Avaliação do Emprego do Resíduo do Processo SulfaTreat como Material de Construção de Pavimentos Patrício José Moreira Pires e José Tavares Araruna Departamento de Engenharia Civil, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Ricardo Campos Vaqueiro Petróleo Brasileiro S/A, Petrobras, Brasil RESUMO: O presente estudo busca avaliar a incorporação de um resíduo sólido industrial como material de construção de pavimentos. O resíduo avaliado é proveniente de um processo de tratamento utilizado em refinarias, que remove o sulfito de hidrogênio (H2S) em linhas de vapor. Esse processo é denominado de SULFATREAT®. De acordo com a NBR 10.004 - Resíduos Sólidos – Classificação, tal resíduo se classifica como um resíduo não-inerte Classe II-A, dada a concentração dos elementos alumínio, zinco e cromo estarem acima da permitida no extrato do solubilizado. Para tal estudo foram realizados ensaios mecânicos, que incluíram o ensaio de Índice de Suporte Califórnia (ISC) e o ensaio de compactação do tipo Proctor, para determinar a sua qualidade como material de pavimento. Ensaios de coluna foram realizados a fim de se verificar se a incorporação a uma matriz terrosa liberaria elementos perigosos que venham a contaminar o solo e a água subterrânea. PALAVRAS-CHAVE: Resíduos Sólidos, SULFATREAT®, Índice de Suporte Califórnia, Ensaios de coluna. 1 INTRODUÇÃO A Petrobrás em suas diversas unidades emprega o processo SULFATREAT® para a remoção de sulfito de hidrogênio (H2S) em linhas de vapor. Este processo, esquematizado na Figura 1, emprega um reagente granular contido em um vaso de pressão (reator) para formar um produto estável e seguro. A vida útil do leito do reagente, visto em azul na Figura 1b, é função, entre outros fatores, da concentração de H2S do vapor de entrada, da vazão de vapor a ser tratado e da temperatura do vapor. O monitoramento do processo é realizado através da determinação da concentração de H2S na saída do reator. Quando esta concentração atinge um valor próximo à de entrada, torna-se necessário a troca do leito no interior do reator. De acordo com o fabricante, o resíduo do processo é estável e seguro. Estas características levaram aos profissionais de SMS da UN-Bahia a encomendar um projeto experimental ao Departamento de Engenharia Civil da PUC-Rio para avaliar a sua possível aplicação como material de construção de pavimentos. Figura 1 – Processo SULFATREAT: (a) diagrama esquemático e (b) diagrama do reator A utilização do resíduo dar-se-ia com a sua incorporação a uma matriz terrosa com a finalidade de obtenção de um material de base ou sub-leito para pavimentos. Os potenciais locais para as aplicações do resíduo do processo SulfaTreat: é como material de construção do pavimento para praça de acesso ao poço e ou material de construção para via de acesso ao poço. 2 2.1 METODOLOGIA EMPREGADA Ensaio Proctor Normal O ensaio de compactação busca determinar a relação entre teor de umidade e peso específico seco como também determinar o peso específico seco máximo e o teor de umidade ótimo. É através dessa correlação que se encontra a umidade ótima de compactação na qual é moldada a amostra do Índice Suporte Califórnia. 2.2 Ensaio ISC O ensaio de Índice de Suporte Califórnia foi realizado seguindo as recomendações contidas na NBR 9895 e consistiu de três etapas: preparação das amostras, ensaio de expansão e ensaio de penetração. A amostra da matriz terrosa foi espalhada em uma travessa de alumínio e seca ao ar. Após a secagem, foram separados 14 kg da matriz terrosa e 3 kg do resíduo do processo SulfaTreat. Estes materiais foram destorroados e passados em uma peneira com abertura de malha de 19mm. Ao fim do peneiramento, foi realizada a determinação da umidade higroscópica do solo e do resíduo a fim de calcular a massa de cada material para se obter as incorporações de 10% e 20% do resíduo do processo SulfaTreat, bem como o teor de umidade necessária para a obtenção da umidade ótima. As amostras incorporadas foram compactadas com o teor de umidade ótimo. A energia de compactação que proporcionaria um peso específico seco idêntico ao peso específico seco máximo obtido no ensaio Proctor foi ajustada. O procedimento incluiu, em uma primeira instância, o ajuste referente à troca do martelo por um empregado no ensaio Proctor Modificado (4,5 kgf), a fim de empregar a mesma energia de compactação. A energia de