ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL OU ALUNO EM TEMPO INTEGRAL – O PAPEL
DOS PROJETOS NAS ESCOLAS DO AMANHÃ
Leonardo Nolasco-Silva (Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Instituto Infnet)
[email protected]
Lia Faria (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
[email protected]
Palavras-Chave: Educação Integral: Escola em Tempo Integral; Programa Escolas do
Amanhã
Nosso tema é o tempo. Mas é também a escola. Falaremos sobre o tempo que se passa na
escola e na escola que se transforma – ou que se mantém – ao longo do tempo, indiferente ao
movimento da história. Para tanto, estaremos trabalhando em dois tempos distintos – o de
agora (marcado pelas primeiras impressões que se pode ter diante do Programa Escolas do
Amanhã, já que ele é recente) e o de ontem (que conheceu a experiência dos Centros
Integrados de Educação Pública – os CIEPs, ou Brizolões dos anos oitenta).
Mas o que liga esses dois projetos? Além de serem políticas públicas de Educação
implantadas na mesma cidade – o Rio de Janeiro – ambos apostam na ampliação do tempo
diário de permanência do aluno na escola para sanar (ou reduzir) os déficits de aprendizagem
da criança e do jovem das classes populares. Configuram, pois, apostas na educação como
fator decisivo para o reestabelecimento da justiça social – considerando que um dia, para as
classes menos favorecidas, houve um tempo de justiça, de equidade e de reconhecimento do
direito básico à educação.
Porém, se dissemos que os projetos se aproximam, somos obrigados a dizer que eles também
se afastam, guardando suas peculiaridades. Afinal, cada qual existe em seu tempo, imerso em
um jogo de forças singular, próprio, que favorece ou dificulta sua trajetória, tornando-os
aceitos ou rejeitados pelos variados grupos sociais. Afinal, como bem identifica Elias (1998),
o tempo é sempre um conjunto de relações entre diferentes dimensões que compõem um
determinado contexto histórico. Dito isto, ao reconhecer essas diferenças estaremos
preocupados, também, em verificar em que medida há resquícios de um tempo no outro
tempo, ou seja, será que o passado dos CIEPs interfere no presente das Escolas do Amanhã?
Essa interferência é positiva ou negativa? Qual tempo (ontem ou hoje) é mais favorável à
escola de tempo integral? De que maneira este tempo é ocupado em um programa e no outro?
Para começar a desenhar um caminho de respostas (ou de hipóteses) recorreremos aos marcos
legais, tentando descobrir quando e porquê a ampliação do tempo de escola tornou-se uma
obrigação, uma meta e uma proposta política tantas vezes repetida, em diferentes lugares, por
representantes dos mais diversos partidos e correntes ideológicas.
A ampliação da jornada diária escolar é recomendada nos artigos 34 e 87 da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96) e aparece mais detalhada no Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE – Decreto nº 6094/07). Nesses documentos a estratégia
de aumentar o tempo diário de escola aparece justificada como caminho eficaz para sanar as
demandas de uma formação mais completa (e eficiente) para os alunos e alunas das classes
menos favorecidas, levando-se em conta que a escola é, historicamente, para esses sujeitos,
um espaço estranho, não convidativo e, sobretudo, desleal quando se comparada à forma
como os indivíduos de outras classes sociais a entendem e a dominam. Em outras palavras,
podemos dizer que a escola não significa a mesma coisa para indivíduos situados em classes
sociais diferentes. Afinal, a língua que ela fala e valoriza, os traços que ela cultua, os
comportamentos que ela espera e determina nem sempre são familiares aos sujeitos das
classes populares. A escola é um desdobramento da cultura burguesa e, como tal, rejeita,
muitas vezes, outras possibilidades culturais.
Neste sentido, Bourdieu (1998) vai definir a escola como um dos fatores mais eficazes de
conservação social. É ela quem confere legitimidade às desigualdades sociais, encarando
como ‘dom natural’ algo que é, na verdade, ‘herança cultural’ e ‘dom social’. Ou seja, a
escola não opera no vazio. O aluno, ao entrar em seu universo de provas e ensinamentos, não
chega “em branco” – como acreditava Durkheim – ao contrário, ele chega repleto de
informações trazidas em sua bagagem familiar e cultural. E essa bagagem garante ao filho das
classes dominantes reconhecer na instituição escolar uma continuidade da vida que ele já
conhece e pratica – a escola vai na mesma direção das experiências que ele teve no teatro, no
cinema, na literatura, na música clássica e nos demais espaços de sociabilidade apresentados a
ele pela família e pelos grupos de referência que consideram legítimo aquilo que também é
cultuado na escola. O aluno das classes populares, em contrapartida, não conhece o mundo
que a escola pretende apresentar e esse desconhecimento é vivido dia após dia, com pesar,
com sacrifício, pois não é uma tarefa simples identificar que há um mundo tão diferente
daquele onde você nasceu e cresceu. É claro que a escola muda, de acordo com os
movimentos da história, mas é preciso entender que essa mudança não se processa de uma
hora para outra, há um período de adaptação que pode durar pouco ou muito tempo e nem
todos conseguem esperar – alguns desistem da escola. Ou a escola desiste de alguns. Ou de
muitos. Na visão de Darcy Ribeiro – o pai dos CIEPs, de quem falaremos mais adiante – ao
desistir do aluno a escola (cruel, perversa) faz o aluno acreditar que quem desistiu foi ele, que
é sua – e somente sua – a responsabilidade por essa exclusão. Tal ideia, que é na verdade uma
transferência de responsabilidades, é muito aceita e difundida entre professores, diretores e até
mesmo pelas famílias do aluno repetente, renitente ou evadido. Uma ideia brilhantemente
construída e lapidada por nossa classe dominante.
