PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Relações Internacionais A IMPORTÂCIA DOS REGIMES INTERNACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA: a UNESCO e o Plano Nacional de Educação de 2001 Carolina Senra Nogueira da Silva Belo Horizonte 2011 Carolina Senra Nogueira da Silva PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS A IMPORTÂCIA DOS REGIMES INTERNACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA: a UNESCO e o Plano Nacional de Educação de 2001 Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Linha de Pesquisa: Desenvolvimento e desigualdades internacionais. Orientador: Prof. Dr. Otávio Soares Dulci Belo Horizonte 2011 FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais S586i Silva, Carolina Senra Nogueira da A importâcia dos regimes internacionais para a educação brasileira: a UNESCO e o Plano Nacional de Educação de 2001/ Carolina Senra Nogueira da Silva. Belo Horizonte, 2011. 139f. : il. Orientador: Otávio Soares Dulci Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. 1. Educação internacional. 2. Plano Nacional de Educação (Brasil). 3. UNESCO. I. Dulci, Otávio Soares. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. III. Título. CDU: 37.014 Carolina Senra Nogueira da Silva A IMPORTÂCIA DOS REGIMES INTERNACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA: a UNESCO e o Plano Nacional de Educação de 2001 Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Relações Internacionais. __________________________________________________________ Professor Doutor Otávio Soares Dulci (ORIENTADOR) – PUC Minas __________________________________________________________ Professor Doutor Cristiano Garcia Mendes (COORIENTADOR) – PUC Minas __________________________________________________________ Professora Doutora Lusia Ribeiro Pereira – (PROFESSOR EXTERNO) – PUC Minas __________________________________________________________ Professora Doutora Matilde de Souza – (SUPLENTE) – PUC Minas Belo Horizonte, 28 de fevereiro de 2011. A Deus, força criadora de toda vitória e de toda uma vida; à minha querida família, ao meu único e incansável Márcio, pelo carinho, força, conhecimento e amor incondicionais; ao meu professor, Doutor Otávio Soares Dulci; e a todos aqueles que acreditam, assim como Khalil Gibran que afirmou: “a sabedoria é a única riqueza que os tiranos não podem expropriar e a simplicidade é o último degrau da sabedoria”. AGRADECIMENTOS A Deus, por tornar possível e concreta a vida, bem maior. A Ele, toda a glória! Aos meus pais, Martha e João Carlos, pelo amor incondicional e pela vida, pelos exemplos e pelas advertências, muitas vezes mal compreendidas, todavia estrategicamente direcionadas: a formação de uma pessoa cada vez melhor. Ao meu querido Márcio Eduardo, exemplo de amor e dedicação ao conhecimento; agradeço imensamente pelo imensurável amor, carinho e dedicação em todos os momentos, sendo, ainda, meu maior e único incentivador, a quem dedico todas as páginas desse trabalho, assim como todas as páginas da minha vida. Aos meus irmãos João Carlos e Bernardo, frutos de um mesmo ventre. A família Pedrosa Morais, por me acolher de maneira tão afetuosa. À minha querida e pequena Lilica, companheira de muitos momentos de alegria e brincadeiras. Ao meu Orientador, Professor Doutor Otávio Soares Dulci, quem não apenas me ajudou neste estudo, mas em todo o curso. Não foi apenas um orientador, mas um grande amigo, paciente, competente e dedicado. A Professora Doutora Lusia Ribeiro Pereira, pela importante presença na banca, engrandecendo-a. Aos meus professores, por me ensinarem que o conhecimento é o caminho e que realmente ele pode mudar uma história. Especialmente aos professores Doutores Cristiano Garcia Mendes, Matilde de Souza, e a todos os outros docentes do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Relações Internacionais da Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais, pela missão árdua, todavia, bela, de ensinar. Aos funcionários, colegas e amigos da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. A todos que, mesmo sem saberem, ajudaram-me na concretização de mais esta fase (ainda inicial) da minha caminhada acadêmica. “A aprendizagem é a nossa própria vida, desde a juventude até a velhice, de fato quase até a morte; ninguém passa dez horas sem nada aprender.” Paracelso RESUMO Objetiva-se analisar, por intermédio do presente trabalho, o tema A IMPORTÂCIA DOS REGIMES INTERNACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA: a UNESCO e o Plano Nacional de Educação de 2001. Tal estudo iniciar-se-á com uma abordagem histórica acerca dos conceitos de educação e de cidadania, discorrendo acerca da importância da educação na consolidação da cidadania. Após esse estudo, analisar-se-á a educação no Brasil contemporâneo, tendo-se como referencial a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88, tendo-se em vista ser a educação um direito fundamental do indivíduo. No que se refere às bases da educação brasileira contemporânea, é importante salientar terem sido as mesmas instituídas por intermédio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a qual originou o Plano Nacional de Educação de 2001. Assim, após um breve ensaio histórico acerca da educação brasileira, abordar-se-á o conceito de Regimes Internacionais e a questão da efetividade para então se verificar a efetividade da UNESCO com relação à Declaração de Dakar e assim entender os resultados do Plano Nacional de Educação de 2001. Palavras-chave: Brasil. Declaração de Dakar. Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Educação. Plano Nacional de Educação. Regimes Internacionais. UNESCO. ABSTRACT It aims to examine, through the present work, the theme THE IMPORTANCE OF INTERNATIONAL REGIMES FOR BRAZILIAN EDUCATION: the UNESCO and the National Education Plan of 2001. This study will begin with a historical overview about the concepts of education and citizenship, discussing about the importance of education in the consolidation of citizenship. After this study, will examine education in contemporary Brazil, taking as reference the Constitution of the Federative Republic of Brazil in 1988 – CRFB/88, keeping in view that education is a fundamental right of the individual. With regard to the bases of contemporary Brazilian education is important to note they have been instituted through the Law of Directives and Bases of Education, which led the National Education Plan 2001. So after a brief historical essay on the Brazilian education, will address the concept of International Regimes and the question of effectiveness so as to verify the effectiveness of UNESCO with respect to the Dakar Declaration and thus to understand the results of the National Education Plan 2001. Keywords: Brazil. Dakar Declaration. World Declaration on Education for All. Education. National Education Plan. International Regimes. UNESCO. LISTA DE ABREVIATURAS Abr. – Abril Ago. – Agosto Dez. – Dezembro Ed. – Edição Jan. – Janeiro Jun. – Junho Jul. – Julho N. – Número Nov. – Novembro Org. – Organizador Out. – Outubro P. – Página Rev. – Revista Set. – Setembro Trad. – Tradução V. – Volume LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Dados da Educação brasileira 2010............................................. 97 FIGURA 2 Taxa de Atendimento no Ensino Fundamental........................... 101 FIGURA 3 Matrículas no ensino Fundamental de 9 anos e oferta de EJA entre 2001 e 2009.................................................................................................. 102 FIGURA 4 Acesso à Educação Infantil......................................................... 103 FIGURA 5 Salário Médio dos professores (em reais).................................. 104 LISTA DE SIGLAS ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas CONAE – Conferência Nacional de Educação CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 EJA – Educação de jovens e adultos EPT – Educação para Todos IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH – Índice de Desenvolvimento Humano INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais MEC – Ministério da Educação e da Cultura ONG – Organização Não-Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNE – Plano Nacional de Educação PUC MG – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica SF – Senado Federal UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................12 2 A EDUCAÇÃO COMO FATOR DE UNIVERSALIZAÇÃO DA CIDADANIA .........16 2.1 Por um conceito de educação..........................................................................16 2.2 Por um conceito de cidadania..........................................................................23 3 A EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: O LEGADO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA ............................................................................................................30 3.1 A educação no Brasil-Colônia..........................................................................31 3.2 A educação no Brasil-Império..........................................................................33 3.3 A educação na república brasileira .................................................................35 3.3.1 A educação na Constituição de 1891 ...........................................................36 3.3.2 A educação na Constituição de 1934 ...........................................................37 3.3.3 A educação na Constituição de 1937 ...........................................................39 3.3.4 A educação na Constituição de 1946 ...........................................................40 3.3.5 A educação na Constituição de 1967 ...........................................................41 3.4 A Constituição brasileira de 1988 e a consagração da educação como um direito fundamental .................................................................................................42 3.2.1 A Nova Lei de Diretrizes e Base para a Educação ......................................47 3.2.2 O Plano Nacional de Educação de 2001.......................................................50 4 POR UMA DEFINIÇÃO DE REGIMES INTERNACIONAIS...................................52 4.1 A interdependência e cooperação ...................................................................52 4.2 Teoria da Estabilidade Hegemônica ................................................................56 4.3 O que são regimes internacionais ...................................................................58 4.3.1 Análise crítico-conceitual de regimes internacionais .................................63 4.4 A questão da efetividade dos Regimes Internacionais..................................67 4.4.1 Neoliberalismo e regimes internacionais.....................................................68 4.4.2 Os regimes internacionais e sua efetividade...............................................71 5 O REGIME INTERNACIONAL DA EDUCAÇÃO: A UNESCO E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA ............................................................................................................82 5.1 A importância da UNESCO no fomento da educação mundial .....................82 5.1.1 Breves considerações sobre a UNESCO .....................................................83 5.1.2 Diretrizes da Declaração Mundial Sobre Educação Para Todos ................87 5.1.3 Diretrizes da Declaração de Dakar................................................................90 5.2 A UNESCO e a educação brasileira .................................................................93 5.2.1 A situação atual da educação brasileira ......................................................95 5.2.1.1 Os dados referentes à educação brasileira ..............................................95 5.2.1.2 Os resultados do Plano Nacional de Educação de 2001 .........................99 5.3 Quanto à efetividade da UNESCO no desenvolvimento da educação mundial...................................................................................................................104 6 CONCLUSÕES ....................................................................................................116 REFERÊNCIAS.......................................................................................................121 ANEXO 1 - LEI N.º 10.172, DE 9 DE JANEIRO DE 2001. .....................................130 ANEXO 2 - DECLARAÇÃO DE DAKAR. ...............................................................131 ANEXO 3 – METAS DO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO 2011....................137 12 1 INTRODUÇÃO Objetiva-se por intermédio do presente trabalho discorrer sobre a importância da UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) no desenvolvimento da educação no Brasil, especificamente sobre sua influência no Plano Nacional de Educação de 2001. Tal estudo possui relevância tendo em vista ser a educação um dos pilares de sustentação do desenvolvimento de todos os Estados, sendo importante para o progresso social. Neste sentido, a importância da educação na sociedade atual é inegável, uma vez que o grau de conhecimento dos indivíduos afeta diretamente a dinâmica social e econômica de um país. John W. Meyer (1977) analisa a educação considerando-a uma instituição, já que para o mesmo, a educação constitui um mecanismo central no que se refere ao aspecto público de uma pessoa e na organização social, influenciando as mudanças nas vidas dos cidadãos e criando novas competências e capacidades. Nestes termos: Educação é um elemento central na biografia pública dos indivíduos, afetando grandemente as chances em suas vidas. Também é um elemento central na tabela da organização social, construindo competências e ajudando a criar profissões e profissionais. Tal instituição claramente tem um impacto na sociedade sob e sobre as imediatas experiências sociais que oferece aos jovens. (MEYER, 1977, p. 55, tradução nossa). Durante a Segunda Guerra Mundial evidenciou-se a necessidade de se fortalecer o planejamento na área econômica. A educação, desde então, tem-se destacado nas discussões no cenário internacional devido à sua importância para o desenvolvimento social e econômico dos países, como salientado. Haja vista tal relevância, diversos acordos internacionais para o desenvolvimento da educação foram celebrados, o direito à educação tornou-se, em pouco tempo, uma questão não só de diretrizes internas, mas também e, sobretudo internacionais. Marx e Engels (1980) já falavam em uma internacionalização do conhecimento: Em lugar do antigo isolamento de regiões e nações que se bastavam a si próprias, desenvolve-se um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações. E isso se refere tanto à produção material como à produção intelectual. As criações intelectuais de uma nação tornamse propriedade comum de todas. A estreiteza e o exclusivismo nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis; das inúmeras literaturas nacionais e 13 locais, nasce uma literatura OTRANTO,1980, p.13) universal. (MARX; ENGELS apud Um importante marco histórico para o Brasil no campo da educação, no que se refere à interpolação entre o nacional e internacional, foi sua participação em 1990 em Jomitien, na Tailândia, na elaboração da Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, assinando-a logo em seguida. Desde então, o direito à educação passou a ser encarado não só como uma política de governo, mas também e sobretudo, uma política de Estado, com a participação brasileira em várias conferências sobre o tema. Destarte, notar-se-á que as instituições e as normas internacionais são relevantes como também possuem um papel influenciador no cenário internacional. As Organizações Internacionais, apesar de serem criadas pelos seus Estados membros, tem certa autoridade sobre eles, sendo influenciadores da dinâmica internacional. Nestes termos, as Organizações Internacionais não podem ser vistas como um mero produto das vontades dos Estados, dos interesses de seus membros. Elas angariam certa autonomia e são capazes de modificar as expectativas de seus membros e influenciar não somente suas políticas internacionais, mas também no âmbito nacional. É nestes termos, que se analisa, por intermédio do presente trabalho, a participação da UNESCO no incentivo e desenvolvimento da educação brasileira, especificamente no que se refere ao Plano Nacional de Educação, Lei n.