lingüística, embora enfatize que sua
pesquisa “não se estabeleça sob sua orientação metodológica strictu senso” (p. 113).
A amostra da sua pesquisa foi extraída da base de dados do CORDIAL-SIN. Dos
2520 dados coletados através da internet, 223 (9%) não apresentaram marcas de
concordância.
A autora controlou os seguintes grupos de fatores: saliência fônica, tipo de
verbo, forma verbal, posição do sujeito, estrutura do SN sujeito e estatuto sintático do
verbo que carrega as marcas de concordância.
Embora Varejão não tenha feito uma análise quantitativa nos moldes labovianos,
analisou a interferência dos fatores lingüísticos controlados. Sua análise revelou as
formas verbais menos salientes e a posposição do sujeito como os mais significativos no
desfavorecimento da marcação da concordância verbal no PE popular.
Naro e Scherre (2007), ao investigarem as origens do PB, comprovam que há
variação na concordância19 de número no português europeu atual e antigo. Embora a
maioria dos portugueses, inclusive os profissionais da dialetologia, afirmem que o uso
18
O CORDIAL-SIN, Corpus Dialetal com Anotação Sintática, é um projeto do Centro de Lingüística da
Universidade de Lisboa que apresenta excertos selecionados de 4500 horas de gravações de fala
realizadas em 200 localidades de Portugal no âmbito dos atlas portugueses (ALEPG – Atlas Lingüístico e
Etnográfico de Portugal e da Galiza, ALLP – Atlas Lingüístico do Litoral Português, ALEAç – Atlas
Lingüístico e Etnográfico dos Açores e BA – Fronteira Dialetal do Barlavento Algarvio). Tais excertos
estão disponíveis na internet na página www.clul.ul.pt.
19
Evidenciaremos os dados de concordância verbal de terceira pessoa do plural, nosso objeto de interesse,
embora a análise dos autores contemple outros casos de concordância, como a nominal, por exemplo.
35
da regra de concordância é categórico, os autores, partindo de estudos do PE, garimpam
exemplos da variação existente, como exemplificamos a seguir:
(4) As querenguelas só presta para pescar
Lanço das duas pedras que tá no meio do lanço
... corre todos os seus criados (versão do romance Adelina) (ALVES20, 1993,
p.90, apud NARO e SCHERRE, 2007, p.55)
(5) era duas, três sardinha
É duas partes pru dono e uma pa cada um da gente (informante pescador, 69
anos) (NARO e SCHERRE, 2007, p. 56)
(6) mas, minha senhora, pescadas e linguado nunca lá faltô a eles (informante
mulher, 84 anos) (NARO e SCHERRE, 2007, p.56)
Os exemplos em (4), (5) e (6) mostram a variação do PE no século XX, já os
exemplos seguintes mostram que se encontra variação também em textos antigos.
(7) mas dava lhe gram torva as portas çarradas (MIRA MATEUS, 1970, p.244,
apud NARO e SCHERRE, 2007, p.58)
(8) aqueles que, da gente d’Alexandria, reinou no Egipto (MIRA MATEUS,
1970, p.544, apud NARO e SCHERRE, 2007, p. 59)
Os autores, em sua análise do PE antigo, verificam a influência do grupo de
fatores saliência fônica para o condicionamento da variação da concordância verbal em
oito textos portugueses medievais, num total de 235 dados de falta de concordância. A
tabela a seguir evidencia os resultados encontrados pelos autores.
20
Segundo Naro e Scherre (op. cit.), os dados em (4) foram retirados da monografia de Joana Lopes
Alves publicada primeiro em Lisboa em 1965, com dados não gravados. Os exemplos em (5) e (6) foram
extraídos de gravações dos anos 80.
36
CATEGORIA
N
PESO RELATIVO
- saliente
+ saliente
204
31
0,33
0,75
Tabela 1.1: Taxa de concordância verbo/sujeito em função da oposição singular/plural em oito textos
portugueses medievais (NARO e SCHERRE, 2007, p.60)
Naro e Scherre atestam, a partir dos resultados, que “os fatores que controlavam
a variação no português medieval são os mesmos que controlam a variação no Brasil
moderno de hoje” (2007, p.61).
Os autores controlaram também em sua análise o grupo de fatores traço humano
do sujeito. Os resultados estão na tabela abaixo.
CATEGORIA
N
PESO RELATIVO
humano
não-humano
148
87
0,58
0,27
Tabela 1.2: Taxa de concordância verbo/sujeito em função do traço ‘humano’ do sujeito em oito textos
portugueses medievais (NARO e SCHERRE, 2007, p.63)
Pudemos verificar que os resultados dos textos medievais confirmam que os
sujeitos com traço mais humano tendem à marcação da concordância, diferentemente
dos sujeitos com traço menos humano.
No que se refere à posição do sujeito em relação ao verbo, em uma análise de
doze obras da dialetologia portuguesa européia, Naro e Scherre observaram que nove
dos doze autores pesquisados apresentam exemplos de ausência de concordância verbal
com sujeito à direita do verbo e também nove dos doze, com sujeito à esquerda do
verbo. Observemos alguns exemplos, a seguir:
(9) ... punhom-se pela cabeça, condo morria pessoas de família chigada...
já bai os pães feitos
tava lá já as criadas
É os homes que puxim à carroça...
...corre todos os seus criados (NARO e SCHERRE, 2007, p. 96)
(10) Foi os presos da cadeia
37
Que te nasça tantos bechochos...
(...) D’pôs veiu o rei e a rainha (NARO e SCHERRE, 2007, p.97)
(11) Duas canas dá oito mestras
as borricêras que viero onte é que fez isto
os nossos agasalhos é estes (NARO e SCHERRE, 2007, p.98)
(12) O pai e a mãe nunca bai p’ró rio
Carangueijos é do mar (NARO e SCHERRE, 2007, p.99)
Os autores evidenciam que, além dos registros das ocorrências, a afirmação de
uma das autoras portuguesas, de cuja obra foram retirados alguns dados, é bastante
elucidativa: “Se o sujeito é plural e está depois do verbo, este fica freqüentemente no
singular” e “mesmo quando o sujeito é plural e está antes do verbo, verifica-se, por
vezes, o emprego deste no singular” [grifos dos autores] (CRUZ, 1991, p.159, apud
NARO e SCHERRE, 2007, p.99).
Desta forma, parece evidente a percepção de Cruz de que a posição do sujeito
posposta ao verbo influencia mais “freqüentemente” na não marcação da concordância,
enquanto a posição anteposta pode “por vezes” influenciar, assim como já é observado
no PB (cf. NARO e SCHERRE, 1996; MONGUILHOTT, 2001).
Em síntese, Naro e Scherre evidenciam que nem todas as variáveis
independentes consideradas relevantes para o PB moderno foram testadas para os textos
arcaicos do PE em função da quantidade de dados de que dispunham. No entanto, “o
quadro diacrônico geral é a preservação do efeito hierárquico dos fatores
condicionantes, acompanhado no Brasil de um aumento do nível da média global de uso
da variante não explicitamente marcada no verbo, em contexto de sujeito plural”
(NARO e SCHERRE, 2007, p.65).
1.1.3 Síntese
Observamos, a partir dos trabalhos sobre o PB aqui arrolados, tanto no que se
refere ao português urbano, quanto ao português popular, que em relação aos fatores
internos as formas verbais mais salientes são as que apresentam mais marcas formais de
38
plural, a anteposição do sujeito favorece a marcação da concordância verbal, a indicação
lexical favorece as marcas de concordância nos verbos, o sujeito indeterminado,
pronominal, não explícito, zero, com traço de agentividade e mais humano favorece
marcas de plural nos verbos.
Com relação ao paralelismo, sintagmas nominais com marcas explícitas de
plural favorecem marcas de plural nos verbos, assim como marcas de plural em verbos
precedentes favorecem marcas de plural em verbos subseqüentes.
No que tange ao tipo de verbo, observamos que este grupo de fatores não foi
considerado estatisticamente significativo em alguns estudos que o controlaram
(CARDOSO, 2005; SCHERRE, NARO e CARDOSO, 2007); no entanto, em termos de
percentual, observou-se uma leve tendência ao desfavorecimento da marcação de plural
para os inacusativos, em outros estudos (MONGUILHOTT, 2001; SILVA, 2003), a
inacusatividade foi atestada como ambiente favorecedor da não-marcação da
concordância verbal de terceira pessoa do plural.
Já no que se refere aos fatores externos, os resultados apontam para diferentes
caminhos quando se trata de PB urbano e PB não urbano, especificamente para o grupo
de fatores faixa etária e sexo. Em relação à faixa etária, os resultados sobre o português
popular de São Paulo indicam que os falantes mais velhos tendem ao uso das formas
padrão. Os resultados sobre a fala urbana carioca, com dados do PEUL, evidenciam que
as pessoas mais pressionadas pela idade profissionalmente produtiva usam mais marcas
de concordância nos verbos. Os resultados sobre variedades cultas e semicultas, por um
lado, com dados do PEUL, NURC e VARSUL, indicam que os mais velhos usam mais
concordância do que os mais jovens, e sobre variedades populares da Bahia, Rio de
Janeiro e Pará apontam para o fato de que os mais jovens usam mais concordância nos
verbos.
Em relação ao sexo, os estudos também apontam para duas direções: de um lado,
na fala urbana, a mulher tende a marcar mais a concordância verbal (SCHERRE e
NARO, 1997), por outro lado, na fala não urbana o homem é que apresenta essa
tendência (SILVA, 2003).
Quanto à escolarização, grupo de fatores controlado apenas nos trabalhos sobre
o PB urbano aqui apresentados, os resultados evidenciam que os falantes mais
escolarizados são os que tendem ao uso de marcas de concordância verbal.
No que se refere às atitudes subjetivas sobre a não marcação da concordância
verbal, grupo de fatores controlado em apenas um dos trabalhos aqui arrolados sobre o
39
PB urbano (BORTONI-RICARDO, 2008), os resultados indicam que os falantes com
mais escolaridade estigmatizam a concordância verbal não padrão e as formas verbais
com mais concordância não padrão são as que mais sofrem estigma por parte dos
falantes.
Os estudos que controlaram a concordância verbal de 3ª pessoa do plural e de 1ª
pessoa do plural indicam que as formas de 3ª pessoa apresentam índices de não
concordância mais evidentes do que as de 1ª pessoa21, o que, segundo os autores, parece
indicar que a não marcação na 3ª pessoa tem menos estigma do que a não marcação na
1ª pessoa.
No que tange às comunidades, parece haver relação entre a história de cada
localidade e as variantes eleitas pelos seus falantes, o que indicaram os estudos de
Rodrigues (1987) e de Silva (2003) sobre o PB popular.
Os resultados dos estudos sobre o PE aqui apontados indicam que, assim como
no PB, as formas verbais mais salientes são favorecedoras das marcas explícitas de
plural nos verbos, a ordem VS, assim como sujeitos com traços menos humanos
mostram-se contextos desfavorecedores da não marcação da concordância nos verbos.
Em nossa pesquisa, vamos relacionar os resultados encontrados pelos estudos
realizados com amostras do PB e do PE, a fim de constatar se no corpus do nosso
trabalho, para ambas as variedades do português, encontramos os mesmos
condicionadores da concordância verbal desses estudos.
Desta forma, fica clara a delimitação do nosso objeto de estudo: a variação na
concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB e no PE atual e antigo.
A seguir traçamos os objetivos, questões e hipóteses da pesquisa e, logo após,
evidenciamos o aparato teórico-metodológico que fundamenta nossa tese.
21
No estudo de Rodrigues (1987), a não marcação da concordância verbal na 3ª pessoa do plural é de
71%, enquanto na 1ª pessoa é de 46%. Os resultados de Pereira (2004) apontam não marcação de 76%
para a 3ª. pessoa do plural e de 67% para a 1ª pessoa do plural.
40
1.2 Objetivos, questões e hipóteses da pesquisa
1.2.1 Objetivos geral e específicos
1.2.1.1 Objetivo Geral
Investigar e mapear o fenômeno da concordância verbal de terceira pessoa do plural no
PB e no PE em uma amostra sincrônica (século XXI), além de traçar o percurso
diacrônico deste fenômeno (séculos XIX e XX).
1.2.1.2 Objetivos Específicos
(i) Analisar grupos de fatores lingüísticos, geográficos e sociais que possam estar
condicionando a variação na concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB e
no PE;
(ii) Realizar um estudo comparativo para investigar o encaixamento lingüístico e social
da concordância verbal de terceira pessoa do plural no português falado no Brasil e em
Portugal;
(iii) Verificar, a partir da investigação de dados sincrônicos, qual a relação entre as
faixas etárias controladas e a variável diazonalidade no uso das variantes da
concordância verbal de terceira pessoa do plural;
(iv) Investigar nas amostras do PB e do PE, a partir da análise de dados diacrônicos,
evidências de uma possível mudança nos diferentes percursos do tempo;
(v) Observar a relação entre os problemas empíricos levantados por Weinreich, Labov e
Herzog (1968) e o fenômeno da concordância verbal de terceira pessoa do plural.
1.2.2 Principais Questões
(i) Que grupos de fatores lingüísticos e extralingüísticos condicionam a concordância
verbal de terceira pessoa do plural no PB e no PE?
(ii) O encaixamento lingüístico e social da concordância verbal de terceira pessoa do
plural se dá da mesma forma no PB e no PE?
(iii) A marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural é distinta entre os
falantes mais jovens e mais velhos da zona urbana e da zona não urbana do PB e do PE?
41
(iv) Se considerarmos os séculos XIX e XX, há distinção na marcação da concordância
verbal de terceira pessoa do plural no PB e no PE?
(v) Como o fenômeno da concordância verbal de terceira pessoa do plural se relaciona
aos problemas empíricos levantados por Weinreich, Labov e Herzog (1968)?
1.2.3 Hipóteses Gerais22
(i) A variação do fenômeno da concordância verbal é condicionada muito mais por
grupos de fatores lingüísticos do que extralingüísticos, tanto no PB, quanto no PE (cf.
MONGUILHOTT, 200123);
(ii) Acreditamos que o PE se mostrará mais conservador na marcação da concordância
verbal, apresentando freqüências maiores de marcas explícitas de plural nos verbos do
que as freqüências que serão encontradas no PB (cf. NARO e SCHERRE, 2007);
(iii) No que se refere ao recorte sincrônico do PB e do PE, nossa hipótese em relação às
duas faixas etárias controladas, jovens e velhos, relaciona-se à diazonalidade.
Esperamos que os jovens da zona não urbana preservem mais as marcas de
concordância verbal do que os velhos desta mesma zona. Já no que se refere à zona
urbana, acreditamos que os mais velhos preservem mais a concordância verbal (cf.
LUCCHESI, 200624);
(iv) No que tange ao recorte diacrônico, tanto do PB, quanto do PE, acreditamos que os
resultados apresentarão aumento da variação na concordância verbal de terceira pessoa
do plural do século XIX para o século XX25.
22
As hipóteses específicas serão discutidas no capítulo II, seção 2.5, juntamente com o item que trata da
caracterização e das hipóteses relativas a cada um dos grupos de fatores. Em relação aos problemas
empíricos, também levantamos as hipóteses no capítulo II, seção 2.1.5.
23
Embora nossa hipótese seja tanto para o PB, quanto para o PE, os resultados de Monguilhott (2001) que
correspondem à nossa hipótese referem-se somente ao PB, conforme salientamos na seção 1.1.1.1.
24
Lucchesi (2006) também trata de resultados somente do PB, cf. seção 1.1.1.2.
25
Levantamos essa hipótese correlacionando os resultados de estudos diacrônicos a respeito da ordem e
do preenchimento do sujeito que serão discutidos no capítulo IV, seção 4.3.
42
Capítulo II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA
A abordagem teórico-metodológica deste estudo levará em conta os pressupostos
da Teoria da Variação e Mudança Lingüística (cf. WEINREICH, LABOV e HERZOG,
1968; LABOV, 1972, 1994) e da Dialetologia Pluridimensional (cf. RADTKE e THUN,
1996; THUN, 1998; BELLMANN, 1999) que serão evidenciados neste capítulo.
Ressaltamos, ainda, a amostra coletada e o programa utilizado para a análise estatística,
delineamos o perfil sócio-histórico das comunidades de fala a serem investigadas neste
trabalho, indicamos também a variável dependente do nosso estudo, apresentamos os
contextos de restrição do fenômeno em estudo, e, por fim, caracterizamos e levantamos
as hipóteses relativas às variáveis independentes.
2.1 Teoria da Variação e Mudança
2.1.1 Pressupostos Básicos
A teoria da variação e mudança lingüística, proposta por William Labov (1966),
consiste em um modelo teórico e metodológico que tem por objetivo analisar a língua
como sistema heterogêneo. Língua, de acordo com Labov (2008 [1972], p.215), é “uma
forma de comportamento social, [...] usada por seres humanos num contexto social,
comunicando suas necessidades, idéias e emoções uns aos outros”.
A teoria variacionista aborda a estrutura e evolução da linguagem num contexto
social da comunidade de fala26, partindo do pressuposto de que a variação na fala de
indivíduos pertencentes a uma mesma comunidade lingüística é sistematizada, i.e., toda
variação é condicionada por fatores de ordem diversa, e a mudança lingüística resulta
desta variação. É também chamada de sociolingüística quantitativa, pois utiliza-se de
cálculos, como percentagens e probabilidades, de estruturas variáveis em dados
coletados da fala.
O modelo laboviano surgiu em meados da década de 60, momento em que
despontava a teoria chomskiana27 e ainda vigoravam as idéias saussureanas28. Labov,
26
Na seção 2.1.3, discutiremos o conceito de comunidade de fala.
Algumas idéias da Gramática Gerativa já estavam presentes na obra de Chomsky de 1955, Logical
Structure of Linguistic Theory, mas o desenvolvimento destas idéias se deu em 1957, com Syntactic
Structures.
28
As idéias de Saussure foram publicadas por dois de seus discípulos, Charles Bally e Albert Sechehaye
com a colaboração de outro discípulo A. Riedlinger, em 1916, três anos depois de sua morte. Os alunos
publicaram a obra “Cours de linguistique générale” a partir de anotações feitas durante o curso de
Lingüística Geral oferecido pelo mestre na Universidade de Genebra.
27
43
naquele momento, apresenta críticas tanto ao modelo saussureano, quanto ao modelo
chomskiano.
Em relação a Saussure, Labov aponta o paradoxo saussureano como um dos
pontos a serem rejeitados. O paradoxo está no fato de todos os falantes possuírem um
conhecimento da langue (parte social da linguagem) e assim ser possível estudar o
aspecto social da linguagem pela observação de um único indivíduo, no entanto, o
estudo da parole (individual) só pode ser feito pela observação da linguagem em seu
contexto social. Para Labov, a língua é heterogênea e a heterogeneidade é sistemática.
Outro ponto a ser rejeitado pelo modelo laboviano é a questão da imanência
defendida por Saussure. Segundo Saussure, os fatos lingüísticos são explicados através
de outros fatos lingüísticos. Já para Labov, esses fatos são explicados também no campo
extralingüístico em que se introduz o componente social.
O modelo saussureano também defende que a fala só opera sobre um estado de
língua, a sincronia – fato estático, e as mudanças que ocorrem entre os estados,
diacronia – fato evolutivo, não têm nesses nenhum lugar, pois é a sincronia que
constitui a realidade verdadeira e única. Para Labov, a variação e mudança no sistema
devem ser investigadas a partir de fatos sincrônicos e diacrônicos.
No que se refere aos preceitos teóricos de Chomsky, Labov rejeita o fato de, no
modelo chomskiano, o objeto da lingüística ser uma comunidade de fala abstrata,
homogênea, com falantes-ouvintes ideais. Para o modelo laboviano, a comunidade de
fala é heterogênea, com falantes-ouvintes reais.
Para a teoria chomskiana, os dados são as próprias intuições do lingüista e/ou
dos falantes sobre a linguagem. São os lingüistas/falantes que fazem, a partir do “seu
dialeto”, os julgamentos de gramaticalidade, de aceitabilidade e de relação semântica, o
que implica muitos casos de julgamento duvidoso. Para Labov, os lingüistas não podem
produzir teoria e dados ao mesmo tempo. A busca por julgamentos intuitivos
homogêneos é falha; muitas vezes, a intuição é menos regular e mais difícil de
interpretar do que a própria fala. De acordo com Labov, para lidar com a língua, é
preciso olhar os dados de fala do dia-a-dia e relacioná-los às teorias gramaticais o mais
criteriosamente possível, ajustando a teoria de modo que ela dê conta do objeto. Para
Chomsky, a teoria não é determinada pelos dados; já para Labov, sim.
Como uma metodologia científica, a teoria da variação e mudança pressupõe,
portanto, um objeto e um método. Seu principal objeto é a língua, empregada em
situações naturais e espontâneas do dia-a-dia por indivíduos pertencentes a uma
44
determinada comunidade. Algumas barreiras teóricas são apontadas para o estudo da
linguagem do dia-a-dia; no entanto, todas elas superáveis, de acordo com Labov (1972).
A agramaticalidade da fala é uma destas barreiras. Para Labov, o fato de
existirem muitas sentenças mal formadas na fala é um mito sem base em fatos reais
comprovado em vários estudos empíricos, em que aproximadamente setenta e cinco por
cento dos enunciados são bem formados.
Outra barreira apontada seria o fato de decidir o lugar da variação na estrutura
lingüística, já que temos na língua formas alternativas de dizer a mesma coisa. De
acordo com Labov, a existência de variação e estruturas heterogêneas na comunidade de
fala é comprovada: a heterogeneidade não é apenas comum como é resultado natural de
fatores lingüísticos básicos. Citando Weinreich, Labov e Herzog29, (1968, p.101), o
autor afirma que “a ausência de alternância estilística e de sistemas comunicativos
multiestratificados é que seria disfuncional” (LABOV, 2008 [1972], p. 238), já que a
variação é inerente à comunidade de fala.
Outro problema apontado para o estudo da linguagem do dia-a-dia são as
dificuldades de audição e gravação da fala em situações naturais que, segundo Labov, é
um problema resolvido com equipamentos de boa qualidade, o que a cada dia é mais
fácil de se obter. Labov afirma, ainda, que não há necessidade de centenas de gravações
para se fazer uma análise estatística, pois padrões básicos de estratificação social
emergem de amostras de cerca de vinte e cinco informantes, sendo cinco por célula30.
Por fim, a questão da raridade das formas sintáticas também é apontada como
uma barreira teórica. Para o autor, há algumas estratégias para superar essa barreira,
como o fato de o lingüista ser capaz de estabelecer uma conversação com um
informante suscitando o uso natural de dada forma sem ele mesmo utilizá-la. Assim,
poderá verificar se o falante tem tal forma incorporada em sua fala, se apresenta um uso
regular ou não.
Em relação ao método da sociolingüística variacionista, temos a questão da
seleção dos informantes para compor as amostras para o estudo sociolingüístico. Os
falantes são selecionados de acordo com suas características sociais e geográficas de
modo que representem a sociedade na qual se inserem. O método consiste em verificar
quais fatores sociais e lingüísticos condicionam a escolha de uma ou outra das formas
alternantes da língua, as variantes, definidas por Labov (2008 [1972], p.313) como “a
29
30
Daqui por diante, ao nos referirmos aos autores, usaremos as iniciais dos seus sobrenomes WLH.
Entende-se por célula a unidade de uma estratificação social.
45
opção de dizer ´a mesma coisa´ de várias maneiras diferentes, isto é, as variantes são
idênticas em valor de verdade ou referencial, mas se opõem em sua significação social
e/ou estilística”. Ao conjunto de variantes dá-se o nome de “variável lingüística”.
De acordo com Oliveira (1987), não podemos restringir o contexto unicamente
ao contexto estrutural, pois existe um outro tipo de seleção de formas que não ocorrem
em termos estruturais. Segundo o autor, a literatura em lingüística antropológica aponta
vários casos em que a seleção de formas acontece em termos da estrutura cultural da
comunidade de fala. De fato, o contexto não-estrutural, em que se inserem fatores
sociais, discursivos, pragmáticos etc., apresenta o mesmo efeito para certificar se
estamos diante de variantes que o contexto estrutural apresentaria.
Em relação ao valor de verdade, Oliveira busca subsídios na noção de sinonímia,
já que, no caso das análises sociolingüísticas, a sinonímia é limitada ao valor de
verdade. Para Labov (1978), duas sentenças que se referem ao mesmo estado de coisas
têm o mesmo valor de verdade, ligando, desta forma, a noção de significado à de valor
de verdade.
Segundo Labov (2003 [1969]), um dos princípios fundamentais da investigação
sociolingüística está no fato de não haver falantes com estilo único, já que todo falante
mostra alguma variação em regras fonológicas e sintáticas de acordo com o contexto no
qual ele fala. As mudanças estilísticas são determinadas, conforme Labov, (i) pelas
interações do falante com os outros e relações de poder ou solidariedade entre o grupo;
(ii) pelo contexto social – escola, trabalho, casa, vizinhança, igreja e ainda (iii) pelo
tópico da fala.
Os estudos variacionistas desenvolveram-se, em sua maioria, na área da
fonologia, a começar pelos estudos pioneiros de Labov31. Essa preferência se
desencadeou, de acordo com Bentivoglio (1987), primeiramente pela alta freqüência de
31
No primeiro estudo “The social motivation of a sound change” (1972 [1963], capítulo I), Labov
investiga a variação dos ditongos [ay] e [aw] na Ilha de Martha’s Vineyard, Massachussets. O autor
atesta, a partir da sua análise, que há uma tendência à centralização dos ditongos pelos nativos da ilha,
contrária ao inglês padrão, condicionada pela resistência destes nativos que se identificam com a ilha aos
veranistas que invadiam seu lugar para fazer turismo. Desta forma, Labov comprova que não é possível
investigar um percurso de mudança lingüística separadamente da vida social da comunidade de fala, as
pressões sociais agem sobre a linguagem. No segundo estudo “The social stratification of (r) in New York
city department stores”(1972 [1966], capítulo II), Labov investiga a presença/ausência do [r] pós-vocálico
na fala de nova iorquinos estratificados de acordo com classe social. Os dados foram coletados por Labov
em três lojas de departamentos da cidade (Saks – classe média alta, Macy’s – classe média baixa e Klein
– classe baixa). Os resultados apontam para o maior uso do [r] na Saks (62%) e na Macy’s (51%) e para o
menor uso na Klein (21%). A análise do autor confirma a importância da estratificação social no
condicionamento de usos lingüísticos, pois o novo padrão de prestígio de Nova Iorque é a presença do [r]
e foi justamente nas lojas de classes sociais mais prestigiadas (Saks e Macy’s) que o segmento fônico
apareceu com maior freqüência.
46
uso dos dados, necessária para a análise empírica, e também pelo campo da fonologia
mostrar-se ideal para o estudo da variação, já que as variantes fonológicas apresentam
significado social e estilístico32.
2.1.2 A variação na sintaxe
Estendendo os estudos variacionistas para além do campo da fonologia, Weiner
e Labov (1983 [1977]) realizam uma pesquisa quantitativa das construções ativas e
passivas do inglês, testando fatores externos (estilo, sexo, classe, etnia, idade) e fatores
internos (status informacional, paralelismo estrutural). Os autores, ao analisar seus
resultados, verificam que a escolha de uma ou outra das formas alternantes é motivada
sintaticamente, não sendo, portanto, socialmente determinada.
Essas considerações sugerem uma reformulação de pressupostos em que a
crença de que o estudo da variação pode detectar empiricamente a mudança, explicada
em termos sociais, deixa de existir, passando-se a considerações de ordem interna
relativas ao funcionamento da gramática.
Partindo do estudo de Weiner e Labov, Lavandera (1978) levanta alguns
argumentos favoráveis à inadequação de estender o estudo variacionista para além do
nível fonológico. Primeiramente, ao salientar o fato de as construções sintáticas
apresentarem cada uma, por definição, um significado, questionando, desta forma, o
conceito de variantes sintáticas, a autora sugere o alargamento de mesmo significado
para condição de “comparabilidade funcional”. Neste sentido, construções sintáticas
cuja intenção comunicativa é a mesma, independentemente de possuírem mesmo
significado, podem ser tratadas como variantes de uma mesma variável. Para
Lavandera, outra opção seria restringir o estudo variacionista ao nível fonológico em
que as variantes dizem de fato “a mesma coisa”.
Labov (1978) discorda das propostas de Lavandera afirmando que unidades nãofonológicas não possuem cada uma um significado. Para isto, lança mão da noção de
“estado de coisas” em que dois enunciados que se referem ao mesmo estado de coisas
têm o mesmo significado referencial ou o mesmo valor de verdade.
Lavandera coloca em foco também a noção de variável sociolingüística. Para a
autora, estudos em que os fatores sociais e estilísticos não se mostram relevantes não
32
Para Labov (1972) o fato de as variantes apresentarem significado social e estilístico implica se dizer “a
mesma coisa” de formas diferentes. Neste sentido, o autor evidencia que as variantes são idênticas em
valor referencial ou valor de verdade, possuindo significação social e estilística oposta.
47
devem ser caracterizados como variação “sociolingüística”. Labov não distingue
variável sociolingüística de variável lingüística e, contrário ao argumento de Lavandera,
o autor deixa claro que, ao realizarmos estudos sociolingüísticos, não estamos somente
preocupados em verificar a relevância dos fatores sociais, mas, antes disso, objetivamos
obter um retrato da estrutura gramatical da língua, vista como um fenômeno social.
Diante disto, acreditamos que, apesar de a extensão da teoria da variação lingüística a
outros níveis além da fonologia gerar controvérsias, o caminho é possível de ser
seguido. No caso da variável dependente deste estudo, a concordância verbal de
terceira pessoa do plural, pudemos observar que se caracteriza como uma regra
variável passível de um estudo variacionista, pois, como afirma Labov, vamos estar
lidando com enunciados que se referem ao mesmo estado de coisas.
Analisando os exemplos a seguir:
(1) a. Chegaram as cartas
b. Chegou as cartas
(2) a. As cartas chegaram
b. As cartas chegou
percebemos que de fato as sentenças com ou sem marcação da concordância verbal
apresentam a mesma intenção comunicativa, nos termos de Lavandera, e o mesmo valor
de verdade, nos termos de Labov, podendo então ser consideradas variantes de uma
mesma variável.
2.1.3 Comunidade de fala
De acordo com a sociolingüística variacionista, os fenômenos variáveis devem
ser observados em comunidades de fala. Labov (1972) afirma que a comunidade de fala
não se define por nenhum acordo marcado quanto ao uso dos elementos da língua, mas,
sobretudo, pela participação num conjunto de normas estabelecidas. Tais normas podem
ser observadas em tipos claros de comportamento avaliativo e na uniformidade de
padrões abstratos de variação, que são invariantes em relação a níveis particulares de
uso.
48
Para o autor, comunidade de fala envolve um conjunto de indivíduos que
avaliam a língua da mesma maneira, pensam a língua da mesma maneira, entrando em
jogo, desta forma, os fatores sociais. Segundo Labov, não se trata de um grupo de
falantes que utilizam as mesmas formas, mas de um grupo que segue as mesmas normas
relativas ao uso da língua. Labov enfatiza então, para o conceito de comunidade de fala,
a questão da avaliação no grupo, isto porque, para ele, a avaliação é mais homogênea do
que os usos.
Já Guy (2001), para chegar ao conceito de comunidade de fala, evidencia
algumas questões. A primeira é o fato de que as diferenças entre falantes de uma língua
devem ser extensivas, ou seja, devem atingir muitas áreas da gramática mental. Guy
aponta também que os falantes compartilham características lingüísticas entre si que
podemos reconhecer e que os distinguem de outros falantes que não compartilham tais
características. O autor enfatiza, ainda, que essas diferenças existentes entre os falantes
são sistemáticas e não aleatórias, correspondem à organização social e refletem
subgrupos de falantes que usam as mesmas características e que estas diferenças não são
limitadas a diferenças entre falantes, mas também acontecem dentro da fala de cada
pessoa que vai variar o uso por vários motivos, sejam comunicativos ou sociais,
questões que envolvam formalidade/informalidade, polidez/intimidade.
Depois de apresentadas as questões, Guy (2000) define comunidade de fala
como um grupo de falantes que apresentam:
(i) características lingüísticas compartilhadas; isto é, palavras, sons ou
construções gramaticais que são usados na comunidade, mas não o são fora dela;
(ii) densidade de comunicação interna relativamente alta; isto é, as pessoas
normalmente falam com mais freqüência com outras que estão dentro do grupo
do que com aquelas que estão fora dele; (iii) normas compartilhadas; isto é,
atitudes em comum sobre o uso da língua, normas em comum sobre a direção da
variação estilística, avaliações sociais em comum sobre variáveis lingüísticas
(p.18).
Para a quantificação das diferenças e semelhanças lingüísticas em uma
comunidade de fala, Guy sugere que podem ser medidas em termos de efeitos de
contextos33. Segundo o autor, as comunidades diferentes apresentam diferenças nos
efeitos contextuais representados pelos pesos relativos, o que implica diferenças
gramaticais. Já os indivíduos que formam uma comunidade de fala, de acordo com Guy,
33
Efeitos de contextos seriam os efeitos exercidos por fatores lingüísticos condicionantes dos fenômenos
variáveis. Guy (2001) cita como exemplo de efeito de contexto no português a influência do fator tipo de
verbo na queda do /r/ final, fator este que faz parte do contexto morfológico ou lexical.
49
devem compartilhar os mesmos efeitos de contexto nos processos variáveis, entre os
traços lingüísticos que definem a comunidade. As diferenças entre indivíduos dentro da
mesma comunidade são de natureza não gramatical.
Guy (2000) evidencia que as características definidoras da comunidade de fala
estão imbricadas. Na verdade, os membros de uma comunidade compartilham traços
lingüísticos em função da densidade da comunicação e das normas compartilhadas.
Segundo o autor, pertencer a uma comunidade é
em parte, acidental, determinado pelas circunstâncias de nascimento e residência,
e pelo acesso comunicativo a outros. Mas é também parcialmente intencional,
determinado pelas nossas atitudes social e lingüísticas, pelas nossas decisões
sobre com quem queremos nos associar, e quem queremos emular. Adotar a
gramática da comunidade é, em parte, um ato de identidade (2001, p.14).
Desta forma, parece que Guy, diferentemente de Labov, atribui igual
importância aos traços lingüísticos e às normas e atitudes compartilhadas pelos falantes,
além de inserir a questão das redes sociais a que pertencem os falantes para a definição
de comunidade de fala. Neste trabalho, é esta a concepção de comunidade de fala que
adotamos.
2.1.4 Redes sociais
Consideramos importante também a discussão que existe na literatura
sociolingüística a respeito das redes sociais, aspecto a ser considerado neste trabalho e
que, de certa forma, é levantado por Guy (2000, 2001), como vimos na sua definição de
comunidade de fala.
As redes sociais são definidas, de acordo com Milroy (2002), como a união de
conexões contratadas entre os indivíduos. De acordo com a autora, a análise das redes
examina as estruturas e as propriedades destas conexões, capturando a dinâmica dos
comportamentos interacionais dos falantes. Esta análise, desenvolvida por antropólogos
nas décadas de 60 e 70, passou a ser adotada pelos variacionistas a partir da década de
80, com o trabalho precursor de Milroy que revisou o conhecimento sociológico dos
estudos de rede para aplicar em um estudo em Belfast (Irlanda), “para explicar o
comportamento individual de vários grupos que não podem ser avaliados em termos das
associações do grupo corporativo” (1980, p.135 apud CHAMBERS, 1995, p.67)3435.
34
“to explain individual behaviour of various kinds which cannot be accounted for in terms of corporate
group membership”.
50
As redes sociais, segundo Milroy (2002), são criadas pelos indivíduos para
suprir problemas da vida cotidiana, são comunidades pessoais constituídas por ligações
interpessoais de diferentes tipos e intensidades, com estruturas e elos de conexões que
podem variar.
Chambers (1995) evidencia que a classe social foi a variável original a ser
investigada na sociolingüística; no entanto, percebeu-se que, mesmo em grupos sociais
relativamente homogêneos – vizinhança, igreja, instituições –, os indivíduos variam
lingüisticamente.
Diferentemente de outras categorias, como a classe social, as redes sociais não
se constituem como uma categoria social fixa, situada no macro-nível, dado que as
ligações dos indivíduos dentro e entre comunidades de fala podem mudar por diversas
razões. “Estudos de rede”, como Guy (1988, p.54) aponta, “são microsociológicos em
foco, enquanto estudos de classe são macroscópicos”36 (apud CHAMBERS, 1995,
p.68).
Chambers (1995) chama a atenção para o fato de que, por um lado, as redes
sociais giram ao redor de uma série de valores locais que geram certa pressão social
para que os indivíduos adotem os padrões valorizados por aquele grupo; por outro lado,
as redes são, em algum grau, mais escolhidas do que impostas, já que o indivíduo se
associa a tal e tal rede muitas vezes por escolha própria.
Esse aspecto, segundo o autor, faz com que as ligações entre os membros das
redes difiram das ligações em nível macro, as quais são amplamente determinadas pela
família. Como Lippi-Green (1989, p.223 apud CHAMBERS, 1995, p.71) afirma,
enquanto a idade e o gênero são indicadores das relações de grupo sobre as quais
o indivíduo não tem escolha e dentro do qual o indivíduo deve atuar, os
subsetores da rede representam um diferente aspecto do indivíduo como membro
da comunidade: um agente livre.37
Para Chambers (1995), quando visamos a uma explicação das ligações de rede
dos indivíduos, devemos olhar para suas associações diárias, investigando como muitas
pessoas em certo grupo se conhecem e como elas fazem para se conhecer. O número de
ligações entre os indivíduos em uma rede chama-se densidade (do inglês, density) e a
capacidade das ligações entre os indivíduos constitui a plexidade (do inglês, plexity).
35
As traduções encontradas ao longo deste trabalho são de nossa responsabilidade.
“Network studies are microsociological in focus, while class studies are macroscopic”.
37
“while age and gender are indicators of group alliance about which the individual has no choice, and
within which he or she must function, the... network subsectors… represent a different aspect of the
individual as a community member: that of a free agent”.
36
51
Quanto maior o número de pessoas que se conhecem umas às outras em uma
determinada rede, maior sua densidade, o contrário configura uma rede frouxa ou de
baixa densidade. As redes multiplexas são compostas por indivíduos que se relacionam
entre si em diversas condições (podendo ser ao mesmo tempo parentes e vizinhos, ou
ainda parceiros no trabalho e no lazer). Já a rede uniplexa é caracterizada por indivíduos
que se relacionam de uma única maneira.
Os estudos apontam que comunidades de alta densidade e multiplexas tendem a
exibir forte resistência à influência de valores externos, em função dos fortes laços
existentes entre os indivíduos e da identificação com os valores sociais da sua
comunidade.
Um outro termo importante que se vincula às redes sociais e será considerado
em nosso trabalho é o localismo. Para Milroy (1980), localismo refere-se ao sentimento
que o indivíduo tem de pertencer ao local em que mora, valorizando-o socialmente. Os
indivíduos que se identificam com a comunidade da qual fazem parte tendem a reforçar
os valores culturais e lingüísticos locais. Relacionado a esse conceito está o conceito de
mobilidade. Indivíduos que apresentam alto grau de mobilidade, ou seja, de
deslocamento do seu lugar de origem, da sua comunidade, tendem a adotar valores de
um grupo externo de referência.
Em relação à nossa amostra, esperamos que os informantes das comunidades
não urbanas constituam redes mais densas e multiplexas, já que nessas comunidades os
indivíduos se relacionam muito mais intensamente entre eles, são mais solidários entre
si, enquanto que os informantes das comunidades urbanas constituam redes menos
densas e uniplexas por terem menos contato entre si, apresentarem relações menos
estreitas com os indivíduos que fazem parte da sua comunidade.
Desta forma, esperamos que os informantes da zona não urbana tendam ao uso
de variantes locais, no caso do nosso estudo, a não marcação da concordância verbal. Já
os informantes da zona urbana, embora não exerçam interinfluências entre si por
constituírem redes frouxas, usam padrões mais valorizados socialmente, no caso, a
marcação da concordância verbal, em função de pertencerem à zona urbana.
Acreditamos, também, que os informantes da nossa amostra que se identificarem
com a sua localidade tenderão à valorização da cultura local, bem como dos usos
lingüísticos locais, diferentemente dos indivíduos que não se identificarem com a
localidade da qual fazem parte, que tenderão a adotar padrões lingüísticos externos.
Esperamos ainda que os indivíduos que apresentarem pouca mobilidade tenderão ao uso
52
dos padrões valorizados localmente, diferentemente dos indivíduos que apresentarem
alta mobilidade que tenderão a adotar padrões lingüísticos de grupos externos de
referência.
2.1.5 Sobre mudança lingüística
Através da sociolingüística quantitativa, podemos observar se existe certa
estabilidade entre as variantes em concorrência, ou se há mudança em progresso, em
que uma das variantes está ganhando a competição, e, neste caso, quais as tendências de
uma possível mudança lingüística. Quando estamos diante de formas diferentes
competindo por uma mesma função, é natural que essas formas se rejeitem mutuamente.
Esta situação não parece nem econômica, nem funcional para a língua, pois não
precisamos ter mais de uma forma, no mesmo contexto, dizendo a mesma coisa.
Para Labov (2003 [1969]), em qualquer lugar a língua está em processo de
mudança, já que há tendência para novas formas serem adotadas por um grupo social e
gradualmente espalharem-se a outros grupos. O autor afirma que o valor atribuído à
forma é derivado dos valores associados com o grupo que a introduziu.
De acordo com WLH (1968), “nem toda variabilidade e heterogeneidade na
estrutura lingüística implica mudança; mas toda mudança implica variabilidade e
heterogeneidade”38, e são os fatores sociais, principalmente o fator idade, que nos
permitem verificar os indícios de mudança em tempo aparente, assim como a
investigação em períodos diferentes de tempo nos permite verificar os indícios de
mudança em tempo real.
Naro (1992), ao tratar de mudança lingüística em tempo aparente, ressalta alguns
aspectos interessantes. Inicialmente, o autor evidencia a posição clássica (aceita desde
gerativistas até sociolingüistas), que postula que o processo de aquisição da linguagem
se encerra aproximadamente no início da puberdade e, a partir daí, a língua do indivíduo
fica estável. Partindo dessa hipótese, Naro revela que o estado atual da língua de um
falante adulto reflete o estado da língua adquirida quando tinha mais ou menos 15 anos.
Desse modo, a fala de uma pessoa de 70 anos, pertencente a um corpus gravado em
1990, representaria o estado da língua adquirida em 1935.
Estudos desse tipo, segundo o autor, revelam um padrão quase linear da
mudança lingüística em progresso, com as pessoas mais velhas preferindo uma forma
mais conservadora, os mais jovens a forma inovadora e os de meia-idade usando ambas
38
Tradução de Bagno (2006, p.126).
53
as formas, confirmando, assim, o postulado fundamental da hipótese clássica do
relacionamento entre mudança e idade, em que “o processo da mudança se espelha na
fala das sucessivas faixas etárias” (NARO, 1992, p.84).
Naro aponta que, apesar de interessante, a hipótese clássica esconde algumas
dificuldades: primeiro o fato de nem toda variação na fala representar mudança em
progresso na língua e, também, o fato de a variação estável assim como a mudança em
progresso poderem depender da faixa etária do falante. No caso de variação estável,
segundo o autor, não costuma aparecer o padrão quase linear, mas um padrão
curvilinear, com os jovens e os velhos apresentando comportamento semelhante em
contraste com os de meia-idade. Desta forma, há evidências de que o falante muda sua
língua no decorrer dos anos, diferentemente do que a hipótese clássica prevê: a
existência da estabilidade na língua depois da puberdade.
Em relação à questão: “qual a posição certa?”, Naro coloca que “a base empírica
da hipótese clássica se encontra bastante enfraquecida atualmente” (1992, p.84). Revela,
ainda, que os estudos devem contemplar as mudanças em tempo aparente relacionadas a
mudanças em tempo real, pois “os dois padrões existem lado a lado” (1992, p.85).
Os estudos em tempo real podem recorrer a estágios anteriores da língua ou
ainda investigar amostras de fala da mesma comunidade (estudo do tipo “tendência”) ou
do mesmo indivíduo em tempos diferentes (estudo do tipo “painel”).
Paiva e Duarte (2003) evidenciam que o estudo da mudança em tempo real não
está isento de problemas. Um deles refere-se ao fato de a amostra selecionada pelo
pesquisador não ser representativa da comunidade de fala daquela época, já que se
recorre a textos escritos, pois não se tem acesso a falantes de tais épocas. Apontam
ainda que, muitas vezes, algumas formas são preservadas nos textos escritos, embora já
não sejam mais usadas na fala.
No que se refere ao presente estudo, recorreremos a estágios anteriores da língua
a partir de uma amostra constituída de peças de teatro dos séculos XIX e XX, o que nos
permitirá identificar o percurso da concordância verbal através desses séculos.
Acreditamos que, no caso das peças de teatro, o problema apontado por Paiva e Duarte
(2003) seja, talvez, amenizado, pois algumas peças do PB, por exemplo, não foram
editadas e, por isso, não passaram por um processo criterioso de revisão e também pela
característica deste gênero textual, que, embora escrito, pretende representar a fala de
personagens, sendo, portanto, no que diz respeito aos diálogos, mais informal.
54
No que tange à investigação com dados atuais, como apresentamos no capítulo I,
seção 1.2.3, nossas hipóteses em relação às duas faixas etárias a serem controladas,
jovens e velhos, relaciona-se à diazonalidade. Esperamos que os jovens da zona não
urbana preservem mais as marcas de CV do que os velhos desta mesma zona. Já no que
se refere à zona urbana, acreditamos que os mais velhos preservem mais a CV.
Em relação aos dados de outras épocas, acreditamos que encontraremos indícios
de mudança do século XIX para o século XX nos casos de marcação da concordância
com sujeito posposto ao verbo. Esperamos que, no século XIX, haja freqüência maior
de concordância nestes casos, em função da maior recorrência de sujeito posposto
naquele período, como atestam os dados de Berlinck (1988) e de Coelho (2006). À
medida que a ordem anteposta vai se enrijecendo, o que acontece no século XX, o
sujeito posposto passa a ser encarado pelos falantes como objeto (cf. PONTES, 1986),
havendo assim menos marcação da concordância nos verbos.
Esperamos que o padrão referente à variação e mudança com dados atuais e com
dados de outras épocas seja encontrado tanto no PB quanto no PE, no entanto, com
diferenças percentuais, com a variedade européia mostrando-se mais conservadora,
tendendo ao uso percentualmente maior de marcas explícitas de concordância.
Como Paiva e Duarte (2006, p.139) apontam “na proposta de WLH, a mudança
é entendida como uma conseqüência inevitável da dinâmica interna das línguas
naturais”. Dada a importância da investigação da mudança lingüística nos trabalhos
variacionistas, pretendemos, nesta pesquisa, contemplar a discussão dos problemas de
restrição, de transição, de encaixamento e de avaliação, levantados por WLH (1968).
