ID: 52118623
01-02-2014
Tiragem: 37425
Pág: 22
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 26,79 x 30,61 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 2
Militares apoiam Ianukovich mas não
é dos quartéis que se teme a violência
Forças Armadas apelam à tomada de “medidas de urgência” pelo Presidente. Oposição
encontra-se com o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, em Munique
ANGELOS TZORTZINIS/AFP
Ucrânia
João Ruela Ribeiro
Afastados da crise política até ao
momento, as Forças Armadas ucranianas tomaram ontem, pela primeira vez, uma posição através de um
apelo directo ao Presidente, Viktor
Ianukovich, para que tome “medidas de urgência” para alcançar uma
solução. Uma intervenção militar
é um cenário que já foi condenado
pela comunidade internacional, mas
que não pode ser totalmente afastado, numa altura em que o diálogo
entre poder e oposição entrou num
impasse.
A possibilidade de instauração do
estado de emergência na Ucrânia
foi levantada pela primeira vez no
início da semana. O edifício do Ministério da Justiça tinha acabado de
ser invadido por um grupo de manifestantes e a ministra Olena Lukash
acenou com essa perspectiva. A
simples menção — posteriormente
posta fora de causa pelo Executivo
— fez soar os alarmes dentro e fora
da Ucrânia e levou mesmo a chefe
da diplomacia europeia, Catherine
Ashton, a antecipar a sua viagem
para Kiev.
No comunicado de ontem, que
surgiu depois de uma reunião entre
o ministro da Defesa e a cúpula das
Forças Armadas, não se menciona
quais são as “medidas de urgência”
que Ianukovich deve tomar, mas a
ameaça da declaração de um estado de emergência foi lida nas entrelinhas. Os militares consideraram
“inaceitável a tomada de assalto de
edifícios públicos” e temem que a
escalada da contestação “ameace a
integridade territorial” do país.
O estado de emergência foi sempre afastado oficialmente pelos responsáveis ucranianos e seria um cenário que poderia isolar o próprio
país e os seus eleitos em termos internacionais. Em Dezembro, o secretário da Defesa norte-americano,
Chuck Hagel, obteve a garantia do
ministro da Defesa ucraniano, Pavlo
Lebedev, de que o Exército não seria
utilizado para conter os protestos,
segundo a Bloomberg.
Aquilo que a declaração dos militares manifesta é a fidelidade e o
apoio a Ianukovich, segundo o director do Instituto de Estratégias
Mundiais de Kiev, Vadim Karassev.
Manifestantes em Kiev: é pouco provável a instauração do estado de emergência
Contudo, “não significa que os manifestantes (...) venham a ser dispersados ou que o estado de emergência seja decretado”, afirma o especialista à AFP.
A imposição do estado de emergência daria, por exemplo, “a possibilidade de uso de meios extremos
para desocupar os edifícios governamentais e dispersar manifestantes”, nota ao PÚBLICO a docente da
Universidade de Coimbra, Raquel
Freire. “No contexto actual e dadas as posições que as partes têm
assumido, seria apenas uma sensação de regresso à normalidade”
da repressão violenta, considera a
investigadora.
O apoio dos militares pode não
ter mais que um valor simbólico,
uma vez que, as forças armadas
“são relativamente mal treinadas e
o seu equipamento é inadequado”,
observa Susan Stewart, do Instituto
Alemão para Questões Internacionais e de Segurança de Berlim, em
declarações à Bloomberg. A fraqueza militar das forças ucranianas é
resultado de duas décadas de baixo
financiamento. Se tinha um invejável contingente de 800 mil homens,
em 1991, herdado da era soviética,
hoje a Ucrânia conta com apenas
cerca de 182 mil militares.