º 10.172 de 20011, Plano este que foi implementado no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. É importante também salientar que este não foi o primeiro plano para educação criado pelo governo federal. A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1961, instituiu o primeiro Plano Nacional de Educação. Tal plano não foi proposto na forma de um projeto de lei, mas apenas como uma iniciativa do Ministério da Educação e Cultura, iniciativa essa aprovada pelo então Conselho Federal de Educação. O referido plano consistia basicamente num conjunto de metas quantitativas e qualitativas a serem alcançadas num prazo de oito anos. Em 1965, o mesmo sofreu uma revisão, quando foram introduzidas normas descentralizadoras e estimuladoras 1 Vide anexo1. 14 da elaboração de planos estaduais. Em 1966, uma nova revisão, que se chamou Plano Complementar de Educação, introduziu importantes alterações na distribuição dos recursos federais, beneficiando a implantação de ginásios orientados para o trabalho e o atendimento de analfabetos com mais de dez anos. (BRASIL, 2009). Em relação ao histórico do Plano de 2001, diversas entidades foram consultadas para sua elaboração, tendo teoricamente a participação de vários organismos nacionais ligados à educação, como também entidades internacionais como a UNESCO. Nestes termos: Em 11 de fevereiro de 1998, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional a Mensagem 180/98, relativa ao projeto de lei que "Institui o Plano Nacional de Educação". Iniciou sua tramitação na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei n.º 4.173, de 1998, apensado ao PL n.º 4.155/98, em 13 de março de 1998. Na Exposição de Motivos destaca o Ministro da Educação a concepção do Plano, que teve como eixos norteadores, do ponto de vista legal, a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e a Emenda Constitucional n.º 14, de 1995, que instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. Considerou ainda realizações anteriores, principalmente o Plano Decenal de Educação para Todos, preparado de acordo com as recomendações da reunião organizada pela UNESCO e realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1993. Além deste, os documentos resultantes de ampla mobilização regional e nacional que foram apresentados pelo Brasil nas conferências da UNESCO constituíram subsídios igualmente importantes para a preparação do documento. Várias entidades foram consultadas pelo MEC, destacando-se o Conselho Nacional de Secretários de Educação - CONSED e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação - UNDIME. (BRASIL, 2009). Destarte essa nova lei educacional dispõe de vários objetivos e metas que seriam alcançados em um prazo de dez anos, período de validade do plano. Ou seja, uma lei temporária, o que consta expressamente em seu texto, especificamente no seu primeiro artigo, salientando que várias dessas metas e objetivos são decorrentes de metas estipuladas pela UNESCO. Estados e municípios ficaram responsáveis pela elaboração de planos correspondentes aos dispositivos da nova lei, e a comunidade em acompanhar, incentivando uma maior participação da mesma no processo educativo. Com a internacionalização dos direitos humanos, várias questões que anteriormente se limitavam à esfera nacional, foram trazidas para as discussões através de conferências internacionais. Assim, a educação, questão de relevância no que se refere aos direitos fundamentais foi tema importante em diversos debates com o objetivo de pensá-la de forma mais ampla em um contexto internacional. 15 Neste sentido, estruturalmente, a dissertação se divide em quatro seções. Na primeira seção será realizada uma abordagem teórica e histórica acerca dos conceitos de educação e de cidadania, tendo-se como foco a importância da educação na consolidação da cidadania. Na seção seguinte será feito um esboço histórico da educação no Estado brasileiro, desde o período colonial à Constituição de 1988. Por sua vez, na terceira seção, discorrer-se-á sobre a estrutura e gênese dos regimes internacionais, com o objetivo de tecer elementos para se analisar a importância da UNESCO, tendo-se em vista o fato de a mesma ser um regime internacional, para que, na quarta seção, possa-se analisar a importância da UNESCO no desenvolvimento da educação no Brasil, especificamente sobre sua influência no Plano Nacional de Educação de 2001, que é o objeto do presente trabalho. A princípio, para a efetivação do estudo proposto, serão utilizados vários dados secundários, como uma ampla bibliografia nas áreas de História (principalmente no que ser refere à história da educação no Brasil), Direito (educação como um Direito Humano, Constituições brasileiras) e principalmente de Relações Internacionais (Debate Neo-Neo, interdependência e cooperação, e sobretudo, a respeito de Regimes Internacionais). Além dessas fontes, serão utilizados dados gerais, como documentos oficiais, tanto na esfera nacional (Lei de Diretrizes e Bases para Educação e o Plano Nacional de Educação de 2001) como também internacional (Declaração Mundial Sobre Educação para Todos e Declaração de Dakar). Será necessário, ainda, um levantamento de dados estatísticos junto ao Ministério da Educação e outros órgãos nacionais e internacionais com a finalidade de avaliar os resultados do Plano Nacional de Educação de 2001 como também da educação brasileira em aspecto amplo. Destarte, é através dessa metodologia (utilização de dados gerais, estatísticos e secundários) que objetivar-se-á analisar a importância da educação, seu aspectos históricos e sociais, averiguando-se a satisfatoriedade ou não, no que se refere aos resultados do Plano Nacional de Educação de 2001, relacionando esses resultados com a efetividade ou não da UNESCO no que tange à Declaração de Dakar. 16 2 A EDUCAÇÃO COMO FATOR DE UNIVERSALIZAÇÃO DA CIDADANIA Objetiva-se nesta seção abordar a educação como fator de universalização da cidadania. Assim, num primeiro momento, será apresentado um esboço histórico da educação na história da civilização, tendo em vista o seu conceito; em seguida será apresentado o conceito de cidadania, para posteriormente se analisar a relação entre educação e cidadania. 2.1 Por um conceito de educação De acordo com Nicola Abbagnano (2007) denomina-se como educação a: [...] transmissão e o aprendizado das técnicas culturais, que são as técnicas de uso, produção e comportamento, mediante as quais um grupo de homens é capaz de satisfazer suas necessidades, proteger-se contra a hostilidade do ambiente físico e biológico e trabalhar em conjunto, de modo mais ou menos ordenado e pacífico. Como o conjunto dessas técnicas se chama cultura, uma sociedade humana não pode sobreviver se sua cultura não é transmitida de geração para geração; as modalidades ou formas de realizar ou garantir essa transmissão chamam-se educação. (ABBAGNANO, 2007, p. 305). Ainda de acordo com Abbagnano (2007), esse é o conceito generalizado de educação, o qual se tornou indispensável graças à consideração do fenômeno não só nas sociedades chamadas civilizadas, como também nas sociedades primitivas. As formas de educação nesses dois tipos de sociedade não apresentam diferenças de desenvolvimento ou grau (como geralmente se crê), mas de atitude ou orientação. Neste sentido: A sociedade primitiva caracteriza-se pelo fato de que nela a educação visa garantir a imutabilidade das técnicas de que dispõe; por isso tende a atribuir caráter sacro a tais técnicas, o que leva a proibir como sacrílega qualquer inovação ou correção. Uma sociedade civilizada está, acima de tudo, aparelhada para enfrentar situações novas ou em mudança; logo, tende a tornar flexíveis e corrigíveis as técnicas de que dispõe e a confiar à educação a tarefa não só de transmiti-las, mas também de corrigi-las e aperfeiçoá-las. Sem dúvida, essas duas orientações nunca se acham em estado puro: não existem sociedades absolutamente primitivas, que não permitam — ainda que sub-repticiamente — correções ou modificações lenta em suas técnicas, assim como não existem sociedades absolutamente 17 civilizadas que permitam a rápida e incessante correção das técnicas mais delicadas, que não são as técnicas de uso e produção de objetos, mas as que controlam a conduta dos indivíduos e seus comportamentos recíprocos. (ABBAGNANO, 2007, p. 306). Nestes termos, distinguem-se duas formas fundamentais de educação: a que simplesmente se propõe transmitir as técnicas de trabalho e de comportamento que já estão em poder do grupo social e garantir a sua relativa imutabilidade; e a que, através da transmissão das técnicas já em poder da sociedade, se propõe formar nos indivíduos a capacidade de corrigir e aperfeiçoar essas mesmas técnicas. O primeiro conceito de educação, como salientado, é posto em prática pelas “sociedades primitivas e também, parcialmente, nas sociedades secundárias, sobretudo no que tange à educação moral e religiosa”. (ABBAGNANO, 2007, p. 306). Deste modo, continua Abbagnano (2007) salientando que a educação: Consiste na transmissão pura e simples das técnicas consideradas válidas e na transmissão simultânea da crença no caráter sagrado, portanto imutável, de tais técnicas. Na tradição pedagógica do Ocidente, esse conceito de educação, por motivos óbvios, foi formulado e defendido poucas vezes. [...] Nesse aspecto, a educação é definida não do ponto de vista da sociedade, mas do ponto de vista do indivíduo: a formação do indivíduo, sua cultura, tornam-se o fim da educação. A definição de educação na tradição pedagógica do Ocidente obedece inteiramente a essa exigência. A educação é definida como formação do homem, amadurecimento do indivíduo, consecução da sua forma completa ou perfeita: portanto, como passagem gradual – semelhante à de uma planta, mas livre – da potência ao ato dessa forma realizada. Esses conceitos repetem-se com tal uniformidade na tradição pedagógica que não chegam a constituir novidade do ponto de vista filosófico. (ABBAGNANO, 2007, p. 306). Assim, é de se salientar que o termo educação não se limita ao científico, ao acadêmico, mas sim a um caminho na busca pelo amadurecimento por intermédio da experiência, por aquilo que é fruto da vida, ou seja, o mesmo está ligado à dignidade do humano, ao respeito, ao desenvolvimento, sendo a educação, nos dizeres de István Mészáros (2008), um processo que deve perdurar por toda a vida de um indivíduo. A palavra educação é normalmente empregada com um sentido amplo, englobando diversos pontos que podem ser distintos, sem ter necessariamente características comuns. Assim, parece normal pensá-la através da influência das coisas sobre o homem e entre os homens. Seguindo essa esteira filosófica, muitos pensadores tentaram definir a palavra educação, moldando e especificando o termo a partir de suas análises e experiências. Este tema sempre foi de constante interesse entre os mesmos, de tal 18 forma que se pode facilmente remeter o tema ao filósofo grego Sócrates (469-399 a.C.), que ficou conhecido por exercitar seus ensinamentos em praça pública (ágora), marco divisório da filosofia ocidental e constante interessado na educação como fator de desenvolvimento pessoal e social. Para Sócrates a educação deveria fazer brotar em seus discípulos as virtudes que já estavam dentro de cada um, para isso o mesmo utilizava um procedimento denominado de método maiêutico, que significa técnica de trazer à luz, o qual se dividia em duas fases: ironia e a maiêutica. Num primeiro passo far-se-ia uma contradição aos postulados de um tema (ironia), após isso as ideias eram concebidas, “dadas à luz”, daí o termo maiêutica, que em grego significa “parto, dar à luz”. Como cediço, da Grécia surgiram diversos pilares estruturantes da civilização ocidental, dentre eles o setor educacional. Nesse sentido: Situada entre as mais desenvolvidas civilizações da Antiguidade, a Grécia possuía, como suporte deste desenvolvimento, um notável acúmulo de saber, guardado na mente dos homens de sua sociedade. Todo este acúmulo de conhecimentos humanos, que é a base do progresso social, estaria destinado a um rápido desaparecimento se não fosse preservado ao longo dos anos, transmitido de geração em geração, através do processo educacional. (COTRIM; PARISI, 1984, p. 100). Dentro do pensamento grego, outros filósofos também se interessaram pelo tema educação, principalmente Platão (427-348 ou 347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.). Para Platão, a educação possuía um papel fundamental na reorganização da sociedade, devendo o governo ser controlado por filósofos, os únicos capazes de solucionar os problemas sociais com sabedoria e justiça, tendo em vista Platão acreditar que somente os mesmos possuíam a visão da verdade. Sócrates e Platão afirmavam que o principal objetivo da atividade educacional era despertar nos indivíduos as ideias que os mesmos já possuíam dentro de si. Contrário a tais postulados, Aristóteles afirmava que nada vinha à mente sem antes ter passado pelos sentidos, ou seja, para o Estagirita2 nenhum conhecimento seria inato ao homem. Outro pensador que dedicou sua filosofia ao tema foi Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), o qual desempenhou funções educacionais. Para ele a educação seria expressão da razão, a base da sociedade, defendendo a ideia da 2 Como também é conhecido Aristóteles, tendo em vista ter o mesmo nascido em Estagira na Macedônia. 