Ao apresentarmos, todavia, o caráter reprodutivista que a escola assume na teoria de alguns
autores, como Pierre Bourdieu, não pretendemos afirmar que a instituição escolar é sempre
perversa e mal intencionada. Apenas salientamos seu comprometimento com determinado
modo de pensar e de agir, que acaba privilegiando determinados grupos sociais, mais ou
menos acostumados aos seus pertencimentos culturais. Não dá para negarmos que o nível
cultural global da família interfere no êxito ou no fracasso escolar da criança, mas em nenhum
momento acreditamos ser essa uma situação definitiva ou determinista. Estamos falando de
probabilidades. De incentivo e de desencorajamento.
Uma criança, por exemplo, que recebe em casa apoio para realizar as tarefas escolares, que
tem pais e responsáveis atentos ao seu desempenho como aluno, incentivando-a a crescer e a
se superar deverá se sentir mais a vontade diante dos ritos da escola. Ao contrário, a criança
que não recebe esse encorajamento da família pode acreditar que a escola não é importante –
ou pior – que a educação formal não é para ela. A escola transmite uma cultura aristocrática.
É difícil fazer o aluno das classes populares compreender que essa cultura também pode ser a
dele, também pode dialogar com o seu mundo vivido e identificado. E mais: o grande desafio,
talvez, seja fazer a escola compreender que a cultura do aluno pobre também se baseia em
conhecimentos acumulados, também pode ensinar e deve ser, por isso, objeto de estudo
valorizado pela instituição escolar. Afinal, o que é a escola senão o espaço onde as culturas se
encontram? O produto da formação escolar deveria ser, pois, a capacidade de cada aluno
reconhecer, transformar e ressignificar a sua própria cultura, compreendendo a cultura do
outro, sendo capaz de transitar dialogicamente entre as várias possibilidades de leitura do
mundo. Mas nem sempre isso ocorre. O ritmo da escola não é o ritmo de todos os alunos. Não
é o ritmo da História. Muitas vezes a sociedade muda, mas a escola permanece ali, naquele
tempo que é só dela. Tempo marcado pelo soar dos sinais – o da entrada, o do recreio e o da
saída.
Assim colocado o problema fica mais fácil identificarmos o porquê de se propor, com tanta
ênfase na atualidade, o aumento da jornada diária de escola, sobretudo entre aquelas escolas
que recebem alunos de classes menos abastadas. Acredita-se que, ao aumentar o tempo de
permanência desses alunos na escola, poder-se-á realizar um trabalho pedagógico mais
apurado, mais completo, de melhor qualidade. Afinal, esses alunos possuem lacunas que
precisam ser preenchidas. Há um déficit de conhecimentos acumulados – de herança cultural
– que demanda tempo para ser sanado. Mas será que aumentar o tempo implica aumentar,
também, a qualidade do ensino?
Cavaliere (2007) relaciona o estabelecimento do turno integral à expansão do sistema público
educacional brasileiro, sobretudo a partir da abertura política, na década de oitenta do século
XX. Neste tocante, ela sinaliza para a experiência dos Centros Integrados de Educação
Pública – os CIEPs. Sabemos, ao consultar a ampla literatura sobre esse empreendimento
educacional, que ele gerou polêmicas. Enquanto alguns o consideraram uma iniciativa
revolucionária em prol da educação popular, outros o taxaram de ser um monumento à
educação, a um partido político e a seus idealizadores (MIGNOT, 2004). Os CIEPs levaram a
marca de duas figuras políticas controversas – Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, sendo este
último a personalização da própria escola (Brizolão). Por essa razão, fica difícil considerar
parte das análises que atribuem aos CIEPs uma conotação exclusivamente político-partidária,
como se a escola de tempo integral fosse apenas um lócus de assistencialismo e propaganda
política. Acreditando nas potencialidades pedagógicas – e na proposta inovadora (e ousada) –
dos CIEPs, iremos voltar à questão do tempo, buscando compreender o seu significado e a sua
relevância. O que altera, para os atores da escola, a ampliação do tempo?
De volta à Cavaliere (opus cit), temos que a ampliação da jornada diária escolar pode atender
a, pelo menos, três interesses: 1) seria uma forma de alcançar melhores resultados da ação
escolar sobre os indivíduos ; 2) também pode significar uma adequação da escola às novas
condições da vida urbana, das família e, particularmente, da mulher; 3) e também pode ser
parte integrante da mudança na própria concepção de educação escolar, ou seja, no papel
atribuído à escola na vida e na formação dos indivíduos. Diante dessas opções – que podem
ser lidas em conjunto, pois não são excludentes – que aspectos consideramos mais relevantes?