O problema da restrição busca, de acordo com os autores, “determinar o
conjunto de mudanças possíveis e condições possíveis para a mudança”39. Para darmos
conta deste problema, levantamos grupos de fatores lingüísticos e extralingüísticos que
possam estar favorecendo ou restringindo a mudança na concordância verbal de terceira
pessoa do plural.
Já o problema de transição é definido pelos autores como a “trilha pela qual uma
mudança lingüística está caminhando para se completar”40. No caso do nosso estudo,
procuraremos definir o percurso das variantes da concordância verbal dentro da
estrutura lingüística e dentro da sociedade.
39
40
Tradução de Bagno (op. cit., p.121)
Tradução de Bagno (op. cit., p.90).
55
Dentro da estrutura lingüística, acreditamos que a queda da nasal fonêmica está
levando à queda da nasal morfêmica, mudança por difusão lexical. Quanto ao percurso
das variantes dentro da sociedade, procuraremos investigar tal percurso associado às
diferentes faixas etárias dos informantes que fazem parte da amostra da pesquisa, às
épocas distintas a serem controladas e às comunidades urbana e não urbana.
Em relação ao problema de encaixamento, WLH (1968) levantam uma questão
fundamental para a teoria da variação e mudança lingüística
como as mudanças observadas estão encaixadas na matriz de concomitantes
lingüísticos e extralingüísticos das formas em questão? (ou seja, que outras
mudanças estão associadas a determinadas mudanças de um modo que não pode
ser atribuído ao acaso?)41.
Os autores evidenciam que as mudanças lingüísticas estão encaixadas no sistema
lingüístico, portanto, não se dão de forma isolada; ao contrário, para serem
compreendidas, há que se considerar sua inserção no sistema lingüístico que afetam.
Assim sendo, procuraremos observar o encaixamento do fenômeno da concordância
verbal, a ser investigado, e sua relação com outros fenômenos variáveis que vêm sendo
apontados como interrelacionados no que se refere ao encaixamento do PB (cf. PAIVA
e DUARTE, 2006). O que pretendemos discutir é se a não-marcação da concordância
verbal de terceira pessoa do plural tem levado a um maior preenchimento do sujeito,
ambos influenciados pela fixação da ordem SV.
Por fim, no que se refere ao problema de avaliação, WLH (1968) apontam que
“o nível de consciência social é uma propriedade importante da mudança lingüística que
tem de ser determinada diretamente”42. Para abordar tal problema, elaboramos um teste
de atitude/avaliação43 a respeito do fenômeno investigado para observarmos a
significação social que a variação na concordância verbal de terceira pessoa do plural
tem na consciência dos falantes. A partir deste instrumento, pretendemos relacionar a
avaliação subjetiva dos falantes com o processo de mudança do fenômeno em questão.
Os problemas aqui levantados serão retomados e discutidos no capítulo IV,
seção 4.3.
41
Tradução de Bagno (op. cit., p.36).
Tradução de Bagno (op. cit., p.124).
43
O teste será descrito e analisado no capítulo IV, seção 4.4.
42
56
2.2 Dialetologia Pluridimensional
2.2.1 Os estudos no Brasil
Os estudos dialetais no Brasil apresentam sua primeira manifestação, de acordo
com Ferreira e Cardoso (1994), em 1826 com Visconde de Pedra Branca, que descreve
a língua do Brasil ressaltando os empréstimos das línguas indígenas. A partir dessa data,
as autoras consideram três fases na história dos estudos dialetais.
A primeira fase inicia-se em 1826 e vai até 1920, data da publicação de “O
dialeto caipira” de Amadeu Amaral. Essa primeira fase caracteriza-se pela produção de
trabalhos voltados para o estudo do léxico no PB. Observa-se, a partir das publicações,
que esta fase apresenta caráter lexicográfico (glossários e dicionários) com um primeiro
estudo de natureza gramatical (“O idioma hodierno de Portugal comparado com o do
Brasil” – 1879, de José Jorge Paranhos da Silva).
O início da segunda fase dá-se com “O dialeto caipira” e apresenta
predominância de trabalhos voltados para os estudos gramaticais, mesmo que ainda se
produzam estudos lexicográficos. Embora se leve em conta o conhecimento empírico da
realidade lingüística e não haja trabalho no campo sistemático, já se experimenta a
observação direta à área a ser descrita e a preocupação com uma metodologia para o
exame da realidade. Os destaques dessa fase são: “O dialeto caipira”, de Amadeu
Amaral (1920), e “O linguajar carioca” de Antenor Nascentes (1922).
A terceira fase caracteriza-se pela produção de trabalhos com base em corpus e é
marcada pelo início das preocupações com o desenvolvimento e implementação dos
estudos de geografia lingüística no Brasil. Manifesta-se também a intenção de elaborarse o Atlas lingüístico do Brasil que toma forma de lei em 20/03/1952. Ferreira e
Cardoso (1994) evidenciam a importância, nessa fase, de quatro autores para o
desenvolvimento da geografia lingüística no Brasil: Antenor Nascentes, Serafim da
Silva Neto, Celso Cunha e Nelson Rossi.
Até a terceira fase, a tradição nos estudos dialetais volta-se para a investigação
da língua na perspectiva da variação relacionada à dimensão diatópica, restrita ao
espaço geográfico, a chamada dialetologia monodimensional. A dialetologia
monodimensional visa, então, ao estudo dos dialetos na dimensão horizontal apenas, ou
seja, preocupa-se com a variação diatópica. Já a dialetologia pluridimensional,
57
perspectiva recente, alarga a análise para além da dimensão horizontal – eixo da
arealidade44 – estendendo-se para a dimensão vertical – eixo da socialidade.
2.2.2 Os estudos em Portugal
Em relação aos estudos da dialetologia portuguesa, há uma longa tradição na
recolha de materiais para a constituição de atlas lingüísticos. Diferentemente do Brasil,
Portugal já possui um atlas do continente português.
Segundo Cintra (1995), José Leite de Vasconcelos é o fundador da dialetologia
científica em Portugal. Em 1893, o autor apresentou pela primeira vez o seu Mapa
Dialetológico do Continente Português, publicado em 1897, o qual já foi revisto e,
posteriormente, foram apresentadas algumas tentativas de classificação dos dialetos
portugueses continentais.
Uma delas, feita em 1901, foi proposta também por Leite de Vasconcelos. Em
1929, o autor volta a publicar o Mapa Dialetológico com várias modificações, o que
passa a ser considerado como uma nova proposta de classificação.
Em 1942, Manuel de Paiva Boléo lança uma nova classificação baseada em
inquéritos lingüísticos por correspondência. O mapa, elaborado com a colaboração de
sua discípula, Maria Helena dos Santos Silva, foi publicado em 1959.
Uma outra proposta de classificação dos dialetos portugueses aparece na
Gramática de Pilar Vázquez Cuesta e Maria Albertina Mendes da Luz, publicada em
1961.
Partindo das propostas de classificação dos autores citados, Cintra (1995)
apresenta uma nova proposta em que considera, diferentemente dos autores, os dialetos
galegos, os dialetos portugueses setentrionais e os dialetos portugueses centromeridionais.
Outra recolha que envolve os estudos de dialetologia portuguesa, de acordo com
Cintra (1995), deu-se para o Atlas Lingüístico da Península Ibérica. Os inquéritos em
Portugal foram feitos em duas fases. A primeira entre os anos de 1932 a 1936 e a
segunda entre 1947 e 1954. Nessas duas fases, foram coletados dados em 92 pontos do
país.
44
O eixo da arealidade refere-se à área controlada, às dimensões diatópica e diazonal.
58
2.2.3 Pressupostos da Dialetologia
Os estudos de dialetologia, como o próprio nome sugere, ocupam-se da
investigação e da descrição dos dialetos. Não há, na literatura, um único conceito para o
termo. Vejamos o sentido de dialeto de acordo com o ponto de vista de alguns autores.
Para Coseriu (1982), o termo dialeto “designa uma língua menor incluída em
uma língua maior, que é, justamente, uma língua histórica (um idioma)” (p.12). Dessa
forma, o autor enfatiza a diferença entre língua e dialeto em termos de status histórico
“dialeto sem deixar de ser intrinsecamente uma ´língua´, é considerado subordinado a
outra ´língua´ de ordem superior” (p.11).
Coseriu reconhece que as línguas históricas não estão sujeitas somente à
variação dialetal (espacial/diatópica), mas também à variação sociocultural (diastrática)
e à variação estilística (diafásica). No entanto, para o autor, cabe à dialetologia o estudo
dos dialetos, já o estudo dos níveis diastráticos cabe à sociolingüística; e dos níveis
diafásicos, à estilística. Para o autor, portanto, a dialetologia restringe-se ao estudo dos
dialetos na dimensão espacial, diatópica.
Ferreira e Cardoso (1994) definem língua como “um sistema de sinais acústicoorais, que funciona na intercomunicação de uma coletividade. É resultado de um
processo histórico, evolutivo” (p.11). Para as autoras, a língua constitui-se como um
sistema abstrato, pois, quando concretizada na fala, já aparece diversificada. Já o
dialeto, conforme as autoras, define-se como “um subsistema inserido nesse sistema
abstrato que é a própria língua” (p.12). Esse parece ser, na verdade, o conceito mais
difundido na dialetologia, dialeto entendido como um subsistema dentro do sistema que
é a língua.
Chambers e Trudgill (1980) rejeitam a noção de dialeto como uma forma
subpadrão, de baixo status, vista como uma forma rústica de língua, associada à classe
trabalhadora ou a grupos de baixo prestígio; e ao contrário, adotam
a noção de que todos os falantes são falantes de ao menos um dialeto – o inglês
standard, por exemplo, é apenas um dos muitos dialetos como qualquer outra
forma do inglês – e que não faz sentido supor que um dialeto seja
lingüisticamente superior a outro (p.03)45.
Os autores discutem o critério da mútua inteligibilidade para a distinção entre
língua e dialeto. Segundo o critério, “a língua seria uma coleção de dialetos mutuamente
45
“[…] the notion that all speakers are speakers of at least one dialect – that standard English, for
example, is just as much a dialect as any other form of English – and that it does not make any kind of
sense to suppose that any one dialect is in any way linguistically superior to any other”.
59
inteligíveis” (op. cit., p.03) e caracteriza dialeto como subparte de uma língua. No
entanto, conforme os autores, esta caracterização de ´língua´ e ´dialeto´ não dá conta de
todos os exemplos. As línguas escandinavas, por exemplo, como o norueguês, o sueco e
o dinamarquês, são consideradas línguas diferentes e são mutuamente inteligíveis. Por
outro lado, o alemão é considerado apenas uma língua e, no entanto, algumas formas do
alemão são ininteligíveis para os falantes.
Os autores enfatizam que o critério da mútua inteligibilidade tem alguma
relevância, mas não é totalmente eficaz na delimitação do que é ou não uma língua, já
que existem razões políticas, geográficas, históricas, sociológicas e culturais, assim
como razões lingüísticas, envolvidas nesta delimitação.
Chambers e Trudgill afirmam que seria melhor substituir o termo ´língua´ por
´variedade´, termo que se aplica a qualquer tipo particular de língua. O termo variedade
pode se referir a variedades fonética/fonologicamente diferentes de outras, que se
chamariam ´acento´, ou a variedades gramaticalmente (e talvez lexicalmente), bem
como fonologicamente diferentes de outras, que seria o ´dialeto´.
Os autores evidenciam, ainda, que a língua pode ser vista como uma variedade
autônoma com variedades dependentes, heterônomas. No entanto, esses papéis podem
mudar, ou seja, variedades heterônomas podem tornar-se autônomas em função de
desenvolvimento político, por exemplo, e ´novas línguas´ podem se desenvolver.
Assim, os autores sinalizam para o fato de que a situação lingüística está
imbricada a situações políticas, históricas e sociais; por isso, a definição de língua e
dialeto não pode ser estanque; o que é uma língua hoje pode ter sido um dialeto, ou seja,
uma variedade que por algum motivo (seja histórico, político ou social) adquiriu certo
status e passou a ser língua oficial, situação que, possivelmente, pode mudar com o
passar do tempo. Desta forma, acreditamos ser esse o conceito de dialeto que mais se
adequa aos objetivos deste trabalho, dialeto entendido como variedade lingüística.
Esse conceito de dialeto parece estar mais adequado à proposta que seguiremos
neste trabalho, a da dialetologia pluridimensional, que, conforme apontada
anteriormente, se ocupa tanto do estudo das variedades lingüísticas no eixo da
arealidade, quanto no eixo da socialidade. Dessa forma, entendemos que os dialetos
podem variar tanto em termos horizontais (no espaço geográfico), como em termos
verticais (nos diversos estratos sociais).
60
De acordo com Bellmann (1999, p.20), o estudo bidimensional, nos eixos da
arealidade e da socialidade, atinge bons resultados “desde que se efetue o levantamento
dos dados com suficiente exatidão”.
A mudança de perspectiva parece se dar, conforme Radtke e Thun (1996), a
partir do momento em que se detecta certa crise na geolingüística46 românica
contemporânea que vê diminuir o interesse pela disciplina e conseqüentemente diminuir
a investigação a partir desse método. De acordo com os autores, a dialetologia e a
geolingüística se distanciaram da realidade, pois não davam conta do mundo moderno
das cidades, da mobilidade populacional, dos meios de comunicação, sendo superadas
por ciências como sociolingüística, pragmática, psicolingüística, entre outras, tornandose disciplinas obsoletas.
Desta forma, a dialetologia passa a transitar em novos caminhos, apoiando-se em
novos parâmetros, métodos e meios técnicos, combinando, assim, o parâmetro
diatópico, com os seguintes parâmetros: diastrático (referente aos diferentes estratos
sociais, podendo ser nível socioeconômico, nível de escolaridade), diageracional
(referente à idade), diassexual (referente ao sexo masculino e feminino), diafásico
(referente aos diferentes estilos de fala), diarreferencial (referente à atitude do falante
em relação à língua). No que tange à dimensão diatópica, costuma-se subdividi-la em
topostática, que se refere ao controle dos falantes com pouca mobilidade, aqueles que
nascem, vivem e trabalham no mesmo local, e em topodinâmica, controle de falantes
com certo grau de mobilidade.
Com essa mudança de perspectiva, os informantes selecionados também mudam
seu perfil. Enquanto para a dialetologia monodimensional bastava um único
representante de uma determinada localidade geralmente homem, mais velho, de nível
sociocultural baixo, residente na zona rural, com pouca mobilidade espacial e com
poucos contatos com pessoas de fora, características do que se considerava
representante legítimo da localidade, portanto, falante do dialeto típico do lugar,
principalmente no que diz respeito ao léxico e a marcas fonéticas, para a dialetologia
pluridimensional, são exigidos informantes com diferentes perfis em cada um dos
pontos47 selecionados; só assim as várias dimensões poderão ser controladas.
46
O termo geolingüística refere-se ao método utilizado na dialetologia, tanto monodimensional, quanto
pluridimensional, que trata da variação lingüística no espaço.
47
Ponto significa localidade.
61
Como vimos, a perspectiva que será adotada em nosso trabalho, a da dialetologia
pluridimensional, visa à investigação da variação da língua na dimensão geográfica e
também na dimensão social. Acreditamos que essa nova perspectiva da dialetologia
permite um trabalho associado à perspectiva da sociolingüística variacionista para a
investigação da heterogeneidade lingüística, já que, como Thun (1998) evidencia, a
dialetologia pluridimensional é formada pela superfície dialetológica horizontal
(variação geográfica) e pelo eixo vertical da sociolingüística (variação social),
analisando, então, os planos vertical e horizontal da linguagem e suas relações.
2.3 Axiomas metodológicos
Embasados na Teoria da Variação e Mudança, os axiomas metodológicos
apontados por Labov (1972) são seguidos neste trabalho. Neste momento, indicaremos
alguns deles relacionando-os aos procedimentos metodológicos do nosso trabalho.
Um destes axiomas é a alternância estilística. Segundo Labov, não existem
falantes de estilo único; há alternância de variáveis de acordo com o contexto social e o
tema.
No nosso trabalho, fizemos um só tipo de coleta sincrônica, que foi a entrevista,
e um só tipo de material diacrônico foi investigado, o texto teatral48. Assim sendo,
podemos observar que houve variação em função do tema em que o assunto, tanto da
entrevista, quanto do texto teatral, versou, e em relação ao contexto social, durante a
entrevista permanecia o mesmo, já durante alguns textos teatrais houve variação, o que
permitiu ao autor variar o estilo dos personagens.
Outro axioma apontado por Labov é a atenção: os estilos podem ser dispostos ao
longo de uma dimensão medida pelo grau de atenção dispensado à fala. O falante
diminui o controle da atenção à medida que se envolve emocionalmente no discurso.
No caso das nossas entrevistas, quando colocávamos em pauta assuntos em que
o informante se envolvia emocionalmente, como em situações de risco ou de grande
interesse pessoal, percebíamos menor monitoramento da sua fala. Já no caso dos textos
teatrais, relacionamos o grau de atenção do autor com a edição das peças. Observamos
que, quando a peça era editada, o grau de atenção era maior, já que havia uma revisão
não só do autor, mas da editora.
48
O tipo de material coletado, tanto para a amostra sincrônica, quanto para a diacrônica, será detalhado na
seção seguinte, 2.4.
62
O axioma seguinte trazido por Labov é o vernáculo, definido como o estilo em
que a mínima atenção ao controle do discurso é dada. Sua observação, segundo o autor,
nos proporciona os dados mais sistemáticos para a análise da estrutura lingüística.
A partir das entrevistas, tínhamos em mente a coleta justamente do vernáculo;
para tanto, elaboramos um questionário prévio com possíveis perguntas que poderiam
ser inseridas durante a conversa com o informante para suscitar o maior envolvimento
possível com os assuntos que surgiam, para que o vernáculo viesse à tona. Quanto aos
textos teatrais, foram selecionados para a análise diacrônica em função do objetivo do
autor se aproximar da fala do personagem, já que são textos elaborados com o fim de
serem dramatizados.
A formalidade é mais um dos axiomas apontados por Labov. Segundo ele, toda
observação sistemática de um falante define um contexto formal em que há algum grau
de atenção.
Assim sendo, por mais que buscássemos o vernáculo dos falantes, no caso das
entrevistas, temos consciência de que, em função de estarem sendo sistematicamente
observados, havia algum grau de monitoramento à sua fala. No caso do texto teatral,
também acreditamos que, em função de ser um texto escrito, embora elaborado para ser
falado posteriormente, há algum grau de monitoramento.
Por fim, Labov apresenta o axioma a respeito da qualidade dos dados. De acordo
com o autor, a melhor forma de coleta de dados é a gravação de entrevistas individuais,
principalmente, a partir de narrativas de experiências pessoais.
Nossas coletas sincrônicas foram realizadas de acordo com este axioma, todas a
partir de entrevistas individuais. No que se refere às coletas diacrônicas, como não se
tem acesso à fala de tempos mais remotos, optamos por coletar dados de escrita de
textos teatrais, por acreditarmos que os autores tentam retratar o mais fielmente possível
o que entendem ser a fala característica do personagem e do tempo que estão retratando.
63
Mesmo na fala, sabemos que é uma recriação do real. Labov aponta um
problema que é conhecido na literatura sociolingüística como “paradoxo do
observador”: o objetivo da pesquisa lingüística na comunidade é verificar como as
pessoas falam quando não estão sendo sistematicamente observadas; mas só podemos
obter esses dados através da observação sistemática. O que o autor sugere em relação a
este paradoxo é que busquemos mecanismos que desviem a atenção da fala, para que o
vernáculo possa emergir, envolvendo o falante em tópicos que recriem emoções fortes
vividas no passado, por exemplo.
2.4 A amostra utilizada e a análise quantitativa
A amostra para esta pesquisa compreende dois corpora, um sincrônico de língua
falada e outro diacrônico de língua escrita. Primeiramente, evidenciamos a amostra
sincrônica e, em seguida, apresentamos a amostra diacrônica. O corpus de dados
sincrônicos foi coletado em quatro localidades de Florianópolis (PB) e em quatro
localidades de Lisboa (PE). As localidades de Florianópolis selecionadas para esse
corpus foram: Ribeirão da Ilha e Costa da Lagoa, na zona não urbana, Ingleses e Centro,
na zona urbana, e as localidades de Lisboa, Cascais e Sintra, na zona não urbana, Belém
e Centro, na zona urbana. Para visualizar as localidades investigadas, observemos os
Mapas 2.1 e 2.2, a seguir:
64
Mapa 2.1: Distribuição das localidades no PB49
Mapa 2.2: Distribuição das localidades no PE
Para seleção das localidades, priorizou-se, principalmente, um dos aspectos
levantados por Ferreira e Cardoso (1994):
49
Os mapas 2.1 e 2.2 foram adaptados do Google Earth (acesso em fevereiro de 2009).
65
o estabelecimento de uma rede a ser inquirida na qual se verifique a intensidade
de pontos condizentes com a densidade demográfica da área, refletindo a
eqüidistância entre eles, de modo a vir recobrir harmonicamente toda a região
pretendida (p.26).
Tal seleção levou em conta, ainda, a intenção de investigar comunidades urbanas
e não urbanas. A seleção das localidades foi feita primeiramente em Florianópolis, com
a orientação do Professor Doutor Felício Wessling Margotti, e a seleção feita em
Lisboa, sob a orientação da Professora Doutora Ernestina Carrilho.
A coleta em Florianópolis foi realizada durante o segundo semestre de 2006 e o
primeiro semestre de 2007 e a coleta feita em Lisboa, durante estágio de doutorado no
exterior no segundo semestre de 200750, deu-se de modo a constituir uma amostra o
mais comparável possível àquela do PB que já havia sido selecionada anteriormente.
Vale ressaltar que Lisboa é a capital de Portugal. Muito embora seja um país que
não apresente tanta relevância política, econômica e social para a Europa, comparado a
outros países como Inglaterra, França ou Alemanha, Portugal faz parte de um continente
bastante importante em termos mundiais; ao contrário de Florianópolis, que apresenta
muito pouca representatividade política, econômica e social em um país que se situa em
um continente de países emergentes. Assim sendo, as características das localidades51,
por mais que pretendêssemos aproximá-las, têm inegáveis distâncias, o que não invalida
nossa investigação que levará em conta essas particularidades.
Todas as entrevistas foram realizadas pela pesquisadora. Os assuntos levantados
durante as entrevistas foram família, trabalho, lazer, estudo, redes sociais e situações de
risco. As entrevistas foram gravadas em aparelho digital e armazenadas através do
programa Audacity. Os dados foram coletados a partir de escutas realizadas com o
auxílio do programa de áudio.
Os informantes que constituem a amostra sincrônica desta pesquisa estão
estratificados de acordo com idade e escolaridade. Para cada ponto selecionado temos
quatro informantes, como veremos no quadro 2.1, a seguir:
50
O estágio de doutorado no exterior ocorreu no período de agosto de 2007 a janeiro de 2008, na
Universidade de Lisboa, sob a orientação da Professora Doutora Ernestina Carrilho. O estágio foi
realizado com bolsa Capes, processo 0773/07-7, por meio do Programa de Doutorado no País com
Estágio no Exterior - PDEE.
51
A caracterização das localidades será feita posteriormente na subseção 2.5.2.2.1.
66
Quadro 2.1: Estratificação dos informantes
Zona nãourbana /
urbana
Zona não
urbana PB
Ponto
(localidade)
Informante 1
Informante 2
Informante 3
Informante 4
Ribeirão da
Ilha
Zona não
urbana PB
Costa da
Lagoa
Zona
urbana PB
Ingleses
Zona
urbana PB
Centro
Zona não
urbana PE
Cascais
Zona não
urbana PE
Sintra
Zona
urbana PE
Belém
Zona
urbana PE
Centro
15 a 36 anos –
ensino
fundamental
15 a 36 anos –
ensino
fundamental
15 a 36 anos –
ensino
fundamental
15 a 36 anos –
ensino
fundamental
15 a 36 anos –
ensino
fundamental
15 a 36 anos –
ensino
fundamental
15 a 36 anos –
ensino
fundamental
15 a 36 anos –
ensino
fundamental
22 a 33 anos
– ensino
superior
22 a 33 anos
– ensino
superior
22 a 33 anos
– ensino
superior
22 a 33 anos
– ensino
superior
22 a 33 anos
– ensino
superior
22 a 33 anos
– ensino
superior
22 a 33 anos
– ensino
superior
22 a 33 anos
– ensino
superior
48 a 74 anos
– ensino
fundamental
48 a 74 anos
– ensino
fundamental
48 a 74 anos
– ensino
fundamental
48 a 74 anos
– ensino
fundamental
48 a 74 anos
– ensino
fundamental
48 a 74 anos
– ensino
fundamental
48 a 74 anos
– ensino
fundamental
48 a 74 anos
– ensino
fundamental
45 a 76 anos
– ensino
superior
45 a 76 anos
– ensino
superior
45 a 76 anos
– ensino
superior
45 a 76 anos
– ensino
superior
45 a 76 anos
– ensino
superior
45 a 76 anos
– ensino
superior
45 a 76 anos
– ensino
superior
45 a 76 anos
– ensino
superior
Foram analisados todos os dados de construções que apresentavam variação na
concordância verbal de terceira pessoa, extraídos de cada uma das trinta e duas
entrevistas que apresentaram duração média de cinqüenta minutos.
Para que pudéssemos verificar a influência dos fatores lingüísticos e sociais no
fenômeno em estudo, os dados coletados foram codificados e analisados
estatisticamente com o auxílio do programa Goldvarb (Robinson et al., 2001). Esse
programa apresenta as mesmas características do programa Varbrul (Pintzuk, 1988),
amplamente divulgado e utilizado em pesquisas sociolingüísticas. O Varbrul foi
desenvolvido para ambiente DOS, enquanto o Goldvarb, inicialmente, para Macintosh
(1999) e, posteriormente, construído para ambiente Windows. Esse pacote estatístico,
de acordo com Scherre e Naro (1997, p.95), fornece
[...] pesos relativos associados aos diversos fatores dos grupos de fatores ou
variáveis independentes consideradas, bem como a seleção destes grupos em
função de sua relevância estatística para a variação do fenômeno analisado. Os
pesos relativos atribuídos indicam o efeito que cada um dos fatores tem sobre as
variantes do fenômeno lingüístico analisado (a variável dependente) [....].
67
O corpus de dados diacrônicos constitui-se de quatorze peças de teatro de
autores catarinenses (PB), sendo cinco do século XIX e nove do século XX, e 14 peças
de teatro de autores portugueses (PE), também cinco do século XIX e nove do século
XX.
Nosso corpus diacrônico inicia-se no século XIX, pois em SC a imprensa é
introduzida pelo Brigadeiro Jerônimo Francisco Coelho com o Jornal “O Catharinense”
em 28/7/1831. Embora em Portugal, tivéssemos peças teatrais de tempos anteriores,
como nosso corpora pretendia ser comparativo, também coletamos peças a partir do
século XIX.
As peças da amostra do PB fazem parte de um projeto em curso coordenado pela
Professora Doutora Izete Lehmkhul Coelho vinculado ao Projeto Varsul na
Universidade Federal de Santa Catarina. Esse projeto visa à elaboração de um banco de
dados para estudos diacrônicos e conta com a colaboração dos doutorandos Marco
Antonio Martins e Isabel Monguilhott, assim como dos demais bolsistas de graduação,
vinculados ao Projeto Varsul.
Os textos foram selecionados a partir de pesquisas em acervos da Biblioteca
Estadual de Santa Catarina, do Centro de Cultura Açoriana e da Academia Catarinense
de Letras com a colaboração de pesquisadores da história do teatro em Santa Catarina,
como a Professora Doutora Zilma Nunes, do Departamento de Língua e Literatura
Vernáculas da Universidade Federal de Santa Catarina, a Professora Doutora Vera
Collaço, do Departamento de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Santa Catarina
e o escritor e diretor de teatro do Grupo Teatral Armação Antonio Cunha.
Já as peças portuguesas foram recolhidas durante meu estágio de doutorado no
exterior a partir de pesquisas na Biblioteca Nacional de Lisboa, na Biblioteca da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e, ainda, em livrarias e sebos52.
Para a análise diacrônica, foram retirados todos os dados de variação na
concordância verbal de terceira pessoa do plural encontrados, tanto na fala dos
personagens, quanto na fala do narrador.
As peças elencadas a seguir ilustram, primeiramente, o corpus do PB e, em
seguida, o corpus do PE.
52
Gostaria de agradecer ao meu colega de doutorado Marco Antonio Martins, que cedeu muitas das peças
que já havia recolhido em Lisboa quando iniciei meu estágio e que me acompanhou na busca das outras
peças para a constituição da minha amostra.
68
1 – Peças de teatro do século XIX (PB)
Autor: Antero dos Reis Dutra (1829-1865)
Título: BRINQUEDOS DE CUPIDO (Miscellanea)
Data da 1ª. publicação: 1859
Autor: José Cândido Lacerda (1842-1900)
Título: A CASA PARA ALUGAR
Data da 1ª. publicação: 1867
Autor: Álvaro Augusto de Carvalho (1829-1865)
Título: RAIMUNDO (drama em cinco atos – utilizamos o 1º. quadro do 2º. ato) – Série
Memória Literária de SC
Data da 1ª. publicação: 1868
Autor: Arthur Cavalcanti do Livramento (1872)53
Título: OS CIÚMES DO CAPITÃO
Data da 1ª. publicação: 1880
Autor: Horácio Nunes (1855- 1919)
Título da peça: O IDIOTA
Data da 1ª. publicação: 1890
2 – Peças de teatro do Século XX (PB)
Autor: Ildefonso Juvenal (1894-1965)
Título da peça: WALTRUDES, O NAUTA VENEZIANO
Data da 1ª. publicação: 1918
Autor: Clementino de Britto (1879-1953)
Título da peça: JARDIM MARAVILHOSO
Data da 1ª. publicação: 1920
53
Não conseguimos a data de morte do autor, nem as datas de nascimento e morte de João Antonio
Vecchione. Os demais autores que apresentam apenas data de nascimento é porque ainda estão vivos.
69
Autor: Nicolau Nagib Nahas (1890-1934)
Título da peça: ILHA DOS CASOS RAROS
Data da 1ª. publicação: 1928
Autor: João Antonio Vecchione
Título da peça: RECONCILIAÇÃO
Data da 1ª. publicação: 1939
Autor: Ildefonso Juvenal (1894-1965)
Título da peça: O COLAR DE PÉROLAS
Data da 1ª. publicação: 1942
Autor: Ody Fraga (1927-1987)
Título da peça: A MORTE DE DAMIÃO
Data da 1ª. publicação: 1954
Autor: Ademir Rosa (1949-1997)
Título da peça: A ESTÓRIA
Data da 1ª. publicação: 1970
Autor: Mário Júlio Amorim (1939)
Título da peça: O DIA DO JAVALI
Data da 1ª. publicação: 1982
Autor: Augusto Miltom de Sousa (1944)
Título da peça: STRADIVARIUS
Data da 1ª. publicação: 1993
3 – Peças de teatro do século XIX (PE)
Autor: Camilo Castelo Branco (1825-1890)
Título: O ÚLTIMO ACTO
Data da 1ª. publicação: 1859
70
Autor: Luís de Araújo (1833-1906)
Título: J. R.
Data da 1ª. publicação: 1865
Autor: Júlio César Machado (1835-1890)
Título: PARA AS ELEIÇÕES
Data da 1ª. publicação: 1868
Autor: Carlos de Moura Cabral (1852-1922)
Título: PARIS EM LISBOA
Data da 1ª. publicação: 1879
Autor: Gervásio Lobato (1850-1895)
Título: O FESTIM DE BALTASAR
Data da 1ª. publicação: 1894
4 – Peças de teatro do Século XX (PE)
Autor: António Patrício (1978-1930)
Título da peça: O FIM
Data da 1ª. publicação: 1918
Autor: Raul Brandão (1876-1930)
Título da peça: O DOIDO E A MORTE
Data da 1ª. publicação: 1923
Autor: Vitoriano Braga (1978-1930)
Título da peça: LUA-DE-MEL
Data da 1ª. publicação: 1928
Autora: Alice Ogando (1900-1981)
Título da peça: A PRIMA TANÇA
Data da 1ª. publicação: 1934
71
Autor: Carlos Selvagem (1890-1973)
Título da peça: BALADA DE OUTONO
Data da 1ª. publicação: 1945
Autor: Romeu Correia (1917)
Título da peça: CASACO DE FOGO
Data da 1ª. publicação: 1953
Autor: Jaime Gralheiro (1930)
Título da peça: O HOMEM DA BICICLETA
Data da 1ª. publicação: 1977
Autor: Norberto Ávila (1936)
Título da peça: D. JOÃO NO JARDIM DAS DELÍCIAS
Data da 1ª. publicação: 1986
Autor: António Faria (1942)
Título da peça: FUMOS DE GLÓRIA
Data da 1ª. publicação: 1997
2.5 Perfil sócio-histórico de Florianópolis e de Lisboa
De acordo com a perspectiva teórica adotada neste trabalho, a da Teoria da
Variação e Mudança Lingüística e a da Dialetologia Pluridimensional, a língua reflete
aspectos sócio-históricos da comunidade de fala. Desta forma, caracterizaremos sóciohistoricamente a cidade de Florianópolis e de Lisboa, a fim de auxiliar na compreensão
do panorama lingüístico das comunidades de fala pesquisadas (PB e PE).
2.5.1 Florianópolis
Neste momento, baseando-nos em fontes históricas, traçaremos o perfil da
cidade de Florianópolis, antiga Nossa Senhora do Desterro, local em que se constituiu a
amostra do PB. Evidenciaremos alguns fatos históricos, partindo dos primeiros
habitantes, detendo-nos um pouco mais na colonização açoriana, chegando até os dias
atuais.
72
Florianópolis é uma ilha situada na região sul do Brasil, capital do Estado de
Santa Catarina (SC). Apresenta uma superfície de 431 km2, medindo 54 km de
comprimento, 18 km de largura e uma orla de 172 km.
Conforme pesquisas arqueológicas realizadas na Ilha de SC, o povoamento da
região parece ter se iniciado em 3000 a.C. “por grupos humanos que eram ou se
tornaram pescadores e coletores de moluscos, além de, secundariamente, praticarem a
caça” (FUNDAÇÃO FRANKLIN CASCAES, 1995, p.11). Estas mesmas fontes
indicam que a partir do ano 1000 d.C., “tais grupos foram substituídos por populações
que conheciam a cerâmica e eram, possivelmente, praticantes de uma incipiente
agricultura” (FUNDAÇÃO FRANKLIN CASCAES, 1995, p.11). Por volta de 1400, a
ilha passa a ser ocupada por indígenas da nação Carijó, migrantes do Chaco paraguaio,
da nação Tupi-Guarani, que, provavelmente, passaram por algum tempo convivendo
com as populações que viviam no lugar anteriormente.
No início do século XVI, os europeus chegam à ilha, habitada pelos Carijó desde
o século XV, resistindo até o século XVII. Com a vinda dos europeus, os Carijó
passaram a ser caçados, escravizados e exterminados pouco a pouco, como relata a
história das nações indígenas por todo o país. Alguns morreram em decorrência do
tráfico para as fazendas paulistas e nordestinas; outros, durante a sua catequização pela
Companhia de Jesus, pelas doenças que os brancos traziam, como pneumonia, sarampo,
varíola e gripe. Enfim, depois de 200 anos, o contato com o europeu dizimou uma
população que era, em princípio, numerosa.
A Ilha de SC recebia, desde os primeiros anos após a expedição de Cabral,
navegantes dos mares do sul, mas o povoamento português efetivou-se no século XVII.
Francisco Dias Velho, nobre de São Vicente54, por volta de 1675, funda Nossa Senhora
do Desterro e “requer do governo da capitania paulista duas léguas em quadra na Ilha,
justificando ter instalado uma igreja em devoção a Nossa Senhora do Desterro,
benfeitorias e culturas na referida área” (FUNDAÇÃO FRANKLIN CASCAES, 1995,
p. 18). Assim, inicia-se o povoado da ilha com 400 habitantes, entre familiares,
agregados e escravos do fundador.
Dias Velho, em 1687, aprisiona um navio corsário e envia os piratas para São
Vicente com sua carga. A Fazenda Real se apodera da carga e liberta os prisioneiros que
dois anos depois, voltam à ilha para se vingarem. Dias Velho é morto, sua família
54
A Vila de São Vicente foi o primeiro núcleo de povoação portuguesa estabelecido na costa brasileira,
fundado no litoral de São Paulo em 1532 por Martim Afonso de Souza.
73
retorna a São Paulo, com exceção de um dos filhos que se instala em Laguna55, cidade
do litoral sul de SC. Ficam, no vilarejo, pouquíssimos moradores, após a tragédia.
Após 1700, chega à ilha o lisboeta Manoel Manso de Avelar com sua família.
Considerado um ditador, Avelar torna-se líder da povoação e dedica-se ao contrabando
com os navios estrangeiros que aqui aportavam, trocando produtos da terra por armas,
pólvora e roupas. Durante seu mandato, o povoado não cresce; há um relato de 1719
afirmando que não havia no Desterro mais de 27 casas e 130 habitantes.
Em 23/3/1726, o povoado do Desterro é elevado à categoria de Vila,
desmembrando-se de Laguna. A partir desta data, a povoação passa a se desenvolver,
impulsionada por projetos militares, pela colonização açoriana e pela pesca à baleia.
A
colonização
açoriana
inicia-se,
de
fato,
em
06/01/1748,
quando
desembarcaram 461 pessoas, num total de 88 casais vindos do Arquipélago dos
Açores56. De acordo com Furlan (1989, p.17), no período de 1748 a 1756, vieram para o
litoral de SC 607157 açorianos que se somaram aos 4197 catarinenses, resultando um
aumento demográfico de 144,6%.
A colonização açoriana “visava” dois objetivos; o primeiro era
resolver o problema de parte da população das ilhas, que formava uma
verdadeira massa de miseráveis, desprovida de terras para o cultivo e sem
emprego; o segundo era atender às necessidades políticas do Reino, de ocupação
das terras do Sul do Brasil, disputadas com a Espanha (FUNDAÇÃO
FRANKLIN CASCAES, p. 24).
Neste período em que se inicia a colonização no litoral catarinense, os Açores
passam por uma grave crise agrícola, com o esgotamento da fertilidade da terra; além
disso, “houve várias catástrofes naturais: tempestades, secas, pragas, sismos, erupções
vulcânicas” (FLORES, 2000, p.32); a emigração tornava-se, assim, a saída para muitos
55
De acordo com Farias (2000), Santo Antônio dos Anjos da Laguna, Nossa Senhora do Desterro e Nossa
Senhora da Graça do Rio São Francisco foram as primeiras povoações do litoral catarinense fundadas por
vicentistas e portugueses.
56
A origem do nome Açores, conforme Farias (1998), vem de uma espécie de águia conhecida por Açor
encontrada pelos primeiros visitantes das ilhas.
57
Segundo Furlan (1989, p.177), os açorianos estabeleceram-se no litoral central de Santa Catarina (de
Laguna ao Rio Camboriú), procedendo das ilhas de São Miguel (328), Terceira (912), Graciosa (772),
São Jorge (2822), Pico (1776), Faial (1207) e da Madeira (579). Como podemos observar, as ilhas que
tiveram maior participação na colonização foram: Terceira, Graciosa, São Jorge, Pico e Faial; são as ilhas
que formam o conjunto central do arquipélago. A ilha de São Miguel teve pouca participação; juntamente
com a ilha de Santa Maria, que não teve participação na colonização, forma o conjunto oriental do
arquipélago. A parte ocidental do arquipélago constitui-se das ilhas de Flores e Corvo, que não tiveram
participação alguma. A ilha da Madeira não faz parte do arquipélago e teve pouca participação também na
colonização.
74
açorianos sem trabalho e sem sustento. No entanto, as dificuldades já começavam
durante a viagem para o Brasil:
Na promiscuidade dos alojamentos, as afecções cutâneas iam passando de uns
para os outros. Surgia a parasitose. Surgiam as disenterias. E, com o correr dos
dias, quando a viagem se adiantava, em meio do caminho, entre céu e mar,
aparecia o pior: o mal de Loanda, que misteriosamente ia atingindo a fracos e
fortes, homens e mulheres, poupando as crianças de peito, e que ia aos doentes
alquebrando as forças, tirando-lhes a resistência física e moral. As pernas
edemaciavam-se, a pele cobria-se de manchas que rebentavam em flictenas e
ulceravam, o andar tornava-se trôpego e pesado, a língua grossa e saburrosa, não
conhecia o paladar. Instalava-se a taquicardia, a dispnéia e uma fadiga sem fim
prostrava mesmo os mais resistentes. Os dentes amoleciam nas gengivas
edemaciadas e sangrentas. Era assim o mal de Loanda, o mesmo que dizimava os
africanos nos navios negreiros. Era o escorbuto, a avitaminose, os resultados da
falta de alimentos frescos, de frutas, de legumes, de vitamina C, que, então
parecia paradoxal, desconcertante, pois ia fazendo vítimas mesmo entre aqueles
que se julgavam capazes de resistir às peripécias da viagem (CABRAL, 1951,
apud FLORES, 2000, p.50).
Para cada casal, açoriano e madeirense, o governo português determinou que
“fosse distribuído um lote de um quarto de légua (1650 metros) em quadro, duas vacas e
uma égua, além de sementes e ferramentas” (FUNDAÇÃO FRANKLIN CASCAES, p.
24).
As condições encontradas pelos açorianos tornaram sua adaptação lenta e difícil.
O cultivo de trigo, cultura tradicional dos açorianos, não se adaptou ao clima da região.
As vacas e éguas que haviam sido prometidas foram entregues a poucos. Os rapazes
mais fortes eram chamados ao treinamento militar, embora o edital de inscrição para a
imigração determinasse que seriam dispensados de tal tarefa. Desta forma, as terras
foram sendo abandonadas e o trabalho agrícola substituído por ofícios urbanos diversos
e pela pesca. Aqueles que ficavam na terra cultivavam mandioca, herança Carijó,
desconhecida nos Açores, e o preparo da farinha passou a ser a principal fonte de renda.
Nesse período, desenvolvem-se na ilha as armações de baleia, inserindo muitos
açorianos na atividade pesqueira, e na construção naval, como ilustra o relato do
viajante alemão Heinrich von Langsdorff, “o empreendimento da caça à baleia e
produção de óleo é grande e oferecem trabalho e sustento a algumas centenas de almas
[...]” (DE HARO, 1996, p. 178).
Farias (1998) evidencia as várias contribuições trazidas pelos açorianos para o
litoral catarinense. São eles que introduzem diversas espécies de uvas e iniciam a
produção do vinho caseiro no século XVIII. Introduzem, ainda, o trigo, a cevada,
embora não tenham se adaptado ao solo e ao clima da região, sendo substituídos pela
75
mandioca, planta da região, e pela cana-de-açúcar, trazida dos Açores. Introduzem
também o cultivo de vagens, couves, figo, laranja. Produzem a partir de 1796 o café em
SC, antes mesmo de sua introdução no sudeste. Como evidencia o relato de Adam von
Krusenstern “no continente, bem como na ilha, o solo é notavelmente fértil. Excelentes
café e açúcar são cultivados aqui” (DE HARO, 1986, p.140).
Contribuindo decisivamente na formação da população da Ilha, os açorianos
influenciaram a cultura local com a olaria cerâmica utilitária e decorativa, a produção
artesanal (renda-de-bilro, crivo, produção em teares manuais, artesanato de palha e
taquara, artesanato em conchas e moluscos), os jogos e brinquedos (peão, cinco marias,
pandorga/pipa, peteca, taco, bolinha de vidro), as danças (ratoeira, pau-de-fita, arco-deflores, quadrilha), os folguedos (farra do boi, malhação de judas, boi-de-mamão, terno
de reis, cantoria do Divino), a literatura (pão-por-Deus, pasquim), a religiosidade
expressa nos nomes das localidades (Santo Antônio, Nossa Senhora da Conceição da
Lagoa, Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão, Cachoeira do Bom Jesus), as festividades
religiosas (Festa do Divino Espírito Santo, Festa de Passos, Coberta d’alma), além das
técnicas de produção (engenho de farinha, carro de boi, baleeira, construções de redes,
espinhéis com anzóis de ferro, tarrafas, alambique de aguardente), da gastronomia
(peixe, pirão, farofa), da mitologia (lobisomens e bruxas), da medicina popular
(benzeduras e orações), da arquitetura (casas geminadas, sobrados), “havendo que se
destacar ainda o linguajar local, caracterizado pelo ‘som cantado’ e pela alta velocidade
de flexão vocal” (FUNDAÇÃO FRANKLIN CASCAES, p. 29).
Como Farias (2000) evidencia, a Ilha de SC foi formada pelos valores trazidos
pelos imigrantes açorianos somados aos valores vicentistas, que já haviam se fixado no
litoral catarinense entre os séculos XVII e XVIII, bem como das culturas indígena,
negra e de outras minorias.
Em meados de 1894, Nossa Senhora do Desterro passa a se chamar
Florianópolis em homenagem a Floriano Peixoto. Até hoje muitas pessoas que
conhecem a história da cidade questionam tal homenagem feita pela Assembléia
Legislativa no ano em que o coronel Antônio Moreira César, governador de SC,
nomeado por Floriano, fuzila, sem qualquer julgamento, na Fortaleza da Ilha de
Anhatomirim, 185 homens, alegando fazerem parte da Revolução Federalista.
Chegando ao século XX, notam-se mudanças no panorama de Florianópolis: a
iluminação a querosene ou a gás é substituída pela elétrica, os bondes puxados a burro
começam a transitar pelas ruas, até serem substituídos por veículos motorizados, além
76
das redes de esgoto e dos novos veículos de comunicação. Há, como em todo o país, um
processo de urbanização e a ampliação da expectativa de vida da população com a
melhoria nas condições de higiene e saúde.
Em 1926, inaugura-se a ponte Hercílio Luz que liga a ilha ao continente, fazendo
desaparecer o tráfego de lanchas e balsas pelo canal. A cidade assume condição de pólo
regional e reforça significativamente seu contato com o interior do estado.
No fim da década de 50, início da de 60, há a implantação da UFSC, que passa a
empregar muitos professores, atrai grande número de estudantes do interior e de outros
estados. Há um grande deslocamento populacional facilitado pela abertura da BR10158.
No início dos anos 70, instala-se a indústria turística, delineando novos ramos para a
economia local e atraindo novos contingentes populacionais.
A paisagem modifica-se com a destruição dos antigos casarios, a criação de
modernos edifícios, a construção de duas novas pontes (Colombo Salles, Pedro Ivo
Campos) e com o aterro da Baía Sul, que afasta a cidade do mar.
No que se refere à colonização açoriana, o que se observa hoje é a preocupação
em recuperar os valores da cultura trazida dos Açores, que, em função de alguns
preconceitos, foi sendo esquecida.