19 centralidade do conteúdo, o qual sendo um direito e uma necessidade torna o homem mais livre e racional, desonerando-se de uma escravatura da ignorância. Outro teórico novecentista que abordou o tema educação foi o filósofo inglês John Stuart Mill (1806-1873), o qual assim a definiu: Tudo aquilo que fazemos por nós mesmos, e tudo aquilo que os outros intentam fazer com o fim de aproximar-nos da perfeição de nossa natureza. Em sua mais larga acepção, compreende mesmo os efeitos indiretos, produzidos sobre o caráter e sobre as faculdades do homem, por coisas e instituições cujo fim próprio é inteiramente outro: pelas leis, formas de governo, pelas artes industriais, ou ainda, por fatos físicos independentes da vontade do homem, tais como o clima, o solo, a posição geográfica. (MILL apud DURKHEIM, 1955, p. 26). Considerando as palavras de Stuart Mill, educação se caracteriza como sendo toda a ação que tem por objetivo último a perfeição. Também para Immanuel Kant (1724-1804), a ideia de perfeição está arraigada ao termo, assim, para ele, o fim da educação seria desenvolver, em cada indivíduo, toda a perfeição de que ele seja capaz. Por sua vez, o historiador e filósofo escocês James Mill (1773-1836) entende a educação como tendo o objetivo de fazer do indivíduo um instrumento de felicidade, para si mesmo e para os seus semelhantes. Com tais considerações, verifica-se que o termo em si e seu objetivo variam quanto ao tempo, ao espaço e a pessoa que o define. O que se caracterizava como sendo uma simples atividade em uma dada época, pode tornar-se uma necessidade em um momento seguinte ou um direito no futuro, já que os objetivos vão sendo modificados ao longo da história. Assim, ao remeter-se à história na intenção de melhor entender o tema, verifica-se que nas cidades gregas e latinas, a educação não era concebida como meio formador de um indivíduo, mas de um ser fruto da coletividade. Na cidade de Atenas, o objetivo era formar um homem sensível e com a capacidade de usufruir daquilo que era belo, como também conferir-lhe o poder da especulação, ou seja, a educação visava ao aprimoramento da razão. Em Esparta a sensibilidade ficava de lado, o que se buscava era a instrução militar dos jovens e até mesmo das crianças, não havia a preocupação de instruí-los no que concerne à arte, as crianças aprendiam que o mais importante era a ação. A educação para os romanos se dirigia à integração do indivíduo à vida social, as virtudes do cidadão eram 20 valorizadas, objetivando-se as virtudes cívicas (da comunidade), em detrimento da individualidade. Durante a Idade Média, o foco não era nem a arte, nem a prática militar. Assim, a literatura foi introduzida às crianças e aos jovens, apesar de ser restritamente cristã, e não científica como atualmente. Havia durante esse período uma preocupação com o aspecto religioso do ensino, possuindo a educação uma base teológica. Durante a Renascença houve uma transferência de foco, passando-se de uma educação com base teológica para uma educação focada no homem (antropocêntrica). Nesse período, o desenvolvimento das ciências começou a substituir essa estrutura teológica medieval. Já no que se refere à educação contemporânea, deve se pautar pelo desenvolvimento global do indivíduo, sem se esquecer que o mesmo vive em sociedade. A educação deve possuir uma base comunitária, social. O que aprender? Para que aprender? Essas não são mais perguntas básicas. Mas sim: como usar os conhecimentos adquiridos para a formação, desenvolvimento de uma sociedade global mais justa. No que e como a educação pode contribuir para diminuir as desigualdades sociais, principalmente em uma época de intolerância, de desrespeito ao indivíduo, mesmo vivendo em um mundo globalizado, no qual as informações são transferidas instantaneamente. Essa variação no que tange ao objetivo maior da educação ao longo da história foi indispensável para a manutenção e aperfeiçoamento dos povos, pois foi o que conferiu a perpetuação da vida social. A necessidade de cada época que moldou o termo ao longo do tempo e do lugar, à medida que uma necessidade era suprida, outra se formava, essa ideia de capacidade de superação pode ser entendida como sendo desenvolvimento das civilizações. Nesse sentido, a educação é, sem dúvida, um dos pilares do desenvolvimento de um Estado. Em relação às instituições de ensino, historicamente as primeiras sociedades que criaram instituições de ensino foram a mesopotâmica e a egípcia. No império dos faraós o ensino era restrito aos membros das elites, estando os indivíduos menos abastados condenados a aprender o básico para poderem praticar o artesanato e a agricultura, atividades destinadas às camadas mais baixas das referidas sociedades. 21 No Egito antigo uma das principais funções da escola era formar os escribas, os responsáveis pelo uso dos hieróglifos e do sistema cuneiforme de escrita, o qual era utilizado como meio de comunicação entre as outras civilizações de então, o que garantiria o comércio entre a civilização egípcia e outras civilizações. No que se refere à educação clássica, a mesma tem os gregos como precursores. Nos mesmos moldes egípcios, os gregos forneciam o acesso à educação apenas às elites, especialmente aos filhos dos governantes, os quais deveriam aprender disciplinas relacionadas à política (como exemplo a filosofia e a oratória) e à guerra. Insta salientar que o modelo grego foi (instituído na civilização romana) absorvido pelos romanos, os quais acrescentaram a esse currículo as disciplinas de educação moral e cívica. Nesse sentido, a mais famosa escola do mundo clássico foi a Academia de Atenas fundada pelo filósofo Platão no início do século IV a.C. A Academia platônica teve Aristóteles como seu mais célebre estudante, tendo o Estagirita se matriculado na mesma com a idade de 17 anos. No método de ensino da Academia o conhecimento não era transmitido pelos pensadores aos alunos, mas sim criado e discutido entre os pensadores durante os encontros. Com o passar do tempo, na Idade Medieval, a instrução formal se restringiu à Igreja, estando essa vinculada ao catolicismo. No final da Idade Média surgiu na Europa o “mestre livre”, um educador que ensinava também àqueles que não eram clérigos. Esse “mestre livre” é a origem do tutor, profissional que formou os filhos da nobreza e da burguesia no período moderno. No final da Idade Média (476-1453), já passando para a Idade Moderna (1453-1789), com a cultura renascentista e humanista, surgiu a escola separada das questões religiosas, sendo essa uma das mais importantes mudanças trazidas pela Idade Moderna. No ano de 1789, com a Revolução Francesa, surgiram os ideais de uma escola gratuita e direcionada a todos os cidadãos, não sendo mais um privilégio das elites, sendo essa concepção, inclusive, um dos postulados da teoria dos direitos humanos, a qual ganhou impulso com a Revolução Francesa, especificamente por intermédio da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Assim, para se garantir liberdade, igualdade e fraternidade, os pilares ideológicos de sustentação da Revolução Francesa, far-se-ia necessário garantir direitos básicos, direitos peculiares à condição humana, dentre eles o direito à educação. 22 Já no início do século XIX, com o desenvolvimento da indústria, a escola passou a ser vista como um local de treinamento do jovem para o trabalho. Em 1816, o industrial Robert Owen (1771-1858) inaugurou o Instituto para a Formação do Caráter Juvenil. Essa instituição tinha como objetivo cuidar, durante o horário de trabalho, dos filhos dos operários de sua fábrica em New Lanark, sendo essa tida como a primeira escola infantil moderna da história. Assim, antes de entender o papel da educação na formação humana, sua relação com a sociedade e sua importância quanto ao desenvolvimento econômico e social, a análise dos conceitos de educação e de cidadania auxiliará no entendimento acerca do valor que cada um dos referidos conceitos possui na transformação do ser humano ao longo da história e como estão intimamente relacionados entre si. Será que educação se limita à ideia de estudo, de sala de aula, de academia, ficando adstrita dentro de um espaço e de um tempo? Nesse sentido, como os animais buscam sua sobrevivência, os homens também o fazem. Todavia, a sobrevivência dos animais é garantida por intermédio de comportamento instintivo, o que não ocorre nos homens. Os homens necessitam de conhecimentos adquiridos para que possam sobreviver, esses conhecimentos se dão por intermédio do aprendizado. Por sua vez, o aprendizado pode ocorrer de duas formas: através da experiência individual e através da transferência de conhecimentos. Dessas duas fontes, aprender por intermédio de outros homens, herdar experiências, tornou-se o meio mais benéfico para se manter a sobrevivência. “O exercício desta capacidade do homem para aprender experiências, possibilitando-lhe agir segundo um comportamento adquirido, deu origem ao processo que denominamos educação”. (COTRIM; PARISI, 1984, p. 14). Nestes termos, a educação é um dos pilares da manutenção da cidadania, considerando-se cidadania não como a capacidade de o indivíduo participar do processo eleitoral, o que é defendido pela dogmática do Direito Constitucional, mas sim entendendo cidadania com um sentido mais amplo, o sentido dado à mesma pelo sociólogo T. H. Marshall (1893 1981) no final da Segunda Guerra Mundial, sendo esse conceito dividido em três partes: cidadania civil, cidadania política e cidadania social. Não somente um dos pilares da manutenção da cidadania, a educação é um dos meios de desenvolvimento dos Estados. Assim, somente haverá desenvolvimento estatal por intermédio de políticas públicas que tenham como um 23 de seus núcleos o desenvolvimento de políticas educacionais, políticas educacionais sérias e comprometidas com o desenvolvimento social. “Para que serve o sistema educacional – mais ainda quando público -, se não for para lutar contra a alienação?” (SADER in MÉSZÁROS, 2008, p. 17). Para ajudar a decifrar os enigmas do mundo, sobretudo o do estranhamento de um mundo produzido pelos próprios homens? Vivemos atualmente a convivência de uma massa inédita de informações disponíveis e uma incapacidade aparentemente insuperável de interpretação dos fenômenos. Vivemos o que alguns chamam de “novo analfabetismo” – porque é capaz de explicar, mas não de entender -, típico dos discursos econômicos. (SADER in MÉSZÁROS, 2008, p. 17). Todavia, o objeto do presente trabalho não é realizar um questionamento sobre o estado da educação na sociedade capitalista, como efetivado pelo filósofo de Budapeste, István Mészáros (1930) em textos como A educação para além do capital e A teoria da alienação em Marx, mas sim dissertar sobre a influência da UNESCO nas políticas educacionais brasileiras contemporâneas. 2.2 Por um conceito de cidadania Como visto, cada civilização criou seu sistema educacional tendo em vista as necessidades atuais da época, impondo-o aos seus indivíduos, abarcando neste sistema os costumes e as normas, os quais não podem ser desconsiderados, pois são o produto da vida em comum, em coletividade dentro da polis. Esses povos antigos foram responsáveis por iniciarem a ideia de convivência em sociedade, deixando seus traços nos princípios e costumes das sociedades atuais. Percebe-se, então, que a história revela-se indispensável para a compreensão daquilo que denomina-se e entende-se por educação. Desta maneira, conclui-se que o conceito de educação engloba a ideia de que uma geração de pessoas influencia a posterior, e assim sucessivamente. Transmitindo-se, assim, a noção de que é preciso para gerar o conceito de educação, tanto um grupo de pessoas jovens e crianças como também um de adultos, para que esses possam instruir os mais novos, os que estão iniciando. Essa ideia, contudo, tanto abrange um aspecto individualista quanto um aspecto de 24 coletividade, pois é crescente a noção de diversificação e de especialização, remetendo ao fato de que cada indivíduo é único, e que precisa ser preparado para sobreviver e coexistir. Assim, quanto mais avançada uma sociedade, verifica-se que maior o aspecto da diversidade, mesmo esta sociedade estando sob o pálio de um único conhecimento; são as vontades, os valores e os hábitos de um grupo social que criam um abismo cultural entre as pessoas e consequentemente entre seus ancestrais. A educação caracteriza-se como sendo o tema amplamente discutido nas sociedades porque se encontra vinculada à essência do homem como ser racional, político e produtivo, diferenciando-se dos demais seres que agem apenas de maneira instintiva. Outros temas relacionam-se intimamente com a questão da educação, temas como ética, moral, cidadania, política e economia. De acordo com os primeiros filósofos gregos do século VI a. C., a palavra ética significa a morada do homem, o que significava seu modo de ser ou seu caráter. Porém, ao introduzir o termo moral, nota-se que essas duas palavras têm a mesma origem, ambas se referem ao modo de agir dos indivíduos. Todavia, é ao longo do tempo que essas duas palavras encontram caminhos diferentes, hodiernamente, o termo “ética” se refere aos estudos teóricos, já o termo moral significa ação. A individualidade e coletividade circundam o mundo da ética, com o bem e a justiça ligados às leis da cidade e as intenções de cada indivíduo, moldando o comportamento dos cidadãos. Assim, a moral determina a conduta dos cidadãos, porém é a educação um determinante importante na conduta correta, porque é através dela que se instruem as regras e o conhecimento, orientando as decisões e julgamentos dos cidadãos. Nesta linha, Marconi Pequeno salienta que: O mundo do ethos envolve a individualidade (subjetividade) e a coletividade (intersubjetividade) dos seres humanos dotados de sentimento (pathos) e razão (logos). Nesse sentido, a prática do bem ou da justiça estaria ligada ao respeito às leis da pólis (heteronomia) e à intenção individual (autonomia) de cada sujeito. Isso significa que existem fatores externos (a lei, os costumes) e internos (as convicções, os hábitos) que determinam o comportamento dos cidadãos. Nesse sentido, a moral, definida como um conjunto de regras, princípios e valores que determinam a conduta do indivíduo, teria sua origem nas virtudes ou ainda na obrigação de o sujeito seguir as normas que disciplinam o seu comportamento. Todavia, a boa conduta poderia também ser determinada pela educação (Paidéia), na medida em que o processo educacional forneceria as regras e ensinamentos capazes de orientar os julgamentos e decisões dos indivíduos no seio de sua comunidade. (PEQUENO, s.d., p. 2) 25 Para o Direito Constitucional e para a teoria democrática clássica como salientado, a qual remonta aos gregos, cidadania é o direito de o indivíduo participar da vida política do Estado, votando (cidadania ativa) e sendo votado (cidadania passiva). Todavia, esse significado sob o enfoque do direito interno constitucional é bastante estreito para se definir cidadania. A cidadania, de acordo com Valério de Oliveira Mazzuoli (2002) é um processo em construção, “que teve origem, historicamente, com o surgimento dos direitos civis, no decorrer do século XVIII – chamado Século das Luzes –, sob a forma de direitos de liberdade, mais precisamente a liberdade de ir e vir” (MAZZUOLI, 2002, p. 21), como também a liberdade de pensamento, religião, reunião, pessoal e econômica, rompendo-se com o feudalismo medieval. Nesse sentido, o conceito moderno de cidadania surge com o rompimento com o Antigo Regime absolutista, tendo em vista ser a mesma incompatível com os privilégios mantidos pelas classes dominantes, passando o indivíduo a deter o status de cidadão, ou seja, possuidor de um rol mínimo de direitos, garantias e liberdades. Insta salientar que os termos ética, educação e cidadania são comumente relacionados entre si, apesar de distintos e não concomitantes, como salienta Demerval Saviani (2004), a educação não é responsável pela formação ética e tão pouco pela instituição da cidadania. Assim, o referido autor definiu educação como sendo “o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens.” (SAVIANI, 2004, p. 17). Nestes termos, ainda segundo Saviani (2004), a importância da ética e da cidadania conjuntamente com a educação está no fato de esta definir o ser humano e este, por sua vez, ser o referencial tanto para ética como para cidadania, sendo a educação, assim, responsável pelo resultado do conceito destes termos. Ainda em torno destes conceitos e sua relação pode-se imaginar que: [...] a educação fará a mediação entre o homem e a ética permitindo ao homem assumir consciência da dimensão ética de sua existência com todas as implicações desse fato para a sua vida em sociedade. Fará, também, a mediação entre o homem e a cidadania, permitindo-lhe adquirir consciência de seus direitos e deveres diante dos outros e de toda a sociedade. E fará, ainda, a mediação entre ética e cidadania viabilizando, ao homem, a compreensão dos limites éticos do exercício da cidadania, assim como da exigência de que a ética não se restrinja ao plano individual-subjetivo mas, impregnando a sociedade, adquira foros de cidadania. Em outros termos, 26 pela mediação da educação, será possível construir uma cidadania ética e, igualmente uma ética cidadã. (SAVIANI, s.d., p. 1). Deste modo, a educação tornou-se um elemento chave no processo de socialização, porque ela é instrumento importante no que tange ao desenvolvimento moral de um indivíduo, caracterizando-se assim, como base determinante na constituição de um cidadão com condutas consideradas corretas e boas, advindas do ensinamento que lhe foi oferecido. Nenhuma sociedade consegue se estabelecer sem um mínimo de regras de comportamento, fruto do agir racional, que sejam capazes de controlar as ações sociais dos indivíduos integrantes em uma esfera social. Todavia, essas normas sociais só se estabelecem por meio do processo educacional, através da instrução dos seres humanos, orientando-os devidamente, tornando-os cidadãos ao inseri-los em um universo social e político. Porém, ser cidadão