Ou melhor: que tipo de escola pública precisamos? Que funções relativas ao conhecimento
cabem à escola? Que relação a escola mantém com os outros meios de formação, como a
mídia e as demais tecnologias de informação e da comunicação (TICs)?
Ao propormos tais questionamentos, estamos querendo situar a escola no centro de um campo
de forças que pretendem determinar a forma como o conhecimento é produzido e distribuído
entre os indivíduos. Sabemos que há outras maneiras de educar para além da escola e, nesse
sentido, concordamos com as correntes que atestam – no cenário contemporâneo – a perda do
poder exclusivo da escola no que tange à formação do sujeito pós-moderno (supondo que
exista um tempo ao qual possamos chamar Pós-Modernidade). Mas, se reconhecemos essa
perda de poder, reconhecemos também que ela – a Escola – ainda é valorizada como
instrumento de reconstrução social, sendo assim um espaço de disputas, não só entre distintas
concepções pedagógicas, mas também entre grupos sociais – não diretamente ligados à ela –
que identificam ali – no cotidiano escolar – um caminho para a obtenção de determinados
interesses – dos quais falaremos mais tarde.
O que precisamos enfatizar agora, à guisa de fixação do mote deste texto, é que a categoria
‘tempo’ não possui apenas um sentido na escola. Das possibilidades que elencamos acima,
por exemplo, podemos apreender o seguinte: o aumento progressivo da jornada diária escolar
pode estar relacionado ao bem-estar das crianças, às necessidades do Estado e da sociedade ou
ainda à rotina e ao conforto dos adultos, sejam eles pais ou professores. Em todos esses casos
o ‘tempo’ possui um valor, um significado, que pode ser mais ou menos pedagógico.
No caso dos CIEPs, segundo argumenta Darcy Ribeiro (1986), o tempo integral serviria para
acabar com a desonestidade da escola de três ou mais turnos, marcada pela falta de
comprometimento ético e político com as classes populares. Darcy acreditava que o modelo
de turnos denunciava a pouca importância dada pelo Estado à educação pública, já que na
verdade, com horário tão reduzido, o aluno não aprendia nada dentro da escola.
Um fator importante do nosso baixo rendimento escolar reside na exiguidade
do tempo de atendimento que damos à criança. (...) A criança das classes
abonadas que tem em casa quem estude com ela, algumas horas extras,
enfrenta galhardamente esse regime escolar em que quase não se dá aulas.
Ele só penaliza, de fato, a criança pobre oriunda de meios atrasados, porque
ela só conta com a escola para aprender alguma coisa. Aqui está o fulcro da
questão: nossa escola fracassa por seu caráter cruelmente elitista. (RIBEIRO,
1986:13)
Além disso, se recuperarmos o que já falamos sobre o pensamento de Bourdieu, vamos
entender que o aluno das classes populares já chega na escola defasado, pois não se reconhece
nela – em seu cotidiano, em suas regras e em seus sistemas de avaliação.
A criança popular urbana, que vive em condições precárias, nas favelas ou
nos bairros pobres da periferia, como em tantas outras regiões do Brasil, é
essencialmente diferente da criança afortunada que vive nas áreas ricas. O
pequeno favelado, comendo pouco e mal, cresce raquítico. Às vezes é até
prejudicado por malformações, se a fome ocorre muito cedo ou se é
demasiada. Sua fala é também peculiar e atravessada, aos ouvidos da
professora. Toda a sua inteligência está voltada para a luta pela
sobrevivência autônoma, em esforços nos quais alcança uma eficácia
incomparável. A criança afortunada se desenvolve bem fisicamente, fala a
língua da escola, é ágil no uso do lápis e na interpretação de símbolos
gráficos e chega à escola altamente estimulada pelos pais, através de toda
espécie de prêmios e gratificações, para aprender rapidamente. Uma e outra
têm incapacidades específicas: o favelado, para competir na escola; o
afortunado, para sobreviver solto na sociedade. Ocorre, porém, que todos
vão à escola e ali competem; mas o menino rico não tem, jamais, de lutar
pelo sustento, nem de cuidar dos irmãos, e raramente cai na delinquência.
Nessas circunstâncias, um desempenho natural e inevitável é valorizado e
premiado pela escola; o outro é severamente punido. (RIBEIRO, ibidem:1314)
A escola de turno único, ao contrário, garantia à criança e ao jovem maior tempo para se
adaptar a escola, mas também teria a escola – e os professores – mais tempo para conhecer e
se adaptar àquele aluno, tão diferente dos demais, pois marcado por histórias de vida distintas,
por capital cultural variado. A escola pensada por Darcy Ribeiro ocupava o tempo da criança
a partir da valorização do intelecto em associação com o sensorial. O CIEP, na visão de
Darcy, era uma escola onde aprendia-se a ler e a escrever, mas também se via nela a
valorização da cultura do aluno, da sua identidade individual e coletiva, por meio das
atividades da animação cultural, por exemplo. O animador cultural representava o elo entre o
mundo da escola e o mundo da comunidade do aluno, valorizando aquilo que era a ‘zona de
conforto’ da criança ou, em último caso, o traço identificável em um cenário de tantos outros
traços irreconhecíveis.