De acordo com Farias (2000), o contato dos descendentes ítalo-germânicos com
a cultura açoriana gerou certos preconceitos, ainda hoje existentes na comunidade
catarinense. Viam o homem do litoral como malandro e preguiçoso, pois os ítalogermânicos costumavam trabalhar durante todo o período diurno, já que vinham de
centros urbanos acostumados aos horários comerciais-industriais, o que não era o caso
dos luso-açorianos “que estavam na venda por volta de 4 e 5 horas da tarde tomando
uns tragos e contando casos” (p.105). No entanto, esses homens eram pescadores e
possuíam um ritmo de trabalho diferente, pois às 4 horas da manhã já estavam
colocando o barco no mar e voltavam para casa por volta das 3 horas da tarde. Os
horários em que eram vistos era no seu período de folga.
Os descendentes ítalo-germânicos também viam os luso-açorianos como “um
povo ignorante, atrasado, que não tem ambição, se conformando com o que tem, por
isso é que é pobre” (FARIAS, 2000, p.106). De fato, os ítalo-germânicos vieram para
SC em meados do século XIX59, período da Revolução Industrial, o que deve ter
58
Vale ressaltar que a população brasileira de modo geral sofre intenso êxodo rural ao longo do século
XX, de 70% de população rural em 1940, passa a 44% em 1970, chegando a 20% em 1996.
59
De acordo com Margotti (2004), os alemães chegaram em SC a partir de 1829 e os italianos por volta
de 1875.
77
influenciado a sua mentalidade capitalista, e também por terem sido trazidos pelas
companhias de colonização que cobravam pelas terras e transportes, o que os obrigava a
ter uma mentalidade acumulativa. Já os luso-açorianos não tinham essa mentalidade
capitalista, pelo contrário, sua economia era de subsistência, trabalhavam o necessário
para sobreviverem, sem ambicionar acumular riquezas.
Esse contraste entre as culturas fez com que os descendentes ítalo-germânicos
não permitissem, inclusive, casamento interétnico com os descendentes luso-açorianos
“filho(a) meu (minha) não casa com brasileiro(a) (descendente de luso-açoriano) senão
não entra mais na minha casa, não é mais meu(minha) filho(a) será deserdado(a)”
(FARIAS, 2000, p.107).
Os descendentes luso-açorianos passaram a sentir certa pressão em função dos
valores culturais dessas sociedades tecnologicamente mais qualificadas e competitivas
que passaram a mostrar “um outro universo de bens de consumo, técnicas de produção e
visões de vida” (FARIAS, 2000, p.108), que os chamados “manezinhos, mocorongos,
atrasados” (p.108) não conheciam.
Para reverter essa sensação de desprestígio cultural que os descendentes dos
luso-açorianos passaram a ter, procurando se desfazer de todos os traços
caracterizadores dessa cultura, inclusive os lingüísticos, alguns movimentos importantes
começaram a surgir. Em 1992, criou-se o Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC,
objetivando “devolver ao povo litorâneo o conhecimento de suas raízes históricas e
culturais, despertando seu orgulho pelos valores culturais que praticava” (FARIAS,
2000, p. 108).
Esse núcleo passou a oferecer cursos de cultura açoriana, além de divulgar
atividades culturais regionais de origem açoriana na mídia. Construiu-se o monumento
em homenagem à colonização açoriana em SC, criou-se também o troféu Açorianidade,
a Semana da Cultura Açoriana, o Encontro sul-brasileiro de comunidades lusoaçorianas. A parceria com o Governo Regional dos Açores também contribuiu com a
revitalização da cultura açoriana, viabilizando a ida de pessoas engajadas no projeto
para os Açores a fim de realizarem cursos.
Também não poderíamos deixar de lembrar que a mídia passou a destacar
Florianópolis como uma das capitais com melhor qualidade de vida, assim como a
ascensão do tenista Gustavo Kuerten, que sempre fez questão de enfatizar sua
naturalidade e, juntamente com a criação do troféu “Manezinho da Ilha”, fez com que o
ilhéu se sentisse de alguma forma prestigiado com o status de manezinho.
78
2.5.2 Lisboa
Delinearemos, aqui, o perfil sócio-histórico de Lisboa, cidade em que se coletou
o corpus do PE. A partir de “O Livro de Lisboa”, organizado por Moita (1994) com
capítulos de vários autores, apontaremos alguns aspectos da história lisboeta, desde os
primeiros indícios de povoamento, pontuando a evolução da cidade até os dias atuais.
Lisboa é capital de Portugal e fica na margem norte do estuário do Tejo a 17 km
do oceano Atlântico. Possui uma população de 550 mil pessoas, mas a Grande Lisboa,
que engloba cidades vizinhas como Cascais e Sintra, possui quase 2 milhões de
habitantes.
A cidade, situada próxima a foz do Rio Tejo, passa a ser capital portuguesa a
partir do século XIII, tendo sua posição privilegiada para a navegação contribuído para
o fato.
De acordo com Matos, há indícios de ocupações humanas no território de Lisboa
em diferentes períodos: na época fenícia (século VIII-VII a.C.), na época púnica (século
VI-III a.C.) e na época romana republicana (século III-I a.C.).
Matos aponta que, a partir de escavações realizadas na cidade, se fazem algumas
reflexões sobre aspectos urbanísticos da cidade romana. Segundo Gaspar, por exemplo,
o urbanismo em Lisboa inicia-se justamente na época do domínio romano, sendo este
povo responsável pela implantação de infra-estruturas na cidade, ao mesmo tempo em
que valorizaram o potencial portuário e pescatório do local.
Segundo Matos, é provável que no período da conquista romana, no século II, a
população em Lisboa se restringisse ao povoado indígena do alto da colina e à zona
ribeirinha onde havia uma população miscigenada de indígenas e de elementos
mediterrânicos de várias origens.
O autor salienta ainda que, mesmo sem poder precisar, parece que o número de
habitantes era bastante elevado, já que foi reunido um grande número de lápides e sabese que apenas uma minoria privilegiada tinha acesso a tal luxo.
A urbanidade trazida pelos romanos foi reforçada pelos muçulmanos (domínio
que vai de 714 até o século XII) que, conforme Gaspar, havia se perdido na época
anterior quando Lisboa esteve sob o domínio germânico. Os muçulmanos foram
responsáveis pela criação de uma Lisboa fortificada. Nesse período, Lisboa era
considerada uma cidade média em termos europeus, com um espaço interior à muralha
de mais de 103 hectares.
79
Marques aponta que, no decorrer dos séculos XIV e XV, a população da cidade
aumentou, passando de vinte mil nos finais do século duzentos, e mais do dobro no
limiar do século de quinhentos. Nessa época, de acordo com o autor, as casas eram na
sua maioria térreas, sobressaindo-se apenas em altura as numerosas torres de igrejas e
palácios pela cidade. Já nos fins do século XV, o aumento da população faz com que as
casas da cidade passem a elevar o número de andares.
Nesse período, as casas exibiam espaços verdes, campos de pastagem, vinhas,
olivais, além dos espaços de trabalho agrícola, o que, conforme Marques, “conferiam à
Lisboa medieval, como a todas as cidades portuguesas, uma feição ainda marcadamente
rural” (op. cit., p.91). O autor aponta ainda que o comércio, o artesanato e os serviços
que caracterizavam a cidade, distinguindo-a das demais do país, casavam-se com a
agricultura, a criação de gado e a pesca, sendo difícil dizer qual das atividades era
predominante e responsável pelo sustento do maior número de pessoas.
Embora se desenvolvessem tais atividades na cidade, em função de já ser
considerada uma grande cidade, Lisboa também foi marcada nos séculos de 300 e 400,
assim como outras cidades da mesma proporção, pela fome e pelas epidemias.
Marques ressalta que Lisboa também era caracterizada pelo aspecto defensivo
das cidades medievais. A cidade não se impunha pela monumentalidade das
construções; na boa tradição portuguesa; segundo o autor, “os edifícios podiam ser ricos
e decorados interiormente mas ostentavam pouca aparência no exterior” (op. cit., p.93).
Os monumentos religiosos, como as igrejas e os conventos, de acordo com Marques,
eram os mais importantes. Na verdade, havia poucos monumentos civis; os de maior
destaque eram os palácios reais e senhoriais.
No período filipino, entre 1580-1640, de acordo com Gaspar, Lisboa afirma sua
vocação atlântica e, embora perdesse certo peso por deixar de ser sede da corte real,
ganhou importância no contexto da Península Ibérica, beneficiando-se do trato das
Américas e do Oriente.
É no século XVI, como aponta Moita, que Lisboa descobre o caminho marítimo
para a Índia, sendo colocada nas rotas do comércio mundial, tendo como conseqüência a
transformação da cidade em diversos aspectos, embora já tivesse importância, em
função de ser capital do país desde o século XIII.
Em termos urbanísticos, a autora evidencia que, no século de 500, Lisboa recebe
um legado medieval confortável, tanto no que se refere à área, definida pela muralha
fernandina construída em finais do século XIV (1373-1375), e que lhe comparava em
80
extensão com outras cidades européias, quanto em relação a estruturas básicas que
decorriam do fato de ser capital.
Moita aponta ainda a importância do Tejo para a cidade que, neste período dos
descobrimentos marítimos, era considerado mar. O Tejo era, conforme Moita, não só
utilizado para viagens de trabalho e negócios dele partiram as embarcações de Vasco da
Gama, Pedro Álvares Cabral e todas as outras rumo às descobertas, mas utilizado
também como meio de transporte privilegiado, já que as vias terrestres eram
insuficientes e de má qualidade.
Lisboa recupera a corte em 1640, momento em que, segundo Gaspar, são
construídos muitos palácios e conventos, perdidos, posteriormente, durante a Guerra dos
30 anos com a Espanha.
De acordo com Pereira, na segunda metade do século XVII, a cidade não sofre
grandes alterações, nem em termos do seu crescimento urbano, nem na sua imagem. O
autor indica que, no cotidiano da cidade são comemoradas festas do calendário litúrgico
acompanhadas de festejos populares, assim como jogos e touradas, o que dão
sentido teatral ao seu espaço urbano, ao mesmo tempo que reforçam a ascensão
da imagem da Corte como instância suprema de decisão e, doravante, símbolo
exclusivo do poder de governar os homens, só disputado pelo poder da Igreja
sobre as consciências (op. cit., p.349).
No período entre 1706 e 1750, no reinado de D. João V, de acordo com Gaspar,
Lisboa enriquece com o ouro do Brasil, passa por uma fase de monumentalidade e
ostentação da nobreza e da igreja; no entanto, não se atualiza em termos de ciência,
técnica e arte.
É nesse período que se inicia na cidade a construção do Aqueduto das Águas
Livres, obra muito importante para Lisboa, que permitiu, conforme Gaspar, melhorar as
condições sanitárias e sociais da cidade em função do aumento significativo no
abastecimento de água.
Em 1/11/1755, ocorre um “terramoto” que destrói a cidade de Lisboa, que é
reconstruída por Marquês de Pombal. De acordo com Gaspar, “acabaram por prevalecer
as vantagens do sítio [lugar] original, optando-se por um novo desenho urbano e por
inovações tecnológicas nas edificações, de molde a minimizar os impactos de futuros
cataclismos” (op.cit, p.19).
81
O terremoto, conforme França, destruiu 54 conventos, 35 paróquias, 33 palácios
e 17 mil das 20 mil casas que havia, além de morrerem 5000 pessoas, dos 250 mil
habitantes que se supõe residirem em Lisboa na época.
O autor evidencia que Marquês de Pombal era secretário de Estado e tomou as
rédeas da situação, com medidas enérgicas e que lhe confere até hoje grande
popularidade na cidade, já que Dom Luís da Cunha passou a pasta do Reino logo após a
catástrofe e nem tampouco visitou as ruínas da capital, apenas 20 anos depois quando se
inaugurava uma estátua que lhe “celebrava a competência régia” (op. cit., p.363).
Marques aponta que, das 21 igrejas contemporâneas dos séculos XIV e XV, só
uma, a Sé, sobreviveu ao terremoto de maneira a ser imaginada como era no período
medieval. As demais sofreram tantas modificações entre os séculos XVI e XVIII que
hoje é difícil imaginar como eram nas suas origens.
Segundo França, a cidade com Pombal abria-se para o futuro com novo desenho
proposto. Em 1777, com a queda de Pombal e a morte do rei Dom José, as obras
públicas foram paralisadas, assim como algumas obras privadas, mas, como indica o
autor, a fidalguia perseguida até então é mais ou menos reabilitada por Dona Maria I.
Nesse período, com a perda da corte passada ao Brasil, Lisboa entra numa fase
de morosidade nos negócios. Conforme França, todas as obras ficam paradas, já que o
dinheiro era pouco para pagar despesas da guerra e da ocupação.
Em 1851, com o fim da guerra civil de 30 anos, o país, de acordo com Silva,
passa por uma fase de desenvolvimento e civilização. Em Lisboa, em 1886, inaugura-se
a Avenida da Liberdade e conclui-se a Avenida 24 de julho. Dois projetos, que, como
aponta Silva, tinham algo em comum, afastavam fisicamente o rio da orla urbana.
Começa-se, assim, a aproveitar as potencialidades das superfícies do interior.
Silva evidencia que, se anuncia, deste modo, uma nova Lisboa, que rompe com a
tradicional cidade ribeirinha, afastando o Tejo dos seus projetos de modernização e
ainda ajudam-na “a sair do ciclo de pobreza em que viveu encerrada durante grande
parte de oitocentos” (FERNANDES, op. cit., p.493). Nesse período são inaugurados o
Caminho de Ferro de Cintura e o do Cais do Sodré a Cascais (1889), permitindo acesso
mais rápido às zonas de veraneio, começa a substituição do gás pela eletricidade (1878)
e, com a Companhia Carris de Ferro, instalam-se os carros elétricos (1876) e os
elevadores mecânicos (1884).
Por volta de 1900, como indica Silva, o príncipe Dom Afonso, irmão do rei,
assustava os transeuntes ao volante de um dos primeiros automóveis que circulavam na
82
cidade. Há também, nesse período, de acordo com Fernandes, construções importantes
da arquitetura do ferro que marcam Lisboa: os elevadores do Carmo (1902), da
Alcântara (1906), os edifícios em andares (Alcântara, 24 de julho, 1904), as garagens
(Rato, 1906), edifícios industriais (Fábrica Germânia, Almirante Reis, 1913), casas de
espetáculos (Teatro Ginásio, 1923, Tivoli, 1924, Capitólio, 1925).
Fernandes evidencia que, no início da década de 30, há um arranque na expansão
da cidade, relacionado com a instauração do governo autoritário nacional em 1926, em
que se assiste à construção de obras públicas como o Instituto Superior Técnico
Nacional de Estatística (1927-35), a casa da Moeda do Arco Cego (1934-36) e o
Pavilhão de Rádio em Sete Rios (1927-33).
Entre 1935 e 1938, segundo Fernandes, há um Plano de Urbanização de Lisboa,
realizado no Ministério de Duarte Pacheco com a colaboração de urbanistas franceses,
em que se nota evidente modernização na cidade com a construção do aeroporto, da
cidade universitária, dos parques de Monsanto e Eduardo VII.
O autor indica que, entre 1948 e 1952, se implementa na cidade uma série de
regras novas e modernizantes, dentre as quais se destacam: planejamento de sistemas de
arruamentos hierarquizados (circulações separadas de pedestres e carros), novas formas
de execução e gestão das edificações, bem como a diversificação controlada dos tipos
de empreendimento, polifuncionalidade de novas áreas urbanizadas, combatendo assim
a excessiva zonificação da cidade que desde a expansão dos finais de oitocentos se
acentuava e articulação das novas áreas urbanizadas com as já existentes em
continuidade no espaço urbano.
Em termos de população, Fernandes aponta que, em 1930, se contavam 600.000
habitantes e, em 1940, 700.000. Um aumento considerável, já que em menos de um
século, em 1864, se contavam 197 mil pessoas na cidade. Já em 1950 a população se
aproxima de um milhão de habitantes.
Depois da segunda guerra, Lisboa pára de crescer, conforme aponta Gaspar; há
evidente declínio demográfico a partir dos anos 60 com visível expansão nos subúrbios.
É nesse período que, conforme evidencia Custódio, a sociedade passa da era da
metalúrgica do ferro e dos têxteis à era do consumo.
A imagem de uma Lisboa manufactureira e industrial com as suas evidências
arquitectónicas, fabris e técnicas, com os seus ruídos de trabalho, seus cheiros
dos produtos recém-fabricados e as suas envolvências sociais de artesãos e
operários, tal como era comum, nos finais do século XIX e ainda na metade do
83
século XX, esfumou-se do quotidiano do habitante da cidade nos últimos trinta
anos [década de 60] (op. cit., p.435).
É nesta época também que, segundo Custódio, a sociedade se esmera em
resolver o problema da energia através das vantagens da eletricidade e, ao mesmo
tempo, descobre o petróleo. Surgem novas condições sociais que promovem cada vez
mais o bem-estar da população e o consumo, tanto de bens alimentares, como de
equipamentos domésticos e do automóvel.
O autor ressalta ainda que, em função do crescimento econômico, há também
crescimento populacional principalmente de deserdados dos campos portugueses que
buscam oportunidades de trabalho na cidade. No entanto, os baixos salários e os preços
relativamente altos minavam os sonhos daqueles que iam em busca de condições
melhores de vida.
De acordo com Fernandes, o plano diretor de Lisboa, publicado em 1967,
preocupava-se principalmente com a rede viária e com a previsão de vários túneis e
viadutos, já que havia uma nova rede de comboios subterrâneos, desde 63, e o
desenvolvimento da rede de “autocarros”. Observa-se, neste momento, o aumento cada
vez maior dos fluxos pendulares de uma enorme população que mora na periferia e
trabalha na cidade, contribuindo para a formação da Grande Lisboa, de Sintra a Setúbal
ou de Vila Franca a Cascais.
Gaspar salienta que, nos finais do século XX, se observa a beleza, grandiosidade
e excelência funcional de Lisboa, embora ainda se perceba, em relação ao processo de
urbanização, muita carência e erros cometidos. Para Fernandes, há, na atualidade, um
tempo de recuperação da capitalidade perdida e uma tentativa de reorganização
funcional, espacial e urbanístico-arquitetônica da cidade.
O ano de 1974, marcado pelo “25 de abril”, data em que se derruba o regime
político que vigorava em Portugal desde o golpe militar de 1926, de inspiração fascista,
que manteve Salazar no poder de 1933 a 1968, sendo substituído por Marcello Caetano
deposto então na data da revolução, faz com que surja uma nova ordem urbana que,
segundo Fernandes, se mostrou tão inovadora, como passageira.
Há nos anos 80, como indica o autor, reestabilização política e social na cidade e
os problemas vêm à tona:
- a necessidade urgente de reabilitar e repensar as funções de seus núcleos
históricos centrais,
84
- o controlo da terciarização excessiva sofrida nos últimos anos nas áreas das
avenidas, com reequilíbrio das áreas exclusivas de serviços e das áreas de lazer,
equipamento e residência,
- a reintegração das vastas áreas de habitação clandestina e degradada que
envolvia Lisboa, intensamente agravada na última década,
- o problema capital, que era o da gestão e desenvolvimento do seu território real,
o qual ultrapassava largamente o dos limites administrativos, existentes criados
há cem anos (op. cit., p.512).
Percebem-se, a partir dos anos 90, como aponta Fernandes, ações efetivas na
cidade, previstas há algum tempo, no sentido da recuperação do centro histórico, da
criação de novas áreas de parque, do desenvolvimento da rede viária, complementadas
por túneis, viadutos e parques de estacionamento e na faixa litoral a reconstrução da via
marginal, duplicação e adaptação de transportes coletivos rápidos.
Por fim, observamos na longa trajetória da história de Lisboa, por um lado,
períodos áureos de muita riqueza e poder, períodos de crescimento econômico e social,
e, por outro, períodos de estagnação e recuperação tanto do poder, quanto do
crescimento.
Hoje em dia, o que se observa é que, em termos europeus, embora Portugal
esteja inserido na comunidade econômica européia, não faz parte do bloco dos países
mais ricos, nem mais poderosos, mas, de maneira geral, há, na cidade de Lisboa,
especificamente, boa qualidade de vida, já que a população conta com boa infraestrutura e acesso a bens e serviços que também são encontrados no restante da Europa.
2.6 A variável dependente e as variáveis independentes
Estabelecemos como variável dependente em nosso estudo a marcação/não
marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural. Buscando verificar os
contextos favorecedores para cada uma das variantes, selecionamos os seguintes grupos
de fatores lingüísticos e extralingüísticos ou variáveis independentes60.
Os grupos de fatores lingüísticos:
1. Saliência Fônica
2. Paralelismo Formal
3. Tipo de Verbo
4. Posição do sujeito em relação ao verbo
5. Traço humano no sujeito
6. Tipo de sujeito
60
A análise dos grupos de fatores será feita somente com a amostra sincrônica.
85
Os grupos de fatores extralingüísticos:
Sociais:
1. Sexo
2. Idade/escolaridade
3. Redes sociais
Geográficos:
1. Diatopia
2. Diazonalidade
Vamos agora delimitar os contextos de restrição da nossa amostra, em seguida
caracterizamos e levantamos as hipóteses de cada um dos grupos de fatores a serem
controlados em nossa análise61.
2.6.1 Contextos de Restrição
Neste momento, evidenciaremos os dados que foram excluídos quando da
delimitação do nosso objeto de pesquisa.
a) Concordância semântica
Os dados de SN coletivo de terceira pessoa do singular (ex.: a turma, o pessoal)
que poderiam desencadear a chamada concordância semântica, em que há correlação do
sentido de plural expresso pelo SN, fazendo com que o verbo fique no plural (ex.: O
pessoal foram embora), não foram selecionados para esta pesquisa.
Decidimos excluir estes dados por acreditarmos que a terceira pessoa do plural
nestes casos seria a forma inovadora, em oposição ao objeto que estamos analisando,
em que é a terceira pessoa do singular a forma inovadora.
b) Construção verbo+SE+SN
As construções verbo+SE+SN foram encontradas apenas na amostra do PE. As
gramáticas (cf. CUNHA e CINTRA, 1991, p.150; BECHARA, 1999, p.435; MIRA
MATEUS et al., 2003, p.531) consideram essas construções como passivas de -SE em
que o argumento interno do verbo é considerado sujeito e, por isso, deverá apresentar
relação de concordância com o verbo.
61
Vale ressaltar que a caracterização e as hipóteses dos grupos de fatores se referem ao PB e ao PE.
86
Nos dezesseis62 dados encontrados na amostra do PE, apenas três apresentaram
marcas de concordância nos verbos, o que indica variação nesse tipo de construção. No
entanto, resolvemos desconsiderar tais dados, primeiro por termos como objetivo, neste
trabalho, constituir amostras comparáveis do PB e do PE e não termos dados dessa
natureza na amostra do PB e também por sabermos que a regra estabelecida pelas
gramáticas não reflete o que de fato ocorre na língua. Concordamos com os lingüistas
que discutem tais construções (como BAGNO, 2000 e SCHERRE, 2005) defendendo
que o sujeito a ser considerado é o SE e, por isso, o verbo deve ficar no singular.
c) Sujeito nulo indeterminado
Os casos com sujeito nulo indeterminado não foram considerados, pois todos os
dados necessariamente apresentariam marca de plural, como no exemplo a seguir:
(3) Ø Disseru que foi uma gripe (PBRCMVF04).
2.6.2 Os grupos de fatores lingüísticos
2.6.2.1 As hipóteses neogramática e difusionista
Para os grupos de fatores saliência fônica e paralelismo formal, investimos nas
hipóteses neogramática e difusionista. Apresentaremos, brevemente, as duas hipóteses
e, em seguida, discutiremos se tais hipóteses podem dar conta desses grupos de fatores.
A hipótese neogramática prevê que “as mudanças sonoras não têm exceções; são
condicionadas apenas por fatores fonéticos; são foneticamente graduais e lexicalmente
abruptas” [grifos nossos] (OLIVEIRA, 2003, p. 605). Os neogramáticos, desta forma,
defendem que a mudança de som é sempre gradual, sempre regular, afetando todas as
palavras ao mesmo tempo.
A hipótese difusionista, ao contrário, prevê que as mudanças sonoras são
foneticamente abruptas e lexicalmente graduais. Os difusionistas não aceitam a
existência da mudança de som regular da forma como a hipótese neogramática defende;
no entanto, de acordo com Oliveira (2003, p.606)
62
Os dados a que nos referimos serão apresentados na subseção 3.2.1.3 no Capítulo III, quando da
discussão do grupo de fatores tipo de verbo.
87
o modelo da difusão lexical não descarta a regularidade; o que ele faz é permitir a
existência de irregularidades. Além disso, o modelo difusionista não recusa a
possibilidade de condicionamento fonético; o que ele faz é incorporar a
possibilidade de mudanças sonoras que não sejam foneticamente condicionadas.
Labov (1994)63 argumenta que há consideráveis evidências para a difusão lexical
no processo de mudança, mas a perspectiva dos neogramáticos também tem força.
Segundo o autor, algumas análises dão suporte à hipótese difusionista, assim como
outras suportam à visão neogramática. Para Labov, ambas, a difusão lexical e a
regularidade neogramática existem.
No que se refere ao grupo de fatores saliência fônica, parece ser um caso de
difusão lexical, já que esperamos que haja a queda da nasalidade nos contextos menos
salientes e só depois os contextos mais salientes vão sendo atingidos, havendo, desta
forma, uma mudança lexicalmente gradual, pois teremos apenas os itens menos
salientes sendo atingidos ao mesmo tempo.
Já em relação ao paralelismo formal, acreditamos que a hipótese neogramática
se encaixe, pois parece haver um princípio mecânico agindo sobre esse grupo de fatores,
levando, de um lado, à queda regular das marcas de plural em todos os verbos
precedidos de elementos sem marcas de plural, e, de outro lado, à manutenção regular
do plural nos verbos precedidos de elementos com marcas de plural.
2.6.2.1.1 Saliência fônica
Este grupo de fatores foi estabelecido em função de dois critérios de acordo com
Naro (1981): (1) presença ou ausência de acento na desinência e (2) quantidade de
material fônico que diferencia a forma singular da forma plural. A partir do primeiro
critério, estabeleceram-se dois níveis de saliência e em cada nível apresentavam-se três
categorias, salientando a diferenciação do material fônico da relação singular/plural.
• Nível 1: oposição não-acentuada:
1. não envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural (conhece/conhecem,
consegue/conseguem, corre/correm, vive/vivem, sabe/sabem);
(7) a. Eles não consegue alcançar nosso ritmo, né? (PBRIMJS13)64
63
Labov (1994) discute essas questões em The Regularity Controversy (Parte D).
A codificação refere-se: à amostra do nosso corpus (PB – Português do Brasil, PE – Português
Europeu), à localidade em que a entrevista foi realizada (no PB – RI: Ribeirão da Ilha, IN: Ingleses, CL:
64
88
b. Aí eles não conseguem ter um bom rendimento (PBRIMJS13)
2. envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural (ganha/ganham, era/eram,
gosta/gostam);
(8) a. Tenho três, quatro sobrinhos, anda todos eles também aí ao mar (PECAMVF03)
b. Sim, andam aí uns brasileiros (PECAMVF03)
3. envolve acréscimo de segmentos na forma plural (diz/dizem, quer/querem);
(9) a. Só que eles diz que eu tenho que trabalhá pra pagá (PBINMJF10)
b. Ah, uns dizi que é porque ele foi demitido (PBINMJF10)
• Nível 2: oposição acentuada:
1. envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma plural (tá/tão, vai/vão);
(10) a. Os meus irmãos tá cada um do seu lado (PECAFJF11)
b. Elas já tão o dia todo na escola (PECAFJF11)
2. envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas na forma plural
(bateu/bateram, viu/viram, incluindo o par foi/foram que perde a semivogal);
(11) a. Conta coisas que pra ele foi um bocado traumáticas (PECAFJS15)
b. As aulas práticas foram reduzidas (PECAFJS15)
3. envolve acréscimos de segmentos e mudanças diversas na forma plural: mudanças
vocálicas na desinência, mudanças na raiz, e até mudanças completas (veio/vieram,
é/são, disse/disseram).
(12) a. Veio todos pra cá (PERCFJF12)
b. Vieram muitos imigrantes de fora pra cá (PERCFJF12)
Muitos estudos (cf. LEMLE e NARO, 1977; NARO, 1981; RODRIGUES,
1987; SCHERRE e NARO, 1997; MONGUILHOTT, 2001; PEREIRA, 2004;
CARDOSO, 2005) já comprovaram a relevância deste grupo de fatores indicando que
formas mais salientes tendem a ser mais marcadas do que as menos salientes, i.e., as
oposições mais salientes, sendo mais perceptíveis, aumentam a probabilidade de
ocorrência da variante explícita de plural. Partindo dos resultados desses estudos e da
hipótese da difusão lexical, a expectativa para nossa amostra é de que as formas mais
salientes também favoreçam a presença da marca de concordância na terceira pessoa do
plural.
Costa da Lagoa, RC: Região Central, no PE – SI: Sintra, BE: Belém, CA: Cascais, RC: Região Central),
ao sexo do informante (F: feminino, M: masculino), à idade do informante (J – 15 a 36 anos, V – 45 a 76
anos), à escolaridade do informante (F: fundamental – de 1ª. a 9ª série, S: superior – do 12 ano ao superior
concluído com mestrado) e ao número de identificação de cada informante na amostra.
89
2.6.2.1.2 Paralelismo Formal
Controlaremos o paralelismo formal no nível clausal com o intuito de atestar se
existe correlação entre o tipo de marca existente no sujeito e o tipo de marca existente
no verbo, ou seja, se marcas explícitas de plural no sujeito levam à presença de marcas
de plural no verbo e se o sujeito com marca zero de plural influencia a marca zero de
plural no verbo.
Subdividimos este grupo nos seguintes fatores:
a. presença da forma de plural explícita no último (ou único) elemento
(13) As mulheres não tinham direito a voto (PERCFVF04);
b. presença da forma de plural zero no último elemento
(14) Os homiØ ia assim tarrafeá (PBINFVF02);
c. presença de numeral terminado em /s/ no último elemento
(15) Os dois só estudu (PBINFVS06);
d. presença de numeral não terminado em /s/ no último elemento
(16) Na Costa aqui estudou parece uns cinco só na Lagoa (PBCLMVF03);
e. sujeito nulo com sujeito anafórico com presença da forma de plural explícita no
último (ou único) elemento
(17) Todas as minhas amigas namoravam e Ø vinham às festas aqui (PBRIFVS05);
f. sujeito nulo com sujeito anafórico com presença da forma de plural zero no último
elemento
(18) Os neto Ø dele chamava ele de tolo, Ø dizia: ah, o vô é tolo! (PBCLMVF03);
g. sujeito nulo com sujeito anafórico com presença de numeral terminado em /s/ no
último elemento
(19) Tem dois ali que tão na biblioteca, Ø tão fazendo trabalho (PBRIMJF09);
h. sujeito nulo com sujeito anafórico com presença de numeral não terminado em /s/ no
último elemento65
A nossa hipótese contempla o princípio geral do paralelismo: marcas levam a
marcas, zeros levam a zeros.
Esperamos que, tanto no sujeito preenchido, quanto no sujeito nulo com sujeito
anafórico, quando o último elemento do sujeito apresentar marca explícita de plural, o
verbo correspondente tenderá a exibir a marca de plural, e se o último elemento do
sujeito apresentar zero plural, o verbo correspondente tenderá também a exibir zero
65
Não foram encontrados dados na amostra para este fator.
90
plural (cf. SCHERRE e NARO, 1993; MONGUILHOTT, 2001; PEREIRA, 2004;
CARDOSO, 2005).
Em relação à presença de numeral, acreditamos que se o último elemento do
sujeito, ou o sujeito anafórico, no caso de sujeito nulo, for um numeral terminado em /s/
haverá uma tendência maior para existir marca formal de plural no verbo,
diferentemente dos numerais sem /s/, que deverão influenciar na não-marcação da
concordância.
Esperamos, ainda, confirmar a hipótese dos neogramáticos.
2.6.2.2 A hipótese da inacusatividade
Para a discussão dos fatores internos: tipo de verbo, posição do sujeito em
relação ao verbo, traço humano no sujeito e tipo de sujeito, nos apoiaremos no quadro
da Teoria Gerativa, mais especificamente no Modelo de Princípios e Parâmetros (cf.
CHOMSKY, 1981, 1986). Optamos por utilizar alguns dos pressupostos teóricos do
modelo de Princípios e Parâmetros, em função de alguns dos resultados obtidos no
nosso trabalho de 2001, discutidos na subseção 1.1.1.1 do capítulo I. A correlação entre
tipo de verbo, posição do sujeito e traço humano no sujeito mostrou-se importante
condicionadora da não-concordância verbal no PB, confirmada também por Carrilho
(2003) no PE.
Desta forma, decidimos continuar investindo nesta correlação; por isso,
discutiremos alguns aspectos do Modelo de Princípios e Parâmetros, mais
particularmente a questão da inacusatividade, que servirão de base para o levantamento
de algumas hipóteses e, posteriormente, para a explicação dos resultados encontrados.
A hipótese da inacusatividade foi formulada por Burzio (1986) que se utilizou
das discussões de Perlmutter (1976), dentro de um modelo teórico conhecido como
Gramática Relacional.
Burzio (1986), analisando as estruturas intransitivas, constatou diferenças
estruturais importantes entre elas, como o fato de nem todas apresentarem sujeito
subjacente. O autor propôs que essas estruturas, a que denominou ergativas (doravante
inacusativas), diferem das intransitivas em duas propriedades:
(i) só exibem uma posição temática, a de objeto direto;
91
(ii) o objeto direto não recebe Caso do verbo inacusativo66.
Segundo Burzio, as estruturas inacusativas são derivadas de uma Estrutura-D
(estrutura profunda) que apresenta a posição de especificador vazia, devido a uma
operação no nível lexical que suspende o papel temático do sujeito. Decorrente de não
ter recebido Caso em sua posição de base, em Estrutura-D, o SN objeto se movimenta
para a posição de sujeito na qual recebe nominativo:
(20) Estrutura-S de verbos inacusativos:
[IP SNi V [VP tv ti] ]
(21) Estrutura-S de verbos intransitivos:
[IP SNi V [VP ti tv] ]
Burzio, ao analisar sentenças do inglês com sujeito pleonástico, e sentenças do
italiano com sujeito posposto, propôs que em Estrutura-D tal estrutura apresenta um
pronome expletivo na posição de sujeito, co-indexado ao SN pós-verbal para indicar a
formação de uma CADEIA67 de Caso:
(22) [SN pro expl]i [VP V SN i ]
Segundo o autor, a estrutura acima apresenta apenas um SN argumento,
tematicamente marcado pelo verbo; entretanto, esse SN não recebe Caso acusativo. Mas
como pela Condição de Visibilidade todo SN com papel temático precisa receber Caso,
então o autor propõe que ele deve estar recebendo nominativo e mostra a possibilidade
de estar co-indexado com o expletivo na posição de sujeito. Isso quer dizer que o
nominativo não é atribuído diretamente ao SN pós-verbal, mas transmitido a ele a partir
da posição de sujeito via CADEIA.
Segundo o que Burzio propõe, a atribuição de nominativo ao SN pós-verbal
justifica-se pela manifestação dos traços de concordância verbal, já que o núcleo I é o
responsável pela atribuição de Caso nominativo.
66
Como no exemplo: (a) Faltou um aluno. (b) *Faltou-o.
Chomsky (1986) propõe o termo CADEIA (em caixa alta) para designar os pares expletivo-argumento,
como no exemplo (c) proi chegaram [as cartas]i, e o termo cadeia (em letra minúscula) para designar as
cadeias por movimento, como no exemplo (d) [As cartas]i chegaram ti.
67
92
Observemos as configurações (a), atribuída aos verbos inacusativos, e a
configuração (b), atribuída aos intransitivos, em termos da Teoria X-Barra:
a. VP
|
V’
/
\
V SN
b.
VP
/
SN
\
V’
|
V
Como podemos observar, as configurações (a) e (b) são distintas, pois os
inacusativos selecionam um argumento interno, e os intransitivos selecionam um
argumento externo. Outro aspecto que distingue esses verbos relaciona-se aos
argumentos selecionados por eles aqueles selecionados pelos inacusativos podem
apresentar traços mais ou menos humanos, enquanto os argumentos selecionados pelos
verbos intransitivos apresentam necessariamente traços mais humanos. Para ilustrar
esses casos, observemos abaixo as sentenças com o verbo inacusativo começar,
apresentando em (23) sujeito com traço [+humano] e em (24) sujeito com traço [humano].
(23) As pessoas começaram a ir pra Lagoa (PBCLFVS07)
(24) Aí começou os horário de cinco e meia (PBCLFVS07)
Já com o verbo intransitivo isto não acontece. Em (25), por exemplo, temos o
intransitivo pensar com sujeito [+humano] e em (26) ao derivarmos a sentença de (25)
colocando sujeito com traço [-humano] acabamos por torná-la agramatical.
(25) Acho que eles pensam muito (PESIFJF09)
(26) *Acho que as canoas pensam muito
Para evidenciarmos o fato de que os verbos inacusativos selecionam argumento
interno e não externo, observaremos, em seguida, através de alguns exemplos, que,
quando aparece um SN na posição de especificador de IP, nem sempre ele é argumento
externo do verbo. No caso de verbos existenciais, por exemplo, o SN à sua esquerda é
um objeto profundo que se moveu de sua posição de base para a posição de
especificador de IP, como na sentença (28) derivada de (27) em que temos o SN trilhas
ecológicas como argumento interno de existir.
93
(27) Existe trilhas ecológicas (PECAFJS15)
(28) Trilhas ecológicas existe
Agora, para contrastar também com os inacusativos, evidenciamos uma
discussão trazida por Mioto et al. (1999) apresentando dados de verbos transitivos, pois
estes necessariamente selecionam argumento externo. Observemos em (29):
(29) a. Existe trilhas ecológicas (PECAFJS15)
b. *Deseja trilhas ecológicas
Enquanto desejar tem de ocorrer necessariamente com um argumento externo,
caso contrário resulta em agramaticalidade, como em (29b), existir não admite que se
postule um argumento externo antes dele, já que é incapaz de atribuir-lhe papel
temático, como podemos observar em (30a):
(30) a. *João existe trilhas ecológicas
b. João deseja trilhas ecológicas
Em (30a), o SN João não é licenciado na sentença, pois viola a cláusula (i) do
Critério temático68. Como existir não seleciona João, também não lhe atribui papel
temático. Já em (30b) o SN João recebe papel temático do verbo pelo qual é
selecionado (desejar).
Os aspectos da Teoria Gerativa aqui levantados evidenciam a correlação entre os
grupos de fatores tipo de verbo, posição do sujeito e traço humano no sujeito.
Percebemos que a inversão do sujeito é condicionada principalmente por contextos de
inacusatividade, assim como a seleção de argumentos com traço [-humano] para
figurarem como sujeitos na sentença dá-se também pelos inacusativos.
Ciríaco e Cançado (2004) propõem uma classificação para os verbos
inacusativos e intransitivos que acreditamos contribuir para a nossa análise.
Utilizaremos a categorização dos verbos no nosso trabalho, levando em conta os
seguintes critérios discutidos pelas autoras: rede temática, posposição do sujeito,
68
A cláusula (i) do Critério temático estabelece que todo argumento deve aparecer em uma cadeia que
comporte um e apenas um papel temático.
94
indeterminação do sujeito e particípio absoluto. Levaremos em conta, ainda, para tal
categorização, o critério do objeto cognato (cf. FIGUEIREDO SILVA, 1996;
COELHO, 2000).
Em relação à rede temática, as autoras propõem que os verbos inacusativos
prototípicos apresentam a propriedade de afetado; já os intransitivos prototípicos
apresentam a propriedade de desencadeador. Ciríaco e Cançado (2004), a partir de
exemplos, mostram como investigar tal propriedade. Nos exemplos a seguir:
(31) João correu ontem
(32) João chegou de repente
Observa-se, em (31), que João tem papel no desencadeamento do processo; já
em (32), observa-se que João mudou de um estado para outro.
As autoras sugerem que testes que provam agentividade não são aceitos pelos
inacusativos, testes do tipo: o que X fez foi... As autoras apresentam os seguintes
exemplos:
(33) a. *O que a menina fez foi adoecer de dengue
b. A menina adoeceu de dengue.
Já com os verbos cujos argumentos são desencadeadores, de acordo com as
autoras, os testes que provam agentividade são aceitos, como evidenciam os exemplos
trazidos por elas:
(34) a. O que João fez foi sair
b. João saiu.
Levamos em consideração ainda os testes sintáticos sugeridos pelas autoras: a
posposição do sujeito, a indeterminação do sujeito e o particípio absoluto.
Em relação à posição do sujeito, para Ciríaco e Cançado, a ordem VS é aceita
mais naturalmente pelos inacusativos em comparação com os intransitivos, já que seu
argumento é um objeto na origem, o que evidenciamos na discussão anterior. A partir
dos exemplos das autoras, percebemos que, embora não possamos considerar a
evidência da posposição isoladamente como único diagnóstico para a inacusatividade,
95
como as autoras alertam, os pares de exemplos apontam para uma aceitabilidade maior
da inversão do sujeito para os inacusativos. Observemos os exemplos em (35), com os
inacusativos, e os exemplos em (36), com os intransitivos:
(35) a. Apareceu uma flor no meu jardim
b. Caiu um menino ali na escada
c. Morreu um velhinho na fila
d. Nasceu um bebê lindo hoje na maternidade
(36) a. ? Falou um menino logo ali
b. ? Nadou um menino na piscina
c. ? Andou uma criança por aqui
d. ? Pulou um menino no meu colo
No que se refere à indeterminação do sujeito, segundo as autoras, essa é uma
propriedade restrita a verbos que possuem argumento externo. A partir dos exemplos
das autoras
(37) *Chegou-se muito ontem
(38) Correu-se muito ontem na lagoa,
podemos observar que o verbo chegar não admite indeterminação, pois é um verbo
inacusativo, já o verbo correr admite, pois é intransitivo.
No que tange ao particípio absoluto, de acordo com as autoras, considerado um
diagnóstico mais preciso para a constatação da inacusatividade, observamos que os
verbos inacusativos admitem particípio absoluto, ao passo que os intransitivos não o
admitem. Constatamos a propriedade, nos exemplos trazidos pelas autoras:
(39) Chegadas as cartas, pude descobrir a razão de tanta tristeza
(40) *Corridos os atletas, a prova acabou.
Por fim, temos a propriedade do objeto cognato discutida em Figueiredo Silva
(1996) e Coelho (2000). Consideramos que os verbos intransitivos prototípicos admitem
96
uma espécie de objeto inerente, enquanto os verbos inacusativos prototípicos mostramse resistentes a tal construção, conforme os exemplos a seguir:
(41) *João chegou uma chegada bonita
(42) João correu a corrida de São Silvestre
2.6.2.2.1 Tipo de verbo
Subdividimos os verbos em: inacusativo prototípico, inacusativo não prototípico,
intransitivo prototípico, intransitivo não prototípico, transitivo e cópula.
Consideramos, na nossa análise, verbos inacusativos prototípicos aqueles que
apresentavam as seguintes propriedades: (+) posposição69, (-) desencadeador, (-)
indeterminação, (+) particípio e (-) cognato. Já os intransitivos prototípicos foram
considerados aqueles que apresentavam as propriedades: (-) posposição, (+)
desencadeador, (+) indeterminação, (-) particípio e (+) cognato. Os inacusativos e
intransitivos não-prototípicos foram definidos em função da não presença de alguma ou
algumas propriedades dos verbos prototípicos.
O verbo transitivo é aquele definido como verbo de mais de um argumento e o
verbo cópula é aquele que seleciona uma SC, do Inglês small clause, pequena oração. O
cópula é um verbo monoargumental inacusativo; no entanto, ao invés de selecionar um
argumento interno, seleciona uma pequena oração; por isso, o categorizamos
separadamente, pois acreditamos que tenha comportamento diferenciado no que se
refere à concordância verbal.
Os verbos estão subdivididos em:
• Inacusativos prototípicos
(43) Depois surgiu as carroças, os burros (PESIMJS13);
• Inacusativos não-prototípicos
(44) As pessoas não sai do Ribeirão todo dia pra vim no centro (PBRCMJS16);
• Intransitivos prototípicos
(45) Muitos escravos também trabalhavu nessa atividade (PBRIMJS13);
69
Embora a posição do sujeito em relação ao verbo seja um grupo de fatores a ser controlado no nosso
trabalho, o que poderia enviesar a nossa análise, já que seu controle, desta forma, será reduplicado,
inserimos a propriedade (+/-) posposição na caracterização dos inacusativos/intransitivos, pois do
contrário teríamos apenas quatro propriedades distintivas o que inviabilizaria a proposta.
97
• Intransitivos não-prototípicos
(46) Os primeiros europeus a vir pra cá foram os espanhóis que aportaram aqui
(PBRIMJS13);
• Transitivos
(47) Os alunos dão importância também pra esse profissional (PBINFVS06);
• Cópula
(48) Como a maioria dos professores são catalães, é tudo em catalão, os textos é tudo
em catalão (PERCFJS16).
Nossa hipótese, para este grupo de fatores, relaciona-se às características dos
diferentes tipos de verbos.
Primeiramente, em relação aos verbos inacusativos, esperamos que, em função
das suas propriedades: (-) desencadeador, (+) posposição, (-) indeterminação do sujeito,
(+) particípio absoluto e (-) objeto cognato, tendam a apresentar menos marcas de
concordância. Essas propriedades indicam que (i) os inacusativos não aceitam testes que
provam agentividade, que é uma propriedade caracterizadora da marcação da
concordância verbal; quanto mais agentivo, mais prototípico, mais concordância; (ii)
aceitam mais naturalmente a ordem VS, que é condicionadora da não marcação da
concordância verbal; (iii) não admitem indeterminação do sujeito, que é uma
propriedade típica de verbos que selecionam argumento externo, que também é
característica de marcação da concordância verbal; (iv) admitem particípio absoluto e
(v) não possuem objeto cognato.
No que se refere aos verbos intransitivos que possuem as propriedades contrárias
às dos inacusativos, uma vez que selecionam apenas argumentos externos (e não
internos), esperamos que tendam à marcação da concordância verbal. Os verbos
transitivos, que se caracterizam por selecionarem também argumentos externos que
figurem na posição típica de sujeito, devem se comportar como os intransitivos,
apresentando maiores chances de marcas de concordância.
Em relação aos verbos do tipo cópula, embora façam parte da categoria dos
inacusativos, esperamos que tendam a exibir mais marcas de concordância do que os
verbos inacusativos prototípicos e menos prototípicos, por selecionarem uma pequena
oração (small clause).