não é apenas ter o direito a um sistema educacional de qualidade, como salientado, mas também ter direito a diversos outros elementos essenciais para uma vida plena em sociedade, ter direitos e deveres, tendo também a capacidade de participar da vida política. Seguindo essa ideia de uma cidadania ativa, Demerval Saviani (2004) salienta que “cidadão é, pois, aquele que está capacitado a participar da vida da cidade e, extensivamente, da vida da sociedade”. Porém, somente uma parcela da sociedade é que consegue exercer essa cidadania com plenitude, pois muitos carecem de elementos básicos, como saúde, alimentação, educação. Assim, a educação é um processo da formação humana, advindo da mesma o preparo para o exercício da cidadania, objetivando a constituição de um senso social e político entre os indivíduos. E dentre estes, as crianças e os idosos constituem os dois pontos mais frágeis da sociedade, por isso são indicadores do grau de cidadania, pois se não há respeito aos mesmos, compromete-se a vida de cada indivíduo. Com a consolidação do Estado-Nação, com base na ideia de cidadania, a educação tornou-se também o cerne da constituição da ideia de nacionalidade, da consolidação de valores culturais e sociais amplos. Entretanto, essa formação não se limita apenas à dimensão política do indivíduo, mas se estende, sobretudo, ao aspecto profissional, uma vez que o ser humano necessita de uma ocupação, de uma habilidade produtiva para sua subsistência e de sua família, tal ocupação lhe possibilita também, exercer sua cidadania. Contudo, apesar de sua importância 27 social, não se pode pensar em um sistema educacional como sendo neutro, isento de quaisquer inclinações, na verdade o tipo de instrução conferido aos indivíduos determinará que tipo e que grau de cidadania será estabelecida. Todavia, com o aumento das relações econômicas e tecnológicas, o conhecimento deixou de ser apenas político, tornando-se também cientifico, especializado e capitalista, peça importante nas trocas comerciais de um mundo cada vez mais rápido e globalizado. Essa demanda pela informação e por um conhecimento cada vez mais técnico e preciso amplia a competitividade no cenário econômico. Esse dinamismo no processo produtivo influencia direta e indiretamente a estrutura social, criando diversos papéis para esse homem que ao longo dos anos se torna mais econômico e racional, do que político e social. Deste modo, o papel da educação tornou-se crucial no que se refere ao desenvolvimento social e econômico de qualquer país. Apesar de não constituir o único elemento para se alcançar o desenvolvimento, certamente sem ela nenhuma sociedade consegue estabelecer-se. Assim, nota-se que essa vinculação se sustenta de tal forma que é difícil pensar em desenvolvimento sem ser através de uma instrução plena e efetiva, capaz de aperfeiçoar e melhorar o papel do ser humano como sujeito economicamente produtivo dentro de uma estrutura social competitiva e complexa. Assim, conforme salientado, a educação tem como objetivo formar o ser humano, tornando-o hábil, livre e social, caracterizando-se como o elemento base para uma condição humana com dignidade nas suas diversas aspirações. Essa formação inicia-se no âmbito familiar, começando o processo de humanização com a concepção dos primeiros valores éticos e morais. Nestes moldes, hodiernamente fala-se em educação para a cidadania, para a democracia, para a paz, para os direitos humanos, tornando-se instrumento de valores republicanos e democráticos. A ideia é criar a capacidade de conhecer para assim ser hábil a escolher, a transformar o mundo em sua volta, a ausência de informação reforça a desigualdade e a injustiça. A educação torna-se, assim, um direito humano inalienável, cabendo ao Estado o dever de prover uma educação de qualidade aos seus cidadãos. Assim, em primeiro de janeiro de 1995 até trinta e um de dezembro de 2004, as Nações Unidas instituíram tal período como sendo A Década das Nações Unidas para a Educação em Direitos Humanos. Nesse sentido, a noção de educação em direitos humanos é entendida como: 28 Treinamento, disseminação e esforços de informação objetivando a construção de uma cultura universal de direitos humanos através da partilha de conhecimento, competência e habilidades e da moldagem de atitudes, que são direcionadas ao fortalecimento do respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais; ao desenvolvimento completo da personalidade humana e de seu senso de dignidade; à promoção da compreensão, tolerância, igualdade os sexos e amizade entre todas as nações, pessoas e grupos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e lingüísticos; à capacitação de todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre; à ampliação de atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. (ONU, 2004). Cabe ao sistema internacional; Estados e organizações internacionais; através de acordos internacionais, definir quais são os parâmetros de direitos humanos e observar se os mesmos estão sendo mantidos. Deste modo, o papel do Estado, no que tange à elaboração de um sistema educacional, é importante para a compreensão da educação de um povo, já que a análise da mesma não pode ser feita separada, inerte, sem a introdução de um governo. Cada vez mais, a educação torna-se parte de um governo, parte de sua função. Hegel, em tempos idos, já revelava a importância dessa ligação ao entender que: As nações podem ter levado muito tempo até chegarem a este seu destino, e durante este período (pode) pode haver alcançado uma considerável cultura em algumas direções. [...] Mas é o estado quem primeiro apresenta o tema, adaptado não somente à prosa da história, mas que envolve a produção desta mesma história precisamente no progresso do seu próprio ser. (HEGEL, 2008, p. 65). Cabe ao Estado, também, através de suas políticas públicas fazer a ligação entre o sistema educacional e economia, garantindo um ensino público de qualidade para que a população tenha recursos de desempenhar melhores papéis dentro da economia, ao desenvolver a educação, espera-se um crescimento econômico de seu país. Com essa noção de um crescimento econômico através de um sistema educacional de qualidade o Estado cada vez mais se preocupa em incentivar e desenvolver uma educação de qualidade. Hodiernamente, o direito à escola é tão importante quanto o direito à comida, à saúde, à moradia (no passado, uma criança fora da escola era algo corriqueiro, hoje constitui uma injustiça, uma ameaça porque o letramento infantil se revela como sendo guia para a idade adulta, um meio de libertação). A educação é que faz com que cada pessoa seja livre, plenamente humana. Ser uma pessoa livre é poder ser o 29 que desejar; uma pessoa com discernimento, capaz de fazer escolhas, e assim, ser um meio de construção social. 30 3 A EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: O LEGADO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA A educação é essencial para a formação de qualquer cidadão, como salientado na seção anterior. Pela importância que ela tem na sociedade e para o próprio homem como indivíduo, a mesma constitui um direito fundamental, como também um caminho para o desenvolvimento social e econômico. Dissertar a cerca da história da educação é inevitável para entender seu caminho ao longo da história e sua importância na formação de um povo. Nesse sentido, dissertar-se-á, num primeiro momento, sobre a história da educação no Brasil, apresentando seus caminhos, conquistas e insucessos. Assim, o que se busca é entender pontos chaves no que confere a educação, ao longo da história, para compreender melhor seu papel na sociedade contemporânea brasileira e sua relação com o mundo. Tal estudo servirá de base para que se possa adentrar ao tema específico do presente estudo: a influência das diretrizes da UNESCO na educação brasileira. Ao se discorrer sobre a educação no Brasil, iniciando-se pelo período colonial (1500-1822), uma das primeiras considerações a se fazer refere-se ao fato de que o analfabetismo3 é um problema que assola o país desde tal época. Nesse sentido, José Ricardo Pires de Almeida (2000) comenta em sua obra História da Instrução Pública no Brasil (1500-1889) que: “havia um grande número de negociantes ricos que não sabiam ler.” (ALMEIDA, 2000, p. 37). Um fato que prova tal afirmação refere-se ao fato de que se admitia, durante o Império (1822-1889), o voto do analfabeto desde que este possuísse bens e títulos. Outra causa para o fenômeno está relacionada aos baixos salários dos professores, o que impedia a contratação de pessoal qualificado, levando ao “afastamento natural das pessoas inteligentes de uma função mal remunerada e que não encontra na opinião pública a consideração a que tem direito.” (ALMEIDA, 2000, p. 65). Para efeitos de comparação, no ano de 1886 enquanto o porcentual da 3 De acordo com o Centro Latino-Americano de Desenvolvimento – CLADE, a taxa de analfabetismo em países da América Latina no ano de 2007 era de: Cuba (0,2%); Uruguai (1,9%); Argentina (2,8%); Chile (4,3%); Venezuela (7,0%); Equador (9,0%); Brasil (11,4%); Bolívia (13,3%); Nicarágua (23,3%); e Guatemala (30,9%). 31 população escolarizada no Brasil era de apenas 1,8%, na Argentina este índice era de 6%. (ALMEIDA, 2000). Voltando-se à questão do analfabetismo, levando-se em consideração seus altos índices, percebe-se que os índices educacionais brasileiros ainda se distanciam muito do estipulado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Assim: Chegou-se ao século XXI sem conseguir alcançar muitas das metas traçadas pela Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional, LDB, Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e pelo próprio Plano Nacional de Educação que, em 2000, concedeu ao Brasil o prazo de dez anos para erradicar o analfabetismo e formar os seus docentes em nível superior. (PEREIRA et al, 2009, p. 225). A falta de vontade política na gestão da educação se faz perceber na baixa escolaridade de grande parte da sociedade, nas dificuldades de muitos alunos de nível fundamental, médio e até superior em redigir um simples texto, nas taxas de evasão e repetência escolar. Essa realidade é fruto de um passado, sendo resultado de um processo histórico de elitização e marginalização da educação, tendo sido a mesma um privilégio das elites (assim como o foi nas primeiras civilizações, conforme visto). 3.1 A educação no Brasil-Colônia Primeiramente insta salientar que o modelo educacional brasileiro, tanto no passado quanto na contemporaneidade, é um modelo autoritário, contrário ao modelo dialógico existente nos Estados Unidos e na Europa. O modelo educacional autoritário caracteriza-se como um modelo no qual não há uma participação discursiva do aluno, o mesmo é objetivo passivo do estudo, nele o professor fala e o aluno escuta, sendo o aluno também, de modo significativo, um mero decorador de fórmulas e de frases prontas. Esse modelo autoritário foi herdado da Escolástica de Santo Tomás de Aquino, tendo sido adotado no Brasil pelos jesuítas durante o Brasil-Colônia e chegado aos dias atuais. Será esse modelo um dos aspectos fundamentais para a ineficácia da educação brasileira durante um grande período de tempo, haja vista os 32 baixos índices de escolaridade da sociedade brasileira, principalmente se comparados a países mais desenvolvidos. Com a colonização portuguesa inicia-se não só a história da identidade de um país, como também o legado educacional brasileiro. Deste modo, foi esse instrumento de dominação que imperou desde então no Brasil como uma forma efetiva de promoção do poder e de preservação da dependência, pois a educação foi um privilégio das classes mais abastadas. Por quase dois séculos (1549-1759), os jesuítas (ordem da Companhia de Jesus) foram praticamente os únicos responsáveis pela educação do país. Foi na cidade de Salvador que foi fundada a primeira escola de ler e escrever. A princípio as escolas que foram se espalhando pelo Brasil eram mantidas pelas doações e ajudas dos colonos e indígenas, para posteriormente conseguir o apoio oficial da coroa. Percebe-se, então, como era rudimentar o ensino primário que chegara ao Brasil, já que os colonizadores estavam mais preocupados na melhor forma de enriquecer do que financiar e incentivar a educação. O desenvolvimento das primeiras igrejas e colégios no país não foi fácil, devido à hostilidade tanto dos índios como também dos colonos. Assim, os jesuítas foram importantes quanto ao desenvolvimento das instituições educacionais, com sua missão evangelizadora, uma vez que Portugal não tinha interesses em incentivar a educação a longo prazo. A segunda ordem religiosa a aparecer no Brasil foi a dos carmelitas, fundando seu primeiro convento em 1583 na cidade de Olinda/PE. Outra ordem importante, no que diz respeito ao papel da instrução, foi a dos franciscanos, que seguiram os passos dos jesuítas dedicando-se à catequese dos indígenas. Apesar dos escassos recursos financeiros e materiais, nota-se que outras ordens religiosas tiveram sua importância por disseminar a instrução. Todavia, foram os jesuítas os precursores e responsáveis, que por dois séculos contribuíram para a integridade e unidade religiosa da colônia, por isso sendo importantes figuras não só da história do Brasil, mas na história do desenvolvimento educacional. E foi em 1580 com a efetivação da união entre Portugal e Espanha (União Ibérica) que os jesuítas puderam expandir seus trabalhos. Entretanto, devido a contratempos causados pela luta em prol dos indígenas, já que isso causava descontentamento por parte dos colonos (e por isso alguns conflitos ocorriam), os alunos das escolas jesuítas foram prejudicados tendo em 33 vista o fato de as aulas serem suspensas por períodos intermináveis. Outras ordens religiosas estabeleceram-se em diversos lugares do Brasil na segunda metade do século XVI. Mais tarde, no ano de1699, se iniciou o ensino superior no Brasil, especificamente na Bahia com a Escola de Artilharia Prática e Arquitetura Militar. Apesar de os jesuítas terem trazido para o Brasil colonial o início de uma política pública para educação, a mesma tinha um caráter consideravelmente mais humanístico do que científico, gerando uma deficiência no que tange aos desenvolvimentos científico e tecnológico. O objetivo das missões jesuítas era mais difundir a religião do que facilitar a conquista do colonizador. É importante mencionar também que os jesuítas foram expulsos do Império Português na segunda metade do século XVIII, o que resultou numa mudança importante no cenário da educação na colônia. 3.2 A educação no Brasil-Império No dia 7 de setembro do ano de 1822 o Brasil adquire sua independência, sendo instituído o Império brasileiro. Para oficializar a nova ordem jurídica foi necessária a elaboração de uma Constituição para o novo Estado, e isso ocorre efetivamente no ano de 1824 com a Constituição do Império do Brasil, a qual foi outorgada por Dom Pedro I. As forças que conquistaram a independência e instauraram o império precisavam garantir seus direitos. Mas quais eram essas forças, qual era essa elite? A mesma elite que garantiu seus direitos durante o período colonial. Assim também, o direito à educação durante a época imperial foi garantido à elite nacional. Essas eram as forças e essa era a elite beneficiada pelo direito à educação durante o Império brasileiro, o qual durou de 7 de setembro de 1822 a 15 de novembro de 1889. A Constituição Política do Império do Brazil de 1824 foi outorgada em 25 de março de 1824 por uma comissão especial, o Conselho de Estado, instituindo a mesma o Poder Moderador, ao lado dos tradicionais poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, dando a Dom Pedro I o poder de veto e o controle total sobre os demais poderes. 