compactação foi ajustada à energia do ensaio de compactação através do emprego da seguinte formulação: (1) onde E é a energia de compactação, P o peso do soquete, n o número de camadas, N o número de golpes, V o volume do cilindro e h a altura de queda. Neste caso, o número de golpes correspondente ao soquete de 4,5kgf, para o solo compactado em cinco (5) camadas e um cilindro de volume igual 3256,11cm3, foi de 19 golpes. Em seguida, deu-se inicio a fase de saturação e expansão. Nesse estágio, os corpos de prova, dentro do molde cilíndrico, foram imersos em água e sobre o molde cilíndrico instalado um aparato para determinação da expansão linear vertical. Para tal, foi utilizado um extensômetro de resolução de 0,01mm. A Figura 2, apresenta um conjunto cilindro, corpo de prova e extensômetro durante a fase de saturação e expansão. Figura 2 – Processo de saturação e expansão. A imersão foi realizada no decorrer de 96 horas. A cada 24 horas, eram feitas leituras nos extensômetros a fim de medir os deslocamentos verticais. Ao fim das 96 horas, o conjunto cilindro e corpo de prova foi retirado do recipiente com água e por 15 minutos foi retirado o excesso d´água e iniciado o processo de penetração. Para tal, o cilindro foi instalado em uma prensa, vista na Figura 3, a qual é empregada em ensaios oedométricos de taxa de deslocamento constante (CRD), devido à facilidade de aquisição automática de dados. 2.3 Ensaio de coluna O ensaio de coluna foi realizado em permeâmetros de parede rígida com aplicação da carga realizada por meio de um sistema de pressão a ar comprimido (vide Figura 4). O fluxo é vertical ascendente e o percolado é coletado em reservatórios de acrílico, vistos na Figura 5. Foram compactadas no interior do permeâmetro três amostras distintas, sendo uma sem adição de resíduo e outras duas com 10% e 20% de adição de resíduo do processo SulfaTreat. Os corpos de provas foram compactados estaticamente no interior do permeâmetro no teor de umidade ótima mais 2%. Este procedimento foi empregado a fim de facilitar a compactação e minimizar a possibilidade de aparecimento de caminhos preferenciais de percolação entre a parede do permeâmetro e o corpo de prova. Além disto, este teor de umidade proporciona que o corpo de prova atinja mais facilmente a saturação. Figura 3 – Equipamento empregado no ensaio. Durante a fase de penetração empregou-se uma célula de carga para monitorar a resistência do solo a penetração e um transdutor de deslocamento para medir a penetração. Os transdutores foram conectados a uma unidade de aquisição de dados que procedia a leitura e o armazenamento do sinal dos transdutores a cada 15 segundos. Durante o ensaio, empregou-se uma velocidade de carregamento de 1mm/min. O Índice de Suporte Califórnia é obtido através da razão da tensão necessária a penetração de 2,5mm e 5,0mm no material ensaiado a tensão necessária à mesma penetração do material pétreo padrão, de acordo com: (2) O material padrão, uma brita, segundo a NBR-9895 precisa de uma tensão de 70kgf/cm2 para a penetração de 2,5mm e 105kgf/cm2 para a penetração de 5mm. De acordo com a NBR9895, o Índice de Suporte Califórnia é o maior valor calculado entre as duas penetrações. Figura 4 – Detalhe do sistema de aplicação de pressão e dos permeâmetros de parede rígida. Figura 5 – Detalhe dos frascos coletores de percolado. O equipamento, visto na Figura 6, foi projetado na PUC-Rio especialmente para ensaios com produtos potencialmente perigosos. A parede interna do permeâmetro é construída em Teflon® para não causar interferência com a solução líquida a ser percolada durante o ensaio. 3 RESULTADOS OBTIDOS As Figuras 6 e 7 apresentam a relação teor de umidade versus massa específica seca para o solo Pederva e para o resíduo. A linha amarela representa a curva de saturação enquanto que a linha vermelha foi obtida através de um ajuste de tendência com os pontos determinados no ensaio de compactação. Conforme pode ser observado nas Figuras 6 e 7 o respectivos teores de umidades ótimas são, 20% para a matriz terrosa e de 49% para o resíduo. A Tabela 1 apresenta o resultado do teste de expansão dos corpos de prova de solo incorporados com 10% e 20% de resíduo. 