98
2.6.2.2.2 Posição do sujeito em relação ao verbo
O português é uma língua do tipo Sujeito-Verbo-Objeto que admite variação;
por isso, o SN pode aparecer posposto ao verbo. Dessa forma, para esse grupo de
fatores, consideramos a anteposição ou a posposição do sujeito:
• SN V anteposição
(49) Eles moru lá na cidade (PBRIMJF09)
• V SN posposição
(50) Mora três lá perto da minha casa (PBINFVF02)
Baseando-nos em resultados de trabalhos empíricos, esperamos que haja
enfraquecimento da concordância com o SN pós-verbal, como veremos a seguir.
Lemle e Naro (1977) apontam que a probabilidade de concordância verbal com
SNs pós-verbais é muito menor do que com SNs pré-verbais, independendo até mesmo
do nível de escolaridade a que pertence o falante. Lira (1986) também comprova o alto
índice de ausência de concordância com SNs pospostos em seus resultados:
probabilidade de .62 de ausência de concordância para apenas .38 de presença.
Rodrigues (1987), atestou, em seu estudo que o sujeito posposto influencia
fortemente a não-concordância com 97% de freqüência e .88 de peso relativo,
diferentemente do sujeito anteposto, com 76% de freqüência e .31 de peso relativo,
assim também como o sujeito distante do verbo 78% de freqüência e .45 de peso
relativo.
Berlinck (1988) também apresenta resultados que apontam maior tendência aos
SNs pospostos desencadearem menor concordância. Em seus resultados, 94% dos SNs
pospostos apresentam ausência de concordância para apenas 20% de presença, um
percentual bastante significativo. Vale lembrar que seus dados são de informantes de
nível universitário. A autora diz que essa associação de SN posposto e ausência de
concordância têm servido de argumento favorável à tese do caráter menos ‘subjetivo’ do
sujeito.
Pontes (1986) discute, em seu trabalho, o estatuto de sujeito do SN posposto
evidenciando que este tipo de sujeito apresenta características de objeto70 (posição VSN,
[- concordância]).
70
Como evidenciamos no capítulo I, subseção 1.1.1.1, o SN posposto, conforme Pontes (1986), mesmo
apresentando características de objeto não admite cliticização como em: (1) A Sarinha tá nascendo dente;
(2) *A Sarinha nasceu-o.
99
A autora ressalta, a partir de um teste feito com alguns estudantes da Faculdade
de Letras da UFMG, que o SN posposto é encarado, muitas vezes, como objeto por uma
parcela significativa de falantes que, por conseqüência, apresentam dificuldade na
marcação da concordância com esses tipos de SNs.
Scherre e Naro (1997) apresentam resultados que apontam para o fato de que,
quando o sujeito está em uma posição mais à esquerda e mais próximo do verbo, existe
maior probabilidade de favorecimento da ocorrência da variante explícita, enquanto a
posição à direita e o distanciamento em relação ao verbo a desfavorecem,
independentemente do grau de escolaridade dos falantes.
Monguilhott (2001) evidencia em seus resultados o sujeito anteposto ao verbo
como favorecedor da concordância com 84% de freqüência e .78 de peso relativo,
enquanto o sujeito posposto ao verbo como favorecedor da não concordância com 52%
de freqüência e .17 de peso relativo.
Coelho e Monguilhott (2007) atestam, em seu trabalho, que a ordem VS
condiciona a não marcação da concordância nos verbos, corroborando a tese do caráter
não subjetivo do argumento que se posiciona à direita do verbo.
Coelho, Monguilhott e Martins (2008) apresentam resultados de amostras
diacrônicas em que há marcação de 100% nos casos de verbos com sujeito invertido no
século XIX. Já no século XX, a freqüência de marcação é de 85%. Os autores
evidenciam que os resultados refletem a relação que há entre marcação da CV e ordem
SV; como a ordem SV está cada vez mais enrijecida no PB, há menos marcação da CV
com sujeito invertido no PB atual.
Partindo destas evidências, acreditamos que o SN, quando posposto ao verbo,
apresentará forte tendência à variante zero de plural nos verbos.
2.6.2.2.3 Traço humano no sujeito
Controlaremos, neste grupo de fatores, os traços do SN do tipo [+/-humano]:
•
SN [+humano]
(51) Eles não trabalham com isso (PBRCMJS16);
•
SN [-humano]
(52) Ainda existe terras mais pequenininhas aqui dentro do Conselho (PESIFJF09).
100
Em relação a esse grupo de fatores, esperamos que, quando o traço do sujeito for
[+humano], a probabilidade de marcas de concordância no verbo seja maior, já que ele
se caracterizará mais prototipicamente como sujeito, diferentemente do SN com traço [humano], que tenderá a desencadear menos marcas de concordância no verbo em
função de, numa escala de “sujeitividade”, apresentar-se menos “sujeito”.
2.6.2.2.4 Tipo de sujeito
Controlamos as seguintes formas de representação do SN-sujeito:
•
SN pleno simples
(53) As pessoas trabalham só pelo dinheiro (PERCFVF04);
•
SN pleno nu
(54) Não eram colunas assim como tá hoje (PBINFVS06);
•
SN pleno composto
(55) Comia o pai e a mãe na mesa, os filho no chão (PBCLMVF03);
•
Pronome pessoal
(56) Elas fazem uns doces muito bons (PERCFVS08);
•
Pronome indefinido
(57) Trabaia uns na pesca (PBCLMVF03);
• Quantificador
(58) Moru todos lá (PBRCMJF12);
• SN + pronome relativo (que)
(59) Tem várias etnias que contribuíram pra formação dessa nossa ilha (PBRIMJS13);
• Sujeito nulo
(60) Todas as minhas amigas namoravam e Ø vinham às festas aqui (PBRIFVS05).
Para o grupo de fatores tipo de sujeito, nossa hipótese baseia-se numa possível
relação existente entre esse e o grupo de fatores posição do SN sujeito em relação ao
verbo.
De acordo com Zilles (2000), quando o SN é do tipo pleno (simples, nu e
composto) ou pronome indefinido, existe forte tendência a aparecer à direita do verbo,
por isso esperamos que nesses casos a probabilidade de não-marcação da concordância
101
seja mais acentuada. Além do estudo de Zilles (2000), outros estudos a respeito da
variável posição do sujeito em relação ao verbo também indicam que a posposição do
sujeito é um dos fatores determinantes para a não-aplicação da regra de concordância
nos verbos.
Já o SN do tipo pronome pessoal dificilmente ocorre à direita (cf. ZILLES,
2000), assim como o SN + pronome relativo (que), ocupando, então, uma posição
privilegiada para a marcação de plural nos verbos.
Em relação ao sujeito nulo, esperamos grande marcação de concordância, pois a
desinência verbal torna-se mais necessária para identificar o sujeito quando este não está
preenchido.
2.6.3 Os grupos de fatores extralingüísticos
Como evidenciamos na apresentação da fundamentação teórico-metodológica da
Teoria da Variação e Mudança e da Dialetologia Pluridimensional, o componente social
e geográfico da concepção que norteia nossa pesquisa é fundamental. Como bem
salienta Borges Neto
Sem a perspectiva do social, sem a consideração do não-estrutural, a
sociolingüística deixa de ser uma teoria e passa a ser uma metodologia de análise
de dados lingüísticos que só se distingue de outras metodologias pela atenção que
presta às variações inter e intra-individuais e pelo uso de instrumental estatístico.
[grifos do autor] (2004, p.210-211)
Assim sendo, gostaríamos de evidenciar a importância dos grupos de fatores
extralingüísticos a serem controlados nos dados sincrônicos que serão apresentados a
seguir.
102
2.6.3.1 Os grupos de fatores sociais
2.6.3.1.1 Sexo
Embora não tenhamos levado em conta este grupo de fatores na composição da
nossa amostra, pois o número de células ficaria maior do que o desejado e também por
não ter sido significativo em nosso estudo anterior (MONGUILHOTT, 2001), a coleta
se deu aleatoriamente com ambos os sexos. Desta forma, este grupo de fatores foi
controlado de forma não sistemática.
Esperamos encontrar, nos resultados, marcação da CV maior por parte das
mulheres, por elas se mostrarem mais receptivas à atuação normatizadora da escola,
como apontam Oliveira e Silva e Scherre (1996) para o PB, tendendo ao uso das formas
mais prestigiadas.
2.6.3.1.2 Idade/escolaridade71
Em relação a este grupo de fatores, controlaremos as seguintes faixas etárias e níveis
de escolaridade:
•
04 falantes com idade entre 15 e 36 anos com ensino fundamental (da 4ª. série
completa a 9ª. série completa) – jovem/ensino fundamental;
•
04 falantes com idade entre 22 e 33 anos com ensino superior concluído72 –
jovem/ensino superior;
•
04 falantes com idade entre 48 e 74 anos com ensino fundamental (de 1ª. a 4ª. série
incompleta a 7ª. série completa) – velho/ensino fundamental;
•
04 falantes com idade entre 45 e 76 anos com ensino superior concluído73 –
velho/ensino superior.
Nossas hipóteses em relação às duas faixas etárias controladas, jovens e velhos,
relacionam-se à diazonalidade. Acreditamos que os jovens da zona não urbana
preservem mais as marcas de CV do que os velhos desta mesma zona. Já no que se
refere à zona urbana, acreditamos que os mais velhos preservem mais a CV.
71
Os grupos de fatores idade e escolaridade foram controlados conjuntamente.
Apenas uma informante do PE não havia concluído o curso superior, faltava um ano para a conclusão.
73
Os informantes do PB de 45 a 76 anos apresentam ensino superior concluído, no entanto, dos quatro
informantes do PE apenas um apresenta o ensino superior concluído, os demais têm até o 12º ano. Como
tivemos dificuldade em encontrar pessoas desta faixa etária com ensino superior concluído, resolvemos
considerar o ensino médio destes informantes, já que contrastam com os informantes com ensino
fundamental, o que era nosso objetivo. Em anexo, encontra-se o quadro 2.2 com o perfil de cada
informante separadamente.
72
103
Nossa expectativa, em relação à zona não urbana, baseia-se em Baxter (1995) e
Lucchesi (2006). Baxter, citando o trabalho de Bortoni (1985), aponta que, em dialetos
rurais, os jovens usam mais marcas de plural do que os falantes mais velhos (op. cit.,
p.85). Lucchesi salienta tal relação (cf. apontado no capítulo I, seção 1.1.1.2), baseandose nos resultados de Nina (1980), Vieira (1997) e Silva (2003). O autor aponta que a
marcação da CV aumenta conforme a idade do falante diminui. Em relação à zona
urbana, baseamo-nos também em Lucchesi (2006), que evidencia, a partir do trabalho
de Graciosa (1991), que há queda na marcação da CV na fala dos mais jovens.
No que se refere à escolaridade, esperamos que, quanto maior o nível de
escolaridade, maior seja a probabilidade de o falante utilizar marcas mais formais, no
caso do nosso estudo a marcação da concordância verbal, pois a escola é um dos
ambientes que privilegia a norma lingüística utilizada na escrita e, de acordo com
estudos variacionistas envolvendo a variável anos de escolarização, existe correlação
entre formas lingüísticas consideradas padrão (ensinadas na escola e reforçadas em
outros ambientes - como TV, jornais) e maior escolaridade.
2.6.3.1.3 Redes sociais
Algumas pesquisas incluindo grupos de fatores que vão além dos aspectos do
macro-nível (idade, sexo, escolaridade e profissão) têm apresentado resultados
interessantes. Um desses grupos de fatores visa ao controle das redes sociais com o
intuito de reconhecer as características mais específicas dos indivíduos e da
comunidade, através de questões etnográficas e de práticas sócio-econômico-culturais.
As redes sociais são definidas por Milroy (2003) como os relacionamentos
criados pelas pessoas para suprir as dificuldades da vida cotidiana. Tais redes podem
variar de um indivíduo para outro e ser constituídas por ligações de diferentes tipos e
intensidades. Chambers (1995) indica que os elementos que enriquecem as redes são
basicamente os mesmos em todo o lugar, sejam eles, o grau de parentesco, a ocupação
(ambiente de trabalho) e a amizade. Milroy (2003) distingue, ainda, redes de primeira e
de segunda ordem. Constituem as redes de primeira ordem a família e os amigos; e as
de segunda são compostas por pessoas com as quais o indivíduo passa boa parte do
tempo, no entanto, não confia a elas segredos ou conselhos. Ainda de acordo com
Milroy (2003), estudos feitos por Labov (1963) e Cheshire (1982) mostraram que
104
quanto mais integrado o sujeito está a uma rede, mais freqüentemente tende a usar
variantes locais/regionais.
Buscamos, no nosso trabalho, analisar a rede social dos informantes com o
intuito de compreender o fenômeno de variação da concordância verbal de terceira
pessoa do plural por permitir investigar as diferentes práticas sociais de que nossos
informantes fazem parte.
Inicialmente analisamos as redes em termos da densidade e da plexidade das
relações entre os informantes. Em seguida, analisamos em termos do localismo e da
mobilidade dos informantes. Para definirmos a densidade, a plexidade, o localismo e a
mobilidade dos informantes, coletamos informações durante as entrevistas (algumas das
questões que surgiram ao logo das entrevistas estão no quadro 2.3, em anexo) e fizemos
também questionamentos que fazem parte das suas fichas sociais74.
Em relação à densidade e à plexidade, temos como hipótese que os informantes
da zona não urbana fazem parte de redes sociais mais densas e multiplexas, o que
possibilita o uso de padrões valorizados localmente, menos formais, no caso do nosso
estudo, a não marcação da concordância verbal, diferentemente dos informantes que
fazem parte da zona urbana que tendem a apresentar redes menos densas e uniplexas,
por isso, tendem ao uso de padrões mais valorizados socialmente, no caso, a marcação
da concordância verbal.
No que se refere ao localismo e à mobilidade, acreditamos que os indivíduos que
se identifiquem com a sua localidade apresentem tendência à valorização da cultura
local, bem como dos usos lingüísticos locais, diferentemente dos indivíduos que não se
identifiquem com a localidade da qual fazem parte, que tenderão a adotar padrões
lingüísticos externos. Quanto à mobilidade, esperamos que os indivíduos que
apresentem alta mobilidade adotem padrões lingüísticos mais valorizados socialmente
para que possam ser aceitos nas diversas instâncias que percorrem, diferentemente
daqueles indivíduos que apresentarem pouca mobilidade, que deverão tender ao uso dos
padrões valorizados localmente.
Para que pudéssemos categorizar os dados para submetê-los às rodadas
estatísticas, definimos dois subfatores para as redes sociais: o localismo e a mobilidade.
Em relação ao localismo, qualificamos se os indivíduos que fazem parte da amostra
eram bem integrados ao bairro em que moravam (se participavam das atividades do
bairro, se gostavam de morar no bairro), mais ou menos integrados (se participavam das
74
Os termos densidade, plexidade, localismo e mobilidade foram discutidos no capítulo II, seção 2.1.
105
atividades do bairro, mas gostariam de residir em outro bairro, ou se gostavam de residir
no bairro, mas não participavam das atividades que o bairro oferecia), e se pouco
integrados (não gostavam de morar no bairro, nem participavam de atividades no
bairro). No que se refere à mobilidade, controlamos também três fatores, se o indivíduo
tinha pouca mobilidade (se trabalhava ou estudava no bairro, se fazia compras no
bairro), se tinha média mobilidade (se trabalhava ou estudava no bairro, mas fazia
compras fora do bairro) ou se tinha muita mobilidade (trabalhava ou estudava fora do
bairro).
2.6.3.2 Os grupos de fatores geográficos75:
2.6.3.2.1 Diatopia76
No PB: A cidade de Florianópolis possui muitos bairros, sendo que a maioria se
localiza na ilha, além de outros na parte continental. Em nosso estudo, optamos por
selecionar os quatro pontos a serem investigados na ilha, localizados em áreas distintas,
por julgarmos representativos da comunidade de fala florianopolitana77. Vamos agora
apontar algumas características de cada uma das localidades a serem estudadas:
a.1) Costa da Lagoa (localidade não urbana)78
Origem do nome: a denominação resulta da topografia da localidade – é uma costa do
lado interno de uma lagoa.
Idade do ponto: a freguesia foi fundada em 20/6/1750.
População: 9.849 habitantes79.
75
Os grupos de fatores extralingüísticos, geográficos e sociais, serão discutidos a partir dos pressupostos
da Teoria da Variação e Mudança e da Dialetologia Pluridimensional.
76
A caracterização da cidade de Florianópolis e da cidade de Lisboa será feita posteriormente na seção
2.6.
77
Para definirmos Florianópolis como uma comunidade de fala, assim como Lisboa, levamos em conta os
critérios apontados por Guy (2000, 2001), discutidos no capítulo 2.
78
Algumas das informações foram retiradas do site http://floripa.geoguia.com.br, consultado em
23/11/2006. Outras informações foram retiradas do site http://pt.wikipedia.org, consultado em 03/11/2008
e outras ainda das entrevistas realizadas com os informantes para a coleta dos dados da pesquisa, bem
como das impressões da pesquisadora ao longo de sua vivência nas localidades durante o trabalho de
campo.
79
A densidade demográfica refere-se à Freguesia da Lagoa da Conceição, da qual a localidade da Costa
da Lagoa faz parte. A localidade investigada possui uma população muito pequena, mas não obtivemos o
dado preciso.
106
Perfil sócio-econômico: a localidade caracteriza-se por apresentar uma população
extremamente integrada entre si. Ao longo de toda a extensão do bairro, todos se
conhecem e sabem a casa em que os vizinhos moram e quais as atividades que realizam.
As famílias ainda dividem o terreno como é costume em zonas menos urbanas, já que os
filhos casam e continuam morando no terreno dos pais. Muitos casam com moradores
do bairro, o que facilita ainda mais a integração. Os moradores participam das
atividades do bairro, como discussões realizadas no conselho comunitário e festas
promovidas na localidade. O bairro possui uma pré-escola municipal. A maioria dos
moradores freqüenta escolas de ensino fundamental na Lagoa da Conceição, que fica a
meia hora de barco e, quando vão para o ensino médio, muito optam por escolas no
centro da cidade. O bairro recebe visitantes no verão, que costumam freqüentar os
restaurantes e fazer passeios de barco. Alguns moradores ainda vivem da produção
agrícola e pesqueira. Muitos têm barco e vivem da atividade de transportar passageiros,
já que as pessoas que visitam a localidade, assim como os moradores, precisam do
transporte lacústre, a não ser aqueles que se arriscam a chegar à localidade através de
trilhas, o que é uma minoria. Alguns moradores são donos de restaurantes ou trabalham
como empregados nesses restaurantes. Esses restaurantes apresentam intenso
movimento durante o verão, mas no resto do ano o movimento diminui. Muitos
moradores precisam se deslocar para outros bairros para trabalhar. Não há na localidade
hotéis, pousadas, nem comércio. Poucos moradores alugam suas casas para veranistas,
e, ainda assim, quando possuem alguma referência, pois eles deixam claro que não têm
intenção alguma de mudar as características do bairro, seja em função do turismo ou por
outro motivo qualquer. Eles valorizam muito a tranqüilidade que possuem sem qualquer
indício de violência no lugar e parecem todos muito satisfeitos com a vida
extremamente pacata que levam.
Acesso à localidade: somente a pé, por trilhas, ou, de barco, pela lagoa.
a.2) Ribeirão da Ilha (localidade não urbana)
Origem do nome: pequeno rio que nasce no Morro da Cabeça do Macaco, na localidade.
Idade do ponto: originou-se a partir de um decreto de 11/8/1809.
População: 20.392 habitantes.
Perfil sócio-econômico: desenvolve-se na localidade cultivo de ostras e mexilhões,
tendo inclusive uma cooperativa – cooperilha. A produção é vendida para os
restaurantes da localidade e para fora do estado também. Há muitos pescadores no local,
107
assim como pessoas que vivem da lida com o gado. O cultivo dos moluscos trouxe
visibilidade recente à localidade, que se destaca pelos vários restaurantes freqüentados
durante todo o ano por turistas e moradores da cidade. A localidade é uma praia; no
entanto, por se situar dentro da baía, não apresenta apelo turístico, já que não possui
nenhuma extensão de areia e o mar não parece muito convidativo para o banho. O bairro
possui uma associação de moradores bastante atuante, que promove atividades e festas
para os moradores, além de reivindicar melhorias para o bairro. O carnaval é uma festa
marcante na localidade, assim como a festa do Divino Espírito Santo. Os moradores
freqüentam a igreja do bairro e costumam participar dos festejos promovidos pela
diocese. A localidade possui uma escola de ensino fundamental e médio; no entanto,
muitos moradores optam por estudar no centro da cidade. A vida na localidade ainda é
pacata, sem muita violência, com pouco comércio e, por isso, também com poucas
possibilidades de emprego e renda para os moradores, que, na sua maioria, se deslocam
para outras localidades para trabalhar.
Acesso à localidade: embora seja uma reivindicação antiga da população, a estrada que
dá acesso à localidade ainda é de paralelepípedos com alguns trechos de estrada de
chão. Recentemente, a prefeitura inaugurou uma estrada paralela asfaltada que facilitou
o acesso ao bairro.
a.3) Ingleses (localidade urbana)
Origem do nome: existem duas hipóteses. A primeira, de um naufrágio de uma
embarcação inglesa na localidade. A segunda, mais remota, de que o primeiro ocupante
da localidade teria sido um cidadão inglês.
Idade do ponto: originou-se a partir de um decreto de 11/8/1831.
População: 16.514 habitantes.
Perfil sócio-econômico: a localidade já foi centro de pesca, hoje vive principalmente do
comércio e do turismo. O bairro apresenta crescente desenvolvimento demográfico em
função, principalmente, do turismo, que inicialmente era feito de forma “amadora” com
aluguel de casas dos próprios moradores para veranistas na temporada de dezembro a
março. No entanto, a localidade virou ponto de referência na década de 80 para
argentinos e gaúchos que passaram a vir todos os anos para aproveitar os meses de
verão em uma das praias mais bonitas da ilha. Hoje em dia, muitos moradores se
mantêm do turismo com comércio de todo tipo, trabalhando em hotéis, lojas, bares,
restaurantes e supermercados que, embora tenham um fluxo mais intenso no verão,
108
apresentam movimento durante o ano todo. Existem escolas municipais e estaduais no
bairro que a cada ano apresentam mais e mais problemas para dar conta do contingente
de pessoas que passam a residir no bairro. Existem bolsões de pobreza instalados na
localidade, principalmente, de pessoas que vêm do interior do estado em busca de
oportunidades. O crescimento, tanto populacional, como econômico da localidade,
como em qualquer lugar, trouxe, por um lado, benefícios para os moradores – como
acesso a vários serviços, tornando-os independentes do centro da cidade, por exemplo,
por outro lado, trouxe violência para o bairro. Em função da alta densidade demográfica
e da alta arrecadação que há na localidade com a atividade comercial, há, inclusive, um
movimento de emancipação do bairro.
Acesso à localidade: o acesso é bastante fácil com pistas duplicadas pela SC 401.
a.4) Região Central de Florianópolis (localidade urbana)
Origem do nome: Florianópolis recebe o nome em homenagem a Floriano Peixoto, o
segundo presidente do Brasil (1891-1894) no período da República Velha.
Idade do ponto: entre 1651 e 1662, iniciou-se a fundação da cidade. Em 23/3/1726, é
elevada à categoria de vila.
População: 228.869 habitantes
Perfil sócio-econômico: definimos como região central, neste estudo, as proximidades
da Universidade Federal de Santa Catarina. A atividade comercial na região é bastante
intensa com shoppings, restaurantes e comércio de modo geral. Há muitas escolas
públicas e particulares, além de duas universidades públicas: a federal (referida
anteriormente) e a estadual. Muitos moradores do bairro não precisam se deslocar para
trabalhar.
Acesso à localidade: o acesso dos bairros localizados na ilha se dá pelas Avenidas
Mauro Ramos, Beiramar e pela recente via expressa sul. Pelos bairros do continente o
acesso é pela ponte Colombo Salles.
No PE: a cidade de Lisboa revela-se bastante urbana em função, principalmente, de ser
capital de um país europeu. Assim sendo, optamos por estender nossa coleta para a
Grande Lisboa para que conseguíssemos selecionar informantes que apresentassem
perfis não urbanos, o que seria difícil se nossas entrevistas ficassem circunscritas à
região metropolitana da cidade. Apontamos, a seguir, algumas características de cada
uma das localidades a serem investigadas:
109
b.1) Cascais80 (localidade não urbana)
Origem do nome: vem do fato de ser uma região pesqueira, sendo comum em toda a
orla amontoados de cascas de mexilhão, chamados cascais.
Idade do ponto: sua fundação deu-se em 1364.
População: 33.000 habitantes81.
Perfil sócio-econômico: a localidade é caracterizada por ser um balneário de verão há
mais de um século. Existem, ao longo de toda a orla, condomínios fechados, que servem
de casas de veraneio dos ricos lisboetas, desde o século XIX. Para os nativos e
moradores da região, a pesca ainda se constitui como atividade importante. Embora o
município acredite que tenha incentivado a atividade na região com a criação de um
novo cais e com a Doca Pesca, os pescadores têm reclamado muito, pois só podem
vender o pescado para a prefeitura, ao preço estipulado, não tendo mais liberdade para o
comércio do seu pescado. Aqueles que não vivem da pesca vivem das atividades ligadas
ao turismo, como restaurantes, hotéis e comércio de modo geral. Há muitas pessoas que
moram em Cascais, mas que trabalham em Lisboa e outras que fazem o caminho
inverso, moram em Lisboa e trabalham em Cascais. Há escolas na região e serviços de
modo geral, o que faz a comunidade ser bastante independente de Lisboa.
Acesso à localidade: existem boas estradas de acesso, mas o uso de trem é bastante
freqüente. Há saída de Lisboa a cada meia hora, mesmo tempo que leva até a localidade.
b.2) Sintra (localidade não urbana)
Origem do nome: partiu de um templo erguido aproximadamente 308 anos antes de
Cristo, por gregos, galo-celtas e túrdulos, dedicado à lua. Os celtas chamavam lua de
“cynthia” e, quando os árabes dominaram a região, passaram a denominar o local de
“Chintra” ou “Zintira”.
Idade do ponto: passou a fazer parte definitivamente do país após a reconquista de D.
Afonso Henriques em 1154.
População: 25.000 habitantes.
80
Algumas das informações foram retiradas do Guia visual Publifolha Portugal – Madeira e Açores,
5.ed., São Paulo: Divisão de Publicações do Grupo Folha, 2007. Outras informações foram retiradas do
site http://pt.wikipedia.org, consultado em 03/11/2008 e outras ainda das entrevistas realizadas com os
informantes para a coleta dos dados da pesquisa, bem como das impressões da pesquisadora ao longo de
sua vivência nas localidades durante o trabalho de campo.
81
A vila de Cascais possui 33.000 habitantes, já o concelho, que abarca várias freguesias, possui cerca de
185.000 habitantes.
110
Perfil sócio-econômico: a localidade é considerada refúgio para os moradores da região
central de Lisboa, principalmente, no verão, já que possui bosques, fontes de água
fresca, bem como um micro-clima que faz com que não haja calor intenso no lugar.
Sintra recebe turistas durante todo o ano por ser um lugar muito agradável e apresentar
construções famosas no país, como o Palácio Nacional de Sintra, o Palácio da Pena, o
Castelo dos Mouros, a Quinta da Regaleira, além de alguns museus como o Museu do
Brinquedo e o Museu de Arte Moderna. Sintra possui bons restaurantes e hotéis.
Embora o fluxo de turistas seja grande durante todo o ano, a vida da população residente
na localidade é bastante calma. Ainda há quem viva da lida com o gado e com a
agricultura nas regiões mais rurais da localidade, mas a maioria das pessoas vive do
comércio da região, como lojas de produtos de artesanato, restaurantes, lanchonetes,
hotéis e atendendo nos museus e palácios. Há escolas e médicos na localidade, mas a
população reivindica um hospital, além de outros serviços básicos que são oferecidos na
casa do cidadão, que não existem na região, e, portanto, precisa deslocar-se para Lisboa
quando precisam destes serviços.
Acesso à localidade: existem boas estradas de acesso, mas é muito comum o uso de
trem que sai de Lisboa a cada meia hora, mesmo tempo que leva até a localidade.
b.3) Belém (localidade urbana)
Origem do nome: na verdade, a localidade chama-se Santa Maria de Belém, e parece ter
sido assim nomeada em função da devoção do Rei Dom Manoel à Nossa Senhora de
Belém.
Idade do ponto: a fundação da localidade deu-se em 1833.
População: 9.752 habitantes.
Perfil sócio-econômico: a localidade situa-se próxima à foz do Tejo, que era de onde
partiam as caravelas para as viagens dos descobrimentos. Com Dom Manoel I no poder
em 1495, Belém ganha monumentos que são símbolos da localidade: o Mosteiro dos
Jerônimos e a Torre de Belém. A localidade passou por um período de industrialização
(entre 1819 e 1821) com unidades fabris movidas a vapor; no entanto, com o passar do
tempo, as fábricas, como as de curtumes, de cordoaria, de garrafas de vidro preto, de
conservas e a Gás Belém, foram fechando e Belém passou de densamente
industrializado a zona de lazer e cultura. A localidade recebe muitos turistas o ano todo
para visitar as construções famosas como as já citadas Torre de Belém e Mosteiro dos
Jerônimos, assim como vários museus que existem na região (como o Museu de Arte
111
Popular, o Museu da Marinha, o Museu Nacional de Arqueologia e o Museu Nacional
dos Coches), bem como outras construções (como o planetário Calouste Gulbenkian),
jardins (como o Jardim Agrícola Tropical e o Jardim Botânico da Ajuda), monumentos
(como o Padrão dos Descobrimentos), centros culturais (como o Centro Cultural de
Belém) e ainda a famosa Casa dos Pastéis de Belém. A população vive basicamente do
comércio que há na região; além das construções já citadas, há restaurantes e casas de
artesanato, além de escolas e bancos. O bairro tem sido cada vez mais valorizado e, por
isso, as casas têm ficado cada vez mais caras, o que tem obrigado muitas pessoas
nativas da localidade a irem procurar casas em locais mais afastados.
Acesso à localidade: existem boas estradas de acesso, mas, diferentemente da maioria
dos bairros de Lisboa, não há acesso de metrô para a localidade, apenas ônibus ou
elétrico fazem o trajeto.
b.4) Região Central de Lisboa (localidade urbana)
Origem do nome: o nome Lisboa parece ter se originado de uma expressão na língua
fenícia – Alis-Ubbo – que significava enseada amena.
Idade do ponto: a fundação da cidade deu-se por Dom Afonso Henriques em 1179 e
passou a ser capital de Portugal em 1256.
População: 550.000 habitantes82
Perfil sócio-econômico: delimitamos, como região central para o nosso estudo, a zona
comercial da cidade entre a praça Marquês de Pombal, a praça Saldanha e a
Universidade de Lisboa. Há muitos centros comerciais na região, bancos, escolas,
hotéis, restaurantes e serviços de modo geral. O movimento é intenso durante todo o
ano.
Acesso à localidade: o acesso à região central tem se tornado um problema cada vez
maior para os lisboetas que transitam de carro, pois há muitos carros na cidade e poucos
lugares para estacionar. É comum o uso de metrô e ônibus por boa parte da população,
já que esses meios de transporte possuem boa estrutura.
A nossa expectativa em relação às localidades a serem investigadas é de que
suas características, em termos da idade do ponto, da densidade demográfica, bem como
das características sociais, históricas e econômicas, interfiram nas escolhas lingüísticas
82
A densidade demográfica refere-se à cidade de Lisboa, considerando-se todos os seus bairros. Para a
área circunscrita, região central, não obtivemos o dado preciso da densidade demográfica.
112
dos falantes nativos. Pretendemos mapear o fenômeno da concordância verbal em cada
um dos pontos selecionados para verificarmos a atuação deste fator.
2.6.3.2.2 Diazonalidade
Em cada um dos quatro pontos de coleta de dados no PB e no PE, foram
realizadas duas entrevistas na zona urbana e duas na zona não urbana. Decidimos
investigar, além da dimensão diatópica, também a dimensão diazonal por acreditarmos
que esse fator poderia apontar evidências interessantes na variação da concordância
verbal.
Embora para algumas pessoas classificar bairros de Florianópolis como não
urbanos pareça um equívoco, e um equívoco ainda maior classificar bairros de Lisboa
como não urbanos, haja vista a alta mobilidade da população e a atividade agropecuária
não se mostrar tão significativa, características comumente atribuídas a comunidades
menos urbanas, caracterizamos as localidades não urbanas como aquelas que,
comparativamente às consideradas urbanas, apresentam menor mobilidade, vivendo a
população mais isolada e menos sujeita à influência externa e, por isso, consideradas
mais conservadoras. No entanto, como os padrões da zona urbana apresentam mais
prestígio social, por serem considerados mais avançados, modernos e desenvolvidos,
esperamos que os informantes das localidades classificadas como urbanas apresentem
maior probabilidade de uso da concordância verbal, variante mais prestigiada, enquanto
os informantes das localidades classificadas como não urbanas, apresentem menor
probabilidade de uso de marcas de concordância verbal.
Fazemos menção aqui também para justificar a caracterização urbano/não
urbano ao contínuo de urbanização traçado por Bortoni (2004). Segundo a autora, “em
um dos pólos do contínuo, estão as variedades rurais usadas pelas comunidades
geograficamente mais isoladas. No pólo oposto, estão as variedades urbanas que
receberam a maior influência dos processos de padronização da língua [...]” (op. cit.,
p.52). Como em nossa amostra não temos comunidades totalmente isoladas, preferimos
denominar, ao invés de comunidades rurais, comunidades não urbanas, as quais
acreditamos estarem, no contínuo sugerido por Bortoni, em contraste com as
comunidades rurais, mais próximas das comunidades urbanas.
113
2.7 Síntese
Neste capítulo evidenciamos os pressupostos da Teoria da Variação e Mudança
Lingüística e da Dialetologia Pluridimensional, abordagem teórico-metodológica do
nosso estudo. Evidenciamos, também, os corpora que serão analisados, o programa
estatístico que será utilizado, delimitamos a variável dependente da nossa pesquisa e,
ainda, caracterizamos e levantamos as hipóteses relativas aos grupos de fatores. Em
seguida, traçamos o perfil sócio-histórico das comunidades de fala a serem investigadas
nesta tese e, por fim, indicamos os contextos de restrição do fenômeno em estudo.
A seguir, analisamos e discutimos os resultados da nossa análise sincrônica do
PB e do PE.
114
Capítulo III – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Neste capítulo, evidenciamos os resultados obtidos na análise dos dados
sincrônicos do PB e do PE. Inicialmente, salientamos os grupos de fatores selecionados
pelo Programa Goldvarb (2001) para os resultados do PB e apresentamos aqueles que
não foram selecionados pelo pacote estatístico. Os grupos de fatores que foram
selecionados pelo Goldvarb mostraram-se relevantes quando da verificação dos
condicionamentos a que a concordância verbal de terceira pessoa do plural está
submetida. Apresentamos também a análise e discussão dos resultados referentes às
variáveis lingüísticas, sociais e geográficas do PB levando em conta a caracterização
feita e as hipóteses levantadas para as variáveis no capítulo II. Em seguida, ressaltamos
os resultados obtidos na análise dos dados sincrônicos do PE evidenciando os grupos de
fatores selecionados pelo Programa Goldvarb (2001) e também apresentando aqueles
que não foram selecionados. Assim como na análise do PB, levamos em conta a
caracterização das variáveis lingüísticas, sociais e geográficas, feita no capítulo II, bem
como as hipóteses delineadas para cada uma delas neste mesmo capítulo.
Apresentamos, ainda, a análise e a discussão dos resultados para cada grupo de fatores
considerado na análise do PE.
3.1 Análise e discussão dos resultados sincrônicos do PB
Conforme salientado na seção 2.4 do Capítulo II, foram analisados todos os
dados de construções que apresentavam variação na concordância verbal de terceira
pessoa, extraídos de cada uma das dezesseis entrevistas que constituem nossa amostra
do PB.
A partir dessa amostra, obtivemos um total de 794 dados de variação na
concordância verbal (CV), com 640 dados apresentando marcas de plural nos verbos,
correspondendo a 80,6% da amostra, e 154 dados, 19,4% do total, com marcas zero de
plural nos verbos, como mostra o gráfico 3.1, a seguir.
115
Concordância
80,6%
Não
concordância
19,4%
Gráfico 3.1: Distribuição geral dos dados do PB
Em relação ao mapeamento da variação na concordância encontrada em cada
uma das localidades do PB investigadas, podemos observar o mapa 3.1 a seguir que traz
os resultados da freqüência de uso da CV na fala de cada informante que faz parte da
amostra investigada.
Mapa 3.1: Distribuição da marcação da concordância verbal no PB83
83
Os mapas 3.1 e 3.2 foram adaptados do Google Earth (acesso em fevereiro de 2009).
116
3.1.1 Variáveis lingüísticas
Dentre as variáveis lingüísticas controladas, as seguintes foram selecionadas de
acordo com a ordem de relevância estabelecida pelo Programa Goldvarb (2001)84:
saliência fônica, paralelismo formal, posição do sujeito em relação ao verbo e traço
humano no sujeito. As variáveis tipo de verbo e tipo de sujeito não foram
selecionadas85.
Vamos agora aos resultados e à discussão das variáveis lingüísticas.
3.1.1.1 Saliência Fônica
O grupo de fatores saliência fônica foi o que se mostrou mais relevante na
análise probabilística realizada, sendo o primeiro a ser selecionado pelo Programa
Goldvarb.
Nossos resultados vêm corroborar os resultados de outros estudos que haviam
controlado esse grupo de fatores no PB (LEMLE e NARO, 1977; RODRIGUES, 1987;
SCHERRE e NARO, 1997; MONGUILHOTT, 2001; SILVA, 2003; PEREIRA, 2004;
CARDOSO, 2005) com a oposição acentuada favorecendo a presença de marcas
explícitas de plural nos verbos, contrário à oposição não-acentuada, com maiores
probabilidades de marcas zero de concordância, como podemos observar na tabela 3.1 a
seguir.
84
Considerando todas as variáveis controladas, o Programa Goldvarb (2001) estabeleceu a seguinte
ordem de relevância: saliência fônica, paralelismo formal, posição do sujeito em relação ao verbo,
idade/escolaridade, traço humano do sujeito e diatopia. A variável social idade/escolaridade e a variável
geográfica diatopia que foram selecionadas serão discutidas posteriormente.
85
Fizemos rodadas separadas com informantes da zona não urbana e informantes da zona urbana para
confirmar os resultados que discutimos ao longo desta seção que consideraram todos os informantes do
PB. Na rodada só com informantes da zona não urbana, o Programa Goldvarb (2001) selecionou os
seguintes grupos de fatores, por ordem de relevância: saliência fônica, posição do sujeito em relação ao
verbo, idade/escolaridade, traço humano no sujeito, tipo de sujeito e diatopia. Já na rodada com
informantes da zona urbana, os seguintes grupos de fatores foram selecionados, por ordem de relevância:
saliência fônica, posição do sujeito em relação ao verbo, idade/escolaridade, diatopia, traço humano no
sujeito e paralelismo formal.
117
Nível 1: Oposição não-acentuada
a. não envolve mudança na qualidade da
vogal na forma plural
b. envolve mudança na qualidade da vogal
na forma plural
c. envolve acréscimo de segmentos na
forma plural
Nível 2: Oposição acentuada
a. envolve apenas mudança na qualidade da
vogal na forma plural
b. envolve acréscimo de segmentos sem
mudanças vocálicas na forma plural
c. envolve acréscimos de segmentos e
mudanças diversas na forma plural
Total
Apl/Total86
19/89
%
21%
PR87
.04
274/324
84%
.50
48/51
94%
.74
Apl/Total
73/87
%
83%
PR
.48
64/68
94%
.74
162/175
92%
.69
640/794
80%
Tabela 3.1: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável saliência fônica
Verificamos, a partir dos resultados apontados na tabela 3.1, que os fatores
pertencentes ao nível 1, oposição não-acentuada apresentaram uma escala hierárquica
crescente de acordo com o aumento do grau de saliência perceptível. Na categoria a
temos 21% de marcação da CV e .04 de peso relativo, na categoria b 84% e .50 e na c
94% e .74 de peso relativo.
No nível 2, a hierarquia não obedeceu a mesma ordem do nível 1, tendo uma
pequena alteração entre as categorias b e c. A categoria a apresentou 83% de marcação
da CV e .48 de peso relativo, a categoria b 94% e .74 e a c 92% de marcação e .69 de
peso relativo.
É inegável que o nível 2, nos resultados gerais, apresenta maior probabilidade de
aplicação da regra de concordância verbal em relação ao nível 1, como a tabela 3.2 a
seguir confirma, feita a partir de uma rodada em que os fatores do nível 1 estão
amalgamados, assim como os fatores do nível 2.
86
A aplicação da regra refere-se às marcas explícitas de concordância no verbo, pois estas marcas
sobressaíram-se em relação às marcas zero. Dos 794 dados coletados do PB, 640 apresentaram marcas
explícitas de concordância. Os 640 dados com concordância correspondem a 80,6% do total, como
evidenciamos no gráfico 3.1; no entanto, em todas as tabelas aparece 80% de aplicação da CV no total
dos dados, pois foi esse o percentual fornecido pelo Programa Goldvarb que parece não aplicar a regra de
arredondamento decimal.
87
PR significa peso relativo.
118
Saliência Fônica
Nível 1: Oposição não-acentuada
Nível 2: Oposição acentuada
Total
Apl/Total
341/464
299/330
%
73%
90%
640/794
80%
PR
.35
.70
Tabela 3.2: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável saliência fônica com
amálgama dos fatores do nível 1 e nível 2
No entanto, valem algumas observações. A categoria c do nível 1 apresentou
freqüência e peso relativo maior do que as categorias a e c do nível 2, ficando idêntica à
categoria b do nível 2, o que parece indicar que as formas encontradas naquele nível
sejam mais perceptíveis do que Naro (1981) estabelece.
Aplicamos inclusive um pequeno teste de avaliação entre 13 colegas do curso de
pós-graduação em Lingüística da Universidade Federal de Santa Catarina, em anexo
(quadro 3.1), durante a disciplina de Sociolingüística (2008/2), com o objetivo de
avaliarmos o nível de saliência entre pares do nível 1c e do nível 2a. De acordo com o
teste, dos cinco pares de frases avaliados, pertencentes ao nível 1c e 2a, 63% dos
colegas julgaram mais salientes as frases do nível 1c e 32% julgaram como mais
salientes as frases do nível 2a. Embora seja um teste feito com poucas pessoas, com
poucos pares de frases também, talvez aponte para um questionamento da escala da
saliência utilizada que possivelmente possa variar de acordo com a comunidade de fala
investigada.
Outro resultado que gostaríamos de salientar é a inversão ocorrida entre a
categoria b e a categoria c do nível 2, apontada anteriormente. Estudos realizados com
falantes da zona rural, Rodrigues (1987) e Pereira (2004), apresentam resultados que
evidenciam que a categoria c do nível 2 considerada com pares como é/são mostram
menos concordância do que categorias anteriores, assim como ocorreu com nossos
resultados, mesmo que em proporção menor, no caso do nosso estudo.
Podemos
observar esses resultados na tabela 3.3 a seguir.
119
Saliência
Fônica
Nossos resultados
Rodrigues88
(1987)
A/T=%
PR
Pereira (2004)
Cardoso (2005)
A/T=%
A/T=%
A/T=%
PR
PR
PR
Nível 1a
Nível 1b
Nível 1c
Nível 2a
19/89=21%
274/324=84%
49/51=94%
73/87=83%
.04
.50
.74
.48
637/679=94%
70/86=81%
91/182=50%
107/254=42%
.93
.77
.35
.34
32/290=11%
2/15=13%
14/43=33%
58/116=50%
.24
.30
.79
.89
5/32=15%
63/193=32%
15/39=38%
37/51=72%
Nível 2b
64/68=94%
.74
22/72=31%
.26
18/35=51%
.87
14/22=63% .77
Nível 2c
162/175=92% .69
31/83=37%
.20
1/21=5%
.16
130/170=76%.83
.08
.22
.23
.76
TOTAL
640/794=80%
958/1356=71%
125/520=24%
264/507= 52%
Tabela 3.3: Resultados de diferentes estudos sobre a CV de terceira pessoa do plural no PB em
comparação com nossos resultados do PB, segundo a variável saliência fônica
Nossos resultados referentes à zona não urbana, como mostra o gráfico 3.289, a
seguir, evidenciam que a inversão que há entre o nível 2b e 2c é justamente na zona não
urbana (91% e 89%), já que na zona urbana o nível 2 apresenta o mesmo percentual de
marcação da CV nos níveis b e c (97%).
Percentual
100%
80%
60%
40%
20%
0%
Nível 1a
Nível 1b
Nível 1c
Nível 2a
Nível 2b
Nível 2c
Saliência
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.2: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis saliência fônica e
diazonalidade
Voltando à tabela 3.3, podemos observar, ainda, que os resultados de Cardoso
(2005) mostram uma inversão em termos percentuais, também no nível 2, mas entre as
categorias b e c. O que queremos evidenciar com estes resultados é que nem sempre a
88
Rodrigues (1987) e Pereira (2004) categorizaram seus dados seguindo uma escala de saliência um
pouco diferente da sugerida por Naro (1981) e seguida pelos outros estudos citados nesta tabela. O
primeiro nível de saliência refere-se a pares como come/comem, fala/falam, o segundo aos pares
faz/fazem, o terceiro a dá/dão, o quarto a falou/falaram, o quinto a veio/vieram, fez/fizeram e o último a
é/são. Vale ressaltar ainda que, no estudo de Rodrigues (1987) as freqüências e probabilidades referem-se
a não-aplicação da regra de concordância verbal, diferentemente de todos os outros estudos considerados
na tabela.
89
Os gráficos de 3.2 a 3.18 e 3.20 a 3.34 que constam desse capítulo apresentam tabelas correspondentes
em anexo, para que se possam observar a aplicação/total dos dados a que se referem suas freqüências.
120
escala hierárquica pretendida e alcançada por Naro (1981) ocorre em todas as amostras
de fala.
Fizemos também um cruzamento entre a variável saliência fônica e a
escolaridade, para verificarmos se havia influência dos anos de escolarização dos
falantes na nitidez da escala da saliência, como comprovado em Scherre e Naro (1997).
100%
Percentual
80%
60%
40%
20%
0%
Nível 1a
Nível 1b
Nível 1c
Nível 2a
Nível 2b
Nível 2c
Saliência
Ensino fundamental
Ensino superior
Gráfico 3.3: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis saliência fônica e
escolaridade
De fato, o gráfico 3.3 comprova que a escala da saliência é mais nítida nos dados
dos falantes com menos anos de escolarização, no caso do nosso estudo, informantes
com ensino fundamental. Esses resultados corroboram os resultados de Scherre e Naro
(1997), que controlaram falantes com escolaridade correspondente a 1 a 4 anos, 5 a 8
anos e 9 a 11 anos, evidenciando que para os falantes de 1 a 4 anos a escala é mais
nítida, assim como no estudo de Naro (1981), que apresenta uma escala bastante nítida
para falantes analfabetos. Observamos a tabela 3.4 a seguir, que expõe os resultados do
nosso estudo em comparação aos dos autores.