34 A Constituição de 1824 tratou da educação no seu título 8º (Das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros), especificamente em seu artigo 179, o qual trazia que: Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. [...] XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos. XXXIII. Collegios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das ciências, Bellas Letras, e Artes. (BRASIL, 2010). Insta salientar que Dom Pedro I em discurso inaugural da abertura da Assembleia Constituinte defendia uma legislação especial disciplinando o curriculum de forma objetiva e seriada, todavia a questão da educação durante a Assembleia foi superada por questões menos relevantes, tendo sido a mesma deixada em patamar de segundo plano, conforme salienta Maria Cristina Teixeira (2008). Assim, a educação passou a ser provida pela família como também pela Igreja, ficando o Estado alijado das funções educacionais. No ano de 1827 o ensino fundamental foi descentralizado, passando o mesmo a ser de responsabilidade das Câmaras Municipais, com a criação de escolas de primeiras letras em cada cidade e vila do Império. Todavia, tendo em vista a falta de orçamento, a não exigência do ensino primário para o ingresso no ensino secundário e a proibição de os escravos frequentarem a escola, fez com que a educação fosse pouco difundida no Brasil Imperial. De acordo com Maria Cristina Teixeira (2008), o Visconde de Macaé, então Ministro do Império, elaborou um relatório que descrevia a situação da educação no Brasil de então: os baixos salários aliados à falta de qualificação profissional e às instalações precárias influenciaram no fracasso do sistema educacional imperial. Durante os anos de 1846 e 1854 percebe-se um esforço para melhorar a educação no país, sendo apresentado à Câmara um projeto de lei que estabelecia restrições ao direito de ensinar, exigindo, a partir de então, autorização estatal para abrir um colégio ou para lecionar, ocorrendo a divisão do ensino primário em elementar e superior. Porém não havia infra-estrutura, tampouco orçamento para a concretização de tal intento, permanecendo analfabeta a maior parte da população, 35 continuando a ser um privilégio das elites o ingresso em escolas secundárias ou superiores. Conforme salientado, o Império brasileiro pouco se importou com a formação de seus professores, sendo criadas as primeiras escolas normais somente na década de 1830 na Bahia e no Rio de Janeiro, tendo sido infrutíferos os resultados, principalmente devido à escassez de mão-de-obra qualificada. Assim, no ano de 1854, o Ministro Couto Ferraz expede um regulamento cogitando e uma melhor preparação para os professores. Nesse sentido, baseado em experiências anteriores, o ministro decidiu não abrir escolas normais, formando os novos educadores em escolas primárias próprias, admitindo-os como adjuntos e fornecendo aulas especiais complementares, práticas e conferências pedagógicas. É importante salientar que os primeiros cursos jurídicos, criados em 1827 nas províncias de São Paulo e no Recife, foram transformados em faculdades no ano de 1854, sendo os mesmos direcionados a uma minoria da população, os filhos dos latifundiários do café. No ano de 1875 foram criadas na capital do Império duas escolas normais, uma destinada às mulheres e outra aos homens, tendo sido as mesmas unificadas em 1880 dando-se início ao desenvolvimento das escolas normais no Brasil. (PILETTI, 1996). 3.3 A educação na república brasileira A Proclamação da República em 1889 deu início à ideia de direitos civis, abrindo caminho para abrangência de outros direitos como os políticos e sociais, traçando, assim, as etapas analisadas por Marshall em relação à Europa: a luta pelos direitos civis ocorrendo mais amplamente no século XVIII, os direitos políticos no século XIX e, os direitos sociais no século XX. Apesar de os fatos históricos não terem ocorrido com tanta linearidade, ainda, sim, pode-se verificar certa semelhança e é nesse caminho que a concepção de uma educação como um direito vai sendo moldada e consolidada dentro das Constituições brasileiras. Com fim da escravidão em 1888 e com o começo de um novo regime político, institui-se, assim, a noção de uma “sociedade de iguais”. Contudo, não era possível 36 extinguir os termos, fruto da desigualdade, tão pouco conferir-lhes direitos amplos, a Constituição a época era ainda bastante limitada e falha no que tange à imersão dos direitos políticos e sociais no corpo jurídico brasileiro. 3.3.1 A educação na Constituição de 1891 A Assembleia Nacional Constituinte que originou a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891 foi instalada no primeiro aniversário da República. O texto constitucional trouxe alterações radicais em relação à ordem anterior: extinção do Poder Moderador, a separação entre Igreja e Estado, os princípios federalistas almejavam aumentar a autonomia das antigas províncias. Nesse sentido, a passagem do Império para a República trouxe novos anseios para a educação, sendo de se salientar a Reforma Benjamin Constant, a qual aprovou os Regulamentos da Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal, do Ginásio Nacional (Decretos n.º 981/90 e n.º 1.075/90, respectivamente) e do Conselho de Instrução Superior (Decreto n.º 1.232-G/91). Sofia Lerche Vieira (2007) ressalta que “a Constituição de 1891 apresenta maior número de dispositivos sobre educação do que o texto de 1824, mas ainda não chega a ser pródiga”. (VIEIRA, 2007, p. 295). De acordo com o inciso 30º do artigo 34 da Constituição de 1891, coube ao Congresso Nacional a atribuição de legislar sobre o ensino superior, cabendo também ao Congresso Nacional, porém não de modo privativo, de acordo com o artigo 35, incisos 2º, 3º e 4º: Art 35 - Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente: [...] 2º) animar no Pais o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e comércio, sem privilégios que tolham a ação dos Governos locais; 3º) criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados; 4º) prover a instrução secundária no Distrito Federal. (BRASIL, 2010). Ainda de acordo com Vieira (2007): 37 A ‘dualidade dos sistemas’, traduzida na configuração de um sistema federal integrado pelo ensino secundário e superior, ao lado de sistemas estaduais, com escolas de todos os tipos e graus, estimularia a reprodução de um sistema escolar organizado em moldes tradicionais e d base livresca. Não há ainda no País uma mentalidade de pesquisa, embora se possa dizer que a Reforma Benjamin Constant evidencie uma preocupação mais ostensiva com a formação científica. (VIEIRA, 2007, p. 295-296). A Constituição de 1891, tendo em vista ter positivado a separação entre Igreja e Estado, traz em seu texto também a laicidade do ensino, ao dispor no artigo 72, parágrafo 6º, que “será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”. (BRASIL, 2010). 3.3.2 A educação na Constituição de 1934 A fertilidade dos anos trinta é fruto de movimentos sociais eclodidos na década anterior, como as Revoltas Tenentistas de 1922 e 1924 e a fundação do Partido Comunista do Brasil em 1922. O momento também é rico para a educação, tendo os Estados do Bahia, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo deflagrado reformas educacionais. No ano de 1930 foi criado o Ministério de Educação e Saúde, tendo sido Francisco Campos, jurista e político mineiro, seu primeiro dirigente. O ideário pedagógico foi influenciado pelo Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932), marco referencial do pensamento liberal, o qual estimulou ideias e reformas subsequentes (VIEIRA, 2007), sendo favoráveis a uma educação pública, gratuita, mista, laica e obrigatória. Ou seja, o Estado deveria se responsabilizar pelo dever de educar o povo, responsabilidade esta que era, a princípio, atribuída à família, sendo para os Pioneiros o direito à educação um direito inerente ao ser humano. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934 dedicou 17 artigos à educação, estando 11 deles em um capítulo específico, denominado “Da Educação e da Cultura”. A Constituição de 1934 mantém a estrutura da Constituição anterior, cabendo à União traçar as diretrizes nacionais da educação, de acordo com o inciso XIX do artigo 5º, fixando o plano nacional de educação, compreendendo o ensino de todos os graus e ramos, comuns e 38 especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do País. De acordo com o parágrafo único do artigo 150: Parágrafo único - O plano nacional de educação constante de lei federal, nos termos dos arts. 5º, nº XIV, e 39, nº 8, letras a e e, só se poderá renovar em prazos determinados, e obedecerá às seguintes normas: a) ensino primário integral gratuito e de freqüência obrigatória extensivo aos adultos; b) tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a fim de o tornar mais acessível; c) liberdade de ensino em todos os graus e ramos, observadas as prescrições da legislação federal e da estadual; d) ensino, nos estabelecimentos particulares, ministrado no idioma pátrio, salvo o de línguas estrangeiras; e) limitação da matrícula à capacidade didática do estabelecimento e seleção por meio de provas de inteligência e aproveitamento, ou por processos objetivos apropriados à finalidade do curso; f) reconhecimento dos estabelecimentos particulares de ensino somente quando assegurarem. a seus professores a estabilidade, enquanto bem servirem, e uma remuneração condigna. (BRASIL, 2010). O financiamento da educação é matéria de relevância no texto constitucional, nesse sentido, os artigos 156 e 157 previam que: Art 156 - A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento, e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos. Parágrafo único - Para a realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará no mínimo, vinte por cento das cotas destinadas à educação no respectivo orçamento anual. Art 157 - A União, os Estados e o Distrito Federal reservarão uma parte dos seus patrimônios territoriais para a formação dos respectivos fundos de educação. § 1º - As sobras das dotações orçamentárias acrescidas das doações, percentagens sobre o produto de vendas de terras públicas, taxas especiais e outros recursos financeiros, constituirão, na União, nos Estados e nos Municípios, esses fundos especiais, que serão aplicados exclusivamente em obras educativas, determinadas em lei. § 2º - Parte dos mesmos fundos se aplicará em auxílios a alunos necessitados, mediante fornecimento gratuito de material escolar, bolsas de estudo, assistência alimentar, dentária e médica, e para vilegiaturas. (BRASIL, 2010). Também, de acordo com seu artigo 139, toda empresa industrial ou agrícola, que estivesse situada fora dos centros escolares, e onde trabalhassem mais de cinquenta pessoas, caso perfizessem estas e os seus filhos, pelo menos, dez analfabetos, estaria obrigada a lhes proporcionar ensino primário gratuito. 39 3.3.3 A educação na Constituição de 1937 No ano de 1937, Getúlio Vargas institui o Estado Novo (1937-1945), o qual estabeleceu no Brasil um novo período autoritário. Todavia, apesar do autoritarismo instituído, Getúlio Vargas trouxe inovações que auxiliaram na modernização do país: a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (1931), a elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT de 1943 e a construção da Companhia Siderúrgica Nacional em 1941. No que se refere à educação, o período do Estado Novo correspondeu a uma centralização da educação, o que se deu principalmente por intermédio das Leis Orgânicas de Ensino, as quais foram elaboradas durante a administração de Gustavo Capanema no Ministério da Educação (tais leis constituíam-se de seis decretos-leis, estabelecidos durante os anos de 1942 a 1946). Nesse sentido, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937 (de roupagem fascista, inspirada na Constituição da Polônia, por isso denominada “A Polaca”), trouxe no inciso XI do artigo 15 que: “Compete privativamente à União: [...] IX - fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que deve obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e da juventude. [...]” (BRASIL, 2010). Sendo patente a: [...] concepção da educação pública como aquela destinada aos que não puderem arcar com os custos do ensino privado. O velho preconceito contra o ensino público presente desde as origens de nossa história permanece arraigado no pensamento do legislador estado-novista. Sendo o ensino vocacional e profissional a prioridade, é flagrante a omissão com relação às demais modalidades de ensino. A concepção da política educacional no Estado Novo estará inteiramente orientada para o ensino profissional, para onde serão dirigidas as reformas encaminhadas por Gustavo Capanema. (VIEIRA, 2007, p. 298). Em relação à gratuidade educacional instituída pela Constituição de 1934, a Constituição de 1937 manteve a mesma, todavia numa concepção diferenciada ao trazer no artigo 130 ser o ensino primário obrigatório e gratuito, acrescentando porém que a gratuidade não exclui o dever de solidariedade que deve haver dos menos para os mais necessitados, “assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, 40 uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar”. (BRASIL, 2010). Nesse sentido percebe-se que a educação gratuita é a educação dos pobres. No que se refere ao ensino religioso, o artigo 133 previu que o mesmo poderia ser “contemplado como matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de frequência compulsória por parte dos alunos.” (BRASIL, 2010). Trata-se de texto ambíguo, tendo em vista ter tornado o ensino religioso compulsório na prática, apesar de juridicamente ser facultativo, pelo fato de haver no Brasil hegemonia da religião católica sobre as demais bem como a expressiva presença de escolas confessionais no panorama brasileiro. (VIEIRA, 2007). 3.3.4 A educação na Constituição de 1946 Retomando a sistemática da Constituição de 1934, a Constituição de 1946 trouxe novamente a educação como um direito de todos. Neste sentido, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946, trazia em seu artigo 5º, inciso XV, alínea d, competir à União legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Por sua vez, a mesma também dedicou um título à educação, o título VI, o qual tratava da família, educação e cultura. Neste título, seu capítulo II, tratava especificamente sobre a educação e a cultura. O artigo 166 trazia que: “a educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana” (BRASIL, 2010), estabelecendo seu artigo 168 os princípios a serem adotados pela legislação do ensino: Art 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes; 41 IV - as empresas industriais e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores; V - o ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável; VI - para o provimento das cátedras, no ensino secundário oficial e no superior oficial ou livre, exigir-se-á concurso de títulos e provas. Aos professores, admitidos por concurso de títulos e provas, será assegurada a vitaliciedade; VII - é garantida a liberdade de cátedra. (BRASIL, 2010). Insta salientar que pela primeira vez a expressão ensino oficial aparece num texto legal. De acordo com Vieira (2007), “o registro tem sentido, por colocar um elemento adicional de diferenciação entre o ensino ‘ministrado pelos Poderes Públicos’ e aquele ‘livre à iniciativa particular’. (BRASIL, 2007, p. 300). 3.3.5 A educação na Constituição de 1967 O golpe militar de 1964 provocou a instauração de uma nova ordem constitucional. Assim em 1967 é outorgada uma nova constituição, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, sendo na mesma época concebida a reforma do ensino superior por intermédio da Lei. 5.540 de 1968, tendo também tomado corpo a reforma da educação básica, fixando diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus (Lei n.