No entanto, tal não significa que
não venha a existir uma nova escalada da repressão sobre as manifestações. Durante a semana, o Zerkalo
Nedeli, um semanário de referência, noticiou um plano secreto do
Governo para aumentar a força das
Berkut e dos Grifon, as forças de elite
antimotim. A intenção seria passar
dos cinco mil agentes actuais para
30 mil, algo que foi desmentido pelo ministro do Interior. Recorrer
à violência “não é o cenário mais
provável” para Ianukovich, afirma
Susan Stewart, “mas não pode ser
descartado se ele estiver desesperado e encurralado”.
“Circo” em Munique
O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, afirmou ontem,
em Berlim, que o Presidente ucraniano ainda não fez as concessões
necessárias para que se alcance uma
solução. Kerry falava na véspera de
um encontro em Munique, na Alemanha, com dois dos líderes da oposição a Ianukovich e também com a
cantora e activista Ruslana.
O encontro de hoje já foi alvo de
críticas por Moscovo, com o viceprimeiro-ministro russo, Dmitri
Rogozin, a apelidá-lo de “circo”.
“Porque não convidaram também
o nazi [Oleg] Tiagnibok” questio-
nou o responsável referindo-se ao
líder do partido de extrema-direita
Svoboda, e sugerindo ainda a Kerry que convide o conhecido travesti
ucraniano Verka-Serduchka para o
encontro.
O insucesso da via negocial está
a deixar alguns grupos de manifestantes intranquilos e começam a ser
evidentes as primeiras dissensões na
oposição. Ontem, o líder do “Sector Direito” — um grupo paramilitar
de extrema-direita — exigiu a libertação imediata dos manifestantes
detidos. Caso contrário, disse, “os
passos apropriados serão tomados
para libertar estas pessoas e não
serão utilizados apenas métodos
constitucionais”, avisou Dmitro
Iarosh, citado pela Reuters. O líder
do grupo manifestou igualmente o
desejo de participar directamente
nas negociações.
ID: 52118623
01-02-2014
Tiragem: 37425
Pág: 23
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 5,31 x 26,07 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 2 de 2
Activista
desaparecido tem
sinais de tortura
U
m dos activistas mais
célebres das ruas de Kiev
que estava desaparecido
há uma semana surgiu
ontem na televisão com o
rosto coberto de hematomas
e feridas nas mãos, dizendo
ter sido sequestrado e
torturado por homens com
sotaque russo. “Crucificaramme, pregaram-me as mãos.
Cortaram-me na orelha e na
cara. Não há um pedaço do
meu corpo que esteja bem,
mas graças a Deus estou vivo”,
disse Dmitro Bulatov, antes de
ser levado para um hospital
de Kiev. Bulatov, de 35 anos,
é o líder do AutoMaidan, um
grupo que se notabilizou pelas
acções com automóveis. Uma
das iniciativas recorrentes
são os longos cortejos de
viaturas até às casas de
políticos do Governo, incluindo
Ianukovich. Data de 22 de
Janeiro a última actualização
de Bulatov no Facebook:
“Recebo cada vez mais
ameaças. As trevas abatemse, mas nós venceremos.” A
mensagem foi premonitória.
O rapto de Bulatov junta-se a
outros casos noticiados pela
imprensa e condenados a nível
internacional. Iuri Verbitski,
outro activista, desapareceu
um dia antes de Bulatov e foi
encontrado morto, com as
costelas partidas e os braços
amarrados. Segundo a rádio
Free Europe, com Verbitski
estava um jornalista da
oposição, Igor Lutsenko, que
reapareceu no dia seguinte
com um olho negro e sem
um dente. Catherine Ashton
afirmou ontem que “estes actos
são inaceitáveis e devem ser
travados imediatamente”. A
Amnistia Internacional pediu
a abertura de um inquérito ao
caso de Bulatov e a condenação
dos responsáveis. A ONU pediu
uma investigação sobre os
desaparecimentos e casos de
tortura. Os ataques a “dezenas”
de jornalistas e pessoal médico
foram condenados pela Human
Rights Watch.
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