121
Saliência
Fônica
Nossos
resultados
Nossos
resultados
Resultados de
Scherre e Naro
(1997)
1-4 anos de
escolaridade
58/192=30%
393/725=54%
Resultados de
Scherre e Naro
(1997)
9-11 anos de
escolaridade
67/129=52%
300/389=77%
Resultados de
Naro (1981)
Nível 1a
Nível 1b
Ensino
Fundamental
1/43=2%
101/142=71%
Ensino
Superior
18/46=39%
173/182=95%
Nível 1c
20/23=87%
28/28=100%
64/110=58%
55/67=82%
99/273=36%
Nível 2a
29/37=76%
45/50=90%
161/227=71%
188/201=94%
604/927=65%
Nível 2b
23/27=85%
41/41=100%
63/81=78%
41/47=87%
266/365=73%
Nível 2c
70/75=93%
92/100=92%
386/452=85%
235/260=90%
1160/1450=80%
TOTAL
243/347=70%
397/447=89%
1125/1787=63%
886/1093=81%
3002/6310=48%
Analfabetos
110/755=15%
763/2540=30%
Tabela 3.4: Comparação entre os resultados deste estudo com dados do PB, os de Scherre e Naro
(1997) e Naro (1981), para a freqüência de CV no cruzamento entre as variáveis saliência fônica e
escolaridade
Nossos resultados para a variável saliência fônica parecem confirmar a hipótese
difusionista, discutida na subseção 2.6.2.1 do capítulo II, já que houve uma queda mais
acentuada nos contextos menos salientes e só depois os contextos mais salientes foram
sendo atingidos, o que parece indicar uma mudança lexicalmente gradual, em que os
itens menos salientes (nível 1) vão sendo atingidos primeiro, seguidos dos itens mais
salientes (nível 2).
3.1.1.2 Paralelismo Formal
O paralelismo formal, no nível clausal, mostrou-se bastante significativo na
análise do Programa Goldvarb, sendo o segundo grupo selecionado. Os resultados
confirmam parcialmente nossas hipóteses. Como podemos observar na tabela 3.5, a
marcação da concordância foi maior para os fatores presença da forma de plural
explícita no último elemento (86% de freqüência e .60 de peso relativo) e sujeito nulo
com anafórico com presença da forma de plural explícita (87% de freqüência e .66 de
peso relativo).
Tais resultados confirmam resultados de outros estudos com diferentes amostras
do PB (SCHERRE e NARO, 1993; MONGUILHOTT, 2001; SILVA, 2003; PEREIRA,
2004; CARDOSO, 2005).
122
Paralelismo Formal
Presença da forma de plural explícita no
último elemento
Presença de numeral no último elemento
Presença da forma zero de plural no
último elemento
Sujeito nulo com anafórico com
presença da forma de plural
explícita
Sujeito nulo com anafórico com
presença de numeral terminado
em /s/ no último elemento
Sujeito nulo com anafórico com
presença da forma de zero plural
Total
Apl/Total
418/483
%
86%
PR
.60
20/33
52/100
60%
52%
.13
.10
128/148
87%
.66
4/5
80%
.58
17/25
68%
.29
640/794
80%
Tabela 3.5: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável paralelismo formal
Nossas expectativas também se confirmaram em relação aos fatores presença da
forma zero de plural no último elemento e sujeito nulo com anafórico com presença da
forma de zero plural, já que ambos os fatores tenderam à menor marcação da CV, com
resultados de 52% de freqüência e .10 de peso relativo e 68% de freqüência e .29 de
peso relativo, respectivamente.
Quanto aos fatores presença de numeral terminado em /s/ e não terminado em /s/
no último elemento, os resultados foram amalgamados em função de seus índices de
freqüência, bem como de seu comportamento, mostrarem-se uniformes quando da
presença de outros fatores90. Para esse grupo de fatores, nossas expectativas não se
confirmaram, pois esperávamos maior marcação da CV. Nossos resultados apontam
para uma marcação próxima da marcação do fator presença da forma zero de plural no
último elemento, com 60% de freqüência e .13 de peso relativo.
Já em relação ao sujeito nulo com anafórico com presença de numeral terminado
em /s/ no último elemento, nossa hipótese se confirmou, já que os resultados apontam
esse fator como favorecedor da marcação da CV com 80% de freqüência e .58 de peso
relativo. Para o fator sujeito nulo com presença de numeral não terminado em /s/, não
obtivemos dados.
Embora os resultados em relação ao fator presença de numeral no último
elemento não tenham confirmado nossa hipótese, os resultados gerais obtidos para esta
amostra do PB vêm confirmar o princípio do paralelismo de “formas gramaticais
90
Na rodada sem amálgama dos fatores, obtivemos os seguintes resultados: presença de numeral
terminado em /s/ no último elemento – 18/28 = 64% e .14 de peso relativo; presença de numeral não
terminado em /s/ no último elemento – 2/5 = 40% e .06 de peso relativo.
123
particulares ocorrerem juntas” (SCHERRE, 1998, p.42). Acreditamos que esta repetição
apresenta caráter mecânico; como Scherre (op. cit., p.49) aponta, diversos estudos
variacionistas que controlaram o paralelismo (WEINER e LABOV, 1981; BRAGA,
1986; SCHIFFRIN, 1981; TANNEN, 1998) “concluíram que pode haver a repetição
meramente mecânica”.
Os resultados gerais confirmam a hipótese neogramática, discutida na subseção
2.5.1.1 do capítulo II, que prevê um princípio mecânico agindo sobre esse grupo de
fatores fazendo com que a queda nas marcas de plural nos elementos anteriores
influencie na queda da marcação de plural nos verbos. Observa-se queda regular das
marcas de plural em todos os verbos que vêm precedidos de um zero fonético anterior,
e, ao contrário, manutenção regular do plural para os verbos que vêm precedidos de
marcas de plural.
No gráfico 3.4, a seguir, observam-se os resultados percentuais do cruzamento
entre o grupo de fatores paralelismo formal e diazonalidade. Os resultados apontam para
menor freqüência de CV em todos os fatores analisados na zona não urbana.
100%
Percentual
90%
80%
70%
60%
50%
40%
Presença da Presença de Presença da Sujeito nulo
Sujeito nulo
Sujeito nulo
forma de
numeral no forma zero de com anafórico com anafórico com anafórico
plural explícita
último
plural no
com presença com presença com presença
no último
elemento
último
da forma de
de numeral
da forma de
elemento
elemento
plural explícita terminado em zero plural
/s/ no último
elemento
Paralelismo Formal
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.4: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis paralelismo formal
e diazonalidade
3.1.1.3 Posição do sujeito em relação ao verbo
A posição do sujeito em relação ao verbo foi o terceiro grupo de fatores
selecionado pelo Goldvarb. Podemos observar, através da tabela 3.6, que a
probabilidade de aplicação da regra de concordância foi maior quando o sujeito estava
anteposto ao verbo, com 84% de freqüência e .57 de peso relativo, distanciando-se
significativamente da posposição do sujeito, com 34% de freqüência e .08 de peso
124
relativo, confirmando, dessa forma, nossa hipótese e corroborando resultados de alguns
estudos do PB (LEMLE e NARO, 1977; PONTES, 1986; RODRIGUES, 1987;
BERLINCK, 1988; SCHERRE e NARO, 1997; MONGUILHOTT, 2001; SILVA,
2003; CARDOSO, 2005).
Posição
SN anteposto
SN posposto
Total
Apl/Total
464/546
23/67
487/61391
%
84%
34%
79%
PR
.57
.08
Tabela 3.6: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável posição do sujeito em
relação ao verbo
Nossos resultados indicam, conforme apontam alguns estudos, que o sujeito
quando posposto ao verbo passa a ser encarado como objeto pelo falante que não aplica
a regra de concordância, já que não o considera sujeito da sentença.
Para confirmar os resultados apontados em Lemle e Naro (1977) e Scherre e
Naro (1997) de que a não marcação da concordância verbal com sujeito posposto
independe da escolaridade dos informantes, fizemos um cruzamento entre as variáveis
posição e escolaridade e podemos observar os resultados percentuais no gráfico 3.5, a
seguir.
Percentual
100%
80%
60%
40%
20%
0%
Ensino
fundamental
Ensino superior
Escolaridade
SN anteposto
SN posposto
Gráfico 3.5: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis posição do sujeito
em relação ao verbo e idade/escolaridade
Nossos resultados indicam que a freqüência de marcação da CV cai
consideravelmente quando o sujeito está posposto ao verbo, independentemente da
escolaridade do informante. Para os informantes com ensino fundamental, temos um
percentual de 50% de queda e para os informantes com ensino superior um percentual
91
Vale observar que, para esse grupo de fatores, temos um total de 613 dados, pois os dados de sujeito
nulo não puderam ser considerados.
125
de 47% de queda da marcação da concordância com sujeito posposto em relação ao
sujeito anteposto.
Na relação entre posição do sujeito e diazonalidade, observamos, no gráfico 3.6,
que na zona não urbana a freqüência de não CV é maior tanto para o fator SN anteposto,
quanto para o fator SN posposto; no entanto, se verificarmos a diferença nas taxas de
freqüência, notamos que para o fator SN posposto essa diferença é mais acentuada, 8%
menos CV na zona não urbana, enquanto no fator SN anteposto a diferença é menor, 5%
menos CV na zona não urbana.
Percentual
100%
80%
60%
40%
20%
0%
Zona não-urbana
Zona urbana
Diazonalidade
SN anteposto
SN posposto
Gráfico 3.6: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis posição do sujeito
em relação ao verbo e diazonalidade
3.1.1.4 Traço humano no sujeito
O grupo de fatores traço humano no sujeito foi selecionado como
estatisticamente relevante em quinto lugar.
Confirmando nossa hipótese e também resultados de pesquisas com amostras do
PB (SCHERRE e NARO, 1998; MONGUILHOTT, 2001; SILVA, 2003; PEREIRA,
2004; CARDOSO, 2005), quando a sentença possuía um SN [+humano] a probabilidade
à concordância verbal foi maior (83% de freqüência e .56 de peso relativo) do que em
sentenças com SNs [-humanos] (55% de freqüência e .12 de peso relativo), como
mostram os resultados na tabela 3.7.
Traço humano no sujeito
SN [+humano]
SN [-humano]
Total
Apl/Total
588/701
52/93
640/794
%
83%
55%
80%
PR
.56
.12
Tabela 3.7: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável traço humano no sujeito
126
Para verificarmos a correlação entre o grupo de fatores traço humano no sujeito
e posição do sujeito em relação ao verbo, grupo de fatores discutido anteriormente,
observemos os resultados no gráfico 3.7.
Percentual
100%
80%
60%
40%
20%
0%
SN anteposto
SN posposto
Posição do sujeito em relação ao verbo
SN [+humano]
SN [-humano]
Gráfico 3.7: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis traço humano no
sujeito e posição do sujeito em relação ao verbo
Podemos verificar que, de um lado, o SN posposto [- humano] é o ambiente que
se mostra menos favorecedor de marcas de CV, com 29% de freqüência, de outro lado,
o SN anteposto [+ humano] é o ambiente em que temos a maior freqüência de CV com
87% de marcação.
No gráfico 3.8, a seguir, verificamos que a freqüência de CV para o fator SN [humano] apresenta queda considerável na fala dos informantes da zona não-urbana
comparando-se à fala dos informantes da zona urbana (74% para a zona urbana e 44%
para a zona não urbana), diferentemente do fator SN [+ humano] em que a queda é bem
menor (86% para a zona urbana e 82% para a zona não urbana).
Percentual
100%
80%
60%
40%
20%
0%
Zona não-urbana
Zona urbana
Diazonalidade
SN [+humano]
SN [-humano]
Gráfico 3.8: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis traço humano no
sujeito e diazonalidade
127
3.1.1.5 Tipo de verbo
Esse grupo de fatores não foi selecionado como estatisticamente relevante, nas
rodadas gerais. No entanto, como acreditávamos que poderia haver sobreposição entre
os grupos de fatores posição do sujeito em relação ao verbo, traço humano no sujeito e
tipo de verbo, dada a relação existente entre eles, fizemos uma rodada sem esses outros
grupos de fatores. Nessa rodada, o tipo de verbo foi selecionado em quinto lugar92 e é a
partir desses resultados que apresentaremos os resultados gerais para este grupo de
fatores.
Na tabela 3.8, a seguir, podemos observar os resultados para o tipo de verbo.
Confirmando nossas expectativas, o verbo inacusativo foi o ambiente que se mostrou
menos favorecedor da marcação da concordância verbal, com 73% e 77% de freqüência
e .30 e .27 de peso relativo, considerando-se os inacusativos não-prototípicos e
prototípicos, diferentemente dos demais tipos de verbos que se mostraram
favorecedores da marcação da CV.
Nossos resultados confirmam resultados de outros estudos do PB que
controlaram o grupo de fatores tipo de verbo levando em consideração os inacusativos
(MONGUILHOTT, 2001; SILVA, 2003; CARDOSO, 2005; SCHERRE, NARO e
CARDOSO, 2007). Embora em algumas pesquisas o grupo de fatores não seja
considerado estatisticamente relevante, os percentuais sempre apontam para certa
tendência à não marcação da concordância nos inacusativos.
Tipo de verbo
Verbo transitivo
Verbo intransitivo prototípico
Verbo intransitivo não-prototípico
Verbo cópula
Verbo inacusativo prototípico
Verbo inacusativo não-prototípico
Apl/Total
303/363
70/85
17/21
80/96
21/27
149/202
%
83%
82%
80%
83%
77%
73%
Total
640/794
80%
PR
.62
.58
.74
.38
.27
.30
Tabela 3.8: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável tipo de verbo
Nos gráficos a seguir, evidenciamos a forte relação que há entre os verbos
inacusativos, a posposição do sujeito e o traço [- humano] do sujeito. No gráfico 3.9, a
seguir, nota-se que todos os verbos com sujeito posposto apresentam freqüências muito
92
Os outros grupos de fatores selecionados nesta rodada, de acordo com a ordem de relevância
estabelecida pelo Programa Goldvarb (2001): saliência fônica, paralelismo formal, idade/escolaridade,
diatopia, tipo de verbo e tipo de sujeito.
128
menores comparadas às freqüências de sujeito anteposto, indicando o desfavorecimento
da marcação da CV.
Percentual
100%
80%
60%
40%
20%
0%
Verbo
transitivo
Verbo
intransitivo
prototípico
Verbo
intransitivo
nãoprototípico
Verbo
cópula
Verbo
inacusativo
prototípico
Verbo
inacusativo
nãoprototípico
Tipo de verbo
SN anteposto
SN posposto
Gráfico 3.9: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de verbo e
posição do sujeito em relação ao verbo
No gráfico 3.10, os resultados revelam também que é no verbo inacusativo nãoprototípico com sujeito com traço [- humano] que se encontra a menor freqüência de
concordância verbal.
Percentual
100%
80%
60%
40%
20%
0%
Verbo
transitivo
Verbo
intransitivo
prototípico
Verbo
intransitivo
nãoprototípico
Verbo
cópula
Verbo
inacusativo
prototípico
Verbo
inacusativo
nãoprototípico
Tipo de verbo
SN [+ humano]
SN [- humano]
Gráfico 3.10: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de verbo e
traço humano no sujeito
Comparando-se os resultados do cruzamento entre o grupo de fatores tipo de
verbo e diazonalidade, observamos que há menor freqüência de uso da CV para o tipo
de verbo inacusativo não-prototípico na zona não urbana.
129
Percentual
100%
80%
60%
40%
20%
0%
Verbo
transitivo
Verbo
intransitivo
prototípico
Verbo
intransitivo
nãoprototípico
Verbo
cópula
Verbo
inacusativo
prototípico
Verbo
inacusativo
nãoprototípico
Tipo de verbo
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.11: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de verbo e
diazonalidade
3.1.1.6 Tipo de sujeito
Embora o grupo de fatores tipo de sujeito não tenha sido selecionado como
estatisticamente relevante, vale salientar os resultados em termos percentuais.
Em nossa análise, confirmando nossas expectativas, o sujeito pronome pessoal
teve o maior percentual de marcação da CV, 89%, seguido pelo sujeito nulo, 84%. O
sujeito pronome indefinido amalgamado ao quantificador também teve freqüência de
marcação da CV alta com 82%, o que não esperávamos, em função da nossa hipótese de
que ocorreriam mais à direita do verbo desfavorecendo as marcas de CV. Os fatores
foram amalgamados em função dos resultados (83% de CV para os indefinidos e 80%
para o quantificador). O SN + pronome relativo (que) apresentou percentual um pouco
menor (75%) de concordância, mas ainda assim alto, o que confirmou nossa
expectativa. Os sujeitos pleno simples, pleno nu e pleno composto foram os que menos
preservaram as marcas de CV, com 72%, 61% e 44% de marcação, respectivamente,
confirmando nossas expectativas para estes fatores.
Podemos observar estes resultados na tabela 3.9, a seguir.
Tipo de sujeito
Sujeito pronome pessoal
Sujeito nulo
Sujeito pronome indefinido +
quantificador
SN + pronome relativo (que)
Sujeito pleno simples
Sujeito pleno nu
SN pleno composto
Apl/Total
224/251
151/179
28/34
%
89%
84%
82%
67/89
158/219
8/13
4/9
75%
72%
61%
44%
Total
640/794
80%
Tabela 3.9: Freqüência de CV no PB, segundo a variável tipo de sujeito
130
Mesmo que os resultados não tenham confirmado totalmente nossas expectativas
em termos da marcação da CV, podemos observar, no gráfico 3.12, abaixo, que os
resultados confirmam nossas hipóteses, baseadas em Zilles (2000), no que se refere aos
percentuais de posposição relacionados aos tipos de sujeito da nossa amostra. Os
sujeitos pronome indefinido + quantificador, plenos (simples, composto e nu) são os
que apresentam os maiores percentuais de posposição do sujeito com 17%, 20%, 44% e
61%, respectivamente. Já os sujeitos pronome pessoal e SN + pronome relativo (que)
são os que apresentam menores freqüências de posposição com 0% e 3%,
respectivamente.
61%
Tipo de sujeito
Sujeito pleno nu
SN pleno composto
44%
Sujeito pleno simples
20%
17%
Sujeito pronome indefinido + quantificador
SN + pronome relativo (que)
Sujeito pronome pessoal
3%
0%
Percentual
Gráfico 3.12: Freqüência de posposição do sujeito no PB, segundo a variável tipo de sujeito
Observando o gráfico 3.13, a seguir, no qual se expõem os resultados para o
cruzamento entre o tipo de sujeito e a diazonalidade, percebemos que a CV é maior na
zona não urbana nos fatores pronome pessoal e pleno nu, contrariamente aos demais
fatores em que a CV é maior na zona urbana.
Percentual
100%
80%
60%
40%
20%
0%
Sujeito
pronome
pessoal
Sujeito nulo
Sujeito
SN + pronome Sujeito pleno
pronome
relativo (que)
simples
indefinido +
quantificador
Sujeito pleno
nu
SN pleno
composto
Tipo de sujeito
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.13: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de sujeito e
diazonalidade
131
3.1.2 Variáveis sociais
Dentre as variáveis sociais controladas, sexo, idade/escolaridade e redes sociais
(mobilidade e localismo), somente a variável idade/escolaridade foi selecionada como
estatisticamente relevante pelo Programa Goldvarb (2001). A variável foi selecionada
em quarto lugar.
Vamos agora aos resultados e à discussão das variáveis sociais.
3.1.2.1 Idade/escolaridade
Os resultados mostram que, tanto no nível superior, quanto no nível
fundamental, os mais jovens tendem a preservar as marcas de CV (89% de freqüência e
.74 de peso relativo para os jovens com ensino superior, 72% de freqüência e .32 de
peso relativo para os jovens com fundamental) do que os mais velhos (88% de
freqüência e .52 de peso relativo para os velhos com ensino superior, 67% de freqüência
e .28 de peso relativo para os velhos com fundamental), como podemos verificar na
tabela 3.10, a seguir.
Idade/escolaridade
Jovem/ensino superior
Velho/ensino superior
Jovem/ensino fundamental
Velho/ensino fundamental
Apl/Total
225/252
172/195
115/158
128/189
%
89%
88%
72%
67%
Total
640/794
80%
PR
.74
.52
.32
.28
Tabela 3.10: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável idade/escolaridade
Os resultados apontam, ainda, que os informantes mais escolarizados,
independentemente da idade, preservam as marcas de concordância verbal,
correspondendo, desta forma, aos resultados de outros estudos que controlaram a
escolaridade em amostras do PB (SCHERRE e NARO, 1997; MONGUILHOTT, 2001).
O cruzamento entre os grupos de fatores idade/escolaridade e diazonalidade
indica que os jovens com ensino fundamental preservam mais a CV do que os velhos
com ensino fundamental, tanto na zona urbana, quanto na zona não urbana. Observamos
132
freqüência de 79% de marcas para os jovens da zona urbana, contra 75% para os mais
velhos, e 65% de marcas para os jovens da zona não urbana, contra 59% para os mais
velhos. Já no ensino superior, os mais jovens preservam mais a CV na zona urbana,
97% de marcação da CV, contra 89% para os mais velhos da zona urbana, e na zona não
urbana há pequena inversão com 87% de CV para os mais velhos e 86% para os mais
jovens. O gráfico 3.14 evidencia os resultados:
100%
Percentual
80%
60%
40%
20%
0%
Jovem/ensino
superior
Velho/ensino
superior
Jovem/ensino
fundamental
Velho/ensino
fundamental
Idade / Escolaridade
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.14: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis idade/escolaridade
e diazonalidade
No que se refere à idade relacionada à zona não urbana, observamos que nossos
resultados indicam tendências que outros estudos com amostras do PB não urbano já
apontaram, embora em nenhum deles a idade tenha sido controlada em correlação à
escolaridade. De um lado, os jovens menos escolarizados usam mais marcas de
concordância verbal, como os resultados do estudo de Silva (2003) com amostras de
comunidades rurais do interior da Bahia, também atestaram. Por outro lado, os velhos
menos escolarizados usam mais marcas de concordância nos verbos, como a
investigação de Rodrigues (1987), com a fala de moradores de favelas de São Paulo,
apontou.
3.1.2.2 Sexo
Como evidenciamos anteriormente, o grupo de fatores sexo não foi selecionado
pelo Programa Goldvarb; por isso, apontaremos os resultados apenas em termos
percentuais. Podemos observar nos resultados da tabela 3.11, a seguir, que as nossas
expectativas se confirmaram, já que as mulheres preservaram mais as marcas de CV
(85%) do que os homens (72%), o que parece estar indicando que as mulheres estão
mais atentas às regras estabelecidas, sejam elas sociais ou lingüísticas.
133
De acordo com Vazzata-Dias (2000, p.214), isto se deve, entre outras coisas, “ao
maior formalismo associado aos papéis femininos, por exemplo, a sua responsabilidade
na educação dos filhos”.
Sexo
Masculino
Feminino
Total
Apl/Total
237/325
403/469
640/794
%
72%
85%
80%
Tabela 3.11: Freqüência de CV no PB, segundo a variável sexo
Nossos resultados confirmam resultados de outras pesquisas com amostras do
PB que indicam as mulheres como favorecedoras da manutenção de marcas da
concordância nos verbos (SCHERRE e NARO, 1997; MONGUILHOTT, 2001).
Os resultados do gráfico 3.15, a seguir, apontam que as mulheres e os homens da
zona urbana apresentam a mesma freqüência de uso da CV; no entanto, na zona não
urbana, observamos que as mulheres tendem a usar mais marcas de CV do que os
homens. Diferentemente dos nossos resultados, Silva (2003), ao investigar comunidades
rurais do interior da Bahia, verificou uma tendência à marcação da concordância verbal
na fala dos homens.
100%
Percentual
90%
80%
70%
60%
50%
40%
Masculino
Feminino
Sexo
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.15: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis sexo e
diazonalidade
3.1.2.3 Redes Sociais
Analisamos inicialmente as redes em termos da densidade e da plexidade. Nestes
termos, não há como quantificá-las; por isso, apresentamos os resultados em termos
qualitativos. Em seguida, apresentamos os resultados referentes ao localismo e à
mobilidade.
134
Para a análise da densidade e da plexidade, levamos em conta as relações entre
os informantes caracterizadas como de primeiro, segundo e terceiro graus, baseadas no
quadro a seguir, retirado de Batistti et al. (2007, p.19):
Quadro 3.2: Critérios para estabelecer os graus de relação em rede
1. Primeiro Grau ___________
1A Marido/mulher
1B Pais/filhos
1C Colegas de trabalho com interação
2. Segundo Grau ----------------2A Tios/sobrinhos/primos/cunhados
2B Amigos íntimos
2C Vizinho íntimo
2D Colega de associação com interação
3. Terceiro Grau .........................
3A Amigo não-íntimo
3B Vizinho não íntimo
3C Colega de trabalho sem interação93
3D Colega de associação sem interação
Podemos observar, através das figuras a seguir, que as redes das comunidades do
Ribeirão da Ilha e da Costa da Lagoa, consideradas no nosso trabalho como
comunidades não urbanas apresentam as redes mais densas (2 ligações de primeiro grau,
6 ligações de segundo grau e 5 de terceiro grau), sendo três delas multiplexas. Nas
comunidades consideradas urbanas, Ingleses e Região Central temos relações pouco
densas entre os informantes e todas uniplexas (1 ligação de primeiro grau e 3 de
terceiro).
93
Aqui inserimos outras duas categorias que apareceram nas relações entre os informantes da nossa
amostra: professor/aluno na mesma escola, funcionário/aluno na mesma escola.
135
Figura 3.1: Redes sociais no Ribeirão da Ilha
Figura 3.3: Redes sociais na região
central de Florianópolis
Figura 3.2: Redes sociais na Costa da Lagoa
Figura 3.4: Redes sociais nos Ingleses
O que esta análise revela é que os informantes das comunidades não-urbanas
constituem redes mais densas, ao contrário dos informantes das comunidades urbanas,
que constituem redes menos densas. Confirmamos nossas expectativas, já que os
informantes da zona não urbana fazem parte de redes mais densas e multiplexas; por
isso, tendem ao uso de variantes locais, no caso do nosso estudo, a não marcação da
CV. Já os informantes da zona urbana tendem a apresentar redes menos densas e
uniplexas e, por isso, não exercem interinfluências entre si, mas usam padrões mais
valorizados socialmente, no caso, a marcação da CV, em função de pertencerem à zona
urbana. Esses resultados são confirmados pelo grupo de fatores diazonalidade (v. tabela
3.16).
Como temos poucos informantes em cada uma das comunidades estudadas,
acreditamos que os resultados quantitativos a respeito do localismo e da mobilidade
possam nos indicar uma relação mais consistente entre redes sociais e variação na
concordância verbal.
Primeiramente, observemos os resultados a respeito do localismo. Os
informantes que se mostraram bem integrados ao bairro em que residem são aqueles que
marcam menos a CV (78%), já os informantes que se mostraram mais ou menos
integrados ao bairro em que residem marcam um pouco mais a CV (85%), como
136
evidenciam os resultados da tabela 3.12, a seguir. Não houve informante que tenha sido
definido como pouco integrado ao bairro em que reside.
Redes sociais (localismo)
Mais ou menos integrado
Bem integrado
Total
Apl/Total
230/269
410/525
640/794
%
85%
78%
80%
Tabela 3.12: Freqüência de CV no PB, segundo a variável redes sociais (localismo)
Agora observemos os resultados em relação à mobilidade. Os informantes que
apresentaram média mobilidade foram os que mostraram o maior percentual de
marcação da CV (90%); em seguida os informantes que apresentaram pouca mobilidade
foram os que mais preservaram a CV (80%); e, por último, os que apresentaram muita
mobilidade (70%), como podemos observar nos resultados da tabela 3.13, a seguir.
Redes sociais (mobilidade)
Pouca mobilidade
Média mobilidade
Muita mobilidade
Total
Apl/Total
444/555
127/141
69/98
640/794
%
80%
90%
70%
80%
Tabela 3.13: Freqüência de CV no PB, segundo a variável redes sociais (mobilidade)
Nossa expectativa em relação ao grupo de fatores localismo era a de que os
informantes que se identificassem com a sua localidade apresentassem tendência à
valorização da cultura local, bem como dos usos lingüísticos locais, diferentemente dos
indivíduos que não se identificassem com a localidade da qual fazem parte que
tenderiam a adotar padrões lingüísticos externos. Para verificar tais expectativas,
fizemos um cruzamento entre esse grupo de fatores e a diazonalidade.
Os resultados mostram que o comportamento dos informantes considerados bem
integrados à comunidade não urbana e urbana é o mesmo (78% de marcação da CV),
como podemos verificar no gráfico 3.16, a seguir.
137
100%
Percentual
90%
80%
70%
60%
50%
40%
Mais ou menos
integrado
Bem integrado
Redes Sociais (localismo)
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.16: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis redes sociais
(localismo) e diazonalidade
Em relação ao grupo de fatores mobilidade, esperávamos que os indivíduos que
apresentassem pouca mobilidade tendessem ao uso dos padrões valorizados localmente,
diferentemente dos indivíduos que apresentassem alta mobilidade que tenderiam a
adotar padrões lingüísticos de grupos externos de referência.
Diante disto, cruzamos a mobilidade com a diazonalidade e percebemos, a partir
dos resultados do gráfico 3.17 a seguir, que nossas expectativas também parecem não se
confirmar totalmente, pois, por um lado, os informantes com pouca mobilidade
apresentam o mesmo comportamento na zona não urbana, e, na zona urbana, por outro
lado, os informantes com muita mobilidade, pertencentes à zona urbana tendem à
marcação da CV, o que seria esperado. No entanto, aqueles pertencentes à zona não
urbana, conforme nossas expectativas, deveriam tender ao uso de padrões lingüísticos
de referência, no caso, esperávamos freqüência maior de marcação da CV.
Percentual
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
Pouca
mobilidade
Média
mobilidade
Muita
mobilidade
Redes Sociais (Mobilidade)
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.17: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis redes sociais
(mobilidade) e diazonalidade
A seguir, podemos observar os resultados com relação ao comportamento dos
informantes individualmente. Primeiramente, na tabela 3.14, verificamos os resultados
para os indivíduos e a questão do localismo. Os quatro primeiros informantes (01, 05,
138
09 e 13) fazem parte da localidade do Ribeirão da Ilha, zona não-urbana. Os dois
categorizados como bem integrados (05 e 13) são de escolaridade superior, o que
justifica o alto índice de marcação da CV.
Os quatro informantes seguintes (03, 07, 11 e 15) são da localidade da Costa da
Lagoa, zona não urbana. Todos eles categorizados como bem integrados à comunidade,
foram os que tenderam, comparativamente às outras comunidades, a menor marcação da
CV.
Os quatro próximos informantes (04, 08, 12 e 16) fazem parte da Região Central
de Florianópolis, zona urbana. Apenas um foi categorizado como bem integrado à
comunidade; no entanto, todos eles apresentaram alto índice de marcação da CV
independentemente até mesmo do nível de escolaridade, como o caso dos informantes
04 e 12, ambos do nível fundamental.
Os quatro últimos informantes (02, 06, 10 e 14) fazem parte da comunidade dos
Ingleses, zona urbana, dois deles categorizados como mais ou menos integrados à
comunidade e os outros dois como bem integrados. Percebemos que aqueles mais ou
menos integrados usaram, comparativamente aos considerados bem integrados, mais a
CV, o que não era esperado, o que talvez se justifique em função das características
dessa comunidade. Embora pertença à zona urbana, apresenta características de
comunidade não urbana, conforme discussão feita no capítulo II.
Indivíduo
PBRIMVF01
PBRIFVS05
PBRIMJF09
PBRIMJS13
PBCLMVF03
PBCLFVS07
PBCLMJF11
PBCLFJS15
PBRCMVF04
PBRCMVS08
PBRCMJF12
PBRCMJS16
PBINFVF02
PBINFVS06
PBINMJF10
PBINFJS14
Total
Mais ou menos
integrado
16/22
73%
18/25
45/49
92%
76/92
32/60
45/54
28/46
74/83
83%
53%
83%
61%
89%
28/29
97%
28/49
54/63
57%
86%
410/525
78%
72%
52/58
90%
54/65
38/39
83%
97%
15/22
37/38
230/269
Bem integrado
68%
97%
86%
Tabela 3.14: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis indivíduo e redes
sociais (localismo)
139
Na tabela 3.15, verificamos os resultados para a relação entre o indivíduo e a
mobilidade. Na comunidade do Ribeirão da Ilha, apenas um dos informantes (05)
apresenta média mobilidade, os demais (01, 09 e 13) apresentam pouca mobilidade. De
fato, o informante que apresenta mais mobilidade é aquele que também apresenta maior
tendência à marcação da CV, o que era esperado, já que a comunidade faz parte da zona
não urbana.
Os quatro informantes seguintes (03, 07, 11 e 15) fazem parte da comunidade da
Costa da Lagoa. Observamos que apenas um deles apresenta alta mobilidade e mesmo
assim tende à não marcação da CV. Na verdade, esse informante durante boa parte da
vida trabalhou nos arredores da comunidade como pescador, mas foi categorizado como
tendo alta mobilidade porque hoje em dia trabalha no centro da cidade na COMCAP
(Companhia de Melhoramento da Capital), órgão da prefeitura de Florianópolis. Tal
fato talvez justifique a escolha lingüística do informante que é um morador bastante
conhecido no bairro. Os demais informantes confirmam nossa expectativa; apresentam
pouca mobilidade e menos tendência à marcação da CV.
Os informantes 04, 08, 12 e 16, que fazem parte da Região Central, apresentam,
com exceção do informante 08, pouca mobilidade, o que justifica o alto índice de
marcação da CV, já que fazem parte da zona urbana que apresenta padrões lingüísticos
mais prestigiados como padrão.
Por fim, temos os informantes da comunidade dos Ingleses. Os informantes 02 e
10 apresentam pouca mobilidade e menor tendência à marcação da CV, o que não seria
esperado em função de a comunidade fazer parte da zona urbana. No entanto, como
referimos anteriormente essa comunidade, embora urbana, ainda apresenta vestígios de
uma comunidade não-urbana, o que já foi há bem pouco tempo. Levando em conta tais
características da comunidade, talvez justifique o fato de os informantes 06 e 14
apresentarem, respectivamente média e muita mobilidade, maior tendência à marcação
da CV, já que buscam padrões externos prestigiados como referência.
140
Indivíduo
PBRIMVF01
PBRIFVS05
PBRIMJF09
PBRIMJS13
PBCLMVF03
PBCLFVS07
PBCLMJF11
PBCLFJS15
PBRCMVF04
PBRCMVS08
PBRCMJF12
PBRCMJS16
PBINFVF02
PBINFVS06
PBINMJF10
PBINFJS14
Total
Pouca
mobilidade
16/22
73%
Média
mobilidade
45/49
18/25
76/92
72%
83%
45/54
28/46
74/83
52/58
83%
61%
89%
90%
54/65
38/39
28/49
15/22
444/555
Muita
mobilidade
92%
28/29
97%
54/63
86%
32/60
53%
37/38
69/98
97%
70%
83%
97%
57%
68%
80%
127/141
90%
Tabela 3.15: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis indivíduo e redes
sociais (mobilidade)
3.1.3 Variáveis geográficas
Nesta pesquisa, consideramos as variáveis geográficas diatopia e diazonalidade.
Nas rodadas estatísticas realizadas com o auxílio do Programa Goldvarb, a diatopia foi a
sexta variável selecionada.
Vamos agora aos resultados e à discussão das variáveis geográficas.
3.1.3.1 Diatopia
A diatopia foi o sexto e último grupo de fatores selecionado pelo Programa
Goldvarb. O que podemos observar nos resultados da tabela 3.16, abaixo, é que a região
central foi a que mais preservou as marcas de CV com 90% de freqüência e .83 de peso
relativo. Em seguida, temos o Ribeirão da Ilha, com 82% de freqüência e .48 de peso
relativo; logo após, temos os Ingleses com 77% de freqüência e .33 de peso relativo. Por
fim, temos a Costa da Lagoa com 73% de freqüência de marcação da CV e .32 de peso
relativo.
141
Diatopia
Ribeirão da Ilha
Costa da Lagoa
Ingleses
Região Central
Apl/Total
155/188
179/243
134/172
172/191
%
82%
73%
77%
90%
Total
640/794
80%
PR
.48
.32
.33
.83
Tabela 3.16: Freqüência e probabilidade de CV no PB, segundo a variável diatopia
O que esperávamos para este grupo de fatores era que as localidades que fazem
parte da zona urbana, Região Central e Ingleses, preservassem mais a CV. No caso da
Região Central foi o que aconteceu, mas não nos Ingleses. O que parece explicar os
resultados é que, embora o bairro dos Ingleses tenha se urbanizado nos últimos tempos
com o crescente comércio em função do turismo, os nativos continuam convivendo
muito mais entre eles, preservando, desta forma, as marcas menos urbanas.
Em relação ao Ribeirão da Ilha e à Costa da Lagoa, nossas expectativas se
confirmaram, já que os bairros considerados não urbanos, em função do distanciamento
com a região central da cidade, preservaram menos as marcas de CV do que a Região
Central. Considerando os dois bairros, os resultados confirmam o que de fato também
era esperado. Embora sempre que vá se falar de interior da Ilha de Santa Catarina, em
bairro típico da cidade, em “falar manezinho”, se faça referência primeiramente ao
Ribeirão da Ilha, a Costa da Lagoa é caracterizadamente mais rural do que o Ribeirão,
em função principalmente do seu isolamento, só se chega lá de barco, as pessoas todas
se conhecem, o que já não ocorre no Ribeirão que tem estradas e muitas pessoas de fora
o ano inteiro circulando, em função principalmente da maricultura.
3.1.3.2 Diazonalidade
Como evidenciamos anteriormente, a diazonalidade não foi selecionada pelo
programa estatístico; portanto, a tabela 3.17, a seguir apresenta os resultados apenas em
termos de percentuais.
Diazonalidade
Zona urbana
Zona não urbana
Total
Apl/Total
306/363
334/431
640/794
%
84%
77%
80%
Tabela 3.17: Freqüência de CV no PB, segundo a variável diazonalidade
142
Embora não tenha sido selecionado, o grupo de fatores diazonalidade confirmou
nossas expectativas, já que os informantes da zona urbana usam mais marcas de CV
(84%) do que os informantes da zona não urbana (77%), como indicam os resultados na
tabela acima.
3.2 Análise e discussão dos resultados sincrônicos do PE
Como havíamos salientado na seção 2.4 do Capítulo II, analisamos todos os
dados de construções com variação na concordância verbal de terceira pessoa, extraídos
de cada uma das dezesseis entrevistas que fazem parte da nossa amostra do PE,
perfazendo um total de 807 dados.
Do total de dados obtidos, 742 apresentaram marcas de concordância nos
verbos, correspondendo a 91,95% da amostra, e 65 dados, 8,05% do total, apresentaram
a variante zero de plural nos verbos, como mostra o gráfico 3.18 a seguir.
Concordância
91,95%
Não
concordância
8,05%
Gráfico 3.18: Distribuição geral dos dados do PE
A seguir, apresentamos o mapeamento da variação na concordância encontrada
em cada uma das localidades do PE investigadas. O mapa 3.2 retrata as freqüências de
uso da CV na fala de cada informante que faz parte da nossa amostra.
143
Mapa 3.2: Distribuição da marcação da concordância verbal no PE
3.2.1 Variáveis lingüísticas
Consideramos as seguintes variáveis lingüísticas na nossa análise: saliência
fônica, paralelismo formal, posição do sujeito em relação ao verbo, traço humano no
sujeito, tipo de verbo e tipo de sujeito. Dentre estas variáveis, o Programa Goldvarb
(2001) selecionou, por ordem de relevância: traço humano no sujeito, posição do sujeito
em relação ao verbo e tipo de verbo94. As variáveis saliência fônica, paralelismo formal
e tipo de sujeito não foram selecionadas95.
94
Considerando todas as variáveis controladas, o Programa Goldvarb (2001) selecionou ainda, em último
lugar em ordem de relevância, a variável social idade/escolaridade que será discutida posteriormente.
95
Assim como para a amostra do PB, também fizemos rodadas separadas com informantes da zona
urbana e informantes da zona não-urbana da nossa amostra do PE, com o objetivo de confirmar os
resultados que consideraram todos os informantes, que serão discutidos nesta seção. Na rodada só com
informantes da zona não-urbana, o Programa Goldvarb (2001) selecionou os seguintes grupos de fatores,
por ordem de relevância: posição do sujeito em relação ao verbo, traço humano no sujeito e redes sociais
(mobilidade). Na rodada com informantes da zona urbana, os seguintes grupos de fatores foram
selecionados, por ordem de relevância: traço humano no sujeito, posição do sujeito em relação ao verbo e
idade/escolaridade.
144
Vamos agora aos resultados e à discussão das variáveis lingüísticas.
3.2.1.1 Traço humano no sujeito
O grupo de fatores traço humano no sujeito foi selecionado como
estatisticamente relevante em primeiro lugar.
Confirmando nossa hipótese, quando a sentença possuía um SN [+humano], a
probabilidade à concordância verbal foi maior (96% de freqüência e .61 de peso
relativo) do que em sentenças com SNs [-humanos] (71% de freqüência e .11 de peso
relativo), como mostram os resultados na tabela 3.18.
Apl/Total96
632/653
110/154
742/807
Traço humano no sujeito
SN [+humano]
SN [-humano]
Total
%
96%
71%
91%
PR
.61
.11
Tabela 3.18: Freqüência e probabilidade de CV no PE, segundo a variável traço humano no sujeito
Nossos resultados confirmam os resultados encontrados em Naro e Scherre
(2007) para textos escritos do PE antigo com o traço [+ humano] do sujeito
condicionando a marcação da concordância verbal.
Podemos observar, nos resultados do gráfico 3.19 a seguir, que, no cruzamento
entre traço humano e diazonalidade, o ambiente mais favorecedor da CV é o traço [+
humano] na zona urbana e o menos favorecedor é o traço [- humano] na zona não
urbana.
100%
Percentual
90%
80%
70%
60%
50%
40%
SN [+humano]
SN [-humano]
Traço humano no sujeito
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.19: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis traço humano no
sujeito e diazonalidade
96
Assim como salientamos para os resultados do PB, consideramos em todas as tabelas o percentual
fornecido pelo Programa Goldvarb que parece não aplicar a regra de arredondamento decimal.
145
3.2.1.2 Posição do sujeito em relação ao verbo
A posição do sujeito em relação ao verbo foi o segundo grupo de fatores
selecionado pelo Goldvarb. Podemos observar, através dos resultados apresentados na
tabela 3.19, que a probabilidade de aplicação da regra de concordância foi maior quando
o sujeito estava anteposto ao verbo, com 92% de freqüência e .56 de peso relativo,
distanciando-se significativamente da posposição do sujeito, com 59% de freqüência e
.18 de peso relativo, confirmando, desta forma, nossa hipótese.
Posição
SN anteposto
SN posposto
Total
Apl/Total
354/381
43/72
397/453
%
92%
59%
87%
PR
.56
.18
Tabela 3.19: Freqüência e probabilidade de CV no PE, segundo a variável posição do sujeito em
relação ao verbo
Nossos resultados indicam, como já evidenciado na análise do PB, que o sujeito
quando posposto ao verbo passa a ser encarado como objeto pelo falante que não aplica
a regra de concordância, já que não o considera sujeito da sentença.
Assim como fizemos na análise do PB, para confirmar os resultados apontados
em Lemle e Naro (1977) e Scherre e Naro (1997) de que a não marcação da
concordância verbal com sujeito posposto independe da escolaridade dos informantes,
fizemos um cruzamento entre as variáveis posição e escolaridade, como podemos
observar no gráfico 3.20, a seguir.
100%
Percentual
90%
80%
70%
60%
50%
40%
Ensino fundamental
Ensino superior
Escolaridade
SN anteposto
SN posposto
Gráfico 3.20: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis escolaridade e
posição do sujeito em relação ao verbo
Os resultados observados no gráfico 3.20, revelam que a marcação da
concordância nos verbos é menor com SN posposto, tanto para os informantes com
ensino fundamental, quanto para os informantes com ensino superior. Para os
146
informantes com ensino fundamental a queda da marcação do SN anteposto para o SN
posposto é mais sensível, de 91% para 51%, já para os informantes com ensino superior
a queda é menor, de 95% para 69%.
Vale ressaltar, ainda, o que Carrilho (2003) atesta para o PE no que se refere à
relação entre concordância verbal e posição do sujeito, evidenciado no capítulo I,
subseção 1.1.2. De acordo com a autora, a não-concordância verbal no PE aparece em
contextos em que o constituinte ocupa posição pós-verbal. Nossos resultados confirmam
também os resultados da pesquisa de Varejão (2006) com amostras de fala do PE e da
pesquisa de Naro e Scherre (2007) com amostras de escrita do PE.
Observamos os resultados no gráfico 3.21, a seguir, para o cruzamento entre
posição do sujeito e diazonalidade que, em relação ao SN anteposto, não há muita
diferença entre zona urbana e zona não urbana, uma diferença de 2% de menos marca
de CV na zona não urbana. No entanto, no que se refere ao SN posposto, a diferença é
muito mais acentuada: 32% a menos de marcação da CV para a zona não-urbana em
relação à zona urbana.
100%
Percentual
90%
80%
70%
60%
50%
40%
SN anteposto
SN posposto
Posição do sujeito em relação ao
verbo
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.21: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis posição do sujeito
em relação ao verbo e diazonalidade
3.2.1.3 Tipo de verbo
O grupo de fatores tipo de verbo foi o terceiro a ser selecionado como
estatisticamente relevante pelo Programa Goldvarb97.
97
Na rodada em que consideramos a construção verbo+se+ SN, o grupo de fatores tipo de verbo foi o
primeiro a ser selecionado pelo Programa Goldvarb, que selecionou a posição do sujeito em segundo
lugar, o traço humano em terceiro e a idade/escolaridade em quarto. No entanto, como queríamos uma
amostra comparável a do PB e como não tínhamos dados dessa natureza nessa outra amostra, conforme
salientamos no capítulo II, resolvemos não considerar tais dados; por isso, evidenciamos apenas os
resultados nesta nota: verbo transitivo 319/325=98%, .76 p.r.; verbo intransitivo prototípico 57/58=98%,
.77 p.r.; verbo intransitivo não-prototípico 12/13=92%, .41 p.r.; verbo inacusativo prototípico
41/45=91%, .37 p.r.; verbo inacusativo não-prototípico 154/167=92%, .41 p.r.; verbo cópula
147
Na tabela 3.20, a seguir, podemos observar os resultados para o tipo de verbo. O
verbo cópula foi o ambiente que se mostrou menos favorecedor da marcação da
concordância verbal, com 79% de freqüência e .28 de peso relativo.