Neste processo de estreitamente dos laços entre a escola e sua comunidade,
as atividades de animação cultural passam a ter especial importância. Além
de contribuírem para a aprendizagem global dos alunos, pela valorização do
trabalho criativo no espaço escolar, as atividades culturais possibilitam um
reencontro com o próprio prazer de aprender. No dia-a-dia dos CIEPs, a
educação não pode mais ser dissociada das manifestações culturais e
artísticas, sobretudo daquelas que já se desenvolvem no interior da própria
comunidade. Afinal, elas são a ponte viva que leva a comunidade para
dentro da escola – e vice-versa. (Ribeiro, ibidem: 49)
Com essas falas de Darcy Ribeiro, que ilustram a preocupação do educador e político com a
ampliação do tempo diário de escola, percebemos que tal extensão da jornada se dá muito
mais por conta de uma nova concepção pedagógica, do que pelos outros motivos
anteriormente mencionados – ligados à mudanças da sociedade e do mercado ou a uma
tentativa de agir por mais tempo na inculcação de valores na criança e no jovem. Os CIEPs,
ao menos na teoria e no discurso – que são a base da nossa investigação até aqui – identificam
no ‘tempo’ um fator crucial para a transformação positiva da oferta escolar, considerando as
especificidades do aluno das classes populares e, principalmente, alertando para a
arbitrariedade das cobranças empreendidas pela escola tradicional que mensura seus alunos –
ricos ou pobres – sob os mesmos critérios avaliativos.
Diante do que expusemos até aqui podemos dar um salto, dos anos oitenta aos tempos atuais,
buscando verificar nos discursos oficiais sobre o Programa Escolas do Amanhã, o lugar
ocupado pela categoria ‘tempo’ na redefinição da oferta de uma educação básica voltada para
os alunos moradores de comunidades marcadas pela violência urbana. Esses alunos, tal qual
os alunos atendidos pelos CIEPs dos anos oitenta, possuem com a escola uma relação de
estranhamento e, por conta disso e de outros fatores externos a essa relação, acabam
desistindo da escola, sem perceber, muitas vezes, que foi a escola quem desistiu deles.
Para além das caracterizações oferecidas por Darcy Ribeiro sobre o aluno popular urbano, é
preciso acrescentar que, no caso dos alunos atendidos pelas Escolas do Amanhã, ainda pesa o
estigma da violência. São sujeitos criados em sua presença, habitantes de uma comunidade
onde ela já se infiltrou de modo a se constituir parte da vivência de cada sujeito. Porém, se
associamos esses alunos à violência, não podemos perder de vista que tal condição é efeito de
uma sociedade de desiguais que assiste, muitas vezes calada, cenas cotidianas de humilhação
social. É esse o aluno que vai para a escola aprender a ser gente... mas o tipo de gente
esperado pela escola está tão distante da realidade deste aluno que só uma saída parece
possível: um dos lados precisa mudar as suas expectativas. Acreditamos que a mudança deva
ser da escola. As Escolas do Amanhã, segundo consta em suas comunicações oficiais,
parecem estar atentas a essa necessidade: reinventar-se para receber (integralmente) sua
clientela.
De acordo com os documentos fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de
Janeiro (SME-RJ) – documentos esses publicados na Internet – existem na atualidade 155
Escolas do Amanhã, situadas em áreas identificadas como de “risco social”, marcadas pela
exposição à violência urbana e articuladas com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
Implantado em 2009, o programa pretendia atender a cerca de 110.000 alunos, matriculados
em unidades com altos índices de evasão escolar (5,1% - quase o dobro da média registrada
nas demais escolas da mesma rede). As Escolas do Amanhã se intercomunicam através de um
outro programa da SME-RJ chamado Bairro Educadori, que pretende expandir as ações
educativas para além dos muros da escola, transformando a cidade, seus bairros, monumentos
e personagens em agentes educativos, em espaços de aprendizagem. A ideia do programa é,
assim, aproximar a comunidade da escola, dependendo dessa aproximação para vencer os
obstáculos colocados, historicamente, no caminho da ação política. Estamos falando da
retomada de territórios antes dominados pelo tráfico de drogas – e ainda não totalmente livres
da sua influência. Mais uma vez estamos falando do tempo: um longo tempo sob a égide da
violência e do medo; um novo tempo de ressignificação desse medo, de entendimento dessa
violência e de abertura para um mundo desconhecido: o da escola acolhedora, integrada e
interessada na vida do aluno popular urbano, esse indivíduo cuja identidade a escola
tradicional não quis – ou não soube – compreender e aceitar. Um tempo de parcerias.