1,90 Massa Específica Seca (g/cm³) 1,80 1,70 1,60 1,50 1,40 1,30 1,20 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 Teor de Umidade (%) Figura 6 – Matriz Terrosa - Relação teor de umidade versus massa específica seca 1,30 Massa Específica Seca (g/cm³) A carga constante é aplicada através de um sistema de pressão, por meio de uma interface ar e água, vista na Figura 4, que permite a imposição da carga hidráulica. A carga hidráulica imposta foi monitorada no transcorrer dos ensaios por intermédio de um transdutor de pressão conectado a um sistema de aquisição de dados. A fim de determinar a permeabilidade dos corpos de prova, foi medido o volume percolado por intermédio de mini-balanças eletrônicas, com capacidade nominal de 1kg e resolução de 1g, o que permitia a medição de volumes da ordem de 1mL. As balanças eram ligadas a um sistema de aquisição de dados que permitiu a leitura direta e contínua. Os ensaios visavam a desorver os constituintes perigosos da incorporação do resíduo ao solo Pederva através da percolação de água deionizada, que simularia a água de chuva. Não se utilizou água potável dada à presença de cloro residual que poderia interferir nos resultados. Dada a inexistência de dados sobre a composição do resíduo, resolveu-se determinar os seus constituintes mais perigosos através de ensaios de lixiviação e solubilização. Estes ensaios foram conduzidos seguindo os ditames das NBR 10.005 e 10.006. Estes constituintes seriam os analisados nas amostras dos fluidos percolados. 1,20 1,10 1,00 0,90 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 Teor de Umidade (%) Figura 7 – Resíduo do processo SulfaTreat - Relação teor de umidade versus massa específica seca Tabela 1 – Resultado do teste de expansão. Teor de Altura (mm) Expansão (%) Incorporação Inicial Final do Resíduo 10% 119,3 125,92 5,55 20% 119,3 125,12 4,88 Verifica-se que a expansão foi elevada para ambos os teores de incorporação de resíduo, sendo que esta apresentou uma diminuição em relação ao teor de incorporação. Os resultados apresentados sugerem que, dado o elevado grau de expansão, a incorporação do resíduo ao solo Pederva inviabiliza o seu emprego como material de base, sub-base e subleitos em obras rodoviárias. A Tabela 2 apresenta os resultados do ensaio de penetração, Índice Suporte Califórnia. Observa-se uma redução no Índice de Suporte Califórnia com a elevação do teor de incorporação do resíduo ao solo Pederva. Tabela 2 – Resultado do Índice Suporte Califórnia. Corpo Tensão (kgf/cm2) I.S.C. (%) Penetração de Brita Corpo de Parcial Total (mm) Padrão prova prova 2,50 70 2,45 3,50 10% 3,50 5,00 105 2,15 2,05 2,50 70 1,15 1,64 20% 2,02 5,00 105 1,12 2,02 O valor do Índice para ambas as incorporações foi muito baixo. Caso este índice seja empregado para avaliar o desempenho das misturas como material de pavimentação, recomenda-se que as misturas resultantes da incorporação do resíduo do processo SulfaTreat ao solo Pederva sejam empregadas como material de sub-leito. Um material com ISC inferior a três (3) apresenta um baixo desempenho como material para base de pavimentos. Os resultados das análises químicas realizadas no resíduo estão apresentados na Tabela 3. Os resultados apenas apresentam os elementos que estão acima do valor máximo permitido. As análises químicas conduzidas nos extratos lixiviados não detectaram concentrações de nenhum elemento analisado com valor acima do máximo permitido. Tabela 3 – Constituintes perigosos do resíduo do processo SulfaTreat Limite Resultad Valor de Parâmetro Unidade o da Máximo Detecçã Análise Permitido o Solubilizado Alumínio mg/L 0,005 407 0,2 Cromo mg/L 0,005 3,85 0,05 Total Zinco mg/L 0,005 7,32 5,0 Os resultados revelaram que o resíduo do processo SulfaTreat é um resíduo não-inerte Classe II A, dada a concentração dos elementos alumínio, zinco e cromo estarem acima da permitida no extrato do solubilizado. Em função destes resultados, resolveu-se monitorar a concentração de alumínio, cromo e zinco nas amostras do percolado por meio da realização do ensaio de coluna. Para a realização do ensaio de coluna, os corpos de prova foram compactados com um teor inicial correspondente a umidade ótima do solo Pederva. Este teor de umidade proporciona um corpo de prova com um valor próximo a 100% de saturação, indicado pela curva amarela na Figura 7, o que minimiza o tempo necessário para saturar os corpos de prova durante a realização do ensaio de coluna. A Tabela 4 mostra que o teor de umidade ao final do processo de compactação não atingiu a meta pré-estabelecida, i.e. 