º 5.692/71). De acordo com Vieira (2007): A reforma universitária tem por objetivo oferecer resposta às demandas crescentes por ensino superior. Busca, ao mesmo tempo, formar quadros deste nível de modo a dar substância ao crescimento econômico gerado pelo “milagre brasileiro”. A reforma do ensino de 1º e 2º graus, por sua vez, pretende atingir um duplo objetivo: de um lado, conter a crescente demanda sobre o ensino superior; de outro, promover a profissionalização do ensino médio. (VIEIRA, 2007, p. 302). É importante salientar que a Constituição de 1967 foi elaborada ainda num período em que a supressão das liberdades fundamentais não havia atingido um estágio agudo, por isso a mesma ainda possuía dispositivos que se harmonizavam com a ordem constitucional anterior. 42 Neste sentido, mantendo orientação do texto constitucional de 1946, é definida a competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (artigo 8º, inciso XVII, alínea q). Do texto constitucional de 1946 ainda foi mantida a oferta do ensino primário em língua nacional; a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário; o ensino religioso, de matrícula facultativa como “disciplina dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio. “À noção de educação como ‘direito de todos’, já presente no texto de 1946 (art. 166), a Constituição de 1967 acrescenta ‘o dever do Estado’ (art. 176).” (VIEIRA, 2007, p. 302). É importante salientar um retrocesso do texto constitucional de 1967: de acordo com a Constituição de 1946, em seu artigo 169, a União estaria obrigada a aplicar nunca menos de dez por cento e os Estados, o Distrito Federal e os municípios nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino. Já no texto de 1967 tal obrigação desaparece, vindo a surgir apenas com a Emenda Constitucional n.º 24 de 1983, denominada Lei Calmon, a qual modificou a Constituição, trazendo a obrigatoriedade de aplicação na manutenção e desenvolvimento do ensino por parte da União de não menos de treze por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios de vinte e cinco por cento (no mínimo) da receita proveniente de impostos. 3.4 A Constituição brasileira de 1988 e a consagração da educação como um direito fundamental A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88 trouxe ao país uma nova roupagem de leis para o sistema educacional, aumentando a taxa percentual da Lei Calmon, obrigando a União a ampliar anualmente essa taxa para não menos de 18%, e, devendo, no mínimo 25% da receita dos impostos dos Estados e municípios ser destinadas ao desenvolvimento e manutenção do sistema educacional, ficando a cargo do Plano Nacional de Educação – PNE definir a melhor maneira de utilização desses recursos. Assim, a Constituição de 1988 gerou expectativas favoráveis para viabilizar a transformação do ensino no Brasil. 43 Ao abordar a questão da educação na CRFB/88, é inevitável questionar e analisar a questão do público e do privado em relação a tal matéria. Todavia, não é fácil distinguir o que representa a esfera pública e a privada, definir onde termina uma e começa outra. Na maioria das vezes entende-se como público aquilo que se refere diretamente ao Estado, apesar de lhe ser conferido diversos sentidos; já aquilo que é privado é mais restrito, possuindo um sentido negativo no que confere ao primeiro. Porém, os significados desses dois termos não são limitados, aquilo que se entende como público pode não ser sempre relacionado a todos, da mesma forma o privado pode não ser necessariamente fechado ao público. Assim, em uma determinada ocasião o que pode ser público pode ser privado em outra; a distinção entre eles torna-se cada vez mais complicada se forem adotados significados mais genéricos. A fim de entender melhor a relação contraditória entre esses dois termos, pode-se considerar o que expõe Norberto Bobbio (1987): Na sociedade contemporânea há uma tendência de interpenetração dessas esferas, podendo mesmo ocorrer processos paralelos de privatização do público e publicização do privado. “Os dois processos de publicização do privado e de privatização do público, não são de fato incompatíveis, e realmente compenetram-se um no outro. O primeiro reflete o processo de subordinação dos interesses do privado aos interesses da coletividade representado pelo Estado que invade e engloba progressivamente a sociedade civil; o segundo representa revanche dos interesses privados através da formação de grandes grupos que se servem dos aparatos públicos para alcance dos próprios objetivos. O Estado pode ser corretamente representado como o lugar onde se desenvolvem e se compõem, para novamente decomporem-se e recomporem-se, estes conflitos, através do instrumento jurídico do um acordo renovado, representação moderna da tradicional figura do contrato social”. (BOBBIO, 1987, p. 56). Com relação ao Brasil, a partir da década de 1930, a privatização da esfera pública tornou-se uma tendência. Neste processo o Estado passou a intervir de maneira mais significativa na esfera econômica. Essa interpolação favoreceu, sobretudo, os interesses do setor privado. O conflito entre essas duas esferas atingiu a área da educação, entre a escola pública e a escola privada, cada uma buscando a hegemonia no campo acadêmico. Ao definir os princípios da nova Constituição, a educação mostrou-se um dos temas mais debatidos, mobilizando, assim, a sociedade. Diversos fóruns foram criados para a discussão do tema, vários artigos se atendo ao tema da educação nas Constituições Brasileiras foram escritos; muitos debates surgiram em torno da 44 articulação do ensino público e privado. O Fórum de Educação na Constituinte em defesa do ensino público e gratuito foi formado e juntamente com outros grupos ampliaram as discussões. Conforme exposto por este fórum, os princípios do sistema educacional brasileiro devem ter como objetivo o desenvolvimento da capacidade de criação e discernimento crítico e de preparação para o labor através da garantia de liberdade de expressão e do respeito aos direitos humanos. O Estado, assim, nas suas esferas federal, estadual e municipal; precisa ser responsável pela manutenção do ensino público, ao qual o acesso é direito de todos os cidadãos brasileiros. Nestes termos, o sistema público de ensino deve ser estendido a todos, sem nenhum tipo de distinção; os olhos do Estado devem estar isentos de qualquer vestígio de preconceito. A Federação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – FENEN juntamente com outros grupos foram responsáveis pelo conflito na Constituinte. Considerando, assim, a proposta da FENEN, repetindo os textos constituintes, defende como princípio geral que: É dever do Estado assegurar igualdade de oportunidades educacionais, garantindo a todos, independentemente das condições sociais e econômicas, o acesso à educação, cabendo à família a escolha do gênero de educação a ser ministrada a seus filhos. Isso quer dizer que o Estado deve prover o ensino público e garantir ao aluno o ensino privado, desde que seja uma escolha da família. Hoje, quem tem meios, embora pagando impostos e tendo direito ao ensino público, pode escolher uma escola batista, metodista, católica, leiga, marxista ou nazista, conforme sua preferência; ao pobre não se permite o direito de crença, de religião, de filosofia, de ideal, de opção, porque só tem – querendo ou não – a escola pública. Confunde-se a gratuidade do ensino com escola oficial, que não á gratuita, porque é paga previamente pelo imposto de todos, dela usufruindo apenas alguns. (FÁVERO, 1996, p. 202-203). Os debates em torno da escola pública e privada conferiram à nova Constituição a consagração de vários itens importantes para a educação brasileira, dentre eles, um novo artigo que definiu o dispositivo da gratuidade do ensino público em todos os níveis foi instituído, além da destinação orçamentária para educação, apesar deste não ter tido muitas alterações. Tal ganho foi considerado uma vitória da Subcomissão de Educação, Cultura e Esporte, a qual se manteve firme em todas as fases da elaboração da Constituinte. Outro ponto relevante é o setor universitário que recebeu um tratamento peculiar, uma autonomia didático-científica, 45 administrativa, como também no que confere a sua gestão financeira, além da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. O setor privado educacional também teve seus ganhos, obtendo transferência de recursos públicos para instituições privadas com a concessão de bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio em escolas privadas (quando houver necessidade devido à falta de escolas públicas que atendam o aluno). Outro item importante referente ao ensino particular é a desvinculação deste grupo ao “plano de carreira” e a “gestão democrática do ensino”, restritos apenas ao ensino público quando se tratasse desses dois princípios. Deste modo, a nova Constituição de 1988 teve suas limitações, porém, se mostrou democrática de várias formas, dentre as outras, é a que mais consagra direitos e incorpora conquistas sociais, apesar de suas contradições. Todavia, no que se refere à questão da educação brasileira, a nova Constituição assim como as anteriores conseguiu uma solução para o conflito entre público e privado, na verdade não resolveu, apenas o incorporou. Neste sentido, o artigo 6º da CRFB/88, o qual trata dos direitos sociais traz em seu caput que: “[...] são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. (BRASIL, 2010, grifo nosso). Por sua vez, há um capítulo constitucional tratando especificamente da educação, o qual recebeu a denominação de Capítulo III – da educação, da cultura e do desporto. Neste capítulo a primeira seção é dedicada exclusivamente à educação, a qual traz em seu caput: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 2010). O artigo 206, por sua vez aborda os princípios norteadores do ensino, os quais são: Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; 46 III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). (BRASIL, 2010). No que se refere às universidades, a CRFB/88 previu em seu artigo 207 que as mesmas gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, devendo obedecer ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Por sua vez, o artigo 208 traz o dever do Estado com a educação, nos seguintes termos: Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996) II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996) III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. § 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola. (BRASIL, 2010). A CRFB/88 também trouxe a liberdade de ensino à iniciativa privada, o que beneficia sobremaneira o sistema educacional brasileiro, tendo em vista o fato de 47 que o Estado não dispõe de vagas para todos os indivíduos, suprindo, assim, a iniciativa privada a demanda. As condições constitucionais referem-se ao cumprimento das normas gerais da educação nacional e autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. De acordo com o texto constitucional a “União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.” (BRASIL, 2010). Por sua vez, o artigo 214 traz: Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à: I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País. (BRASIL, 2010). Esses são os principais pontos da educação positivados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Ocorre que entre o teor legal e a realidade há divergências abismais (conforme mostram os indicadores oficiais), as quais serão abordadas na quinta seção do presente trabalho. 3.2.1 A Nova Lei de Diretrizes e Base para a Educação A proclamação da República brasileira originou a ideia de um plano que tratasse da educação em nível nacional. Neste sentido, em 1932, foi lançado o “Manifesto dos Pioneiros da Educação”, um manifesto ao povo e ao governo elaborado por um grupo de educadores (25 homens e mulheres da elite intelectual brasileira). Estes propunham a reconstrução educacional, "de grande alcance e de vastas proporções [...] um plano com sentido unitário e de bases científicas [...]". O Manifesto teve notória repercussão, motivando uma campanha que resultou na inclusão de um artigo específico na Constituição Brasileira de 1934. O artigo 150 declarava ser competência da União "fixar o plano nacional de educação, 48 compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do País", atribuindo, em seu artigo 152, competência precípua ao Conselho Nacional de Educação, organizado na forma da lei, a elaborar o plano para ser aprovado pelo Poder Legislativo, sugerindo ao Governo as medidas que julgasse necessárias para a melhor solução dos problemas educacionais bem como a distribuição adequada de fundos especiais. Assim, em todas as constituições posteriores, com exceção da Constituição de 37, foi incorporada, implícita ou explicitamente, a ideia de um Plano Nacional de Educação. Nesse sentido, em 1962 foi elaborado o primeiro Plano Nacional de Educação, já na vigência da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 4.024 de 1961), não tendo sido o mesmo proposto na forma de projeto de lei, mas sim como uma iniciativa do Ministério da Educação e Cultura, a qual foi aprovada pelo então Conselho Federal de Educação. O Plano se constituía basicamente de um conjunto de metas quantitativas e qualitativas a serem alcançadas dentro de um prazo de oito anos. No ano de 1965 ele sofreu uma revisão, tendo sido introduzidas normas descentralizadoras e estimuladoras da elaboração de planos estaduais. No ano de 1966 uma nova revisão ocorreu: o Plano Complementar de Educação, introduzindo relevantes alterações na distribuição dos recursos federais, beneficiando, assim, a implantação de ginásios destinados ao trabalho e ao atendimento de analfabetos com mais de dez anos. Com a Constituição (da República Federativa do Brasil) de 1988, cinquenta anos após a primeira tentativa oficial, renasce a ideia de um plano nacional de longo prazo, capaz de conferir estabilidade às iniciativas governamentais na área de educação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, baseada no princípio do direito universal à educação para todos, tem por objetivo definir e regularizar o sistema nacional de educação tendo como base os princípios constitucionais pertinentes ao tema. A primeira LDB foi elaborada no ano de 1961, sendo seguida por uma versão em 1971, a qual vigorou até o ano de 1996, quando então foi elaborada a Lei n.º 9.394, promulgada em 20 de dezembro de 1996, tendo sido a mesma sancionada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, tendo, à época, à frente do Ministério da Educação o Ministro Paulo Renato Souza. 49 O texto aprovado em 1996 é fruto de um longo embate, o qual durou aproximadamente seis anos, tendo havido duas propostas distintas. A primeira proposta, conhecida como Projeto Jorge Hage, foi o resultado de vários debates abertos havidos entre a sociedade e o parlamento, os quais foram organizados pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. Por sua vez, a segunda proposta foi elaborada pelos senadores Darcy Ribeiro, Marco Maciel e Maurício Correa em articulação com o Poder Executivo por intermédio do Ministério da Educação e Cultura. A atual LDB possui 92 artigos estruturados em nove títulos, sendo: Título I: da Educação; Título II: dos Princípios e fins da Educação Nacional; Título III: do Direito à Educação e do Dever de Educar; Título IV: da Organização da Educação Nacional; Título V: dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensino; Capítulo I: da Composição dos Níveis Escolares; Capítulo II: da Educação Básica; Seção I: das Disposições Gerais; Seção II: da Educação Infantil; Seção III: do Ensino Fundamental: Seção IV: do Ensino Médio; Seção IV-A: da Educação Profissional Técnica de Nível Médio; Seção V: da Educação de Jovens e Adultos; Capítulo III: da Educação Profissional e Tecnológica; Capítulo IV: da Educação Superior; CAPÍTULO V: da Educação Especial; Título VI: dos Profissionais Da Educação; Título VII: dos Recursos Financeiros; Título VIII: das Disposições Gerais; Título IX: das Disposições Transitórias. Dentre as principais diretrizes estabelecidas pela Lei n.