Aliás, o termo ‘parceria’ é constante nos encaminhamentos do programa em tela. Não só a
comunidade é chamada a interferir e participar das atividades dessas escolas, como também a
família, o empresariado, as organizações sociais e as secretarias – de saúde, de segurança
pública, de assistência social e, claro, a de educação. Esse esforço conjunto, base do programa
Bairro Educador, se destina a diminuir as possibilidades de ações violentas dentro das escolas
e também contribui para garantir uma maior atenção a cada aluno, considerando que ele
passará mais tempo sob a tutela da unidade escolar. Mas como se dá essa intervenção, essa
ação conjunta e solidária? Para responder, vamos recorrer ao que denominam “principais
pilares do projeto Escolas do Amanhã’:
No quadro acima podemos verificar as bases sobre as quais o programa se assenta. Em
primeiro lugar, temos o tempo integral (que nos remete às ações dos CIEPs, já comentadas);
em seguida temos a ênfase na participação da comunidade (e aqui destacamos à figura da mãe
auxiliadora); depois temos o Programa de Ciências (que dialoga com o programa federal
Cientistas do Amanhã, contando com o apoio da empresa Sangari); mais um tópico é a
formação continuada dos professores, que são encorajados a praticar metodologias mais
criativas e inovadoras na sala de aula e, por fim, a questão da ‘saúde escolar’, que também nos
remete ao projeto CIEP.
Essas características, que insistimos em comparar – ou aludir – aos traços já percebidos no I
Programa Especial de Educação, nos dão a impressão de que as políticas educacionais em tela
acreditam que uma das vocações da escola é ‘cuidar do social’. Nesta direção, Nóvoa (2009)
salienta que a escola pode vir a assumir o papel de reparadora social, acolhendo não apenas os
alunos, mas também as suas famílias. Consideramos válida essa inclinação, mas defendemos
a tese de que limitar o ensino formal a esse papel é desistir dos princípios mais caros da escola
republicana, pois
A escola continua reivindicando seu funcionamento sob o princípio
republicano da igualdade de chances e da promoção pelo mérito, mas
mostra-se incapaz de garantir a paridade dos grupos sociais e de poder
efetivamente realizar este ideal. (CASTEL, 2008:50)
Afinal, que tipo de escola queremos e precisamos? Uma que cuide das crianças, por um longo
período de tempo, enquanto os pais trabalham, tirando-as da rua e dos riscos da delinquência?
Ou uma escola que possibilite a emancipação humana, sem desconsiderar a diversidade do
público que atende? Mais uma vez falaremos do tempo. Do presente. Desse cenário pautado
na globalização, no encurtamento das distâncias, na flexibilização das identidades e,
sobretudo, nas dinâmicas do mercado que exigem cada vez mais qualificação e especialização
dos futuros trabalhadores. Para cumprir essas exigências a escola atual precisa se afastar da
velha imagem da instituição formadora, disciplinadora e punitiva. A escola dos tempos atuais
deve estar atenta às mudanças, aos contextos desafiadores que colocam em cheque os seus
antigos fundamentos, vencendo a rotineira inoperância para gerar inclusão, nos moldes do
projeto neoliberal.
Os discursos em torno da educação popular tendem a associar cidadania à inclusão plena do
indivíduo no mercado – primeiro como produtor, depois como consumidor. São muitas as
ofertas de cursos profissionalizantes, de oficinas que despertam vocações para o trabalho, de
parcerias que diminuem as distâncias entre a escola e a empresa – ou melhor, entre o
estudante e futuro trabalhador (ou jovem aprendiz). Diante desta realidade acreditamos ser
oportuno lembrar um argumento de Paulo Freire, para quem a educação deveria estar
comprometida com a transformação da injustiça social e da realidade cruel que ela projeta,
sendo a escola instrumento transformador a valorizar os princípios de dignidade da pessoa
humana. Serão essas as preocupações das Escolas do Amanhã? Foram esses os ideais dos
CIEPs? Qual é a real contribuição da ampliação do tempo de escola para esses processos?