Tipo de verbo
Verbo transitivo
Verbo intransitivo prototípico
Verbo intransitivo não-prototípico98
Verbo inacusativo prototípico
Verbo inacusativo não-prototípico
Verbo cópula
Apl/Total
319/325
57/58
12/13
41/45
154/167
159/199
%
98%
98%
92%
91%
92%
79%
Total
742/807
91%
PR
.60
.63
.20
.54
.41
.28
Tabela 3.20: Freqüência e probabilidade de CV no PE, segundo a variável tipo de verbo
Nos gráficos a seguir, apresentamos o resultado do cruzamento entre a variável
tipo de verbo e posição do sujeito em relação ao verbo, e tipo de verbo e traço humano
no sujeito, evidenciando a relação existente entre os verbos inacusativos, a posposição
do sujeito e o traço [- humano] do sujeito.
Os resultados no gráfico 3.22, a seguir, evidenciam que os verbos que
apresentam a possibilidade de sujeito posposto, como os inacusativos e o cópula, têm
freqüências menores, indicando o desfavorecimento da marcação da CV.
159/199=79%, .19 p.r.; construção verbo+se+SN 3/16=18%, .01 p.r.. Os dados de construção verbo
+se+SN encontrados na amostra foram os seguintes: (1) fazia-se tipo umas marchas (PERCFVF04); (2) à
véspera de Natal fazem-se as filhoses (PERCFVF04), (3) faz-se os bolos de natal (PERCFVS08), (4) fazse os doces (PERCFVS08), (5) mas no São João, no Santo António, fazem-se (PERCFVS08), (6) fazemse (PERCFVS08), (7) ouve-se os passarinhos (PERCFJF12), (8) reúne-se comerciantes (PESIMVF01),
(9) coze-se as batatas (PEBEMVF02), (10) coze-se as couves (PEBEMVF02), (11) à noite, come-se mais
umas porcarias, umas rabanadas (PEBEMVF02), (12) come-se azeitonas (PEBEMVF02), (13) no verão é
melhor, apanha-se os polvos (PECAMVF03), (14) junta-se outras pessoas (PECAMVF03), (15) não sei
se no Brasil diz-se asneiras (PECAFVS07), (16) elas não quero sacrificar, pois de manhã sei como é, pois
custa-se a levantar (PECAFJF11). Vale ressaltar que dos 16 dados encontrados, 14 são de informantes
mais velhos, o que parece indicar que essa construção também já não é freqüente na fala dos mais jovens.
98
Vale ressaltar que os resultados dos intransitivos não-prototípicos apresentaram alta freqüência de não
concordância com resultados bastante semelhantes aos dos inacusativos não-prototípicos e aos dos
inacusativos prototípicos, no entanto, se comparados aos intransitivos prototípicos e aos transitivos a
freqüência da marcação desses verbos é baixa.
148
Percentual
100%
80%
60%
40%
20%
0%
Verbo transitivo
Verbo
intransitivo
prototípico
Verbo
intransitivo nãoprototípico
Verbo
inacusativo
prototípico
Verbo
inacusativo
não-prototípico
Verbo cópula
Tipo de verbo
SN anteposto
SN posposto
Gráfico 3.22: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de verbo e
posição do sujeito em relação ao verbo
Nos resultados do gráfico 3.23, podemos observar que os verbos inacusativos e o
cópula com sujeito com traço [- humano] são os que apresentam as menores freqüências
de concordância verbal.
Percentual
100%
80%
60%
40%
20%
0%
Verbo transitivo
Verbo
intransitivo
prototípico
Verbo
intransitivo nãoprototípico
Verbo
inacusativo
prototípico
Verbo
inacusativo
não-prototípico
Verbo cópula
Tipo de verbo
SN [+ humano]
SN [- humano]
Gráfico 3.23: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de verbo e
traço humano no sujeito
Observando os resultados do gráfico 3.24, percebemos que o cruzamento entre o
tipo de verbo e a diazonalidade indica diminuição da marcação da CV na zona não
urbana com mais acento para os verbos inacusativos.
149
Percentual
100%
80%
60%
40%
20%
0%
Verbo transitivo
Verbo
intransitivo
prototípico
Verbo
intransitivo nãoprototípico
Verbo
inacusativo
prototípico
Verbo
inacusativo
não-prototípico
Verbo cópula
Tipo de verbo
Zona urbana
Zona não-urbana
Gráfico 3.24: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de verbo e
diazonalidade
3.2.1.4 Saliência Fônica
O grupo de fatores saliência fônica não foi selecionado pelo Programa Goldvarb;
por isso, apresentamos apenas os resultados percentuais.
Nossos resultados vão de encontro tanto com as nossas expectativas, quanto com
os resultados de outros estudos que haviam controlado este grupo de fatores no PE
(VAREJÃO, 2006; NARO e SCHERRE, 2007), com a oposição não-acentuada
favorecendo mais a presença de marcas explícitas de plural nos verbos (93% de
freqüência) do que a oposição acentuada (90% de freqüência), como podemos observar
os resultados na tabela 3.21, a seguir com os fatores do nível 1 e do nível 2
amalgamados99.
Saliência Fônica
Nível 1: Oposição não-acentuada
Nível 2: Oposição acentuada
Total
Apl/Total
365/392
377/415
%
93%
90%
742/807
91%
Tabela 3.21: Freqüência de CV no PE, segundo a variável saliência fônica com amálgama dos
fatores do nível 1 e nível 2
Agora observemos a tabela 3.22, que traz os resultados com as três categorias do
nível 1 separadamente, assim como as três categorias do nível 2.
99
Acreditamos que nossos resultados talvez indiquem que a escala da saliência fônica no PE tenha suas
particularidades e seja diferente da escala do PB em função da pronúncia distinta nessas duas variedades
do português ou em função das diferenças relacionadas ao valor social das estruturas sintáticas com
cópula nas duas variedades. Neste trabalho, não faremos uma análise considerando a pronúncia, mas
traremos algumas reflexões sobre a sintaxe dessas construções no capítulo IV, a partir de uma nova
rodada estatística dos dados do PE.
150
Nível 1: Oposição não-acentuada
a. não envolve mudança na qualidade da vogal na
forma plural
b. envolve mudança na qualidade da vogal na forma
plural
c. envolve acréscimo de segmentos na forma plural
Nível 2: Oposição acentuada
a. envolve apenas mudança na qualidade da vogal na
forma plural
b. envolve acréscimo de segmentos sem mudanças
vocálicas na forma plural
c. envolve acréscimos de segmentos e mudanças
diversas na forma plural
Total
Apl/Total
62/66
%
93%
232/251
92%
74/75
Apl/Total
73/79
94%
%
92%
154/159
96%
150/177
84%
742/807
91%
Tabela 3.22: Freqüência de CV no PE, segundo a variável saliência fônica
Como podemos verificar, os fatores pertencentes ao nível 1, oposição nãoacentuada, apresentaram resultados percentuais bastante próximos. Na categoria a,
temos 93% de marcação da CV; na categoria b, 92%; e na c, 94%. No nível 2, a
categoria a apresentou 92% de marcação da CV; a categoria b, 96% e a c apresentou o
menor percentual de marcação da CV entre todas as categorias, inclusive se comparada
às categorias do nível 1, com 84% de freqüência.
Acreditamos que a diminuição da marcação da CV na categoria c do nível 2 se
deva ao considerável número de verbos cópula (é/são) que apresentaram, conforme
discussão anterior, no item 3.2.1.3, desfavorecimento da marcação da concordância
nestes verbos.
Como pudemos constatar através dos resultados da tabela 3.22, houve inversão
entre a categoria b e a categoria c do nível 2, apontada anteriormente. No entanto,
diferentemente dos resultados do PB, observamos que essa inversão ocorre na zona
urbana, como podemos observar nos resultados do gráfico 3.25, a seguir. Na zona não
urbana, as freqüências são menores em todos os fatores, menos no nível 2c, que são os
pares mais salientes. O que parece ocorrer no PE é que esses pares, embora salientes,
não parecem apresentar estigma social.
151
100%
Percentual
90%
80%
70%
60%
Nível 1a
Nível 1b
Nível 1c
Nível 2a
Nível 2b
Nível 2c
Saliência
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.25: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis saliência fônica e
diazonalidade
A seguir, apresentamos os resultados do cruzamento entre a variável saliência
fônica e a escolaridade, para verificarmos se há influência dos anos de escolarização dos
falantes na nitidez da escala da saliência, como comprovado em Scherre e Naro (1997).
Percentual
100%
80%
60%
40%
20%
0%
Nível 1a
Nível 1b
Nível 1c
Nível 2a
Nível 2b
Nível 2c
Saliência
Ensino fundamental
Ensino superior
Gráfico 3.26: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis saliência fônica e
escolaridade
O que os resultados do gráfico 3.26 parece evidenciar é que, para essa amostra
do PE, a escala da saliência não se mostrou significativa, nem para os falantes com nível
fundamental, nem para os falantes com nível superior.
3.2.1.5 Paralelismo Formal
O paralelismo formal, no nível clausal, não foi selecionado como significativo
na análise do Programa Goldvarb; por isso, salientaremos os resultados em termos
percentuais.
Os resultados atestaram nossas hipóteses. Como podemos observar na tabela
3.23, a marcação da concordância foi maior para o fator sujeito nulo com anafórico com
presença da forma de plural explícita, apresentando 97% de freqüência. O fator presença
152
da forma de plural explícita no último elemento apresentou 87% de marcação da CV e o
fator que apresentou a menor freqüência de CV foi presença da forma zero de plural no
último elemento com 80% de freqüência, como previam nossas expectativas.
Paralelismo Formal
Presença da forma de plural explícita no último
elemento
Presença da forma zero de plural no último
elemento
Sujeito nulo com anafórico com
presença da forma de plural explícita
Total
Apl/Total
398/454
%
87%
4/5
80%
340/348
97%
742/807
91%
Tabela 3.23: Freqüência de CV no PE, segundo a variável paralelismo formal
Vale ressaltar que não foram encontrados dados na amostra do PE para os
fatores: presença de numeral terminado em /s/ no último elemento, presença de numeral
não terminado em /s/ no último elemento, sujeito nulo com sujeito anafórico com
presença da forma de plural zero no último elemento, sujeito nulo com sujeito anafórico
com presença de numeral terminado em /s/ no último elemento e sujeito nulo com
sujeito anafórico com presença de numeral não terminado em /s/ no último elemento.
Desta forma, estes fatores não puderam ser considerados na análise.
Nos resultados do gráfico 3.27, a seguir, observamos que a zona não urbana
apresenta freqüências menores de marcação da CV para as três categorias consideradas
para o grupo paralelismo formal.
Percentual
100%
90%
80%
70%
60%
Presença da forma de plural
explícita no último elemento
Presença da forma zero de plural Sujeito nulo com anafórico com
no último elemento
presença da forma de plural
explícita
Paralelismo formal
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.27: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis paralelismo
formal e diazonalidade
153
3.2.1.6 Tipo de sujeito
Embora o grupo de fatores tipo de sujeito não tenha sido selecionado como
estatisticamente relevante, vale salientar os resultados em termos percentuais.
Em nossa análise, confirmando nossas expectativas, o sujeito pronome pessoal
teve o maior percentual de marcação da CV, 98%, seguido pelo sujeito nulo, 97% e pelo
sujeito pronome indefinido amalgamado ao quantificador, 93%, o que não esperávamos,
em função da nossa hipótese de que ocorreriam mais à direita do verbo desfavorecendo
as marcas de CV. Os fatores foram amalgamados em função dos resultados (93% de CV
para os indefinidos e também para o quantificador). O SN + pronome relativo (que)
apresentou um percentual um pouco menor (90%) de concordância, mas ainda assim
alto, o que confirmou nossa hipótese. Os sujeitos pleno simples, pleno nu e pleno
composto foram os que menos preservaram as marcas de CV, com 84%, 60% e 40% de
marcação, respectivamente, confirmando nossas expectativas para estes fatores.
Podemos observar estes resultados na tabela 3.24, a seguir.
Tipo de sujeito
Sujeito pronome pessoal
Sujeito nulo
Sujeito pronome indefinido +
quantificador
SN + pronome relativo (que)
Sujeito pleno simples
Sujeito pleno nu
SN pleno composto
Apl/Total
89/90
341/350
29/31
%
98%
97%
93%
77/85
196/231
6/10
4/10
90%
84%
60%
40%
Total
742/807
91%
Tabela 3.24: Freqüência de CV no PE, segundo a variável tipo de sujeito
Embora os resultados não tenham confirmado nossas expectativas na totalidade
em termos da marcação da CV, podemos observar no gráfico 3.28, que os resultados
confirmam nossas hipóteses, baseadas em Zilles (2000), no que se refere aos percentuais
de posposição relacionados aos tipos de sujeito da nossa amostra. Os sujeitos pleno nu,
pleno composto, pronome indefinido + quantificador e pleno simples apresentaram os
seguintes percentuais de posposição do sujeito com 70%, 40%, 41% e 20%,
respectivamente. Já os sujeitos pronome pessoal e SN + pronome relativo (que) não
apresentaram dados de posposição. É interessante notar que, embora o sujeito pronome
154
indefinido + quantificador tenha apresentado 41% de posposição do sujeito, também
tenha apresentado alto índice de marcação da concordância, 93%.
70%
Tipo de sujeito
Sujeito pleno nu
40%
SN pleno composto
20%
Sujeito pleno simples
41%
Sujeito pronome indefinido + quantificador
SN + pronome relativo (que)
0%
Sujeito pronome pessoal
0%
Percentual
Gráfico 3.28: Freqüência de posposição do sujeito no PE, segundo a variável tipo de sujeito
Verificamos que há uma diferença maior na freqüência de marcação da CV entre
a zona urbana e a zona não urbana no sujeito pleno nu.
100%
Percentual
80%
60%
40%
20%
0%
Sujeito
pronome
pessoal
Sujeito nulo
Sujeito
SN + pronome Sujeito pleno
pronome
relativo (que)
simples
indefinido +
quantificador
Sujeito pleno
nu
SN pleno
composto
Tipo de sujeito
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.29: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de sujeito e
diazonalidade
3.2.2 Variáveis sociais
Dentre as variáveis sociais controladas, sexo, idade/escolaridade e redes sociais
(mobilidade e localismo), somente a variável idade/escolaridade foi selecionada como
estatisticamente relevante pelo Programa Goldvarb. A variável foi selecionada em
quarto lugar.
Vamos agora aos resultados e à discussão das variáveis sociais.
155
3.2.2.1 Idade/escolaridade
Como evidenciamos anteriormente, este foi o único grupo de fatores sociais
selecionado como estatisticamente relevante.
Os resultados mostram que, no ensino superior, os mais jovens preservam mais a
CV (94% de freqüência e .61 de peso relativo) do que os mais velhos (92% de
freqüência e .59 de peso relativo). Já no ensino fundamental, os informantes mais
velhos preservam mais as marcas de CV (90% de freqüência e .49 de peso relativo) do
que os mais jovens (89% de freqüência e .30 de peso relativo), como podemos observar
na tabela 3.25, a seguir.
Idade/escolaridade
Jovem/ensino superior
Velho/ensino superior
Jovem/ensino fundamental
Velho/ensino fundamental
Apl/Total
204/216
158/170
171/191
209/230
%
94%
92%
89%
90%
Total
742/807
91%
P.R.
.61
.59
.30
.49
Tabela 3.25: Freqüência e probabilidade de CV no PE, segundo a variável idade/escolaridade
Podemos
observar,
no
gráfico
3.30,
a seguir,
o
cruzamento
entre
idade/escolaridade e diazonalidade. Os informantes com nível superior da zona não
urbana, tanto os mais jovens, quanto os mais velhos, tendem a menor uso de marcação
da CV em comparação aos informantes da zona urbana. Já os informantes com nível
fundamental da zona não urbana têm comportamento diferente. Os informantes mais
velhos apresentaram maior freqüência da marcação da CV em contraste aos informantes
da zona urbana, e os informantes mais jovens tenderam a menor uso da CV em
comparação aos informantes da zona urbana.
Percentual
100%
95%
90%
85%
80%
Jovem/ensino superior Velho/ensino superior
Jovem/ensino
fundamental
Velho/ensino
fundamental
Idade / Escolaridade
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.30: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis idade/escolaridade
e diazonalidade
156
3.2.2.2 Sexo
Como apontamos anteriormente, o grupo de fatores sexo não foi selecionado
pelo Programa Goldvarb; por isso, apresentaremos os resultados apenas em termos
percentuais. Podemos observar, nos resultados na tabela 3.26, a seguir, que as nossas
expectativas se confirmaram, já que as mulheres preservaram mais as marcas de CV
(92%) do que os homens (90%), o que parece estar indicando que as mulheres estão
mais atentas às regras estabelecidas, sejam elas sociais ou lingüísticas.
Sexo
Masculino
Feminino
Total
Apl/Total
252/279
490/528
742/807
%
90%
92%
91%
Tabela 3.26: Freqüência de CV no PE, segundo a variável sexo
No gráfico 3.31, percebemos nos resultados que, de acordo com o cruzamento
entre sexo e diazonalidade, os homens da zona não urbana usam mais CV do que na
zona urbana, diferentemente das mulheres.
Percentual
100%
95%
90%
85%
80%
Masculino
Feminino
Sexo
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.31: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis sexo e
diazonalidade
3.2.2.3 Redes Sociais
Inicialmente, apresentamos os resultados qualitativos para este grupo de fatores
referentes à análise da densidade e da plexidade. Logo após, apresentamos os resultados
quantitativos referentes ao localismo e à mobilidade.
157
Conforme já apontado, utilizamos os critérios adotados em Battisti (2000) para
evidenciar os graus de relação das redes existentes entre os informantes da nossa
amostra100.
Através das figuras a seguir, podemos observar que as comunidades de Sintra e
Cascais, comunidades não urbanas, apresentam, em comparação com Belém e Região
Central, as redes mais densas (1 ligação de segundo grau, 3 ligações de terceiro grau). Já
nas comunidades consideradas urbanas, temos relações menos densas entre os
informantes, em Belém temos 3 ligações de terceiro grau e na Região Central não há
relação nenhuma entre os informantes. Vale ressaltar que todas as relações existentes
entre os informantes da amostra são uniplexas.
Figura 3.5: Redes sociais em Sintra
Figura 3.6: Redes sociais em Cascais
Figura 3.7: Redes sociais na região
central de Lisboa
Figura 3.8: Redes sociais em Belém
A
partir desta análise, observamos que, de maneira geral, há poucas relações
entre os informantes da nossa amostra, mas, ainda assim, os informantes das
comunidades não urbanas constituem redes mais densas comparando-se aos informantes
das comunidades urbanas, o que confirma nossas expectativas. De um lado, temos os
informantes de comunidades não urbanas fazendo parte de redes mais densas e assim
tendendo ao uso de variantes locais, no caso, a não marcação da CV; e, de outro lado, os
informantes da zona urbana tendendo a apresentar redes menos densas favorecendo o
100
As redes são classificadas em primeiro, segundo e terceiro graus, conforme o quadro 3.2 utilizado na
subseção 3.1.2.3.
158
uso de padrões mais valorizados socialmente, no caso, a marcação da CV, em função de
pertencerem à zona urbana.
Assim como na análise do PB, temos poucos informantes em cada uma das
comunidades estudadas, e, por isso, investimos nos resultados quantitativos a respeito
do localismo e da mobilidade, os quais podem nos indicar uma relação mais consistente
entre redes sociais e variação na concordância verbal.
Primeiramente, observemos os resultados a respeito do localismo. Os
informantes que se mostraram mais bem integrados ao bairro em que residem são
aqueles que marcam mais a CV (92%), já os informantes que se mostraram mais ou
menos integrados ao bairro em que residem marcam um pouco menos a CV (91%), e
aqueles que se mostraram pouco integrados são os que menos marcam a CV (88%),
como evidencia a tabela 3.27, a seguir.
Redes sociais (localismo)
Bem integrado
Mais ou menos integrado
Pouco integrado
Total
Apl/Total
263/285
456/496
23/26
742/807
%
92%
91%
88%
91%
Tabela 3.27: Freqüência de CV no PE, segundo a variável redes sociais (localismo)
Agora, observemos os resultados a respeito da mobilidade. Os informantes que
apresentaram muita mobilidade foram os que mostraram o maior percentual de
marcação da CV (94%), em relação aos informantes com média mobilidade (92% de
freqüência) e aos informantes que apresentaram pouca mobilidade (90% de freqüência),
como apontam os resultados da tabela 3.28, a seguir.
Redes sociais (mobilidade)
Pouca mobilidade
Média mobilidade
Muita mobilidade
Total
Apl/Total
301/334
290/314
151/159
742/807
%
90%
92%
94%
91%
Tabela 3.28: Freqüência de CV no PE, segundo a variável redes sociais (mobilidade)
No que se refere ao grupo de fatores localismo, esperávamos que os informantes
categorizados como bem integrados à sua localidade apresentassem tendência à
valorização da cultura local, bem como dos usos lingüísticos locais, diferentemente dos
indivíduos categorizados como pouco integrados que, não se identificando com a
159
localidade da qual fazem parte, tenderiam a adotar padrões lingüísticos externos. Para
verificar essa hipótese, fizemos um cruzamento entre localismo e diazonalidade.
De acordo com os resultados, no gráfico 3.32, abaixo, nossa expectativa parece
se confirmar, já que o comportamento dos informantes considerados bem integrados à
comunidade não urbana é de menos marcação da CV (91% de freqüência) e na
comunidade urbana é de mais marcação da CV (98% de freqüência), assim como na
categoria mais ou menos integrado, em que na zona não urbana temos menos marcação
da CV (90%) do que na zona urbana (93%). Em relação à categoria pouco integrado,
não houve informante na zona não urbana assim classificado; temos os resultados
apenas da zona urbana com o menor índice de marcação da CV, em comparação com as
outras categorias (88%).
Percentual
100%
95%
90%
85%
80%
Bem
integrado
Mais ou
menos
integrado
Pouco
integrado
Redes Sociais (Localismo)
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.32: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis redes sociais
(localismo) e diazonalidade
Para o grupo de fatores mobilidade, nossa expectativa era a de que os indivíduos
que apresentassem pouca mobilidade tendessem ao uso dos padrões valorizados
localmente. Já os indivíduos que apresentassem alta mobilidade tenderiam a adotar
padrões lingüísticos de grupos externos de referência. Assim sendo, cruzamos
mobilidade com diazonalidade, como podemos observar nos resultados do gráfico 3.33,
a seguir.
160
Percentual
100%
95%
90%
85%
80%
Pouca
mobilidade
Média
mobilidade
Muita
mobilidade
Redes Sociais (Mobilidade)
Zona não-urbana
Zona urbana
Gráfico 3.33: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis redes sociais
(mobilidade) e diazonalidade
Os resultados parecem evidenciar a confirmação das nossas expectativas com os
informantes com pouca mobilidade da zona não urbana apresentando menos freqüência
de CV (90%), comparando-se aos informantes da zona urbana (92%), e com os
informantes com média mobilidade da zona não urbana também tendendo a uma menor
marcação da CV (92%) do que aqueles pertencentes à zona urbana (93%). Em relação à
categoria muita mobilidade, não tivemos informantes na zona não urbana assim
classificados. Os informantes da zona urbana que pertencem a essa categoria
apresentaram freqüência alta de marcação da CV (95%), o que, de certa forma, também
confirma nossas expectativas.
Verificamos, a partir da tabela 3.29, a seguir, os resultados para a relação entre o
comportamento individual dos informantes no que diz respeito ao localismo.
Os quatro primeiros informantes (01, 05, 09 e 13) pertencem à localidade de
Sintra, que faz parte da zona não-urbana. Os informantes 01, 05 e 09 foram
categorizados como mais ou menos integrados à comunidade e o informante 13 foi
classificado como bem integrado. Os resultados parecem ir ao encontro das nossas
expectativas, já que esses informantes, comparativamente aos informantes das
comunidades urbanas, tenderam a um menor uso da marcação da CV. Nossa hipótese
era a de que sendo mais ou menos integrados ou bem integrados tenderiam a valorizar
os traços locais de uma comunidade não urbana, que seriam as marcas menos
prestigiadas socialmente.
Os próximos quatro informantes (03, 07, 11 e 15) fazem parte da localidade de
Cascais, zona não-urbana. Os informantes 03, 11 e 15 foram categorizados como bem
161
integrados e o informante 07 como mais ou menos integrado à comunidade. Os
resultados mostram que são os informantes que menos preservam as marcas de CV na
nossa amostra do PE, o que confirma nossas expectativas, já que sendo mais ou menos
ou bem integrados a uma comunidade não urbana tendem a adotar e valorizar os
padrões da comunidade que seriam menos prestigiados socialmente, comparando aos
padrões de comunidades urbanas.
Os quatro informantes seguintes (04, 08, 12 e 16) fazem parte da Região Central
de Lisboa, zona urbana. Apenas um foi categorizado como bem integrado (16), os
demais como mais ou menos integrados à comunidade. Percebemos que todos eles
apresentaram alto índice de marcação da CV, independentemente até mesmo do nível de
escolaridade, como o caso dos informantes 04 e 12, ambos do nível fundamental, o que
também confirma nossas expectativas, já que fazem parte de uma comunidade urbana e,
sendo mais ou menos e bem integrados a ela, tendem a valorizar os padrões da
comunidade que são os mais prestigiados socialmente.
Os quatro últimos informantes (02, 06, 10 e 14) fazem parte da comunidade de
Belém, zona urbana, um deles categorizado como pouco integrado à comunidade (10),
os demais como mais ou menos integrados à comunidade. Percebemos que o informante
categorizado como pouco integrado, como esperávamos, apresentou menor freqüência
de marcação da CV, comparativamente aos considerados mais ou menos integrados,
com exceção do informante 02, que, embora seja mais integrado que o informante 10 e
tenha a mesma escolaridade que ele, tem uma profissão menos valorizada socialmente,
já que é o sapateiro do bairro, o que talvez justifique tal freqüência de uso da CV.
162
Indivíduo
Pouco
integrado
PESIMVF01
PESIMVS05
PESIFJF09
PESIMJS13
PECAMVF03
PECAFVS07
PECAFJF11
PECAFJS15
PERCFVF04
PERCFVS08
PERCFJF12
PERCFJS16
PEBEMVF02
41/47
55/59
33/35
49/53
PEBEFVS06
PEBEMJF10
PEBEFJS14
Total
Mais ou menos
integrado
44/50
88%
38/41
92%
45/48
93%
23/26
23/26
Bem integrado
37/41
61/64
90%
95%
54/64
49/53
84%
92%
62/63
98%
87%
93%
94%
92%
49/57
46/47
85%
97%
56/59
456/496
94%
92%
88%
88%
263/285
92%
Tabela 3.29: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis indivíduo e redes
sociais (localismo)
Na tabela 3.30, evidenciamos os resultados do cruzamento entre indivíduo e
mobilidade. Dos quatro primeiros informantes da comunidade de Sintra, dois (01 e 09)
apresentam pouca mobilidade e dois (05 e 13), média mobilidade. Parece que não há
evidência da mobilidade com a marcação da CV, já que a distribuição é bastante
desigual, enquanto o informante 01, que apresenta pouca mobilidade, confirma nossas
expectativas por apresentar baixo índice de CV, o informante 09, que também apresenta
pouca mobilidade, tem a maior freqüência da marcação, comparativamente aos outros
informantes da comunidade tendo nível de escolaridade fundamental.
Os próximos quatro informantes (03, 07, 11 e 15) fazem parte da comunidade de
Cascais. Apenas um deles apresenta média mobilidade (15); os demais apresentam
pouca mobilidade. Os resultados parecem confirmar nossas expectativas, já que temos
três informantes com pouca mobilidade e temos a comunidade que apresenta menor
tendência à marcação da CV. De acordo com a nossa hipótese, quanto menor a
mobilidade do informante, mais tendência terá de adotar os padrões da comunidade.
Os quatro informantes seguintes (04, 08, 12 e 16) fazem parte da Região Central.
Um deles (08) apresenta pouca mobilidade; dois deles (04 e 16), média mobilidade, e o
outro (12), muita mobilidade. Os informantes da Região Central foram os que
apresentaram o mais alto índice de marcação da CV nessa amostra, o que talvez não se
163
explique em função da mobilidade, já que todos eles, independentemente da categoria
em que foram classificados, tenderam a preservar as marcas de CV.
Os quatro últimos informantes fazem parte da comunidade de Belém. O
informante 10 apresenta pouca mobilidade; o informante 02, média mobilidade; e os
informantes 06 e 14, muita mobilidade. O que pudemos verificar é que os informantes
que apresentam muita mobilidade são os que mais preservam as marcas de CV. Na
verdade, o que esperávamos era que os informantes com pouca mobilidade também
preservassem as marcas de CV, já que Belém é uma comunidade urbana e tende a
valorizar traços lingüísticos formais como de prestígio.
Indivíduo
PESIMVF01
PESIMVS05
PESIFJF09
PESIMJS13
PECAMVF03
PECAFVS07
PECAFJF11
PECAFJS15
PERCFVF04
PERCFVS08
PERCFJF12
PERCFJS16
PEBEMVF02
Pouca
mobilidade
44/50
88%
45/48
93%
61/64
41/47
54/64
95%
87%
84%
33/35
Média
mobilidade
38/41
92%
37/41
90%
49/53
55/59
92%
93%
94%
62/63
49/57
23/26
301/334
49/53
92%
46/47
97%
56/59
151/159
94%
95%
98%
85%
PEBEFVS06
PEBEMJF10
PEBEFJS14
Total
Muita
mobilidade
88%
90%
290/314
92%
Tabela 3.30: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis indivíduo e redes
sociais (mobilidade)
3.2.3 Variáveis geográficas
Nesta pesquisa, consideramos as variáveis geográficas diatopia e diazonalidade.
Nas rodadas estatísticas realizadas com o auxílio do Programa Goldvarb, nenhuma das
duas foi selecionada.
Vamos agora aos resultados e à discussão da variáveis diatopia e diazonalidade.
164
3.2.3.1 Diatopia
A diatopia não foi selecionada como estatisticamente relevante pelo Programa
Goldvarb. O que podemos observar nos resultados da tabela 3.31, abaixo, é que a região
central foi a que mais preservou as marcas de CV com 94% de freqüência. Em seguida,
temos Belém com 92% de freqüência de marcação da CV, Sintra com 91% de
freqüência e, por último, temos Cascais com 89% de freqüência de marcação da
concordância nos verbos.
Diatopia
Sintra
Cascais
Belém
Região Central
Apl/Total
164/180
205/228
174/189
199/210
%
91%
89%
92%
94%
Total
742/807
91%
Tabela 3.31: Freqüência de CV no PE, segundo a variável diatopia
O que esperávamos para este grupo de fatores era que as localidades que fazem
parte da zona urbana, Região Central e Belém, preservassem mais a CV. Nossa análise
confirmou tais expectativas.
A Região Central foi a que mais preservou a marcação da concordância nos
verbos, o que mostra que ela é de fato mais urbanizada do que Belém, que, embora
sendo urbana também, apresenta características um pouco distintas, como o fato de não
ter acesso à localidade através de metrô, por exemplo.
Belém é um dos centros turísticos mais importantes de Lisboa, o que faz com
que tenha grande circulação de turistas, mas que, com o passar do tempo, perdeu muita
população e comércio em detrimento das atividades turísticas. Em função da
valorização do local, a população teve que ir morar em bairros vizinhos, pois as casas
ficaram muito caras e o comércio do bairro teve que ir se adaptando aos novos tempos;
o comércio em geral com lojas de móveis, roupas, sapataria, etc. deu lugar a lojinhas de
artesanato e souveniers, restaurantes e bancos para servir ao turista.
Em relação aos pontos não urbanos, Sintra e Cascais, os resultados também
parecem evidenciar as peculiaridades de cada localidade. Sintra, embora seja uma vila
rural, pacata, que vive basicamente do turismo, mas que ainda apresenta atividade
agrícola, distingue-se de Cascais, que é uma vila basicamente pesqueira.
165
3.2.3.2 Diazonalidade
Como evidenciamos anteriormente, a diazonalidade não foi selecionada pelo
programa estatístico; portanto, a tabela 3.32, a seguir, apresenta os resultados apenas em
termos de percentuais.
Diazonalidade
Zona urbana
Zona não urbana
Total
Apl/Total
373/399
369/408
742/807
%
93%
90%
91%
Tabela 3.32: Freqüência de CV no PE, segundo a variável diazonalidade
Embora não tenha sido selecionado, o grupo de fatores diazonalidade foi ao
encontro das nossas expectativas, já que os informantes da zona urbana usaram mais
marcas de CV (93%) do que os informantes da zona não urbana (90%), como indica a
tabela acima.
3.3 Síntese
Evidenciamos, neste capítulo, a análise e discussão dos resultados referentes à
amostra sincrônica do PB e do PE.
Primeiramente, diante dos resultados da amostra do PB apresentados,
constatamos que os ambientes lingüísticos favorecedores da marcação da concordância
verbal de terceira pessoa do plural são os contextos em que há presença de acento na
desinência, os ambientes em que o sujeito preenchido ou nulo apresenta antecedente
com marca de plural, os contextos em que o verbo apresenta sujeito antecedente, em que
apresenta sujeito com traço [+ humano], em que apresenta sujeito do tipo pronome
pessoal e nos contextos em que os verbos são transitivos e intransitivos.
Em relação aos resultados dos grupos de fatores extralingüísticos, aqui
apresentados, verificamos que as características sociais e geográficas que favorecem a
marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural, na amostra do PB, desta
pesquisa, são: jovens com ensino superior, do sexo feminino, pertencentes a redes
sociais mais ou menos integradas e com média mobilidade, moradores/nativos da
Região Central, pertencentes à zona urbana.
No que tange aos resultados do PE aqui apresentados, referentes às variáveis
lingüísticas, identificamos como contextos lingüísticos favorecedores da marcação da
166
concordância verbal de terceira pessoa do plural verbos com sujeito com traço [+
humano], verbos com sujeito antecedente, verbos do tipo transitivo e intransitivo
prototípico, os contextos em que há ausência de acento na desinência, verbos com
sujeito nulo cujo antecedente apresenta marca de plural e verbos com sujeito do tipo
pronome pessoal.
No que se refere aos resultados dos grupos de fatores extralingüísticos,
geográficos e sociais, aqui apresentados, constatamos que, na nossa amostra do PE, os
informantes com as seguintes características mostraram maior favorecimento da
marcação da concordância verbal de terceira pessoa do plural: jovens com ensino
superior, do sexo feminino, pertencentes a redes sociais bem integradas e com muita
mobilidade, moradores/nativos da Região Central, pertencentes à zona urbana.
A seguir, apresentamos uma retomada das variáveis selecionadas nas amostras
do PB e do PE, e resultados de uma nova rodada estatística dos dados do PE (rodada 2),
discutimos alguns aspectos da sintaxe do português, analisamos e discutimos os
resultados da nossa amostra diacrônica e relacionamos os problemas para a mudança
lingüística (WLH, 1968) ao fenômeno da concordância verbal.
167
Capítulo
IV
–
SOBRE
CONDICIONAMENTOS
SINCRÔNICOS
E
DIACRÔNICOS: ALGUMAS REFLEXÕES
Neste capítulo, retomamos as variáveis selecionadas nas amostras do PB e do
PE, analisadas no capítulo III, trazendo novas reflexões e questionamentos.
Evidenciamos também a correlação entre os fenômenos de variação da concordância
verbal, da ordem do sujeito e do preenchimento do sujeito na língua portuguesa,
correlação que vem sendo atestada em alguns estudos. Traçamos, ainda, o percurso
diacrônico do fenômeno da concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB e no
PE (séculos XIX e XX). Por fim, discutimos os problemas empíricos para a mudança
lingüística (WLH, 1968) relacionados ao objeto de estudo do nosso trabalho.
4.1 Retomada das variáveis selecionadas no PB e no PE
Como apresentamos no capítulo III, os resultados gerais mostram um percentual
de variação na concordância verbal de terceira pessoa do plural distinto nas duas
variedades do português analisadas no nosso trabalho. O PE mostrou-se mais
conservador, como já esperávamos, com uma marcação de 91,95% de concordância nos
verbos (dos 807 dados, 742 apresentaram marcas de plural). Os dados do PB também
mostraram uma alta freqüência de marcação da concordância 80,6% (dos 794 dados,
640 apresentaram marcas de concordância), no entanto, comparativamente aos
resultados do PE, a freqüência é mais baixa.
Em relação à seleção das variáveis para as duas amostras analisadas, também
observamos diferenças. Enquanto no PE temos os grupos de fatores condicionadores
traço humano no sujeito, posição do sujeito em relação ao verbo e tipo de verbo como
os mais relevantes; no PB, temos como condicionadores mais relevantes os grupos de
fatores saliência fônica e paralelismo formal. Para a amostra do PB, tivemos dois grupos
de fatores selecionados como relevantes (posição do sujeito em relação ao verbo e traço
humano no sujeito), coincidentes com os grupos selecionados para a amostra do PE,
com diferença na ordem de seleção. Dos grupos de fatores sociais controlados na nossa
pesquisa, houve coincidência nos resultados para as duas amostras, tanto do grupo de
fatores selecionado, quanto da ordem de seleção. O único grupo de fatores selecionado
para as amostras do PB e do PE foi idade/escolaridade. Quanto aos grupos de fatores
168
geográficos, somente no PB um dos dois grupos controlados foi selecionado como
estatisticamente relevante: a diatopia.
A partir desses resultados gerais, observamos que duas das hipóteses delineadas
neste trabalho, apresentadas na subseção 1.2.2, capítulo I, se confirmam. São elas:
(i) A variação do fenômeno da concordância verbal é condicionada muito mais por
grupos de fatores lingüísticos do que extralingüísticos, tanto no PB, quanto no PE (cf.
MONGUILHOTT, 2001);
(ii) Acreditamos que o PE se mostrará mais conservador na marcação da concordância
verbal, apresentando freqüências maiores de marcas explícitas de plural nos verbos do
que as freqüências que serão encontradas no PB (cf. NARO e SCHERRE, 2007).
A seguir, retomamos as variáveis selecionadas nas amostras do PB e do PE, a
fim de estabelecer comparações entre as duas variedades do português e, no fim da
seção, levantamos algumas considerações e novas hipóteses.
4.1.1 Saliência Fônica
O grupo de fatores saliência fônica foi selecionado como o mais relevante
estatisticamente para a amostra do PB. Já para a amostra do PE, como indicamos
anteriormente, a saliência fônica não foi selecionada como estatisticamente relevante101.
Os resultados do PB indicaram que as formas mais salientes preservam mais as
marcas de plural nos verbos, diferentemente das formas menos salientes, que favorecem
uma queda maior das marcas de concordância nos verbos, confirmando nossas
expectativas. Contrários às nossas hipóteses, os resultados do PE indicaram as formas
mais salientes como desfavorecedoras da marcação de plural nos verbos e as formas
menos salientes como favorecedoras da marcação, como apontam os resultados da
tabela a seguir.
Saliência Fônica
Nível 1: Oposição não-acentuada
Nível 2: Oposição acentuada
Total
PB
Apl/Total = %
341/464 = 73%
299/330 = 90%
PE
Apl/Total = %
365/392 = 93%
377/415 = 90%
640/794 = 80%
742/807 = 91%
Tabela 4.1: Freqüência de CV no PB e no PE, segundo a variável saliência fônica com amálgama
dos fatores do nível 1 e nível 2
101
Para os grupos de fatores saliência fônica, paralelismo formal e diatopia, iremos ressaltar os resultados
em termos percentuais, pois, para a amostra do PE, não temos, até neste momento, pesos relativos para
comparar aos resultados do PB.
169
A distinção entre os resultados das duas amostras parece se explicar pelo fato de,
no PE, os pares é/são, que são os mais salientes e estão no nível 2, oposição acentuada,
não apresentarem o mesmo comportamento observado no PB.
Para os falantes do PE, a não marcação da concordância nesses verbos não
parece ter o estigma que há para outros casos de não concordância; por isso, o fato de
ser recorrente na fala dos portugueses, inclusive dos mais escolarizados. Os estudiosos
portugueses, que muitas vezes não admitem a variação na concordância verbal em
outros contextos, chamam a atenção para a ausência de concordância nesses casos.
A seguir, apresentamos alguns exemplos retirados da nossa amostra do PE em
que os pares é/são não apresentam marcas explícitas de plural.
(1) Como a maioria dos professores são catalães, é tudo em catalão, os textos é
tudo em catalão (PERCFJS16)
(2) Tenho família no Brasil também, tenho primos que tão lá....e, portanto, uma
vez, veio cá um primo e eu fiquei assim quando fomos levá-lo ao aeroporto e ele vira-se
pra mim e diz: vamos ali comprar balas? balas pra mim era pra pistolas, balas, balas é
rebuçados pra vocês, né? é pra comer, pra que que o miúdo quer balas, queria matar
quem? (PECAFVS07)
(3) Os sonhos é assim umas bolinhas, ótimo, de massa que aquilo depois é frito e
depois passa-se no açúcar e canela e as filhoses é assim compridas (PECAFJF11)
Observamos que os dados em variação de concordância com verbos copulativos
apresentam certas particularidades sintáticas que os distinguem dos demais. Na maioria
dos casos, como nos exemplos de (1), (2) e (3), os sintagmas nominais: os textos, as
balas, os sonhos e as filhoses, em geral, marcados com traço [- humano], parecem estar
em uma posição de tópico102. É como se tivéssemos um pronome nulo neutro (como um
isso) na posição do sujeito, como ilustram os dados reanalisados abaixo:
(1’) Como a maioria dos professores são catalães, é tudo em catalão, os textos
(isso tudo) é em catalão.
102
Consultamos uma lingüista portuguesa, Profa. Dra. da Universidade Nova de Lisboa, Maria Lobo, a
respeito da sua intuição quanto a essas construções sem marcação na concordância com verbos
copulativos. No exemplo (1), para a lingüista, temos a concordância do ser com o sujeito tudo e os textos
funciona como tópico, construção, segundo ela, freqüente na fala, inclusive, de pessoas escolarizadas.
Quanto ao exemplo (2), de acordo com Maria Lobo, balas também seria tópico e o sujeito da frase seria
um pro neutro isso. Em relação ao exemplo (3), a lingüista afirma que, na primeira coordenada, os sonhos
também é considerado tópico, já na segunda coordenada, é mais difícil, segundo ela, fazer essa análise em
função da concordância no predicativo compridas.
170
(2’) Tenho família no Brasil também, tenho primos que tão lá....e, portanto, uma
vez, veio cá um primo e eu fiquei assim quando fomos levá-lo ao aeroporto e ele vira-se
pra mim e diz: vamos ali comprar balas? balas pra mim era pra pistolas, balas, balas
(isso) é rebuçados pra vocês, né? (isso) é pra comer, pra que que o miúdo quer balas,
queria matar quem?
(3’) Os sonhos (isso) é assim umas bolinhas, ótimo, de massa que aquilo depois
é frito e depois passa-se no açúcar e canela e as filhoses (isso) é assim compridas.
Como não levamos em conta, na nossa análise, a distinção entre tópico e sujeito,
o que pretendemos investigar futuramente, resolvemos fazer um refinamento da análise
com mais uma rodada (doravante rodada 2) desconsiderando o verbo cópula, para que
pudéssemos observar o comportamento do grupo de fatores saliência fônica e também o
do grupo tipo de verbo, que será analisado posteriormente, sem a interferência desses
contextos específicos.
Na amostra do PB, também encontramos uma construção com verbo copulativo
sem marcação de concordância, em que o sujeito parece estar na posição de tópico,
como o exemplo (4) a seguir, falado por um informante mais velho, em que há,
inclusive, uma pausa entre o sujeito e o verbo, o que contribui para confirmar a hipótese
de o SN ser tópico.
(4) Eu sou católico, não vou deixar a minha pelas outra, não vou dizer que as
outra Ø é ruim, minha família é tudo espírita, a mulher não é e a irmã não é, as outra
são da espírita (PBRIMVF01)
(4’) Eu sou católico, não vou deixar a minha pelas outra, não vou dizer que as
outra, (isso) é ruim, minha família é tudo espírita, a mulher não é e a irmã não é, as
outra são da espírita.
Vale lembrar que a freqüência de uso dessas construções com SN [- humano]
sem marcação de concordância é bem mais recorrente no PE do que no PB103
A seguir, apresentamos exemplos em que o sujeito parece estar topicalizado
também, mas os verbos exibem marcas de plural, o que evidencia variação nesses casos,
tanto para o PE (exemplos 5 e 6), quanto para o PB (exemplos 7 e 8).
103
No PE, temos 16 (dezesseis) dados com construções com verbos copulativos correspondentes aos
pares é/são com SN [- humano] sem concordância verbal, enquanto no PB, temos 05 (cinco) dados.
Também encontramos construções com verbos copulativos correspondentes aos pares era/eram com SN
[- humano] sem marcação da concordância, no PE temos 05 (cinco) dados e no PB 04 (quatro).
171
(5) As viagens são caríssimas104 (PERCFJS16)
(6) As médias de cá são de zero a vinte (PERCFJS16)
(7) As coisas, elas são tão misturadas (PBRIMJS13)
(8) Estudos de gênero são estudos de sexualidade (PBRCMJS16)
O fato de encontrarmos variação na concordância com construções com verbos
copulativos com tópico na amostra do PB, à semelhança da amostra do PE, no entanto,
com apenas um dado de fala de um informante mais velho sem marcação da
concordância, parece trazer evidência de que aquelas construções sem marcação de
concordância podem ser resquícios de uma gramática do PE.
No que se refere ao grupo de fatores saliência fônica, na rodada em que
excluímos os verbos copulativos (rodada 2), a variável passou a ser selecionada como
estatisticamente relevante em terceiro lugar105.
Na tabela 4.2, a seguir, podemos observar que, na rodada em que não
consideramos os verbos copulativos, a escala da saliência encontrada continua não
correspondendo aos resultados de Naro (1981) e de Scherre e Naro (1997), assim como
na rodada em que consideramos os verbos copulativos (rodada 1). No entanto,
considerando apenas o nível 2, a escala nos dados do PE obedece a um aumento
crescente da concordância à medida que os itens ficam mais salientes, o que não ocorreu
na rodada 1. Comparando os resultados do PE aos nossos resultados da amostra do PB,
observamos que, no nível 1, há uma diferença mais acentuada entre os resultados, em
relação ao nível 2, em que a hierarquia ficou bastante parecida, principalmente, no que
se refere aos pesos relativos.
104
De acordo com a lingüista portuguesa Maria Lobo, nessas construções com predicativo plural, há
estigma se não há concordância verbal.
105
Na rodada 2, sem os verbos copulativos, os seguintes grupos de fatores foram selecionados pelo
Goldvarb, obedecendo a respectiva ordem de relevância: posição do sujeito em relação ao verbo,
diazonalidade, saliência fônica e traço humano no sujeito.