º 9.394 de 20 de dezembro de 1996, estão: Ensino Fundamental obrigatório e gratuito (artigo 4); gestão democrática do ensino público e progressiva autonomia pedagógica e administrativa das unidades escolares (artigos 3 e 15); previsão de um núcleo comum para o currículo do Ensino Fundamental e Médio e uma parte diversificada em função das peculiaridades locais (artigo 26); carga horária mínima de oitocentas horas distribuídas em duzentos dias na educação básica (artigo 24); formação de docentes para atuar na Educação Básica em curso de nível superior, sendo aceito para a Educação Infantil e as quatro primeiras séries do Fundamental formação em curso Normal do Ensino Médio (artigo 62); formação dos especialistas da educação em curso superior de pedagogia ou pós-graduação (artigo 64); definição do gasto mínimo 18% pela União e de no mínimo 25% pelos Estados e municípios em seus respectivos orçamentos na manutenção e desenvolvimento do ensino público (artigo 69); estabelecimento de que verbas públicas podem financiar escolas comunitárias, 50 confessionais e filantrópicas (artigo 77); previsão da criação do Plano Nacional de Educação (artigo 87), o qual foi aprovado em 2001 e será apresentado na próxima seção. 3.2.2 O Plano Nacional de Educação de 2001 Seguindo a esteira da educação como um dos alicerces da dignidade da pessoa humana, foi elaborado o Plano Nacional de Educação – PNE, sendo o mesmo fruto dos postulados de acordos firmados pelo Brasil em diversos foros, principalmente na Conferência Internacional de Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia, no ano de 1990, e, posteriormente na Conferência de Dakar de 2000 e na Reunião de Ministros da Educação da América Latina e do Caribe (2001). Nesse sentido, o PNE representa um acordo de vontades, tendo o mesmo sido aprovado por intermédio da Lei n.º 10.172 de 9 de janeiro de 2001. O PNE se consubstancia num plano de Estado em regime de colaboração, atuando em sua prática os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, o qual deve ser desdobrado pelos Estados, Distrito Federal e Municípios em planos decenais correspondentes. Nestes moldes, o documento Plano Nacional de Educação, elaborado conjuntamente pelo Senado Federal e pela UNESCO em 2001 descreve o PNE como: Um plano de Estado e não de governo, com a duração de dez anos; um plano, que, não sendo de gabinete, é do Estado e da sociedade, tanto na sua concepção como na sua execução. Portanto, deve envolver as forças sociais nos momentos fáceis e difíceis; um plano que envolve os três Poderes aos níveis federal, estadual e municipal: [...] um conjunto articulado de esforços contínuos com que cada governo se compromete ao longo dos dez anos, detalhando-o com fidelidade e utilizando suas próprias soluções para o período do seu mandato, independente do partido ou da pessoa do governante eleito; um plano decenal a que devem corresponder os recursos necessários no: Plano plurianual de investimentos; nas leis de diretrizes orçamentárias; nas leis orçamentárias anuais. (SF; UNESCO, 2001, p. 1415). Estruturalmente o PNE se divide em uma introdução, com objetivos e prioridades, e em mais quatro partes, que tratam dos níveis e modalidades de ensino e educação, do magistério da educação básica, do financiamento e gestão e 51 do acompanhamento e avaliação do Plano. Seus objetivos resumem-se a quatro pontos: 1 elevação do nível de escolaridade da população; 2 melhoria da qualidade da educação; 3 democratização educacional, em termos sociais e regionais; e 4 democratização da gestão do ensino público. (SF; UNESCO, 2001, p. 15). Dentre as prioridades do PNE, destacam-se: garantia de acesso para as crianças de sete a 14 anos no ensino fundamental; garantia de ensino fundamental aos que a ele não tiveram acesso ou o concluíram na idade própria; ampliação do acesso aos demais níveis de ensino e modalidades de educação; valorização dos profissionais da educação; desenvolvimento de sistemas de informação e avaliação. (SF; UNESCO, 2001, p. 16). Como salientado, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar seus respectivos planos de educação, os quais deverão estar em harmonia com o PNE, com a CRFB/88, como também com as Constituições estaduais e Leis Orgânicas Municipais. Esta integração de esforços está em harmonia com o preceituado no artigo 205 da CRFB/88 que traz: “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade.” (BRASIL, 2010). Para acompanhar os progressos do PNE, a Lei n.10.172 de 2001 determinou que: A União instituirá o Sistema Nacional de Avaliação e estabelecerá os mecanismos necessários ao acompanhamento das metas constantes do PNE (art. 4º); A União, em articulação com os Estados, o Distrito Federal, os municípios e a sociedade civil, procederá a avaliações periódicas do PNE (art. 3º, caput); As Comissões de Educação da Câmara e do Senado acompanharão a execução do PNE (art. 3º, § 1º). (SF; UNESCO, 2001, p. 20). Destarte, conclui-se que o PNE não é um problema apenas do Poder Executivo, como salientado, nem dos três Poderes, mas de todos os níveis de governo e da sociedade, devendo cada qual fazer sua parte (Administração Pública e sociedade civil) para que o mesmo possa produzir os resultados colimados, os quais estão estampados ao longo de seu texto. 52 4 POR UMA DEFINIÇÃO DE REGIMES INTERNACIONAIS Importantes estudos se voltaram à teoria de regimes internacionais com o objetivo de entender seu surgimento, funcionamento e, sobretudo, sua efetividade. Diferentes escolas, desta forma, com diferentes enfoques, buscaram analisar o papel dos regimes internacionais no cenário político internacional. Neste sentido, objetiva-se, por intermédio da presente seção, tecer uma análise abarcando alguns dos estudos e conceitos conferidos ao termo regimes internacionais. Deste modo, far-se-á necessário articular seus conceitos e características, o que será trabalhado conforme se segue. 4.1 A interdependência e cooperação O estudo de “regimes internacionais” possibilita perceber a sua importância no que concerne à eficiência da cooperação entre os Estados, viabilizando acordos entre si dentro de um arranjo institucionalizado, minimizando, deste modo, o custo de acordos caso a caso. Nestes termos, além de diminuir os custos, os regimes são responsáveis em viabilizar informações entre os governos, evitando certas distorções e com isso facilitando a coordenação das expectativas de seus membros. Deste modo, é viável ressaltar que as relações políticas internacionais estão se estreitando cada vez mais. A interdependência nas relações internacionais, assim, está diretamente ligada às instituições internacionais, uma vez que a relação de interdependência muitas vezes acontece dentro de um regime como também é gerada e afetada por ele. Em seu livro, Power and interdependence, Robert O. Keohane e Joseph S. Nye (2001) ao tratar da interdependência salientam que: Em debate comum, dependência significa um estado em ser determinado ou significativamente afetado por forças externas. Interdependência, mais simplesmente definida, significa dependência mútua. Interdependência no mundo político refere-se a situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre países ou entre atores em diferentes países. (KEOHANE; NYE, 2001, 4 p. 7, tradução nossa ). 4 In common parlance, dependence means a state of being determined or significantly affected by external forces. Interdependence, most simply defined, means mutual dependence. Interdependence 53 Perceber-se-á, deste modo, a diferença entre os termos “dependência” e “interdependência”, segundo proposto por Keohane e Nye (2001). Dependência, segundo esta proposta, significa basicamente que uma unidade é afetada pelas outras, isso não quer dizer, porém, reciprocidade, nem que todos se encontram na mesma situação. Já uma relação de interdependência está respaldada em uma relação também de dependência, todavia, mútua, no qual não só um depende do outro, mas todas as unidades tem uma relação de dependência entre si, criando uma rede de relações de dependência, gerando ganhos variáveis. Nesse sentido, essa relação de interdependência que ocorre no cenário político internacional revela-se complexa, podendo gerar dois tipos de interdependência – simétrica e assimétrica. Quando as unidades dependem mutuamente, mas em igual ou equivalente proporção, se estabelece, dessa forma, uma interdependência simétrica. Todavia, quando em um cenário de interdependência, alguns Estados dependem mais dos outros do que estes dele, é comum, assim, falar em assimetria. Nesta medida, Keohane e Nye (2001) analisam essa assimetria em termos de poder: Quando falamos que interdependência assimétrica pode ser uma fonte de poder, estamos pensando em poder como controle de recursos, ou potencial para afetar resultados. Um ator menos dependente em uma relação tem frequentemente um significativo recurso político. (KEOHANE; 5 NYE, 2001, p. 10, tradução nossa ). Com isso, Keohane e Nye (2001) ressaltam, ao abarcar a noção de interdependência em seu trabalho, a questão da sensibilidade e vulnerabilidade das relações de interdependência. Conforme exposto por eles, essas duas características são responsáveis por moldar a forma como os Estados percebem essas relações de interdependência; um Estado pode até ser sensível às mudanças políticas dos demais, todavia, é importante que ele não seja vulnerável a essas transformações. in world politics refers to situations characterized by reciprocal effects among countries or among actors in different countries. 5 When we say that asymmetrical interdependence can be a source of power we are thinking of power as control over resources, or the potential to affect outcomes. A less dependent actor in a relationship often has a significant political resource. 54 Deste modo, ser um Estado sensível significa que as ações externas afetam seu comportamento, porém, isso não quer dizer se abalar por essas ações, diferentemente de ser vulnerável, o que significa se sentir ameaçado por quaisquer mudanças ocorridas no cenário internacional. Ainda em relação à questão da sensibilidade como também da vulnerabilidade às ações externas aos Estados nas relações de interdependência, pode-se segundo os mesmos autores ressaltar que: Em termos de custo de dependência, sensibilidade significa sujeição aos efeitos custosamente impostos de fora antes de políticas serem alteradas para tentar mudar a situação. Vulnerabilidade pode ser definida como risco de sofrer custos impostos por eventos externos mesmo após as políticas 6 terem sido alteradas. (KEOHANE; NYE, 2001, p. 11, tradução nossa ). Destarte, pode-se inferir que a interação entre os Estados, ganha, ao longo dos tempos, maiores proporções, criando com isso uma dependência mútua cada vez mais acentuada que necessita de uma interação mais cooperativa, minimizando divergências e conflitos. Portanto, com o anseio de estabelecer este tipo de relação amistosa entre os governos, o cenário político internacional propiciou mecanismos que otimizassem esse tipo de relação. Através deste viés surgiu o propósito, por meio de estudos acadêmicos, de conferir a estes mecanismos termos apropriados, institucionalizado-os. Segundo a perspectiva de autores como Nye, Keohane e Young, foi preciso estabelecer um ambiente no qual esse tipo de relação teria maior segurança porque seria regido por um “conjunto de princípios, regras, normas, e procedimentos” (KRASNER, 1982) com poderes de controlar o comportamento de seus membros. Embasado nesta concepção de interdependência, remetendo-se à ideia de que a mesma facilita a cooperação entre os Estados, o teórico das Relações Internacionais Robert O. Keohane, em seu texto After Hegemony: cooperation and discord in the world political economy (1984) procura ater-se à questão da cooperação e, consequentemente, dos Regimes Internacionais. O autor, deste modo, procura entender como a cooperação pode ser estabelecida, com ampla adesão sem, necessariamente, ter a presença da principal potência mundial. Nesse sentido, Keohane tentou ao longo de seus estudos, entender se as instituições 6 In terms of the cost of dependence, sensitivity means liability to costly effects imposed from outside before policies are altered to try to change the situation. Vulnerability can be defined as an actor’s liability to suffer costs imposed by external events after policies have been altered. 55 internacionais são capazes de explicar o comportamento estatal, ou se apenas poder-se-ia compreender este comportamento tendo em vista a distribuição de poder. Os pensamentos de Keohane tanto sobre as condições sob as quais os Estados cooperam uns com os outros quanto sobre o papel das instituições em facilitar a cooperação evoluíram da tentativa de desafiar a adequação do paradigma realista para uma acomodação ao realismo estrutural mais cheia de nuances. (GRIFFITHS, 2004, p. 269-270). Destarte, em After Hegemony, o autor visa analisar o processo de cooperação e salienta que a mesma não significa necessariamente uma situação de benevolência. Possuindo um caráter muito mais cético do que comparado aos seus companheiros neoliberais, Keohane opta por trabalhar primeiramente com casos em que a cooperação se estabelece de forma muito mais tranquila, o que ele denomina de “casos fáceis”, para posteriormente analisar os “casos mais difíceis”. A cooperação estabelecer-se-á mais facilmente entre países que possuem visões similares, ou que sejam politicamente amigáveis, ou que sejam interdependentes, ou mesmo entre governos que vêem benefício na mesma. Nestes termos, a cooperação tende a aumentar por causa da criação de um número cada vez maior de regimes internacionais, porém, não se pode afirmar que o cenário internacional é um ambiente harmônico, que a busca pelos interesses de um país não afeta os dos demais. Entretanto, harmonia e cooperação são características distintas, se existe harmonia significa que não há a ocorrência de conflito, não há divergência. Nesse caso, se existe harmonia, não é preciso haver cooperação, uma vez que é necessário cooperar quando há interesses distintos, nos quais alguns precisam ceder. Seguindo essa lógica, quando se estabelece uma maior ocorrência de cooperação entre os Estados, é possível inferir que os conflitos são mais bem resolvidos do que pressupõem os neorealistas. A interdependência não extingue eventuais divergências, pelo contrário, pode até mesmo aumentá-las, devido ao aumento da dependência entre os Estados, mas ao mesmo tempo eleva o incentivo que os mesmos tem em agir ou resolver seus problemas pacificamente de maneira institucionalizada. Destarte, os regimes internacionais têm grande relevância, já que propiciam a cooperação porque conseguem criar um contexto para que esta possa se 56 estabelecer mais rapidamente. E isso acontece porque é através de regimes que são geradas situações que conferem aos Estados a boa vontade em cooperar, tendo um caráter indutivo e não punitivo, pois os regimes não coagem. Além disso, a cooperação concretiza-se mais facilmente porque existem regras determinadas e clareza nas informações, o que não ocorre fora dos regimes internacionais. 