20%. O corpo de prova com o solo Pederva ficou bem abaixo desta meta. Já o corpo de prova com 10% de incorporação de resíduo ficou com um teor de umidade ligeiramente inferior a meta enquanto que o corpo de prova com 20% de incorporação ficou com um teor de umidade ligeiramente acima. Tabela 4 – Umidades dos corpos de prova no ensaio de coluna Solo + 10% Solo + 20% Amostra Solo de resíduo de resíduo Umidade (%) 13,33 18,99 23,09 Os ensaios de coluna realizados nas misturas com e sem incorporação revelaram uma redução do valor da condutividade hidráulica do solo Pederva com a incorporação do resíduo. Os valores apresentados na Tabela 5 mostram que o material resultante da incorporação apresenta uma condutividade hidráulica semelhante à de solos silto-argilosos. Tabela 5 – Valores de Condutividade Hidráulica. Amostra Sem resíduo Com 10% de Resíduo Com 20% de Resíduo k (cm/s) q (cm3/s) 2,38 x 10-4 0,296 i 3,32 2,83 x 10-4 0,351 3,32 2,22 x 10-5 0,028 3,32 Os valores das concentrações dos constituintes de interesse no percolado, e.g. teor de zinco,alumínio e zinco, estão descritos na Tabela 6. As análises foram realizadas em amostras de 500mL. Para a amostra sem incorporação de resíduo, o volume de 500mL corresponde a 7,42 vezes o seu volume de vazios; enquanto que para a amostra com 10% e 20% de resíduo incorporado, o volume de 500mL representa, respectivamente, 5,57 e 4,31 vezes o volume de vazios. Caso consideremos a advecção como o principal mecanismo de transporte, um gradiente hidráulico unitário, e que o pavimento a ser construído tenha uma espessura de 30cm, o tempo simulado pelos ensaios é cerca de 7 dias para a incorporação de 10% de resíduo ao solo Pederva e 67 dias para a incorporação de 20% de resíduo ao solo Pederva Os resultados apresentados na Tabela 6 revelaram que as concentrações de alumínio e zinco ficaram superiores aos padrões de potabilidade de água recomendados pelo Ministério da Saúde e que não foi detectada mobilização do cromo. Constatou-se também que as concentrações de alumínio e zinco detectadas no percolado é função do teor de incorporação. Em face disto, sugere-se que a incorporação do resíduo do processo SulfaTreat ao Solo Pederva torna o material resultante inadequado para aplicação em pavimento. 4 CONCLUSÕES Os materiais ensaiados apresentaram uma elevada expansibilidade. Os resultados sugerem que, dado o elevado grau de expansão, o que inviabiliza o seu emprego como material de base, sub-base e subleitos em obras rodoviárias. Os resultados desfavoráveis devem-se em parte a presença de uma grande quantidade de finos nos materiais resultantes. Ressalta-se que um dos constituintes do solo é a ilita, um argilomineral expansivo. O valor do Índice de Suporte Califórnia revela que ambas as incorporações só podem serem empregadas como material de sub-leito. Já os resultados dos ensaios de coluna nos materiais resultantes da incorporação revelaram que as concentrações de alumínio e zinco ficaram superiores aos padrões de potabilidade de água recomendados pelo Ministério da Saúde e que não foi detectada mobilização do cromo. Constatou-se também que as concentrações de alumínio e zinco detectadas no percolado é função do teor de incorporação. Com base na análise conjunta dos resultados, sugere-se que os materiais resultantes da incorporação do resíduo do processo Sulfatreat são inadequados para utilização em pavimentos. REFERÊNCIAS Associação Brasileira de Normas Técnicas (1984). NBR06457 Preparação para Ensaios de Compactação e Ensaios de Caracterização. SP. Associação Brasileira de Normas Técnicas (2004). NBR10004 Resíduos Sólidos - Classificação.SP. Associação Brasileira de Normas Técnicas (2004). NBR10005 Lixiviação de Resíduos -Procedimento. São Paulo. Associação Brasileira de Normas Técnicas (2004). NBR10006 Solubilização de Resíduos-Procedimento. São Paulo. Ministério da Saúde (2004). Procedimentos e responsabilidades rel ao controle e vigilância da qualidade água para consumo humano e seu padrão de potabilidade.Portaria N0 518 de 25 de março de 2004. Brasília, DF. Tabela 6 – Concentração dos Constituintes de Interesse no Percolado Unidades Alumínio Cromo Zinco Branco L.D. Solo N.D. N.D. N.D. 0,001 0,010 0,001 N.D. N.D. N.D. N.D. não detectado / L.D. limite de detecção analítico Solo + 10% de Resíduo Solo + 20% de Resíduo (mg/L) 77,79 217,47 N.D. N.D. 8,44 37,12 VMP (1) 0,2 0,05 5,0