172
Nível 1: Oposição não-acentuada
a. não envolve mudança na qualidade da
vogal na forma plural
b. envolve mudança na qualidade da vogal
na forma plural
c. envolve acréscimo de segmentos na
forma plural
Nível 2: Oposição acentuada
a. envolve apenas mudança na qualidade da
vogal na forma plural
b. envolve acréscimo de segmentos sem
mudanças vocálicas na forma plural
c. envolve acréscimos de segmentos e
mudanças diversas na forma plural
Total
PB
Apl/Total=%
19/89 = 21%
PR
.04
PE
Apl/Total=%
61/65=93%
PR
.41
274/324=84%
.50
210/219=95%
.48
48/51=94%
.74
71/75=94%
.12
Apl/Total=%
73/87=83%
PR
.48
Apl/Total=%
48/51=94%
PR
.22
64/68=94%
.74
143/146=97%
.79
162/175=92%
.69
50/51=98%
.75
640/794=80%
583/607=96%
Tabela 4.2: Freqüência e probabilidade de CV no PB e no PE, segundo a variável saliência fônica
na rodada sem verbos copulativos para a amostra do PE
Já na tabela 4.3, a seguir, podemos observar que, na rodada 2, os resultados
passam a corresponder aos resultados do PB com a oposição não-acentuada
apresentando freqüência de uso da concordância verbal menor do que a apresentada na
oposição acentuada, diferentemente do que os resultados da rodada 1 indicaram,
conforme apresentado na tabela 4.1 em que a oposição não-acentuada favorecia a
marcação da concordância verbal.
Saliência Fônica
Nível 1: Oposição não-acentuada
Nível 2: Oposição acentuada
Total
PB
Apl/Total = %
341/464 = 73%
299/330 = 90%
PE
Apl/Total = %
342/359 = 95%
241/248 = 97%
640/794 = 80%
583/607 = 96%
Tabela 4.3: Freqüência de CV no PB e no PE, segundo a variável saliência fônica com amálgama
dos fatores do nível 1 e nível 2 na rodada sem verbos copulativos para a amostra do PE
É possível, portanto, que as construções com verbos copulativos, como as
apresentada em (1’), (2’) e (3’), com sujeito topicalizado, que pode ser retomado por um
pronome nulo neutro (isso), sejam estruturas sintáticas diferentes no PE e que na análise
anterior (rodada 1) tenham contribuído para um enviesamento dos resultados.
173
4.1.2 Paralelismo formal
O paralelismo formal, no nível clausal, foi o segundo grupo de fatores
selecionado na amostra do PB. Já para o PE esse grupo de fatores não foi selecionado,
em nenhuma de nossas rodadas (rodada 1 e rodada 2).
Na amostra do PE, não foram encontrados dados para todos os fatores
controlados, assim vamos comparar os resultados para os fatores que apresentaram
dados nas duas variedades.
Os resultados, tanto para o PB, quanto para o PE, mostram que, quando há
presença da forma de plural explícita no último elemento, com sujeito preenchido ou
nulo, há maior marcação de plural nos verbos, diferentemente de quando há presença da
forma zero de plural no último elemento, como mostram os resultados da tabela a
seguir.
Paralelismo Formal
Presença da forma de plural explícita no
último elemento
Presença de numeral no último elemento
Presença da forma zero de plural no
último elemento
Sujeito nulo com anafórico com
presença da forma de plural
explícita
Sujeito nulo com anafórico com
presença de numeral terminado
em /s/ no último elemento
Sujeito nulo com anafórico com
presença da forma de zero plural
Total
PB
Apl/Total = %
418/483 = 86%
PE
Apl/Total = %
398/454 = 87%
20/33 = 60%
52/100 = 52%
_____
4/5 = 80%
128/148 = 87%
340/348 = 97%
4/5 = 80%
_____
17/25 = 68%
_____
640/794 = 80%
742/807 = 91%
Tabela 4.4: Freqüência de CV no PB e no PE, segundo a variável paralelismo formal
Os resultados indicam que há diferenças nas duas amostras em termos
percentuais. Embora a hierarquia entre os fatores permaneça a mesma, há uma diferença
maior no PB para os fatores presença da forma zero de plural no último elemento e
presença da forma de plural explícita no último elemento (com sujeito preenchido e
nulo). No PB, a diferença é de 86% e 87% para 52%; e no PE, de 87% e 97% para 80%.
O que parece explicar é o fato de não haver praticamente variação na concordância
nominal no PE, não existindo, assim, chances de uma menor marcação da concordância
nos verbos com presença da forma zero de plural no último elemento.
174
Outra diferença, em termos percentuais, observada é o fato de no PE o sujeito
nulo com anafórico com presença da forma de plural explícita apresentar índice de
marcação bem maior (97%) do que o índice apresentado no PB (87%), em comparação
com o fator presença da forma de plural explícita no último elemento com sujeito
preenchido (87% no PE, 86% no PB). Aqui parece que o que está influenciando a
marcação é o sujeito nulo que apresenta comportamento diferente nas duas variedades
do português. Enquanto o PE apresenta maiores índices de sujeito nulo, o PB prefere os
sujeitos preenchidos (cf. DUARTE 1995, 1997, 2004).
4.1.3 Posição do sujeito em relação ao verbo
Para o PB, a posição do sujeito em relação ao verbo foi o terceiro grupo de
fatores selecionado e, para o PE, o segundo na rodada 1 e na rodada 2 foi o primeiro a
ser selecionado106. Embora a ordem de seleção desta variável tenha sido diferente para
as duas amostras analisadas, podemos observar que, a freqüência e a probabilidade de
marcação da concordância apresentaram a mesma hierarquia com o sujeito anteposto
preservando as marcas de plural nos verbos, ao contrário do sujeito posposto, como os
resultados da tabela a seguir evidenciam.
Posição do sujeito
SN anteposto
SN posposto
Total
PB
Apl/Total = %
PR
464/546 = 84%
.57
23/67 = 34%
.08
487/613107 = 79%
PE
Apl/Total = %
PR
354/381 = 92% .56
43/72 = 59% .18
397/453 = 87%
Tabela 4.5: Freqüência e probabilidade de CV no PB e no PE, segundo a variável posição do sujeito
em relação ao verbo
4.1.4 Traço humano no sujeito
O grupo de fatores traço humano no sujeito foi selecionado como
estatisticamente relevante em primeiro e quarto lugar na amostra do PE (rodadas 1 e
2108) e em quinto lugar na amostra do PB. Nas duas amostras, a hierarquia, tanto em
termos percentuais, quanto em termos de probabilidade, foi a mesma, com o SN com
106
Na rodada 2, os resultados mantêm a mesma curva dos resultados da rodada 1, com o SN [+ anteposto]
preservando as marcas de concordância verbal.
107
Vale observar que para esse grupo de fatores, temos um total diferente de dados, pois os dados de
sujeito nulo não puderam ser considerados.
108
Na rodada 2, os resultados mantêm a mesma curva dos resultados da rodada 1, com o SN [+ humano]
preservando as marcas de concordância verbal.
175
traço [+ humano] tendendo a preservar as marcas de plural nos verbos, diferentemente
do SN com traço [- humano], como podemos observar nos resultados da tabela a seguir.
Traço humano
no sujeito
SN [+humano]
SN [-humano]
Total
PB
Apl/Total = %
PR
588/701 = 83%
.56
52/93 = 55%
.12
640/794 = 80%
PE
Apl/Total = %
PR
632/653 = 96% .61
110/154 = 71% .11
742/807 = 91%
Tabela 4.6: Freqüência e probabilidade de CV no PB e no PE, segundo a variável traço humano no
sujeito
4.1.5 Tipo de verbo
O grupo de fatores tipo de verbo foi o terceiro a ser selecionado na amostra do
PE (rodada 1) e na amostra do PB não foi selecionado nas rodadas gerais, apenas nas
rodadas em que excluímos os grupos de fatores posição do sujeito em relação ao verbo e
traço humano no sujeito, quando foi selecionado em quinto lugar. O mesmo aconteceu
com a amostra do PE na rodada 2, quando o tipo de verbo foi selecionado em segundo
lugar quando excluímos os grupos posição do sujeito em relação ao verbo e traço
humano no sujeito109.
Para os resultados do PE, o verbo cópula foi o que se mostrou o menos
favorecedor da marcação de plural nos verbos, seguido dos inacusativos prototípicos. Já
para os resultados do PB, foi o verbo inacusativo o que se mostrou menos favorecedor
da marcação da concordância verbal, tanto os inacusativos não-prototípicos, quanto os
prototípicos. Podemos observar os resultados na tabela a seguir.
109
Nessas rodadas, em que excluímos os verbos copulativos e os grupos de fatores posição do sujeito em
relação ao verbo e traço humano no sujeito, os seguintes grupos de fatores são selecionados pelo
Goldvarb, obedecendo a respectiva ordem de relevância: paralelismo formal, tipo de verbo, diazonalidade
e saliência fônica.
176
Tipo de verbo
Verbo transitivo
Verbo intransitivo prototípico
Verbo intransitivo não-prototípico
Verbo cópula
Verbo inacusativo prototípico
Verbo inacusativo não-prototípico
PB
Apl/Total = %
303/363 = 83% .62
70/85 = 82%
.58
17/21 = 80%
.74
80/96 = 83%
.38
21/27 = 77%
.27
149/202 = 73%
.30
PE
Apl/Total = %
319/325 = 98% .60
57/58 = 98%
.63
12/13 = 92%
.20
159/199 = 79% .28
41/45 = 91%
.54
154/167 = 92% .41
Total
640/794 = 80%
742/807 = 91%
Tabela 4.7: Freqüência e probabilidade de CV no PB e no PE, segundo a variável tipo de verbo
Na tabela a seguir, podemos observar os resultados para o grupo tipo de verbo na
rodada 2. Verificamos, através dos resultados, que sem os verbos copulativos e com os
verbos inacusativos prototípicos e não-prototípicos amalgamados e com verbos
intransitivos prototípicos e não prototípicos também amalgamados, os resultados da
amostra do PB e do PE se assemelham.
Temos, de um lado, os verbos transitivos (e intransitivos) como favorecedores da
marcação da concordância verbal e, de outro lado, os verbos inacusativos como
ambientes menos favorecedores dessa marcação.
Tipo de verbo
Verbo transitivo
Verbo intransitivo
Verbo inacusativo
Total
PB
Apl/Total = %
302/362 = 83% .61
87/106 = 82%
.61
170/229 = 74% .27
559/697=80%
PE
Apl/Total = %
319/324 = 98% .63
69/71 = 97%
.50
195/212 = 91% .30
583/607=96%
Tabela 4.8: Freqüência e probabilidade de CV no PB e no PE, segundo a variável tipo de verbo na
rodada sem verbos copulativos para ambas as amostras
Pudemos observar, através dos resultados dos grupos de fatores posição do
sujeito em relação ao verbo, traço humano no sujeito e tipo de verbo, semelhanças
existentes entre as duas variedades do português aqui investigadas.
A seguir, trazemos alguns exemplos da nossa amostra, com sujeito [- humano]
posposto a verbos inacusativos, ambientes que, de fato, se mostram desfavorecedores da
não concordância, tanto no PB, quanto no PE.
(9) Sempre existe aquelas conversas, né? (PBRIMJS13)
(10) Então às vezes aqui acontece alguns casos (PBRIMJS13)
177
(11) Aí começou os horário de cinco e meia (PBCLFVS07)
(12) Já existe trilhas ecológicas (PECAFJS15)
(13) Depois surgiu as carroças, os burros (PESIMJS13)
(14) Dia dois, eu acho, já começa as aulas (PECAFJF11)
Podemos observar nos exemplos de (9) a (14) que há verbos menos salientes
sem concordância como existe, acontece e começa e há verbos mais salientes sem
concordância como começou e surgiu. Diante desses dados, resolvemos fazer um
cruzamento entre as variáveis saliência fônica e posição do sujeito em relação ao verbo,
para que pudéssemos verificar a força dessas variáveis.
Nível 1: Oposição nãoacentuada
a. não envolve mudança
na qualidade da vogal na
forma plural
b. envolve mudança na
qualidade da vogal na
forma plural
c. envolve acréscimo de
segmentos na forma
plural
Nível 2: Oposição
acentuada
a.
envolve
apenas
mudança na qualidade
da vogal na forma plural
b. envolve acréscimo de
segmentos
sem
mudanças vocálicas na
forma plural
c. envolve acréscimos de
segmentos e mudanças
diversas na forma plural
Total
PB
SN anteposto
11/20=55%
PB
SN posposto
1/9=11%
PE
SN anteposto
34/35=97%
PE
SN posposto
2/5=40%
201/221=91%
7/30=23%
108/114=95%
12/24=50%
37/39=95%
_____
33/36=92%
_____
Apl/Total=%
Apl/Total=%
Apl/Total=%
Apl/Total=%
60/68=88%
0/5=0%
33/35=94%
1/5=20%
41/43=95%
5/6=83%
64/66=97%
16/19=84%
114/120=95%
10/17=59%
82/95=86%
12/19=63%
464/546=85%
23/67=34%
354/381=93%
43/72=60%
Tabela 4.9: Freqüência de CV no PB e no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis posição do
sujeito em relação ao verbo e saliência fônica com verbos copulativos110
Os resultados da tabela 4.9 evidenciam que tanto a variável saliência fônica,
quanto a variável posição do sujeito em relação ao verbo se mostram relevantes no
condicionamento da concordância verbal. Observamos que, por um lado, em todas as
110
Fizemos o cruzamento entre as variáveis excluindo os verbos copulativos; como os resultados se
mostraram bastante semelhantes, apresentamos a tabela apenas em anexo (tabela 4.9’).
178
categorias com sujeitos pospostos há menos marcação da concordância, comparadas às
categorias com sujeitos antepostos. Por outro lado, a concordância vai diminuindo à
medida que a saliência vai aumentando; a diferença, em termos percentuais, nos itens
menos salientes, nível 1, categorias (a) e (b), fica entre 44% e 68% para o PB e 57% e
45% para o PE. Já a diferença para os itens mais salientes, nível 2, categorias (e) e (f)
fica entre 12% e 36% para o PB e 13% e 23% para o PE.
Não há dúvidas de que há variação na concordância verbal de terceira pessoa do
plural quando o sujeito, argumento interno de um verbo inacusativo, marcado com traço
[- humano], estiver posposto. Essa variação encontra-se nas duas variedades do
português (PB e PE).
4.1.6 Idade/escolaridade
O grupo de fatores idade/escolaridade foi o quarto a ser selecionado, tanto na
amostra do PB, quanto na do PE. Os resultados mostram caminhos diferentes para as
duas amostras. No PB, tanto no nível superior, quanto no nível fundamental, os mais
jovens tendem a preservar mais as marcas de CV do que os mais velhos. Já no PE, no
ensino superior, os mais jovens preservam mais a CV do que os mais velhos, mas no
ensino fundamental os informantes mais velhos preservam mais as marcas de CV do
que os mais jovens.
Idade/escolaridade
Jovem/ensino superior
Velho/ensino superior
Jovem/ensino fundamental
Velho/ensino fundamental
Total
PB
Apl/Total = %
225/252 = 89%
172/195 = 88%
115/158 = 72%
128/189 = 67%
PR
.74
.52
.32
.28
PE
Apl/Total = %
204/216 = 94%
158/170 = 92%
171/191 = 89%
209/230 = 90%
640/794 = 80%
PR
.61
.59
.30
.49
742/807 = 91%
Tabela 4.10: Freqüência e probabilidade de CV no PB e no PE, segundo a variável
idade/escolaridade
Fizemos um cruzamento entre os grupos de fatores idade/escolaridade e
diazonalidade, a fim de verificar se a hipótese (iii) seria confirmada:
(iii) No que se refere ao recorte sincrônico do PB e do PE, nossa hipótese em relação às
duas faixas etárias controladas, jovens e velhos, relaciona-se à diazonalidade.
Esperamos que os jovens da zona não urbana preservem mais as marcas de
concordância verbal do que os velhos desta mesma zona. Já no que se refere à zona
179
urbana, acreditamos que os mais velhos preservem mais a concordância verbal (cf.
LUCCHESI, 2006).
No PB, os resultados confirmam a hipótese apenas com os falantes da zona não
urbana com escolaridade fundamental, em que os jovens preservam mais a concordância
(65%) do que os mais velhos (59%). Já no PE, a hipótese é confirmada apenas com os
falantes da zona não urbana com escolaridade superior, em que os jovens também
preservam mais a concordância (91%) do que os mais velhos (90%).
Idade/escolaridade
Jovem/ensino superior
Velho/ensino superior
Jovem/ensino fundamental
Velho/ensino fundamental
Total
PB
Zona não
urbana
150/175 86%
90/103 87%
46/71 65%
48/82 59%
334/431 77%
PB
Zona
urbana
75/77 97%
82/92 89%
69/87 79%
80/107 75%
306/363 84%
PE
Zona não
urbana
86/94 91%
79/88 90%
99/112 88%
105/114 92%
369/408 90%
PE
Zona
urbana
118/122 97%
79/82 96%
72/79 91%
104/116 90%
373/399 93%
Tabela 4.11: Freqüência de CV no PB e no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis
idade/escolaridade e diazonalidade
4.1.7 Diatopia
A análise estatística selecionou a diatopia como o sexto e último grupo de
fatores relevante para o PB; já para o PE, o grupo de fatores não foi selecionado.
Como evidenciamos ao longo deste trabalho, buscamos, na seleção das
localidades do PB e do PE, constituir amostras o mais comparáveis possível. Desta
forma, temos para as duas variedades do português duas localidades da zona urbana,
Região Central e Ingleses para o PB e Região Central e Belém para o PE, e duas
localidades da zona não urbana, Ribeirão da Ilha e Costa da Lagoa para o PB e Sintra e
Cascais para o PE.
Na tabela a seguir, podemos observar os resultados para as duas amostras.
Diatopia
Ribeirão da Ilha
Costa da Lagoa
Ingleses
Região Central
Total
Apl/Total
155/188 82%
179/243 73%
134/172 77%
172/191 90%
640/794
80%
Diatopia
Sintra
Cascais
Belém
Região Central
Total
Apl/Total
164/180
91%
205/228
89%
174/189
92%
199/210
94%
742/807
91%
Tabela 4.12: Freqüência de CV no PB e no PE, segundo a variável diatopia
180
Verificamos que, tanto para o PB, quanto para o PE, a Região Central apresenta
o maior percentual de marcação da concordância nos verbos, 90% e 94%,
respectivamente. Em relação à outra localidade da zona urbana, para o PE os resultados
mostram que temos a segunda maior freqüência de uso da concordância (Belém com
92% de freqüência); já para o PB, tal localidade teve a terceira maior freqüência
(Ingleses com 77% de freqüência).
No que se refere às localidades da zona não urbana, no PE temos as menores
freqüências de uso, 91% para Sintra e 89% para Cascais. Já para o PB temos a segunda
maior freqüência de uso para uma das localidades, Ribeirão da Ilha com 82%, e a menor
freqüência de uso para a localidade da Costa da Lagoa, 73%.
Embora o grupo de fatores diatopia não tenha sido selecionado para a amostra do
PE, os resultados confirmaram nossas expectativas, já que as localidades da zona urbana
preservaram mais as marcas de concordância verbal em relação às localidades da zona
não urbana. Por outro lado, para a amostra do PB, mesmo a diatopia tendo sido
selecionada, os resultados confirmaram parcialmente nossas expectativas, já que uma
das localidades da zona urbana, Ingleses, apresentou freqüência de uso menor do que
uma das localidades da zona não urbana, Ribeirão da Ilha.
O que parece justificar os resultados para o PB são as características da
localidade Ingleses, que foi considerada zona urbana em função da alta densidade
demográfica e do intenso comércio e turismo na região; no entanto, a população nativa
de modo geral, ainda, caracteriza-se como a de tempos atrás em que a comunidade se
mostrava bastante isolada e com costumes menos urbanos.
4.1.8 Algumas considerações
Como vimos ao longo desta seção, os resultados sincrônicos da nossa pesquisa
apontam semelhanças e diferenças entre as duas variedades do português que fazem
parte da nossa amostra: PB e PE.
Em termos de semelhanças, observamos que, tanto na amostra do PB, quanto na
amostra do PE, temos determinados contextos desfavorecendo a concordância verbal,
sujeitos com traço [- humano] pospostos a verbos inacusativos.
No que se refere às diferenças, temos o fato de o PE apresentar, em termos
percentuais, maior tendência ao uso da concordância verbal, ao contrário do PB, que
apresenta maior variação no fenômeno em estudo. Tais resultados parecem indicar que
181
o processo de variação a caminho de uma possível mudança na concordância verbal está
mais avançado no PB, já que há um número maior de contextos atingidos pela variação
nessa variedade do português.
Observamos, também, que a seleção dos condicionadores da marcação da
concordância é distinta para o PB e o PE. Enquanto o PE apresenta como
condicionadores mais relevantes as variáveis sintáticas traço humano no sujeito, posição
do sujeito em relação ao verbo, tipo de verbo, o PB apresenta a variável
morfofonológica saliência fônica como o condicionador mais importante. Vale ressaltar
que a variável saliência fônica também se mostra relevante no condicionamento da
variação no PE quando excluímos os dados de verbos copulativos, momento em que o
tipo de verbo passa a não mais ser selecionado.
Esses resultados nos fazem pensar se o início da variação na concordância verbal
no português se dá pela fonologia ou pela sintaxe da língua.
De acordo com Naro (1981), retomado em Naro e Scherre (2007), o início do
fenômeno da concordância deu-se no nível fonológico. Os resultados dos autores
comprovam que, tanto no PB, quanto no PE, houve desnasalização em toda a escala da
saliência fônica proposta em Naro (1981), que se inicia no plano fonético-fonológico e
se expande para o plano morfossintático.
Já para Lucchesi (2006), como evidenciamos no capítulo I, a variação na
concordância verbal parece ter “sido determinada, em suas origens, pela posição do
sujeito relacionada à inacusatividade verbal; e essa variação pode ter sido intensificada
por um eventual processo de enfraquecimento fonético da nasalidade do segmento final,
na norma culta do PB” (op. cit., p.99).
Nossos resultados em termos da seleção das variáveis no condicionamento da
concordância associados às freqüências de uso nas duas variedades, de um lado,
considerando apenas a rodada 1, nos fazem acreditar que os contextos sintáticos são os
primeiros a serem atingidos no processo de variação e mudança desse fenômeno, para
que, depois, os contextos morfofonológicos passem a ser atingidos, confirmando a
hipótese de Lucchesi.
Por outro lado, considerando a rodada 2, em que em termos de seleção de
contextos sintáticos, não temos mais a posição relacionada à inacusatividade verbal
condicionando a variação da concordância no PE, e temos a saliência exercendo papel
importante no condicionamento dessa variação, parece que nossa análise confirma a
hipótese de Naro (1981) também.
182
Considerando então as rodadas 1 e 2, o que se mostra é uma confluência das
duas hipóteses, pois parece haver, nas duas variedades do português, enfraquecimento
fonético da nasalidade e enrijecimento de uma construção VSN que não discrimina a
não marcação da concordância verbal, por ser considerada uma construção VO
associada à inacusatividade verbal.
4.2 Análise diacrônica do PB e do PE
Evidenciaremos aqui a análise diacrônica do PB e do PE a partir da nossa
amostra, definida no capítulo II, com o intuito de observar o que está acontecendo com
a sintaxe do PB e do PE ao longo dos séculos111.
Nossa amostra diacrônica, conforme apontamos na seção 2.4, constitui-se de 14
peças de teatro de autores catarinenses, para o PB, e 14 peças de autores portugueses,
para o PE. Dessas 14 peças de cada variedade do português, 5 foram escritas no século
XIX e 9 no século XX.
Em relação aos resultados gerais, temos, para o PB no século XIX, um total de
197 dados de variação na concordância verbal, dos quais apenas 02 não apresentam
marcas de concordância. No século XX, temos um total de 352 dados, dos quais 12 sem
marcas de plural nos verbos. Podemos observar o total de dados levantados em cada
peça analisada e os dados sem marcas de concordância nos verbos encontrados no
quadro a seguir.
111
Vale ressaltar que não iremos controlar grupos de fatores condicionadores na nossa análise diacrônica,
em função do pequeno número de dados encontrado. Acreditamos que, se a nossa amostra fosse
constituída de outros gêneros textuais, talvez tivéssemos mais dados. Esperamos investir na ampliação da
amostra em investigações futuras.
183
Quadro 4.1: Dados diacrônicos do PB
Ano
Século XIX
1859
1867
1868
1880
1890
TOTAL
Século XX
1918
1920
1928
1939
1942
1954
1970
1982
1993
TOTAL
TOTAL
Peça / Autor
Dados totais
Dados sem CV
Brinquedos de Cupido
Antero dos Reis Dutra
(1829-1865)
A Casa para Alugar
José Cândido Lacerda Coutinho
(1842-1900)
Raimundo (2o Ato / 1o Quadro)
Álvaro Augusto de Carvalho (18291865)
Os Ciúmes do Capitão
Arthur Cavalcanti do Livramento
(1872)
O Idiota
Horácio Nunes
(1855-1919)
05 peças
44 dados
-
25 dados
-
70 dados
02 dados
23 dados
-
35 dados
-
197 dados
02 dados
35 dados
02 dados
23 dados
-
32 dados
03 dados
29 dados
-
40 dados
-
27 dados
-
52 dados
02 dados
48 dados
01 dados
66 dados
04 dados
352 dados
590 dados
12 dados
14 dados
Waltrudes, o nauta veneziano
Ildefonso Juvenal
(1894-1965)
Jardim Maravilhoso
Clementino de Britto
(1879-1953)
Ilha dos Casos Raros
Nicolau Nagib Nahas
(1890-1934)
Reconciliação
João Antonio Vecchione
???
O Colar de Pérolas
Ildefonso Juvenal
(1894-1965)
A Morte de Damião
Ody Fraga
(1927-1987)
A Estória
Ademir Rosa
(1949-1997)
O Dia do Javali
Mário Júlio Amorim
(1939)
Stradivarius
Augusto Miltom de Sousa
(1944)
09 peças
14 peças
No que se refere ao PE, temos, para o século XIX, 209 dados com 100% de
marcação de plural nos verbos. No século XX, temos 371 dados, dos quais 03
184
apresentam marcas zero de plural nos verbos. No quadro abaixo, observamos o total de
dados levantados nas peças que fazem parte da amostra do PE, assim como os dados
sem marcas de concordância verbal.
Quadro 4.2: Dados diacrônicos do PE
Ano
Século XIX
1859
1865
1868
1879
1894
TOTAL
Século XX
1918
1923
1928
1934
1945
1953
1977
1986
1997
Peça / Autor
Dados totais
Dados sem CV
O Último Acto
Camilo Castelo Branco
(Lisboa, 1825-1890)
J.R.
Luís de Araújo
(Portalegre,1833-1906)
Para as Eleições
Júlio César Machado
(Lisboa, 1835-1890)
Paris em Lisboa
Carlos de Moura Cabral
(Lisboa, 1852-1922)
O festim de Baltasar
Gervásio Lobato
(Lisboa, 1850-1895)
05 peças
34 dados
-
66 dados
-
23 dados
-
31 dados
-
55 dados
-
209 dados
-
57 dados
01 dado
24 dados
-
26 dados
-
25 dados
-
40 dados
-
50 dados
-
58 dados
02 dados
46 dados
-
45 dados
-
O Fim
Antônio Patrício
(Lisboa, 1978-1930)
O Doido e a Morte
Raul Brandão
(Foz de Douro, 1867-1930)
Lua-de-mel
Vitoriano Braga
(Lisboa, 1888-1940)
A Prima Tança
Alice Ogando
(Lisboa, 1900-1981)
Balada de outuno
Carlos Selvagem
(Lisboa, 1890-1973)
Casaco de Fogo
Romeu Correia
(Almada ,1917)
O homem da bicicleta
Jaime Gralheiro
(S. Pedro do Sul, 1930)
D. João no jardim das delícias
Norberto Ávila
(Angra do Heroísmo - Açores,
1936)
Fumos de glória
António Faria
(Amarante, 1942)
185
TOTAL
TOTAL
09 peças
14 peças
371 dados
580 dados
03 dados
03 dados
A seguir, iremos analisar os dados diacrônicos que não apresentaram marcas de
concordância nos verbos. Primeiramente, pretendemos verificar se a hipótese levantada
em 1.2.3 se confirma:
(v) No que tange ao recorte diacrônico, tanto do PB, quanto do PE, acreditamos que os
resultados apresentarão aumento da variação na concordância verbal de terceira pessoa
do plural do século XIX para o século XX.
Em seguida, pretendemos verificar, de um lado, se há, no século XIX, indícios
de um sistema com concordância obrigatória com sujeito posposto, já que, conforme
aponta Coelho (2008), temos mais possibilidade de posposição nesse período, tanto para
o PB, quanto para o PE, o que, de certa forma, facilitaria o reconhecimento do sujeito
invertido como sujeito da sentença pelos falantes favorecendo, assim, a marcação da
concordância verbal.
Por outro lado, vamos observar se há, no século XX, um sistema com
concordância variável com sujeito posposto no PB, pois, com o passar dos séculos, a
ordem sujeito-verbo foi ficando cada vez mais enrijecida e os indivíduos passaram a
“confundir” o sujeito posposto com o objeto da sentença. No PE, acreditamos que o
sistema do século XIX continue atuando.
No século XIX, para a amostra do PB, temos dois dados sem concordância:
(18) João André: Eu te conheço; ficarias vermelho. Olha Raimundo, nós marinheiros,
nós que nos criamos sobre o convés, não devemos abaixar a cabeça diante dessa súcia
de biltres que não nos valem, nem no corpo, nem n’alma: não nos misturemos,
Raimundo; sejamos, sempre, francos marujos, e bons camaradas. E com um milhão de
diabos, quando alguém se engrilar mostra-se-lhe os dez mandamentos. (Peça:
Raimundo, 1868, p.40)
(19) D. Manoel: É o que acontece sempre que se vive em contato imediato com o povo;
toma-se amizades...relações, e esquece a gente o que deve ao seu nome (Peça:
Raimundo, 1868, p.58)
186
Os dados acima indicam que, no PB, encontramos casos de falta de
concordância nos verbos no século XIX, diferentemente do PE, que não apresentou
qualquer caso de ausência de concordância. Observamos, tanto no exemplo (18), quanto
no (19), que são casos de verbos inacusativos com sujeito posposto com traço [humano], ambiente que também se mostrou desfavorecedor da concordância na nossa
análise sincrônica.
Ainda com relação à amostra do PB, temos 13 dados sem concordância no
século XX:
(20) Paulo: Emquanto o homem possue dinheiro è considerado na Sociedade. Mil
aduladores o cerca (Peça: Waltrudes, o nauta veneziano, 1918, p.62).
(21) Walfrides: Elle è pobre, mas existe tantos pobres que julgam-se felizes no mundo
(Peça: Waltrudes, o nauta veneziano, 1918, p.67).
(22) Policia: São tanta as arruaça, os otomóve véve sempre a corrê que inté parece um
raio. Estes chofre precisa mêmo dum acorretivo (Peça: Ilha dos Casos Raros, 1928,
p.40).
(23) Mulher: É, os primeiros pingos de chuva começa a cair. Preciso ir. (Peça: A
Estória, 1970, p.10).
(24) Mulher: Minha religião e educação não permite. (Peça: A Estória, 1970, p.21)
(25) Homem: Você sabe, é cada vez mais acidentes, mais crimes, guerras... (Peça: O
Dia do Javali, II ato, 1982, p.42)
(26) Curió: Mas tinha que acontecer estas coisas comigo hoje. (Peça: Stradivarius,
1993, p.08)
(27) Moambeiro: Eles pensam que é assim. Sai por aí atropelando a mãe dos outros e
não dão a mínima satisfação. (Peça: Stradivarius, 1993, p.15).
187
(28) Curió: E se o meu nome e a minha cara aparece no jornal, eles logo pensam que
eu tenho grana (Peça: Stradivarius, 1993, p.24).
(29) Uma voz: Nisso aparece a cara do repórter e da fotógrafa na boca do senário.
Peça: Stradivarius, 1993, p.30)
Observamos, na nossa amostra do século XX, do PB que nos dados em (21),
(25), (26) e (29), temos casos de falta de concordância nos verbos com sujeito posposto.
Assim como no século XIX, todos os verbos de sujeito posposto são inacusativos com
sujeitos [- humanos].
Os dados em (23), (27) e (28) também apresentam ausência de concordância em
ambiente inacusativo, no entanto, com sujeito anteposto ou nulo. Em (20) e (24), não
temos casos de verbos inacusativos; o que observamos é que, assim como alguns dos
outros dados de verbos inacusativos (como em (21), (23), (26), (27), (28) e (29)), são
verbos que apresentam pouca saliência fônica, o que talvez também favoreça a falta de
concordância na escrita.
O dado em (22) apresenta uma fala visivelmente estigmatizada. Embora
saibamos que os dados possam ser propositais, inserimos na nossa amostra justamente
para comprovar que os autores das peças de teatro têm consciência de que retratam
determinadas falas e que esses textos retratam hipóteses de falantes da língua quanto ao
uso variável da concordância verbal.
Como evidenciamos anteriormente, no que se refere à amostra do PE, no século
XIX, temos 100% de concordância nos verbos. Já no século XX, temos 03 dados sem
marcas de concordância:
(30) A Rainha – Duque! Amanhã na recepção, não quero cruzes / Cruzes, grã-cruzes,
sempre cruzes... Não, não... Faz-me lembrar enterros, muitas luzes... (Peça: O Fim,
1918, p.29)
(31) Mulher – Mas com este tempo aquilo não é um caminho! É um lodaçal. Já lá ficou
afogago, na lama, um homem e um burro. (Peça: O homem da bicicleta, 1978, p.08)
(32) Camponês – Ai, então vocemecê quer saber p’ra que serve a Junta e o Grêmio?
(Peça: O homem da bicicleta, 1978, p.24)
188
Assim como esperávamos, temos ausência de concordância com sujeito
posposto no século XX. Dos três dados sem marcação de concordância no PE, dois
deles (31) e (32) apresentam ausência de concordância com sujeito invertido; apenas no
dado (30), o sujeito está anteposto ao verbo. Vale lembrar que, no entanto, Cruzes, grãcruzes, sempre cruzes.... é um sintagma [- humano], está deslocado, numa posição
possivelmente de tópico, com a possibilidade de um sujeito neutro nulo, do tipo isso,
como nos dados de fala.
(30’) A Rainha – Duque! Amanhã na recepção, não quero cruzes / Cruzes, grãcruzes, sempre cruzes... Não, não... (isso) Faz-me lembrar enterros, muitas luzes...
Nossa análise da amostra diacrônica indica que o PE se mostra mais conservador
com relação ao fenômeno da concordância verbal, já que apresentou menos dados com
ausência de concordância, assim como a análise dos dados sincrônicos também havia
indicado.
Verificamos, ainda, que a nossa hipótese de que, no século XIX, temos indícios
de um sistema com concordância obrigatória com sujeito posposto se confirma, pois
temos apenas dois casos de falta de concordância com sujeito posposto no PB e nenhum
caso no PE; já no século XX, temos quatro casos de ausência de marcas de
concordância com sujeito posposto no PB e dois casos no PE112. Nossos resultados
confirmam, ainda, os resultados de estudos diacrônicos a respeito da ordem (cf.
BERLINCK, 1988; COELHO, 2006).
4.3 Problemas empíricos para a mudança lingüística
Discutiremos aqui os problemas de restrição, de transição, de encaixamento, de
avaliação e de implementação, levantados por WLH (1968), como havíamos apontado
no capítulo II, seção 2.1.5, momento em que apresentamos os problemas relacionandoos ao fenômeno da concordância verbal.
Quanto ao problema da restrição, que busca, segundo WLH (1968), “determinar
o conjunto de mudanças possíveis e condições possíveis para a mudança”113,
112
Quanto aos dados de sujeito posposto com marcação da concordância verbal, nossos dados estão assim
distribuídos: século XIX – PE: 27 dados, PB: 19 dados; século XX – PE: 24 dados, PB: 39 dados.
113
Tradução de Bagno (2006, p.121)
189
controlamos alguns grupos de fatores lingüísticos e extralingüísticos para verificar quais
deles poderiam estar favorecendo ou restringindo a mudança na concordância verbal de
terceira pessoa do plural em dados de fala do PB e do PE.
Como discutimos anteriormente, na seção 4.1, os grupos de fatores que
favorecem ou restringem a variação da concordância verbal e que, por isso, podem estar
condicionando a mudança com relação a este fenômeno são diferentes para as duas
variedades do português aqui investigadas.
Verificamos, através da análise dos dados coletados, que os grupos de fatores
lingüísticos, para as duas variedades, favorecem a variação da concordância verbal com
maior relevância do que os grupos de fatores extralingüísticos.
Para a amostra do PB, os grupos saliência fônica e paralelismo formal se
mostraram os mais importantes no condicionamento do fenômeno, seguidos dos grupos
posição do sujeito em relação ao verbo, idade/escolaridade, traço humano no sujeito e
diatopia, enquanto, para a amostra do PE, foram os grupos traço humano no sujeito,
posição do sujeito em relação ao verbo e tipo de verbo os mais relevantes, seguidos do
grupo idade/escolaridade. Já na rodada 2, um grupo apenas que havia sido selecionado
na rodada 1 continuou sendo o mais relevante para o condicionamento da variação no
PE, a posição do sujeito em relação ao verbo, seguido dos grupos diazonalidade,
saliência fônica e traço humano no sujeito.
Para a amostra do PB, de um lado, temos como contextos favorecedores da
marcação da concordância nos verbos os contextos verbais mais salientes, aqueles que
apresentavam um nome com marca de plural antecedendo um verbo com sujeito
preenchido ou nulo, os contextos com sujeito anteposto ao verbo e com traço
[+humano] usados por falantes mais jovens com nível de escolaridade superior
residentes na região central de Florianópolis.
Por outro lado, os contextos que favorecem a não marcação da concordância
foram os contextos verbais menos salientes, contextos com presença da forma zero de
plural no último elemento que antecede um verbo, contextos com sujeito posposto e
com traço [-humano] usados por falantes mais velhos com escolaridade correspondente
ao ensino fundamental residentes na localidade da Costa da Lagoa.
Para a amostra do PE, na rodada 1, os contextos que se mostraram favorecedores
do uso das marcas de plural nos verbos foram os de sujeito anteposto ao verbo e com
traço [+ humano], sujeitos de verbos transitivos e de verbos intransitivos prototípicos
usados por falantes mais jovens com escolaridade correspondente ao nível superior. Na
190
rodada 2, temos como contextos favorecedores os de sujeito anteposto ao verbo com
traço [+ humano], os contextos verbais mais salientes usados por informantes da região
urbana de Lisboa.
Já como contextos que se mostraram favorecedores da não marcação da
concordância verbal, na rodada 1, temos os contextos com sujeito posposto ao verbo e
com traço [- humano], sujeitos de verbo do tipo cópula usados por jovens do ensino
fundamental. Na rodada 2, temos os contextos com sujeito posposto ao verbo e com
traço [- humano], contextos verbais menos salientes usados por informantes da região
não urbana de Lisboa.
Considerando as duas variedades aqui investigadas, observamos, de um lado,
que os contextos que podem estar restringindo uma possível mudança, favorecendo o
uso das marcas de plural nos verbos, seriam os sujeitos antepostos com traço [+
humano], os contextos verbais mais salientes, marcas presentes na fala de jovens com
escolaridade superior. De outro lado, observamos os contextos de sujeitos pospostos
com traços [- humanos] e os contextos verbais menos salientes como favorecedores de
uma possível mudança no caminho da não marcação da concordância verbal.
Para abordar o problema da transição, definido por WLH (1968) como a “trilha
pela qual uma mudança lingüística está caminhando para se completar”114, investigamos
o percurso das variantes da concordância verbal dentro da estrutura lingüística e dentro
da estrutura social.
Como enfatizamos no capítulo II, seção 2.1.5, dentro da estrutura lingüística,
acreditamos que a queda da nasal fonêmica está levando à queda da nasal morfêmica,
mudança por difusão lexical. Os dados de Battisti (2000) comprovam a hipótese. A
autora, em seu estudo com dados do sul do Brasil, apresenta como resultados da
redução da nasal para o grupo de fatores classe de palavra: para os verbos . 48 de peso
relativo (41% de redução), para os nomes .61 de peso relativo (59% de redução) e para
os nomes em –gem .78 de peso relativo (69% de redução).
Para a autora, uma possível explicação para os resultados encontrados parece ter
relação com a função que possui a sílaba em que se encontra o ditongo. Nos
verbos, corresponde a sufixos flexionais de modo, tempo, número e pessoa,
importantes para o estabelecimento de relações de concordância e, por
conseqüência, para a compreensão dos enunciados. Já a sílaba final dos nomes
não porta essa carga, o que talvez contribua para que a redução ocorra, uma vez
que distinções de sentido não se perderiam nesse contexto (Battisti, 2000, p.268).
114
Tradução de Bagno (op. cit., p.90).
191
Quanto aos “possíveis caminhos na sociedade pelos quais a mudança na
concordância verbal está caminhando para se completar”, os resultados das amostras
investigadas apontam percursos um pouco diferentes.
Para o PB, em relação às faixas etárias, temos os falantes mais velhos e menos
escolarizados como os que menos preservam as marcas de plural nos verbos (33% de
não concordância). No que se refere às épocas distintas controladas temos uma mudança
no caminho da não concordância com o passar do tempo com 1% de não concordância
para os dados do século XIX (2/197)115 e 3,4% de não concordância para os dados do
século XX (12/352). Embora com um corpus distinto, temos ainda mais dados de não
concordância para a amostra do século XXI 19,4% (154/794). Para os resultados em
relação às amostras urbana e não urbana, temos a zona não urbana no caminho da não
marcação da concordância (23%, contra 16% de não marcação na zona urbana).
Já para a amostra do PE, temos os falantes mais jovens com menos escolaridade
no caminho da não marcação da concordância nos verbos (11% de não marcação), em
comparação com os demais falantes da amostra, o que se distingue dos resultados do
PB. Para os resultados quanto ao caminho percorrido pela sociedade em direção à
mudança na concordância, relacionados às épocas distintas a serem controladas e às
comunidades urbana e não urbana, os resultados para o PE coincidem com os resultados
para o PB, com diferenças nas freqüências de uso. Com relação às épocas controladas
temos também um aumento com o passar dos séculos, com 0% de não marcação da
concordância no século XIX (0/209), para quase 1% de não marcação (3/371) e 8,05%
para o século XXI (65/807). Por fim, no que se refere às zonas urbana e não urbana,
temos freqüência menor de marcação da concordância verbal na zona não urbana
(10%), em comparação com a zona urbana (7%).
No que se refere ao problema do encaixamento, WLH (1968) afirmam que as
mudanças lingüísticas não se dão de forma isolada, mas estão encaixadas no sistema
lingüístico a que pertencem.
Vamos evidenciar a seguir a correlação entre o fenômeno da concordância
verbal, o preenchimento do sujeito e a ordem do sujeito. Fenômenos que, segundo
Galves (1983), iniciaram uma mudança no caminho do preenchimento do sujeito, do
enrijecimento da ordem SV e do enfraquecimento das marcas de concordância em um
mesmo momento, na segunda metade do século XIX.
115
Os números referem-se aos dados de aplicação da não marcação da concordância verbal/total de dados
analisados.
192
Apresentaremos, inicialmente, os resultados de alguns estudos que analisam a
ordem e o preenchimento do sujeito para suscitar reflexões a respeito de uma possível
mudança sintática no fenômeno de variação da concordância verbal.
Berlinck (1989), analisando um corpus do século XVIII, XIX e XX, mostra que
a freqüência de VS diminui à medida que o tempo avança. No século XVIII (1750), a
autora encontra uma freqüência de 42% de VS; no século XIX (1850), a freqüência cai
para 31%; e no século XX (1987), cai ainda mais para 21%, indicando um “progressivo
´enrijecimento´ da ordem em SNV” (op.cit., p.97).
Como condicionador da ordem, a concordância verbal só aparece no século XX;
para as amostras do século XVIII e XIX, não é selecionada como relevante. Segundo a
autora, a seleção da concordância verbal no século XX se justifica em função do vínculo
que há entre ela e a natureza do verbo predicador, que se mostrou o condicionador mais
determinante para essa amostra.
Em Coelho et al. (2006), os autores evidenciam os trabalhos a respeito da
variável ordem do sujeito (SV/VS) de Coelho (2000), em que foram analisadas 2033
construções declarativas monoargumentais retiradas do Banco Varsul, das quais 642
apresentaram a ordem VS (32%), e de Costa (2003), em que foram considerados dados
de fala e escrita de crianças e adolescentes num total de 542 dados com 24 de sujeito
posposto, menos de 5% dos casos.
Os resultados a respeito da ordem do sujeito, segundo os autores,
correlacionados ao tipo de verbo, apontam para um enrijecimento de SV nas
construções intransitivas e para variação nas construções inacusativas.
Coelho e Monguilhott (2007) investigam a correlação entre ordem do sujeito e
concordância verbal em uma amostra de 16 falantes de Florianópolis. As autoras
analisam um total de 616 sentenças das quais 548 (89%) são ocorrências de SV e 68 de
VS (11%). Das 68 ocorrências de VS, 45 (66%) não apresentam marcação de
concordância nos verbos.
Os resultados apontam, de um lado, que a ordem prototípica do PB é SVO e, por
outro lado, é na ordem VS que encontramos o maior índice de não concordância,
corroborando a tese do caráter não subjetivo do argumento que se posiciona à direita do
verbo (cf. PONTES, 1986).
Em Coelho, Monguilhott e Martins (2008), os autores ressaltam que estudos
diacrônicos como os de Berlinck (1989, 1995) e Coelho (2006) mostram que, nos
séculos XVIII e XIX, o português apresenta freqüências de VSO em todos os tipos de
193
construções verbais e com todos os tipos de SNs, diferentemente do que acontece no
século XX.
Coelho, Monguilhott e Martins evidenciam o estudo diacrônico de Coelho
(2007) a respeito da variação da ordem SV/VS em 1466 construções declarativas com
sujeito preenchido, extraídas de seis peças de teatro de autores catarinenses dos séculos
XIX e XX. Os resultados de Coelho apontam uma queda de VS do século XIX para o
século XX (de 15% para 8%) e apontam ainda que há um caso de mudança em tempo
real com uma ordem variável em diferentes contextos sintáticos (construções transitivas,
intransitivas e inacusativas) no século XIX e com uma ordem SV basicamente
categórica com construções transitivas e intransitivas no século XX, com a
inacusatividade constituindo-se como requisito fundamental de ocorrência da variação
nesse século.
Os autores verificam, ainda, a correlação entre concordância verbal de terceira
pessoa do plural e ordem do sujeito na mesma amostra de Coelho (2007). Com um total
de 165 dados de concordância verbal com sujeito preenchido, apenas 7 dados não
apresentaram marca de concordância. Os resultados indicam que a marcação da
concordância está atrelada à ordem SV e a não marcação à ordem VS inacusativa, no
PB atual.
No século XIX, a marcação é categórica com sujeito invertido e, no século XX,
a percentagem desce para 85%. Os estudos indicam que há uma queda tanto da ordem
SV, quanto da marcação da concordância verbal do século XIX para o século XX no
português de Santa Catarina, sugerindo a correlação entre os fenômenos da ordem do
sujeito e da marcação da concordância verbal.