Não nos cabe neste texto empreender julgamentos sobre a questão, mas podemos suscitar
indagações, refletir sobre as ações previstas (nos documentos) e as executadas. No que tange
ao projeto CIEP, por exemplo, consideramos que a ampliação da jornada escolar esteve muito
mais ligada a uma concepção ideológica do que a uma estratégia com vistas às demandas do
mercado. Dentro do próprio programa, em seus bastidores, não havia concordância acerca da
inevitabilidade da ampliação da jornada. A secretária Maria Yedda Leite Linhares, por
exemplo, ao rememorar sua história na gestação e implantação dos CIEPs, irá dizer que
considerava Brizola e Darcy Ribeiro excessivamente utópicos, sendo a concepção do IPEE
otimista demais e extremamente idealista (FARIA, 2011). Darcy Ribeiro, ao contrário,
acreditava que
No Brasil, antes da criação dos CIEPs, nunca se fez uma escola popular de
dia completo. Em lugar disso, adotou-se o desdobramento do regime escolar
em vários turnos, numa solução falsa para o crescimento populacional. Essa
deformação do sistema de ensino, com o tempo, tirou as qualidades já
escassas da antiga escola pública e deixou-a despreparada para atender ao
desafio de adaptar-se à crescente clientela oriunda das zonas rurais ou das
comunidades pobres da periferia das metrópoles. (...) Surgiu então a ideia,
que chegou a ser considerada uma das metas do Programa Especial de
Educação, de instalar Centros Culturais Comunitários em regiões
previamente selecionadas, para receber as crianças durante 5 horas
adicionais, antes ou depois das aulas, para dar-lhes uma refeição, estudo
dirigido, recreação e atividades culturais. Chegou a ser cogitada, também, a
conveniência de construir no Estado do Rio diversas Escolas-Parque
semelhantes às que Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro implantaram em
Brasília e que promovem uma integração entre os estudos curriculares,
atividades recreativas e artísticas. Mas a prática recomendou a superação
dessas proposições iniciais, porque os Centros Culturais Comunitários ou as
Escolas-Parque acabariam privilegiando as crianças já privilegiadas nas
áreas de maior poder aquisitivo. O Governador Leonel Brizola contribuiu
decisivamente para solucionar o problema, fazendo notar que, em países
como Uruguai ou Japão, o sistemas de educação de base oferece às crianças
um regime escolar de horário integral. Brizola tomou então a histórica
decisão de criar uma escola de dia completo, denominada CIEP – Centro
Integrado de educação Pública, que o povo passaria a chamar
carinhosamente de “Brizolão”. (RIBEIRO, 1986:41-42)
A longa passagem, necessária para ilustrar a ideologia que cercava os CIEPs e sua proposta de
ampliação do tempo de escola, nos apresenta uma aposta não apenas na formação integral do
aluno, mas também uma tentativa de assisti-lo nas demandas mais urgentes e fundamentais: o
CIEP oferecia quatro refeições diárias, banho, assistência médico-odontológica (para o aluno
e para a comunidade), aulas e sessões de estudo dirigido, atividades esportivas e culturais que
objetivavam, numa ação conjunta, elevar o rendimento global de cada aluno. Também era
oferecida uma residência (no próprio CIEP) para grupos de até 12 meninos ou 12 meninas,
“temporariamente desassistidos”, que seriam cuidados/as por casais selecionados e treinados
para a tarefa de orientá-los. As atividades que ocupavam as oito horas diárias de escola
aconteciam todas no mesmo espaço – o grande prédio projetado por Oscar Niemeyer – e ainda
dispunham de ações especiais para os alunos que não conseguiam obter os resultados
esperados nas avaliações – alunos repetentes e alunos renitentes (que eram atendidos
especialmente, com aulas de reforço escolar). E nas Escolas do Amanhã? O que se faz ao
longo do tempo ampliado? A página oficial do programa, na Internet diz que
O Programa desenvolve um conjunto de ações nas áreas de Educação,
Saúde, Assistência Social, Esporte, Arte e Cultura, e conta com educação em
tempo integral, atividades de reforço escolar, oficinas pedagógicas e
culturais no contraturno, metodologias inovadoras de ensino, além de salas
de saúde, leitura e informática.ii
O tempo integral, pelo que fora exposto acima, parece estar ocupado não apenas com atividades
internas, mas também com atividades que ocorrem fora da escola, seguindo a ideia do programa
“Bairro Educador” que pretende
Estimular um novo modelo de gestão de parcerias, visando transformar a
comunidade em extensão do espaço escolar, fortalecer o Projeto Político
Pedagógico da escola e integrar o processo de ensino-aprendizagem à vida
cotidiana. Em cada unidade escolar há um profissional preparado para
desenvolver ações de integração entre a escola e seu bairro. (ibidem)
Além dessa ligação direta com o bairro (e com a comunidade) é intenção das Escolas do Amanhã
abrir-se para parcerias, com empresas e outras instâncias da sociedade civil, atribuindo a essa abertura
um efeito do que denominam (no site) ‘educação integral’: “Promover mais de 50 atividades de
reforço escolar, cultura, artes e esportes e oferecer um ambiente estimulador e seguro para
aprendizagem, promovendo uma permanência interessada do aluno na escola” (ibidem).
Algumas dessas atividades, que ocorrem no contraturno (um período contraposto ao turno
oficial de aulas com o professor regente), estão ligadas ao Programa Mais Educação, do
governo federal. Por meio dele são oferecidas oficinas de letramento, matemática, alguma
modalidade esportiva, ciências, teatro e, claro, aulas de reforço escolar. A princípio, os
oficineiros são selecionados na própria comunidade, dando continuidade ao processo de
aproximação da escola com o seu entorno. Contudo, observamos ao longo da pesquisa que
outros atores sociais, sem qualquer ligação com a comunidade, também atuam nessas escolas,
como agentes de reforço escolar. É o caso da organização “Ensina!”, que recruta profissionais
liberais, recém formados nas mais diversas áreas – não ligadas necessariamente à educação –
para atuarem como agentes de reforço nas unidades escolares de baixo rendimento no IDEB.
Essa observação coincide com a pesquisa realizada por Adilson Severo de Souza (2012), cujo
objetivo foi verificar se a oferta do programa Mais Educação, numa Escola do Amanhã,
contribuía para uma educação integral ou para práticas assistencialistas.
De acordo com a coleta de dados feita pelo pesquisador, em uma escola da Zona Sul do Rio
de Janeiro, as atividades que ocorrem no contraturno escolar aparecem, muitas vezes,
dissociadas do trabalho realizado pelos professores regentes. Os oficineiros entrevistados
declararam não ter contato com esses professores e também mostraram-se desconhecedores
dos princípios que regem os projetos em que atuam. Acreditam que o aumento da jornada
escolar atende a uma demanda da sociedade em torno da ocupação do tempo da criança, já
que os pais estão trabalhando e o governo teme que elas fiquem nas ruas engrossando as
estatísticas da criminalidade. Vários pontos do programa Mais Educação, no que tange, por
exemplo, à seleção dos alunos que integrarão as oficinas ficaram esquecidos no
encaminhamento das atividades da escola observada, cabendo a cada aluno decidir qual
oficina pretende fazer, sem respeitar nenhum critério estabelecido pelo projeto político
pedagógico da escola, nem pelas diretrizes do programa. Tais práticas contam ainda com a
falta de estrutura dos prédios escolares que não suportam as atividades do contraturno,
restando aos oficineiros atenderem a diferentes grupos, nos espaços que sobram. Algumas
oficinas, como a de judô, acontecem fora da escola (por falta de espaço) e não são
acompanhadas pela direção, que alega não ter condições de controlar o que ocorre além dos
muros da instituição. Os resultados obtidos por Souza (2012), contudo, não descartam a
eficiência das Escolas do Amanhã, nem das parcerias realizadas em sua prática
administrativa. Apenas sinalizam para os desafios colocados diante da ampliação do tempo de
escola. Desafios que aumentam substancialmente quando nos referimos à prática de uma
educação integral.
Definitivamente não partilhamos a opinião de que a ampliação do tempo e a integração de
outros sujeitos ao espaço escolar seja a garantia do exercício de uma educação que considere
o aluno em suas múltiplas dimensões, trabalhando-o integralmente. Também não podemos
definir que a ampliação do tempo nos CIEPs e o mesmo procedimento nas Escolas do
Amanhã seja mais positivo em uma instituição e menos na outra. Ambos os programas estão
em contextos diferentes, em tempos distintos. Os CIEPs existem há trinta anos. As Escolas do
Amanhã nasceram em 2009. Ainda é cedo para julgar se este projeto deu certo ou não. No que
concerne aos resultados pretendidos (no campo do melhor rendimento nas avaliações
externas) tal programa parece ter atingido suas metas:
Desde o lançamento do Programa, as Escolas do Amanhã vêm melhorando
seu desempenho de forma expressiva. No Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB) 2011, os Anos Finais das Escolas do Amanhã se
destacaram com um crescimento de 33% em relação à avaliação realizada
em 2009, enquanto a Rede Municipal cresceu 22%. Nos Anos Iniciais, as
Escolas do Amanhã cresceram 8,7%, comparado com 5,9% da rede. Entre
2008 e 2011, a evasão escolar nas Escolas do Amanhã apresentou uma
redução de 37,6%, contra 11,1% na Rede Municipal. O número de
professores no Programa cresceu 84% – atualmente 6.186 docentes atuam
nas Escolas do Amanhã.iii
Mas serão esses os indicadores mais acertados para analisarmos as conquistas e os desafios de
um programa de educação integral?
CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS
Eis um tema que está bem distante do ponto final. Mas, diante dos pontos aqui salientados,
acreditamos ser possível tecer alguns comentários, ainda que preliminares. O primeiro deles
diz respeito ao contexto atual e a ênfase dada à qualificação dos sujeitos. O mercado exige
cada vez mais formação, não apenas dos ricos – que sempre tiveram direito à escolarização
formal – mas também do pobre, que ocupará – como geralmente ocorre – cargos menos
valorizados, salvo exceções. Esse movimento parece oportunizar uma maior aceitação das
escolas pensadas para o aluno popular urbano, sobretudo quando essa escola encontra-se
comprometida com os ideais neoliberais de formação de habilidades e competências para um
mercado cada vez mais exigente. As Escolas do Amanhã, nesse sentido, talvez contem com
maior simpatia da sociedade – e da mídia, e das classes dominantes – se comparadas com os
CIEPs dos anos oitenta, considerados por muitos como depósitos de crianças pobres. Outra
observação lança luz ao conceito de ‘parcerias’ e ‘voluntariado’. A perda da exclusividade na
formação dos indivíduos levou a escola a se associar à outras instituições formadoras. O
trabalho da escola passou a ser compartilhado. O educador agora divide o seu espaço com os
amigos da escola, com os voluntários, com os trainees das empresas que ocupam o espaço
escolar, denunciando a fragilidade da escola no que tange à capacidade de formar indivíduos,
de torná-los cidadãos. Mas será que a cidadania passa pela inculcação dos valores defendidos
por esses “novos educadores”? A escola é um mercado promissor. Os novos anseios do
neoliberalismo exigem uma maior penetração nos espaços de formação, valendo-se das
brechas deixadas pelo Estado. A escola pública torna-se cada vez mais privada, cabendo às
secretarias de educação o acompanhamento das avaliações externas, o estímulo para fixar as
unidades sob sua gestão no topo do rankeamento escolar. A escola tornou-se uma questão de
números. A categoria ‘tempo’ converteu-se em mercadoria, aos moldes do fetichismo
marxista. A escola de turno único fulgura nas propagandas políticas, aparecendo como
salvação das crianças miseráveis que, entregues à própria sorte (e aos cuidados, ou aos
descuidos da família) não conseguiriam ‘vencer na vida’. O tempo que passam na escola é o
tempo que não passam na rua. Estão à salvo, como também estão salvas as ‘pessoas de bem’
que não serão incomodadas, assaltadas, molestadas por esses filhos da pobreza. Não importa o
que se faz na escola. Não importa se o aluno gosta de estar ali, sete ou oito horas por dia, ou
se fica nessa situação porque é obrigado pela família. O Estado lhe concedeu mais tempo para
tentar ser gente. Uma gente que será aproveitada pelo mercado? Mais tempo, mais educação?