Galves (1993), a partir de resultados de estudos de Tarallo, evidencia o percurso
do preenchimento do sujeito no PB mostrando a tendência a um maior preenchimento
ao longo do tempo (de 23,3% em 1725 a 79,4% em 1981), mudança que se inicia na
segunda metade do século XIX.
A autora mostra, a partir dos resultados de Berlinck (1989) e de Duarte (1991)
sobre a posição do sujeito, que é também na segunda metade do século XIX que se
inicia a mudança no caminho da fixação da ordem SVO.
Galves ressalta, a partir dos estudos de Nunes (1990, 1991), que a diminuição da
freqüência da concordância verbal em estruturas com “se” é também uma mudança
ocorrida no século XIX.
194
Para a autora, o enfraquecimento da concordância está relacionado às outras
características da mudança observadas: aumento do preenchimento do sujeito e fixação
da ordem SV.
Duarte (1995) indica, em seus resultados, o alto índice de preenchimento do
sujeito no PB. Analisando o uso do sujeito pronominal em uma amostra de 13
informantes, obteve um total de 1424 dados, dos quais 415 (29%) eram de sujeito nulo e
1009 (71%) com sujeito pronominal pleno. Dos grupos de fatores condicionadores da
ocorrência de sujeito nulo, a pessoa do discurso foi a variável que se mostrou mais
relevante, com a terceira pessoa do plural apresentando os índices mais altos de sujeitos
nulos.
Duarte (2004) evidencia a correlação entre os três fenômenos: preenchimento do
sujeito, ordem e concordância verbal no PB. A autora aponta que os sujeitos
preenchidos são preferência no PB. Para a autora, a mudança de língua de sujeito nulo
para língua de sujeito preenchido no PB se deu pelas mudanças no quadro pronominal e
pela redução do paradigma flexional. O quadro flexional empobrecido passa a impedir
que os sujeitos nulos sejam licenciados, já que a desinência verbal tem como função
identificar um sujeito nulo.
Até aqui trouxemos resultados de estudos que apontam a correlação entre os
fenômenos sintáticos da concordância verbal, da ordem e do preenchimento do sujeito
no PB. E o que acontece com a outra variedade do português que faz parte da amostra
da nossa pesquisa?
Lucchesi (2007) ressalta que uma das diferenças existentes entre PE e PB
responsáveis pela hipótese de haver duas gramáticas distintas na língua portuguesa é o
preenchimento do sujeito, que aparece com uma freqüência de uso muito maior no PB
em relação ao PE. O que teria desencadeado o processo seria a mudança no paradigma
pronominal no PB com a substituição dos pronomes tu e nós por você e a gente,
respectivamente116.
O autor evidencia que “como a propriedade do sujeito nulo estaria relacionada a
uma morfologia rica do verbo em relação às categorias de pessoa e número (cf.
Chomsky 1981, 1986)” (LUCCHESI, 2007, p.53), seria natural o enfraquecimento da
propriedade do sujeito nulo. Lucchesi ressalta, ainda, que o enfraquecimento da flexão
116
Vale ressaltar que, quando o vocês entra na língua portuguesa (e desbanca o vós) faz com que o verbo
de terceira pessoa do plural seja conjugado da mesma forma que se conjuga eles (vocês foram/eles
foram), provocando uma homonímia de formas e, naturalmente, um aumento do sujeito preenchido.
195
verbal também foi desencadeador da perda da inversão VS no PB, como Galves (1993)
salienta.
Os resultados da nossa pesquisa parecem apontar a correlação sintática
evidenciada nos estudos apresentados aqui. Essa correlação parece indicar direções
diferentes para as duas variedades do português investigadas, PB e PE.
Enquanto no PB a não marcação da concordância verbal (com freqüência de uso
de 80,6%, contra 91,95% no PE) parece estar levando a um maior preenchimento do
sujeito (com freqüência de uso de 77%, contra 56% no PE), ambos os fenômenos
influenciados pela fixação da ordem SV (com freqüência de uso de 89%, contra 84% no
PE), no PE, por haver menor redução do paradigma flexional, o sujeito nulo continua
sendo licenciado e a ordem posposta parece apresentar mais contextos de variação do
que no PB117.
Uma mudança encadeada à outra mudança. Parece que uma mudança no
paradigma pronominal do português com a substituição de tu por você e de nós por a
gente passou a não mais ter uma marcação obrigatória da concordância verbal. Com um
paradigma flexional com formas iguais para várias pessoas, o PB passa a não ter mais o
sujeito nulo licenciado, passando de uma língua de sujeito nulo a uma língua de sujeito
preenchido. Essa mudança vai encadear a mudança na ordem do sujeito; com a posição
do sujeito cada vez mais preenchida, vamos tendo um enrijecimento da ordem SV, já
que a posição prototípica do sujeito é à esquerda do verbo, ficando a ordem VS
condicionada a contextos de inacusatividade.
Já no PE, o sujeito nulo continua sendo licenciado, pois não há a mesma redução
no paradigma pronominal e, conseqüentemente, no paradigma flexional.
Quanto ao problema da avaliação, segundo WLH (1968), temos que observar o
nível de consciência social dos falantes em relação a um determinado fenômeno
lingüístico.
Para que pudéssemos observar a significação social que a variação na
concordância verbal de terceira pessoa do plural teria na consciência dos falantes,
117
Coelho, em trabalho apresentado no XV Congresso Internacional da Associação de Lingüística e
Filologia da América Latina, em agosto de 2008, verifica que no século XIX, o PB e o PE admitiam a
ordem VS em diferentes contextos sintáticos (estruturas transitivas, intransitivas e inacusativas) e com
sujeitos tanto pronominais, quanto com SNs plenos. No final do século XX, o PE continua admitindo VS
em diferentes contextos sintáticos e com sujeitos pronominais e SNs plenos, diferentemente do PB que
passa a apresentar contextos mais restritos de VS (preferencialmente em construções inacusativas) e
somente com SNs plenos.
196
aplicamos um teste de atitude/avaliação a respeito do fenômeno investigado.
Observemos o instrumento aplicado no quadro 4.3, a seguir.
Quadro 4.3: Teste de atitude sobre a concordância verbal
Dados do informante
Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
Idade:
Escolaridade:
Naturalidade:
Profissão:
Leia os dados de fala abaixo e avalie cada uma das frases seguindo os critérios de (1) a
(4), a seguir:
(1) a frase é boa
(2) a frase é muito boa
(3) a frase é ruim
(4) a frase é muito ruim
1.(
) Já não existe muitos moradores aqui
2.(
) Era mais de cem pombos nessa escola
3.(
) É assim que começa a aparecer os problemas
4.(
) Veio pessoas doentes e idosas de Portugal para cá
5.(
) Então às vezes aqui acontece alguns casos
6.(
) Foi os meus primos, meus tios e minhas tias comemorar o meu aniversário
7.(
) Aparece, de vez em quando, os malinhas aí
8.(
) Falta algumas coisas ainda em Lisboa
9.(
) Trabalhava muitos escravos também nessa atividade
10.(
) Eu fui assistir um carnaval lá em Torres onde tava muitos brasileiros
11.(
) Ainda nem era conhecido, os pastéis
12.(
) Dia dois, eu acho, já começa as aulas
13.(
) Ia pra lá todos os turistas
14.(
) Todas as pessoas que vem aqui agora diz que melhorou em tudo, a comida, o
ambiente...
15.(
) Os textos na faculdade de medicina de Barcelona é tudo em catalão
16.(
) Os amigos que a gente tinha na escola é os que a gente ainda tem hoje
17.(
) As pessoas que vai prali agora, só reclamam
18.(
) Trabalha uns na pesca
19.(
) Já lá vai, sei lá, oito anos talvez, sete, oito anos
20.(
) Mora três lá perto da minha casa
21.(
) Os meus irmãos tá cada um do seu lado
22.(
) Depois surgiu as carroças, os burros
23.(
) Comia o pai e a mãe na mesa, os filhos no chão
24.(
) Aqui da Costa estudou parece uns cinco só na Lagoa
25.(
) Geralmente é uma, duas barcas que vai agora no inverno
26.(
) As pessoas não sai do Ribeirão todo dia pra vir ao centro
27.(
) Eles pergunta se ela é portuguesa
As sentenças avaliadas foram adaptadas a partir de sentenças retiradas da
amostra sincrônica da pesquisa. O instrumento foi aplicado a 24 alunos do nono ano do
197
ensino fundamental de uma escola da rede pública de ensino de Florianópolis, com
idade entre 13 e 16 anos, 19 alunos da terceira fase do curso superior de Engenharia de
Produção da Universidade Federal de Santa Catarina, com idade entre 18 e 28 anos, e
com 5 alunos da primeira fase do curso superior em Letras da mesma universidade, com
idade entre 18 e 19 anos.
Selecionamos trinta sentenças com verbos de diferentes tipos (transitivos,
intransitivos, inacusativos e cópula) sem marcas de concordância, com sujeito anteposto
e posposto ao verbo e com sujeito com traço + e – humano. O tipo de sujeito também
não foi controlado, já que, na nossa análise da amostra sincrônica, não se mostra uma
variável determinante no condicionamento da variação da concordância verbal de
terceira pessoa do plural.
Os resultados parecem confirmar a relevância das variáveis controladas no
condicionamento da concordância verbal de terceira pessoa do plural, verificadas na
amostra sincrônica desta pesquisa, como podemos observar através da tabela 4.13, a
seguir.
Sentenças avaliadas
Ensino Fundamental
Critério
Ensino Superior
Freqüência
Critério
Freqüência
(1)
42%
(3)
54%
(3)
38%
(3)
71%
(1) (3)
(3)
(3)
29%
42%
46%
(3)
(3)
(1)
75%
50%
42%
(3)
33%
(3)
54%
(1)
(3)
92%
42%
(1)
(3)
42%
63%
(1)
46%
(3)
54%
(3)
42%
(3)
50%
(2) (3)
(3)
29%
46%
(3)
(3)
58%
58%
118
Sentenças com verbos inacusativos com
sujeito posposto com traço [– humano]
(3) É assim que começa a aparecer os
problemas
(5) Então às vezes aqui acontece alguns
casos
(8) Falta algumas coisas ainda em Lisboa
(12) Dia dois, eu acho, já começa as aulas
(19) Já lá vai, sei lá, oito anos talvez, sete,
oito anos
(22) Depois surgiu as carroças, os burros
Sentenças com verbos inacusativos, com
sujeito posposto, com traço [+ humano]
(1) Já não existe muitos moradores aqui
(4) Veio pessoas doentes e idosas de
Portugal para cá
(6) Foi os meus primos, meus tios e minhas
tias comemorar o meu aniversário
(7) Aparece, de vez em quando, os malinhas
aí
(13) Ia pra lá todos os turistas
(20) Mora três lá perto da minha casa
118
O critério que consta da tabela é aquele que foi a opção escolhida pela maioria dos informantes. A
freqüência refere-se aos informantes que avaliaram a sentença a partir de tal critério.
198
Sentença com verbo inacusativo, com
sujeito anteposto, com traço [– humano]
(25) Geralmente é uma, duas barcas que vai
agora no inverno
Sentenças com verbos inacusativos, com
sujeito anteposto, com traço [+ humano]
(17) As pessoas que vai prali agora, só
reclamam
(26) As pessoas não sai do Ribeirão todo dia
pra vir ao centro
Sentenças com verbos cópula, com sujeito
posposto, com traço [– humano]
(2) Era mais de cem pombos nessa escola
(11) Ainda nem era conhecido, os pastéis
Sentença com verbo cópula, com sujeito
posposto, com traço [+ humano]
(10) Eu fui assistir um carnaval lá em Torres
onde tava muitos brasileiros
Sentença com verbo cópula, com sujeito
anteposto, com traço [– humano]
(15) Os textos na faculdade de medicina de
Barcelona é tudo em catalão
Sentenças com verbos cópula, com sujeito
anteposto, com traço [+ humano]
(16) Os amigos que a gente tinha na escola é
os que a gente ainda tem hoje
(21) Os meus irmãos tá cada um do seu lado
Sentenças com verbos intransitivos, com
sujeito posposto, com traço [+ humano]
(9) Trabalhava muitos escravos também
nessa atividade
(18) Trabalha uns na pesca
(23) Comia o pai e a mãe na mesa, os filhos
no chão
(24) Aqui da Costa estudou parece uns cinco
só na Lagoa
Sentenças com verbos transitivo, com
sujeito anteposto, com traço [+ humano]
(14) Todas as pessoas que vem aqui agora
diz que melhorou em tudo, a comida, o
ambiente...
(27) Eles pergunta se ela é portuguesa
(3)
38%
(3)
67%
(3)
42%
(4)
83%
(3)
38%
(4)
67%
(3)
(4)
66%
38%
(3)
(4)
50%
54%
(1)
33%
(4)
54%
(3)
42%
(4)
54%
(1)
33%
(3)
38%
(4)
58%
(3)
54%
(3)
50%
(3)
63%
(4)
(2)
42%
33%
(3)
(4)
54%
46%
(3)
42%
(3)
58%
(2)
42%
(4)
50%
(4)
54%
(4)
71%
Tabela 4.13: Resultados do teste de atitude sobre a concordância verbal
Os resultados parecem evidenciar que, nas sentenças com verbos inacusativos,
que são a maioria, já que esses verbos se mostraram fortes condicionadores da não
marcação da concordância verbal na amostra da pesquisa, o papel do sujeito selecionado
pelo verbo se mostrou bastante importante. Pudemos observar que as sentenças (17) e
(26) com verbos inacusativos com sujeito anteposto, com traço [+humano] foram as
únicas, dentre as sentenças com inacusativos, avaliadas com o critério (4) pelos
informantes de nível superior, sentenças consideradas muito ruins, portanto. Vale
199
observar que as freqüências relativas ao número de informantes que optou por tal
critério são bastante altas, 83% e 67%, respectivamente.
Para as sentenças com verbos copulativos, parece que a posição do sujeito e o
traço humano no sujeito não se mostraram determinantes no condicionamento da
marcação da concordância verbal. Observamos que tanto as sentenças com sujeito
posposto com traço [- humano] (2) e (11) quanto as sentenças com sujeito anteposto
com traço [+ humano] (16) e (21) foram avaliadas em algum momento com o critério
(4) pelos informantes, que a consideraram, portanto, muito ruins.
Os resultados relativos aos verbos intransitivos e aos verbos transitivos parecem
confirmar os resultados da amostra investigada nessa pesquisa. Das quatro sentenças
com verbos intransitivos que fazem parte do instrumento de avaliação, duas, (18) e (23),
foram classificadas como muito ruins pela maioria dos informantes e as duas sentenças
com verbos transitivos que fazem parte do instrumento de avaliação, (14) e (27),
também foram classificadas como muito ruins pela maioria dos informantes.
Em relação ao controle da escolaridade no instrumento de avaliação,
percebemos que, das 27 sentenças avaliadas, 13 delas (1, 2, 4, 5, 7, 9, 11, 12, 20, 22, 24,
25 e 27) tiveram a mesma avaliação para os informantes com o nível fundamental e com
o nível superior, já que o mesmo critério de avaliação obteve o maior percentual de
escolha para ambos os níveis de escolaridade, embora com diferenças percentuais.
No que se refere às outras 14 sentenças, 5 delas (15, 17, 18, 21 e 26) tiveram
diferença na freqüência de opção dos critérios selecionados; no entanto, os informantes
avaliaram as sentenças como ruins ou muito ruins, o que consideramos uma diferença
não muito relevante.
As outras 9 sentenças (3, 6, 8, 10, 13, 14, 16, 19 e 23) é que diferiram: enquanto
os informantes de um nível de escolaridade classificaram as sentenças ou como boas ou
muito boas, os informantes do outro nível de escolaridade classificaram as sentenças ou
como ruins ou muito ruins.
Podemos observar que, com exceção da sentença (19), os informantes do nível
superior se mostraram mais conservadores na classificação das sentenças, em
comparação com os informantes do nível fundamental, no sentido de classificarem as
sentenças ou como ruins ou como muito ruins, o que confirma nossos resultados
estatísticos, já que esses informantes estão há mais tempo em contato com a norma
padrão da língua e tendem a estigmatizar formas que fogem do padrão, como é o caso
da não marcação da concordância nos verbos.
200
Nossos resultados confirmam os resultados de Bortoni-Ricardo (2008).
Conforme salientamos no capítulo I, seção 1.1.1.1, a autora ao aplicar um instrumento
de avaliação sobre a concordância verbal em universitários e alunos que freqüentavam
curso supletivo, verificou que os universitários estigmatizam a concordância verbal nãopadrão, ao contrário dos alunos que freqüentam curso supletivo, ou seja, falantes com
menos escolaridade.
Acreditamos que este instrumento, embora com algumas limitações, tanto em
termos de indivíduos selecionados, quanto em termos do número e tipo de sentenças,
nos deu algumas pistas no caminho da mudança em relação ao fenômeno aqui
investigado, confirmando as tendências observadas tanto na amostra sincrônica, quanto
na amostra diacrônica.
4.4 Síntese
Iniciamos este capítulo com a retomada dos grupos de fatores selecionados para
as amostras do PB e do PE que haviam sido discutidos no capítulo anterior.
Apresentamos novamente os resultados a fim de comparar as duas amostras
investigadas e apresentamos, também, o refinamento desta análise com resultados de
uma nova rodada para o PE. Em seguida, analisamos nossa amostra diacrônica
evidenciando o percurso da concordância verbal de terceira pessoa do plural no PB e no
PE nos séculos XIX e XX. Logo após, discutimos a respeito de uma possível correlação
no português entre os fenômenos de variação da concordância verbal, da ordem do
sujeito e do preenchimento do sujeito. Por fim, levantamos os problemas empíricos para
a mudança lingüística (WLH, 1968) em relação ao objeto de estudo do nosso trabalho.
Seguem as considerações finais do nosso trabalho.
201
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos, nesta tese, investigar e mapear o fenômeno da concordância verbal
de terceira pessoa do plural no PB e no PE em uma amostra sincrônica (século XXI),
além de traçar o percurso diacrônico deste fenômeno (séculos XIX e XX).
Os resultados gerais confirmam uma de nossas hipóteses com o PE mostrando-se
mais conservador na marcação da concordância verbal, tanto na amostra sincrônica,
quanto na diacrônica, apresentando freqüências maiores de marcas explícitas de plural
nos verbos do que as freqüências encontradas no PB.
No que se refere à amostra sincrônica, os resultados da análise estatística do PB
e do PE confirmam outra de nossas hipóteses indicando que a variação do fenômeno da
concordância verbal é condicionada muito mais por grupos de fatores lingüísticos do
que extralingüísticos.
Para a amostra do PB, os seguintes contextos lingüísticos foram selecionados
como estatisticamente relevantes no condicionamento da marcação da concordância
verbal de terceira pessoa do plural: aqueles em que há presença de acento na desinência,
os ambientes em que o sujeito preenchido ou nulo apresenta antecedente com marca de
plural, os contextos em que o verbo apresenta sujeito anteposto, em que apresenta
sujeito com traço [+ humano] e nos contextos em que os verbos são intransitivos nãoprototípicos.
Por outro lado, temos os seguintes ambientes como desfavorecedores da
concordância verbal de terceira pessoa do plural: os contextos em que há ausência de
acento na desinência, os ambientes em que há presença da forma zero de plural no
último elemento que antecede o verbo, em que o sujeito está posposto ao verbo, em que
apresenta sujeito com traço [- humano], e nos contextos em que os verbos são,
preferencialmente, inacusativos.
Em relação aos contextos extralingüísticos, temos os jovens com ensino
superior, moradores/nativos da Região Central como favorecedores da marcação da
concordância verbal de terceira pessoa do plural e os velhos com ensino fundamental,
moradores/nativos da Costa da Lagoa como desfavorecedores da marcação da
concordância.
No que tange à amostra sincrônica do PE, nossa análise estatística selecionou os
seguintes contextos lingüísticos como condicionadores da marcação da concordância
202
verbal de terceira pessoa do plural: verbos com sujeito com traço [+ humano], verbos
com sujeito antecedente e verbos do tipo transitivo e intransitivo prototípico.
Como ambientes desfavorecedores da marcação da concordância verbal de
terceira pessoa do plural, identificamos os sujeitos com traço [- humano], pospostos a
verbos copulativos.
Já em relação aos contextos extralingüísticos, a análise estatística apontou os
informantes jovens com ensino superior como favorecedores da marcação da
concordância verbal e os jovens com ensino fundamental como desfavorecedores.
Diante dos resultados, observamos diferenças e semelhanças em relação à
análise das amostras sincrônicas do PB e do PE.
Primeiramente, em relação às variáveis lingüísticas selecionadas, constatamos
que no PB a saliência fônica e o paralelismo formal foram as variáveis mais relevantes
no condicionamento da concordância verbal, variáveis que não foram selecionadas para
a amostra do PE (na rodada 1). Por outro lado, as variáveis traço humano no sujeito,
posição do sujeito em relação ao verbo e tipo de verbo foram selecionadas para ambas
as amostras, com o sujeito com traço [- humano] e posposto ao verbo como
desfavorecedor da marcação da concordância nos verbos tanto para o PB, quanto para o
PE.
Em relação à variável tipo de verbo, observamos algumas particularidades. No
PE, os verbos copulativos mostraram-se ambientes desfavorecedores da marcação da
concordância verbal, e no PB os verbos inacusativos é que apresentaram tal
comportamento. No entanto, ao fazermos uma análise mais refinada dos dados do PE
com verbos copulativos, verificamos que algumas construções sintáticas do PE são
bastante particulares, diferindo das do PB, como se tivéssemos aí sujeitos deslocados,
em uma posição de tópico, por exemplo, distinção que não foi considerada na nossa
análise. Quando fizemos rodadas excluindo o fator cópula para a variável tipo de verbo,
a seleção dos grupos de fatores ficou bastante diferente, tendo, inclusive, a saliência
fônica
selecionada
como
estatisticamente
relevante
no
condicionamento
da
concordância, o que nos faz pensar que, talvez, existam particularidades nas construções
com esses verbos do PE que não foram levadas em conta, e que pretendemos investigar
futuramente.
Constatamos ainda, através da análise sincrônica, que a nossa hipótese que
relacionava as duas faixas etárias controladas com a diazonalidade, em que esperávamos
que os jovens da zona não urbana preservassem mais as marcas de concordância verbal
203
do que os velhos desta mesma zona e os mais velhos da zona urbana preservassem mais
a concordância verbal se confirmou parcialmente.
Para a amostra do PB, verificamos que os falantes mais jovens da zona não
urbana com escolaridade fundamental preservam mais a concordância do que os mais
velhos e, para a amostra do PE, os falantes mais jovens da zona não urbana com
escolaridade superior preservam mais a concordância do que os mais velhos.
No que se refere à amostra diacrônica, embora tenhamos encontrado poucos
dados de não concordância no corpus de peças de teatro selecionado para as amostras
do PB e do PE, verificamos um aumento da variação na concordância verbal no século
XX em relação ao século XIX, para ambas as amostras, confirmando, desta forma, outra
hipótese do nosso trabalho.
Os resultados da análise diacrônica indicaram que, no século XIX, temos
indícios de um sistema com concordância obrigatória com sujeito posposto, já que,
conforme aponta Coelho (2008), temos mais possibilidade de posposição nesse período,
tanto para o PB, quanto para o PE, o que, de certa forma, facilitaria o reconhecimento
do sujeito invertido como sujeito da sentença pelos falantes, favorecendo, assim, a
marcação da concordância verbal.
Já no século XX, os resultados parecem apontar para um sistema com
concordância variável com sujeito posposto, principalmente no PB, pois com o passar
dos séculos a ordem sujeito-verbo foi ficando cada vez mais enrijecida e os indivíduos
passaram a “confundir” o sujeito posposto com o objeto da sentença. No PE,
acreditamos que o sistema do século XIX continue atuando.
Partindo da abordagem teórico-metodológica da Teoria da Variação e Mudança
Lingüística e da Dialetologia Pluridimensional, acreditamos ter contribuído com essa
pesquisa para a descrição do português falado e escrito no Brasil e em Portugal, à
medida que confirmamos resultados de estudos sobre a concordância verbal de terceira
pessoa do plural com outras amostras da língua portuguesa.
204
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215
ANEXOS
216
Quadro 2.2: Perfil dos informantes do PB e do PE
+VELHO
- ESCOLARIDADE
+VELHO
+ESCOLARIDADE
+JOVEM
- ESCOLARIDADE
+JOVEM
+ESCOLARIDADE
+VELHO
- ESCOLARIDADE
+VELHO
+ESCOLARIDADE
+JOVEM
- ESCOLARIDADE
+JOVEM
+ESCOLARIDADE
RIBEIRÃO
DA ILHA
74 anos
1ª. a 4ª. série
incompleta
PBRIMVF01
63 anos
formada em
Direito
PBRIFVS05
15 anos
6ª. série
completa
PBRIMJF09
26 anos
formado em
História com
pós-graduação
PBRIMJS13
SINTRA
63 anos
fez até 4ª. série
INGLESES
64 anos
1ª. a 4ª. série
completa
PBINFVF02
47 anos
formada em
Pedagogia com
pós-graduação
PBINFVS06
15 anos
6ª. série
completa
PBINMJF10
24 anos
formada em
Direito
PBINFJS14
BELÉM
PESIMVS05
34 anos
fez até o 9º. ano
PESIFJF09
29 anos
formado em
Turismo e
Hotelaria
73 anos
fez até a 4ª.
série
PEBEMVF02
48 anos
nível superior
em Serviço
Social
PEBEFVS06
18 anos
fez até 8º. ano
PEBEMJF10
28 anos
fez até o 3º. ano
da Faculdade de
Comunicação
PESIMJS13
PEBEFJS14
PESIMVF01
46 anos
fez até o 12º.
ano
COSTA DA
LAGOA
48 anos
1ª. a 4ª. série
incompleta
PBCLMVF03
46 anos
formada em
Pedagogia com
pós-graduação
PBCLFVS07
17 anos
6ª. série
completa
PBCLMJF11
25 anos
formada em
Pedagogia
REGIÃO
CENTRAL
50 anos
fez até a 7ª. série
PBRCMVF04
55 anos
formada em
Pedagogia com
pós-graduação
PBRCMVS08
15 anos
6ª. série
completa
PBRCMJF12
33 anos
formada em
Psicologia com
mestrado
PBCLFJS15
PBRCMJS16
CASCAIS
REGIÃO
CENTRAL
57 anos
63 anos
fez até a 4ª. série fez até 4ª. série
PECAMVF03
45 anos
fez até o 12º.
ano
PERCFVF04
76 anos
formação em
educação
infantil
PECAFVS07
PERCFVS08
36 anos
21 anos
fez até a 4ª. série fez até o 9º. ano
PECAFJF11
PERCFJF12
26 anos
22 anos
formada em
nível superior
Hotelaria e
em Letras /
Turismo
fazendo
mestrado
PECAFJS15
PERCFJS16
217
Quadro 2.3: Questões realizadas para facilitar o reconhecimento das redes sociais
1. Tu/o(a) senhor(a) gosta(s) do bairro em que mora(s)? Por quê? É um bom lugar para se criar os filhos?
2. Tu/o(a) senhor(a) trocaria(s) este bairro por outro? Qual? Por quê?
3. Em que cidade tu/o(a) senhor(a) gostaria(s) de morar? Por quê?
4. A) (se morador de área rural) O que tu/o(a) senhor(a) acha(s) das pessoas que moram no
centro/cidade? Tu/o(a) senhor(a) gostaria(s) de morar no centro?
5. B) (se morador da área central) O que tu/o(a) senhor(a) acha(s) das pessoas que moram nas
localidades do interior da Ilha, como Ribeirão da Ilha ou Costa da Lagoa? Tu/o(a) senhor(a) moraria(s)
num desses lugares?
6. O que tu/o(a) senhor(a) costuma(s) fazer no final de semana?
7. Eu queria que tu/o(a) senhor(a) contasse sobre encontros de família. Costumam se encontrar
freqüentemente? Conte como são alguns desses encontros.
8. Teus/seus amigos moram aqui perto?
9. Há algum clube, centro comunitário, igreja ou parque aqui no bairro? Tu/o(a) senhor(a) costuma(s) ir
a esse local?
10. Tu/o(a) senhor(a) te/se reúne(s) com as pessoas aqui do bairro?
11. Existe algum tipo de festa típica que vocês façam aqui no bairro? Tu/o(a) senhor(a) freqüenta(s)
alguma?
12. Na tua/sua opinião, o que é “ser mané”? (para PB)
13. Tu/o(a) senhor(a) acha(s) que o “mané” fala diferente das pessoas de outras cidades ou de outros
estados? (para PB)
14. Tu/o(a) senhor(a) conhece(s) x, y ou z (informantes que já haviam sido ou viriam a ser entrevistados
naquela localidade)?
218
Quadro 3.1: Avaliação da saliência fônica
Dados do informante
Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
Idade:
Escolaridade:
Profissão:
Naturalidade:
Leia os dados de fala abaixo e assinale (um em cada par) aquele em que para você a falta de
concordância verbal é mais perceptível, mais marcada, mais saliente:
(1) (
(
(2) (
(
) Só que eles diz que eu tenho que trabalhá pra pagá (PB)
) Os meus irmãos tá cada um do seu lado (PE)
) Vai entrando outras pessoas, vai modificando os costumes (PB)
) Essa é a proposta que eles faiz pra gente, né? (PB)
(3) (
(
) Já lá vai, sei lá, oito anos talvez, sete, oito anos (PE)
) Entram, não diz boa tarde (PE)
(4) (
(
) Todas as pessoas que vem aqui agora diz que melhorou em tudo, a comida, o ambiente... (PE)
) Será o bacalhau, será caras de bacalhau que eu gosto mais (PE)
(5) (
(
) Acho que tá a falir muitas empresas (PE)
) Acho bem, acho ótimo haver muita coisa, muitas coisas dessas porque faz falta (PE)
219
Saliência/
diazonalidade
Zona não
urbana
Zona urbana
TOTAL
Nível 1a
Nível 1b
Nível 1c
Nível 2a
Nível 2b
Nível 2c
9/55=16%
139/163=85%
29/30=97%
46/59=78%
32/35=91%
79/89=89%
10/34=29%
135/161=84%
19/21=90%
27/28=96%
32/33=97%
83/86=97%
19/89=21%
274/324=85%
48/51=94%
73/87=84%
64/69=94%
162/175=93%
Tabela 3.33: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis saliência fônica e
diazonalidade
Sal
iência/
Escolaridad
e119
Ensino
fundamental
Ensino
superior
TOTAL
Nível 1a
Nível 1b
Nível 1c
Nível 2a
Nível 2b
Nível 2c
1/43=2%
101/142=71%
20/23=87%
29/37=76%
23/27=85%
70/75=93%
18/46=39%
173/182=95%
28/28=100%
45/50=90%
41/41=100%
92/100=92%
19/89=21%
274/324=85%
48/51=94%
73/87=84%
64/68=94%
162/175=93%
Tabela 3.34: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis saliência fônica e
escolaridade
Paralelismo Formal
Zona não
urbana
Zona urbana
Total
Presença da forma de plural explícita no
último elemento
Presença de numeral no último elemento
224/264 = 85%
194/219 = 89%
418/483 = 87%
9/15 = 60%
11/18 = 61%
20/33 = 61%
Presença da forma zero de plural no
último elemento
28/60 = 47%
24/40 = 60%
52/100 = 52%
Sujeito nulo com anafórico com
presença da forma de plural
explícita
Sujeito nulo com anafórico com
presença de numeral terminado
em /s/ no último elemento
Sujeito nulo com anafórico com
presença da forma de zero plural
Total
57/67 = 85%
72/81 = 89%
129/148 = 87%
2/3 = 67%
2/2 = 100%
4/5 = 80%
14/22 = 64%
3/3 = 100%
17/25 = 68%
334/431 = 77%
306/363 = 84%
640/794 = 81%
Tabela 3.35: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis paralelismo formal
e diazonalidade
119
Os fatores jovem/ensino fundamental e velho/ensino fundamental foram amalgamados, assim como os
fatores jovem/ensino superior e velho/ensino superior, já que nosso objetivo é verificar o
condicionamento da escolaridade especificamente.
220
Idade/escolaridade
Ensino fundamental
Ensino superior
Total
SN anteposto
158/213
74%
306/333
92%
464/546
85%
SN posposto
8/34
24%
15/33
45%
23/67
34%
Tabela 3.36: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis posição do sujeito
em relação ao verbo e idade/escolaridade
Diazonalidade
Zona não urbana
Zona urbana
Total
SN anteposto
249/300
83%
215/246
87%
464/546
85%
SN posposto
12/39
31%
11/28
39%
23/67
34%
Tabela 3.37: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis posição do sujeito
em relação ao verbo e diazonalidade
Posição do sujeito em
relação ao verbo
SN anteposto
SN posposto
Total
SN [+humano]
SN [-humano]
420/482
15/39
435/521
44/64
8/28
52/92
87%
38%
83%
69%
29%
57%
Tabela 3.38: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis traço humano no
sujeito e posição do sujeito em relação ao verbo
Diazonalidade
Zona não urbana
Zona urbana
Total
SN [+humano]
310/376
82%
278/325
86%
588/701
84%
SN [-humano]
24/55
44%
28/38
74%
52/93
56%
Tabela 3.39: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis traço humano no
sujeito e diazonalidade
Tipo de verbo
Verbo transitivo
Verbo intransitivo prototípico
Verbo intransitivo não-prototípico
Verbo cópula
Verbo inacusativo prototípico
Verbo inacusativo não-prototípico
Total
SN anteposto
230/271
85%
47/55
85%
11/15
73%
59/66
89%
16/18
89%
101/121
83%
464/546
85%
SN posposto
0/0
0%
120
1/6
17%
0/0
0%
10/19
53%
2/5
40%
10/37
27%
23/67
34%
Tabela 3.40: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de verbo e
posição do sujeito em relação ao verbo
120
Os dados de intransitivos com posposição: Trabalha na educação infantil, as duas (PBINFVS06),
Trabalha, né? minhas prima (PBINMJF10), Trabaia uns na pesca (PBCLMVF03), Comia o pai e a mãe
na mesa, os filho no chão, (PBCLMVF03), [E*E estudaram?] Estudaru, os dois (PBCLFVS07), Na Costa
aqui estudou parece uns cinco só na Lagoa (PBCLMVF03).
221
Tipo de verbo
Verbo transitivo
Verbo intransitivo prototípico
Verbo intransitivo não-prototípico
Verbo cópula
Verbo inacusativo prototípico
Verbo inacusativo não-prototípico
Total
SN [+ humano]
299/356
84%
69/83
83%
17/21
81%
57/63
90%
15/19
79%
131/159
82%
588/701
84%
SN [- humano]
4/7121
57%
122
1/2
50%
0/0
0%
23/33
70%
6/8
75%
18/43
42%
52/93
56%
Tabela 3.41: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de verbo e
traço humano no sujeito
Tipo de verbo
Verbo transitivo
Verbo intransitivo prototípico
Verbo intransitivo não-prototípico
Verbo cópula
Verbo inacusativo prototípico
Verbo inacusativo não-prototípico
Total
Zona não urbana
164/199
82%
36/45
80%
9/9
100%
44/54
81%
12/17
71%
69/107
64%
334/431
77%
Zona urbana
139/164
85%
34/40
85%
8/12
67%
36/42
86%
9/10
90%
80/95
84%
306/363
84%
Tabela 3.42: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de verbo e
diazonalidade
Tipo de sujeito
Sujeito pronome pessoal
SN + pronome relativo (que)
Sujeito pronome indefinido +
quantificador
Sujeito pleno simples
SN pleno composto
Sujeito pleno nu
Apl/Total
1/251
3/87
6/34
%
0%
3%
17%
45/219
4/9
8/13
20%
44%
61%
Total
67/613
10%
Tabela 3.43: Freqüência de posposição do sujeito no PB, segundo a variável tipo de sujeito
121
Os dados de transitivos com SN [- humano]: O governo do estado e outros governos que possam então
conseguir colocar em prática esse projeto (PBRIMJS13), Tem várias etnias que contribuíram pra
formação dessa nossa ilha (PBRIMJS13), A gente sabe que o turismo, esses grandes empreendimentos
que têm aqui nos Ingleses favorece pra uma qualidade de vida melhor (PBINFVS06), Escolas particulares
que já atendi ensino básico (PBINFVS06), Alguns (bois) invade assim (PBCLMJF11), As universidades
federais deveriam fazer um vestibular (PBRCMVS08), As teorias de Wygotsky e Wallon vão me por
mais em contato (PBRCMJS16).
122
Os dados de intransitivos com SN [-humano] são, ambos, casos de metonímia: Tem quarenta e seis
barquinho que trabalha lá no verão (PBCLMJF11), Os estudos culturais não trabalham com essa
produção (PBRCMJS16).
222
Tipo de sujeito
Sujeito pronome pessoal
Sujeito nulo
Sujeito pronome indefinido +
quantificador
SN + pronome relativo (que)
Sujeito pleno simples
Sujeito pleno nu
SN pleno composto
Total
Zona não urbana
120/131
92%
73/92
79%
14/19
74%
Zona urbana
104/120 87%
78/87
90%
14/15
93%
37/51
83/125
5/6
2/7
73%
66%
83%
29%
30/38
75/94
3/7
2/2
334/431
77%
306/363
79%
80%
43%
100%
84%
Tabela 3.44: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de sujeito e
diazonalidade
Idade/escolaridade
Jovem/ensino superior
Velho/ensino superior
Jovem/ensino fundamental
Velho/ensino fundamental
Total
Zona não urbana
150/175 86%
90/103
87%
46/71
65%
48/82
59%
334/431 77%
Zona urbana
75/77
97%
82/92
89%
69/87
79%
80/107 75%
306/363
84%
Tabela 3.45: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis idade/escolaridade
e diazonalidade
Sexo
Masculino
Feminino
Total
Zona não urbana
170/245
69%
164/186
88%
334/431
77%
Zona urbana
67/80 84%
239/283 84%
306/363 84%
Tabela 3.46: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis sexo e
diazonalidade
Redes sociais (localismo)
Mais ou menos integrado
Bem integrado
Total
Zona não urbana
34/47
72%
300/384
78%
334/431
77%
Zona urbana
196/222 88%
110/141 78%
306/363 84%
Tabela 3.47: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis redes sociais
(localismo) e diazonalidade
Redes sociais (mobilidade)
Pouca mobilidade
Média mobilidade
Muita mobilidade
Total
Zona não urbana
257/322
80%
45/49
92%
32/60
53%
334/431
77%
Zona urbana
187/233 80%
82/92 89%
37/38
97%
306/363 84%
Tabela 3.48: Freqüência de CV no PB, segundo o cruzamento entre as variáveis redes sociais
(localismo) e diazonalidade
223
Traço humano no sujeito
SN [+humano]
SN [-humano]
Total
Zona não urbana
Zona urbana
311/325
96% 321/328
98%
58/83
70% 52/71
73%
369/408
90% 373/399
93%
Tabela 3.49: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis traço humano no
sujeito e diazonalidade
Idade/escolaridade
Ensino fundamental
Ensino superior
Total
SN anteposto
178/196
91%
176/185
95%
354/381
93%
SN posposto
19/37
51%
24/35
69%
43/72
60%
Tabela 3.50: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis escolaridade e
posição do sujeito em relação ao verbo
Posição do sujeito em relação ao
verbo
SN anteposto
SN posposto
Total
Zona não urbana
181/196
14/33
195/229
Zona urbana
92% 173/185
42% 29/39
85% 202/224
94%
74%
90%
Tabela 3.51: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis posição do sujeito
em relação ao verbo e diazonalidade
Tipo de verbo
Verbo transitivo
Verbo intransitivo prototípico
Verbo intransitivo não-prototípico
Verbo inacusativo prototípico
Verbo inacusativo não-prototípico
Verbo cópula
Total
SN anteposto
136/142
96%
27/28
96%
3/4
75%
23/23
100%
73/73
100%
92/111
83%
354/381
93%
SN posposto
0/0
0%
2/2123
100%
0/0
0%
7/11
64%
18/30
60%
16/29
55%
43/72
60%
Tabela 3.52: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de verbo e
posição do sujeito em relação ao verbo
123
Os dados de intransitivo prototípico com posposição encontrados: (1) estudam todos aqui
(PESIMVS05), (2) estudaram esses meus irmãos todos (PECAFJF11).
224
Tipo de verbo
Verbo transitivo
Verbo intransitivo prototípico
Verbo intransitivo não-prototípico
Verbo inacusativo prototípico
Verbo inacusativo não-prototípico
Verbo cópula
Total
SN [+ humano]
300/303
99%
56/57
98%
12/13
92%
37/37
100%
130/136
96%
97/107
91%
632/653
97%
SN [- humano]
19/22
86%
124
1/1
100%
0/0
0%
4/8
50%
24/31
77%
62/92
67%
110/154
71%
Tabela 3.53: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de verbo e
traço humano no sujeito
Tipo de verbo
Verbo transitivo
Verbo intransitivo prototípico
Verbo intransitivo não-prototípico
Verbo inacusativo prototípico
Verbo inacusativo não-prototípico
Verbo cópula
Total
Zona urbana
153/155
99%
26/26
100%
2/3
67%
27/28
96%
91/94
97%
74/93
80%
373/399
93%
Zona não urbana
166/170
98%
31/32
97%
10/10
100%
14/17
82%
63/73
86%
85/106
80%
369/408
90%
Tabela 3.54: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de verbo e
diazonalidade
Saliência/
diazonalidade
Zona não
urbana
Zona urbana
TOTAL
Nível 1a
Nível 1b
Nível 1c
Nível 2a
Nível 2b
Nível 2c
32/36=89%
117/128=91%
31/35=89%
38/43=88%
74/78=95%
77/88=88%
30/30=100%
115/123=93%
40/40=100%
35/36=97%
80/81=99%
73/89=82%
62/66=94%
232/251=92%
71/75=95%
73/79=92%
154/159=97%
150/177=85%
Tabela 3.55: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis saliência fônica e
diazonalidade
Saliência/
escolaridade
Ensino
fundamental
Ensino
superior
TOTAL
Nível 1a
Nível 1b
Nível 1c
Nível 2a
Nível 2b
Nível 2c
28/30=93%
131/144=91%
38/41=93%
42/47=89%
74/74=100%
67/85=79%
34/36=94%
101/107=94%
33/34=97%
31/32=97%
80/85=94%
83/92=90%
62/66=94%
232/251=92%
71/75=95%
73/79=92%
154/159=97%
150/177=85%
Tabela 3.56: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis saliência fônica e
escolaridade
124
O dado de intransitivo prototípico com SN [- humano]: (1) onde as gôndolas andam (PERCFVF04).
225
Paralelismo Formal
Zona não urbana
Zona urbana
Presença da forma de plural explícita no
197/230
86%
201/224
90%
último elemento
Presença da forma zero de plural no último
3/4
75%
1/1
100%
elemento
Sujeito nulo com anafórico com presença da
169/174
97%
171/174
98%
forma de plural explícita
Total
369/408
90%
373/399
93%
Tabela 3.57: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis paralelismo formal
e diazonalidade
Tipo de sujeito
Sujeito pleno nu
SN pleno composto
Sujeito pronome indefinido +
quantificador
Sujeito pleno simples
Sujeito pronome pessoal
SN + pronome relativo (que)
Apl/Total
7/10
4/10
13/31
%
70%
40%
41%
48/230
0/90
0/82
20%
0%
0%
Total
72/453
15%
Tabela 3.58: Freqüência de posposição do sujeito no PE, segundo a variável tipo de sujeito
Tipo de sujeito
Sujeito pronome pessoal
Sujeito nulo
Sujeito pronome indefinido +
quantificador
SN + pronome relativo (que)
Sujeito pleno simples
Sujeito pleno nu
SN pleno composto
Total
Zona não urbana
45/45
100%
170/175
97%
16/16
100%
Zona urbana
44/45
98%
171/175
98%
13/15
87%
45/50
89/111
2/6
2/5
90%
80%
33%
40%
32/35
107/120
4/4
2/5
91%
89%
100%
40%
369/408
90%
373/399
93%
Tabela 3.59: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis tipo de sujeito e
diazonalidade
Idade/escolaridade
Jovem/ensino superior
Velho/ensino superior
Jovem/ensino fundamental
Velho/ensino fundamental
Total
Zona não urbana
86/94
91%
79/88
90%
99/112
88%
105/114
92%
369/408
90%
Zona urbana
118/122
97%
79/82
96%
72/79
91%
104/116
90%
373/399
93%
Tabela 3.60: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis idade/escolaridade
e diazonalidade
226
Sexo
Masculino
Feminino
Total
Zona não urbana
180/196
92%
189/212
89%
369/408
90%
Zona urbana
72/83
87%
301/316
95%
373/399
93%
Tabela 3.61: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis sexo e
diazonalidade
Redes sociais (localismo)
Bem integrado
Mais ou menos integrado
Pouco integrado
Total
Zona não urbana
201/222
91%
168/186
90%
____________
369/408
90%
Zona urbana
62/63
98%
288/310
93%
23/26
88%
373/399
93%
Tabela 3.62: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis redes sociais
(localismo) e diazonalidade
Redes sociais (mobilidade)
Pouca mobilidade
Média mobilidade
Muita mobilidade
Total
Zona não urbana
245/273
90%
124/135
92%
_____________
369/408
90%
Zona urbana
56/61
92%
166/179
93%
151/159
95%
373/399
93%
Tabela 3.63: Freqüência de CV no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis redes sociais
(mobilidade) e diazonalidade
227
Nível 1: Oposição
não-acentuada
a.
não
envolve
mudança
na
qualidade da vogal na
forma plural
b. envolve mudança
na qualidade da vogal
na forma plural
c. envolve acréscimo
de segmentos na
forma plural
Nível 2: Oposição
acentuada
a. envolve apenas
mudança
na
qualidade da vogal na
forma plural
b. envolve acréscimo
de segmentos sem
mudanças vocálicas
na forma plural
c. envolve acréscimos
de
segmentos
e
mudanças diversas na
forma plural
Total
PB
SN anteposto
11/20=55%
PB
SN posposto
1/8=12%
PE
SN anteposto
33/34=97%
PE
SN posposto
2/5=40%
193/211=91%
5/22=23%
98/100=98%
8/15=53%
37/39=95%
_____
33/36=92%
_____
Apl/Total=%
Apl/Total=%
Apl/Total=%
Apl/Total=%
54/60=90%
0/4=0%
21/22=95%
0/2=0%
36/38=95%
4/5=80%
58/58=100%
13/16=81%
74/77=96%
3/9=33%
19/19=100%
4/5=80%
405/480=84%
13/48=27%
262/269=97%
27/43=63%
Tabela 4.9’: Freqüência de CV no PB e no PE, segundo o cruzamento entre as variáveis posição do
sujeito em relação ao verbo e saliência fônica sem verbos copulativos
228
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estudo sincrônico e diacrônico da concordância verbal de terceira