O aluno passou a se ver na escola, nos exemplos citados pelos professores? Os ritos
educativos passaram a fazer sentido para os alunos? Poderão eles – os alunos populares
urbanos – competir com as crianças afortunadas já que agora passam mais tempo sob a tutela
da escola? A escola deixou de ser desonesta? A cidade pode educar. Isso é inegável. Mas
estarão os profissionais envolvidos nas iniciativas do Bairro Educador capacitados para
ressignificar o cotidiano em situações pedagógicas? Os professores, que são formados para
realizar tarefa semelhante, na sala de aula, nem sempre conseguem. Não resta muito tempo
para a criatividade, para fugir do lugar comum. Precisam dar conta dos resultados, precisam
melhorar o rendimento geral da turma. É função da comunidade mediar os conflitos que
ocorrem dentro da escola? As mães auxiliadoras, por exemplo, cumprem um papel
pedagógico ou sua função é apenas a de vigiar o comportamento dos alunos, filhos dos seus
vizinhos, dos seus amigos e dos seus desafetos? Já sabemos, pelo levantamento realizado por
Souza (2012) que a prometida capacitação de oficineiros e agentes comunitários ainda não
saiu do papel (na escola por ele observada). Terá ocorrido nas demais? Não somos contra a
ampliação da jornada escolar. Ao contrário, vemos nessa ampliação um caminho profícuo
para a resolução de um dos problemas mais sérios da escolarização formal: o acesso ao capital
cultural comum, aos meios de informação e à capacidade de decodificar, de processar as
mensagens recebidas, com autonomia e fluência dialógica. Mas o tempo não se justifica por si
só. Ele precisa de ações. Ações integradas e integradoras. A ampliação da jornada escolar,
como vimos, não enclausura o aluno na escola. Até aí, tudo bem. Os preceitos do Bairro
Educador parecem coerentes e instigantes. A questão que gostaríamos de salientar, todavia,
diz respeito ao que se faz fora da escola. Qual é a ligação das atividades extramuros com
aquilo que ocorre no turno oficial, com o professor regente? O conhecimento não pode ser
fragmentado, precisa ter uma continuidade. Do contrário, não teremos uma escola em tempo
integral, mas sim um aluno que permanece aluno fora da escola, sem saber ao certo o que isso
significa. As atividades extracurriculares só se justificam se estiverem integradas ao projeto
político pedagógico da escola e o professor regente precisa estar a par de tudo o que acontece
com a sua turma, no contraturno.
Referências Bibliográficas
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CASTEL, R. A discriminação negativa: cidadãos ou autóctones? Petrópolis, RJ: Editora
Vozes, 2008.
CAVALIERE, A.M.V. “Tempo de escola e qualidade na educação pública”. In: Educação e
Sociedade, v. 28, p. 1015-1035, 2007.
ELIAS, N. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
FARIA, L. Chaguismo e Brizolismo: territorialidades políticas da escola fluminense. Rio de
Janeiro: Quartet, 2011.
MIGNOT, A.C.V. “Monumento à educação: escola pública de tempo integral”. In: Revista
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NÓVOA, A. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: EDUCA, 2009.
RIBEIRO, D. O livro dos CIEPs. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1986.
SOUZA, A.S.de. Mais Educação numa escola do Amanhã: Educação Integral ou
Assistencialismo? Rio de Janeiro: UFRJ/CFCH, 2012.
i
Para mais informações sobre o programa Bairro Educador, cf: http://anacris.blog.br/joomla/legislacao/decretosdo-municipio-do-rio-de-janeiro/309-decreto-no-30934-de-31-de-julho-de-2009.pdf Acesso em 15/02/13.
ii
Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/exibeconteudo?article-id=2281501 Acesso em 15/02/13.
iii
Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/exibeconteudo?article-id=2281501 Acesso em 15/02/13.
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