4.2 Teoria da Estabilidade Hegemônica A obra After Hegemony objetiva responder duas questões concernentes à cooperação. A primeira visa entender o ambiente ideal para que a cooperação possa ser estabelecida, indagando com quais condições os países dependentes operam na política econômica internacional. Já a segunda, questiona a possibilidade de haver cooperação sem a presença de uma hegemonia. Não obstante, para os Neorealistas, o poder tem o mesmo valor tanto na arena da cooperação quanto na do conflito, mesmo que haja certos regimes em algumas áreas. Para esta corrente, os Estados tendem a relativizar o poder dentro dos mesmos, e isso restringe a efetividade desses regimes internacionais. Esta situação fica mais clara quando se leva em consideração a Teoria da Estabilidade Hegemônica. Segundo esta teoria, todos os acontecimentos em âmbito internacional estão ancorados em torno do poder dominante, o qual é responsável em estabelecer o sistema, determinando princípios, normas, regras e procedimentos. O papel desse poder hegemônico é importante para influenciar os demais Estados quanto à formação de um regime. Assim, os regimes, segundo a referida teoria, são formados e se mantêm devido ao poder hegemônico, criando e garantindo sua existência. Conforme explica Keohane (1984), hegêmona é aquele Estado poderoso o suficiente, capaz de manter as regras no cenário internacional, e além desta importante característica, esse Estado precisa também ter a ânsia por essa posição. Não obstante, o próprio Keohane (1984) acredita que o papel do hegêmona não é tão essencial para a sobrevivência dos regimes, como exposto pela teoria da Estabilidade Hegemônica. O hegêmona, nas inferências feitas por Keohane, tem seu 57 valor quanto à formação, mas não na manutenção de um regime no cenário político internacional No que tange à Teoria da Estabilidade Hegemônica, fica clara a não intenção de Keohane em negá-la totalmente, mas sim revisá-la. Assim, verifica-se que não há uma relação automática entre poder e liderança, o Estado mais poderoso pode abster-se de exercer a liderança se ela tiver um alto custo. Deste modo, ser o país mais poderoso não significa necessariamente o desejo de exercer uma hegemonia. Outra questão relevante à abordagem do referido autor é a possibilidade de países mais fracos conseguirem impor seus interesses sobre as grandes potências. Todavia, apesar do poder caracterizar-se como uma variável importante, inferir que a variável poder sempre constituirá uma realidade no cenário político internacional seria uma abordagem simplista. Nesses termos, Keohane (1984) afirma, ao ater-se na importância limitada de um Estado hegemônico, que: Eu disserto sobre hegemonia antes de elaborar minhas definições sobre cooperações e regimes porque minha ênfase em como as instituições internacionais tais como regimes facilitam a cooperação só faz sentido se cooperação e discórdia não forem determinadas simplesmente por interesses e poder. [...] eu argumento que uma versão determinista da teoria da estabilidade hegemônica, baseada apenas nos conceitos Realistas de interesses e poder é certamente incorreta. Há certa validade numa modesta versão da primeira proposição da teoria da estabilidade hegemônica, de que a hegemonia pode facilitar certo tipo de cooperação, mas há pouca razão em acreditar que a hegemonia é tanto necessária quanto uma condição suficiente para o surgimento de relações cooperativas. Além do mais, e até mesmo mais importante para o argumento apresentado aqui, a segunda maior proposição da teoria é errônea: cooperação não exige necessariamente a existência de uma liderança hegemônica após o estabelecimento de um regime internacional. Cooperação pós-hegemônica 7 é também possível. (KEOHANE, 1984, p. 31-32, tradução nossa ). De acordo com o Neorealismo, a hegemonia é fundamental para a criação de uma ordem internacional como também para sua manutenção. Não obstante, este argumento exposto a priori, a hegemonia não seria necessária para a manutenção 7 I discuss hegemony before elaborating my definitions of cooperation and regimes because my emphasis on how international institutions such as regimes facilitate cooperation only makes sense if cooperation and discord are not determined simply by interest and power. […] I argue that a deterministic version of the theory of hegemonic stability, relying only on the Realist concepts of interests and power, is indeed incorrect. There is some validity in a modest version of the first proposition of the theory of hegemonic stability – that hegemony can facilitate a certain type of cooperation – but there is little reason to believe that hegemony is either a necessary or a sufficient condition for the emergence of cooperative relationships. Furthermore, and even more important for the argument presented here, the second major proposition of the theory is erroneous: cooperation does not necessarily require the existence of a hegemonic leader after international regimes have been established. Post-hegemonic cooperation is also possible. 58 da ordem internacional, mesmo porque, como se pode supor, sua ausência significa uma melhor distribuição de forças, conferindo-lhe maior legitimidade, propiciando, assim, a efetivação do regime internacional. Todavia, com a ausência de um hegêmona, pode haver a necessidade de mudar alguns pontos, fazer alguns ajustes. Ao fazer o cálculo custo-benefício destas mudanças, os Estados acreditam não ser conveniente criar um novo regime, uma vez que os custos podem ser altos, assim, a expansão ou ajustes das estruturas de um regime tornam-se mais viáveis do que sua substituição. 4.3 O que são regimes internacionais Oran R. Young (1980) em seu artigo International Regimes: Problems of Concept Formation analisa os regimes internacionais como sendo estruturas sociais, instituições sociais que são responsáveis em coordenar as ações dentro de uma área, estabelecendo padrões reconhecidos de práticas, às quais são conferidas as expectativas dos atores internacionais. Nestes termos, de acordo com o referido autor, para que um regime seja realmente um regime internacional, o mesmo precisa possuir três componentes, os quais são os componentes substantivo, processual e a implementação. Desta maneira, em relação aos referidos elementos, Young (1980) leciona: O componente substantivo. O centro de qualquer regime internacional é a coleção de direitos e regras. Eles podem ser mais ou menos extensivos ou formalmente articulados, mas alguns de tais arranjos institucionais estruturarão as oportunidades dos atores interessados em uma dada atividade, e seu conteúdo exato será uma questão de intenso interesse para esses atores. O componente processual. Apesar de coleções de direitos e regras formarem o centro substantivo dos regimes internacionais, eles não são os únicos componentes desses regimes. Um componente processual inclui acordos reconhecidos para resolução de situações que requerem escolhas coletivas e sociais. Situações desse tipo ocorrem quando é necessário ou desejável agregar preferências não-idênticas de dois ou mais atores em um grupo de escolhas. Implementação. O funcionamento de regimes internacionais de maneira tranquila é difícil de alcançar. Direitos não são sempre respeitados, e até regras largamente aceitas são violadas com certa freqüência. Não é razoável assumir que atores relevantes aceitarão simplesmente os resultados gerados pelos mecanismos de escolha social como autoritárias, e conformar-se com elas. Consequentemente, e importante pensar sobre a efetividade dos regimes internacionais e isso sugere um exame no mecanismo de compliance como 59 um terceiro componente importante de regimes. (YOUNG, 1980, p. 334-338, 8 tradução nossa ). Não obstante, em 1982, Stephen Krasner propôs uma definição mais clara de regimes internacionais, definição essa que se tornou amplamente utilizada nos estudos de Relações Internacionais a partir de então. Segundo o referido autor, os regimes internacionais não devem ser estudados como uma estrutura frágil, à mercê das variações dos interesses e poderes dos atores no cenário político internacional. Stephen Krasner (1982), dessa forma, definiu regimes internacionais como sendo o: [...] conjunto de princípios implícitos ou explícitos, normas, regras e procedimentos de tomada de decisões em torno dos quais cada ator converge suas expectativas em uma dada área das relações internacionais. Princípios são crenças em fatos, causas, e correção. Normas são padrões de comportamento definidos em termos de direitos e obrigações. Regras são ordens e proibições para ação. Procedimento de tomada de decisões são praticas prevalecentes para fazer ou implementar escolha coletiva. 9 (KRASNER, 1982, p. 2, tradução nossa ). Ainda, conforme salienta Krasner (1982), é preciso fazer uma distinção entre o que sejam princípios e normas, as quais são fundamentais para existência de um dado regime, de regras e procedimentos, que não correspondem a aspectos fundamentais para a permanência do mesmo. Isso porque, segundo ele, se houver quaisquer alterações nos princípios e nas normas um outro regime é criado, passando de um regime para outro. Porém, se as regras e os procedimentos mudarem, essa mudança significa apenas uma modificação dentro da estrutura deste regime e não a sua queda, o que, segundo o mesmo autor, caracteriza-se 8 The substantive component. The core of every international regime is a collection of rights and rules. They may be more or less extensive or formally articulated, but some such institutional arrangements will structure the opportunities of the actors interested in a given activity, and their exact content will be a matter of intense interest to these actors. The procedural component. Although collections of rights and rules form the substantive core of international regimes, they are not the only components of such regimes. A procedural component encompasses recognized arrangements for resolving situations requiring social or collective choices. Situations of this type arise whenever it is necessary or desirable to aggregate the (non-identical) preferences of two or more individual actors into a group choice. Implementation. Smoothly functioning international regimes are difficult to achieve. Rights are not always respected, and even widely acknowledged rules are violated with some frequency. Nor is it reasonable to assume that the relevant actors will simply accept the outcomes generated by social choice mechanisms as authoritative, and abide by them. Accordingly, it is important to think about the effectiveness of international regimes, and this suggests an examination of compliance mechanisms as a third major component of these regimes. 9 […] sets of implicit or explicit principles, norms, rules, and decision-making procedures around which actors’ expectations converge in a given area of international relations. Principles are beliefs of fact, causations, and rectitude. Norms are standards of behaviour defined in terms of rights and obligations. Rules are specific prescriptions or proscriptions for action. Decision-making procedures are prevailing practices for making and implementing collective choice. 60 como sendo mudança de regime e mudança no regime, respectivamente. Nestes termos, ao abarcar tal questão, Robert O. Keohane (1984) salienta que: [...] em um regime internacional forte, as ligações entre princípios e regras são provavelmente firmes. De fato, é precisamente a ligação entre princípios, normas e regras que dão aos regimes sua legitimidade. Uma vez que regras, normas e princípios estão muito juntamente entrelaçados, julgamentos sobre se mudanças nas regras constituem mudanças de regime ou meramente mudanças dentro dos regimes, contem necessariamente elementos arbitrários. (KEOHANE, 1984, p. 59, tradução 10 nossa ). Nestes termos, cabe definir o que são princípios, normas, regras e procedimentos de tomadas de decisões, os quais são considerados elementos básicos para a formação de qualquer regime. Princípios, segundo definição de Krasner (1982), são “crenças de fatos, causa, e retidão” (KRASNER, 1982). Normas, porém, “são padrões de comportamento definidos em termos de direitos e obrigações” (KRASNER, 1982). Tanto os princípios quanto as normas, como salientado acima, são considerados o cerne de qualquer regime. Em contrapartida tem-se dois elementos considerados menos relevantes quanto à manutenção de um regime, estando passíveis de alterações; as regras que “são prescrições ou proscrições especificas para ação” (KRASNER, 1982), e os procedimentos de tomadas de decisões que são considerados como sendo “práticas prevalecentes para fazer e implementar escolha coletiva” (KRASNER, 1982). Seguindo o mesmo conceito adotado por Krasner (1982), Donald J. Puchala e Raymond F. Hopkins (1982) caracterizam regimes como sendo responsáveis em constranger e regularizar o comportamento de seus membros, afetando, assim, toda a área de atuação dos mesmos, tornando as atividades em torno dessas áreas legítimas ou não, influenciando a resolução de muitas questões conflituosas em âmbito internacional. Puchala e Hopkins (1982) expõem cinco características importantes relacionadas ao aspecto conceitual de regimes internacionais. Nestes termos, revelam que: 10 […] in a strong international regime, the linkages between principles and rules are likely to be tight. Indeed, it is precisely the linkages among principles, norms, and rules that give regimes their legitimacy. Since rules, norms, and principles are so closely intertwined, judgments about whether changes in rules constitute changes of regime or merely changes within regimes necessarily contain arbitrary elements. 61 Primeiro, um regime é um fenômeno atitudinal. Segundo, um regime inclui princípios referentes a procedimentos apropriados para tomadas de decisões. Terceiro, a descrição de um regime deve incluir uma caracterização dos principais princípios que sustenta [...] como também as normas que prescrevem comportamento ortodoxo e proscrevem comportamento desviante. Quarto, cada regime tem um grupo de elites que são os atores práticos dentro dele. Finalmente um regime existe em toda área substantiva nas relações internacionais onde haja visivelmente um padrão de comportamento. (PUCHALA; HOPKINS, 1982, p. 246-247, 11 tradução nossa ). Para alguns autores, como Robert O. Keohane (1984), a importância dos regimes internacionais está no fato de os mesmos possibilitarem a minimização das incertezas entre os atores que cada vez mais se encontram em relações de interdependência entre si, o que os levam a buscarem mecanismos para resolverem divergências provenientes de tal situação, permitindo-lhes o benefício de um sistema internacional integrado. Em sua obra After Hegemony, de 1984, posterior à analise conceitual de regimes internacionais proposta por Stephen Krasner em 1982, Robert O. Keohane dedica uma seção a uma definição e identificação do que seja um Regime Internacional. Segundo o referido autor, este termo foi incorporado ao estudo de Relações Internacionais em 1975 através de John Ruggie que define, de acordo com Keohane, regimes como sendo “um conjunto de expectativas mútuas, regras e regulamentos, planos, energias organizacional e compromisso financeiro, os quais foram aceitos por um grupo de Estados” (KEOHANE, 1984, p. 57, tradução nossa12). Todavia, como já analisado anteriormente, tal proposta foi superada. Nestes termos, ao conceituar regimes internacionais, Robert Keohane (1984) refere-se aos mesmos como sendo instituições sociais. Para o autor, ao considerar o conceito lançado por Krasner (1982), necessitar-se-á entender que: O conceito de normas, todavia, é ambíguo. É importante que entendamos normas nesta definição simplesmente como padrão de comportamento definido em termos de direitos e obrigações. Outro uso distinguiria normas de regras e princípios por estipular que os participantes no sistema social, 11 First, a regime is an attitudinal phenomenon. Second, an international regime includes tenets concerning appropriate procedures for making decisions. Third, a description of a regime must include a characterization of the major principles it upholds […] as well as the norms that prescribe orthodox and proscribe deviant behavior. Fourth, each regime has a set of elites who are the practical actors within it. Finally, a regime exists in every substantive issue-area in international relations where there is discernibly patterned behavior. 12 A set of mutual expectations, rules and regulations, plans, organizational energies and financial commitments, which have been accepted by a group of states. 62 respeitam normas, mas não regras e princípios. (KEOHANE, 1984, p. 57, 13 tradução nossa ). Ainda conforme a análise feita por Robert O. Keohane (1984), a Teoria Realista tece muitas críticas ao termo “regimes internacionais”, isso porque, esses regimes são, segundo essa teoria, controlados pelos membros mais poderosos. Todavia, através da análise do papel dos regimes internacionais, Keohane (1984) enfatiza a importância do hegemona na sua formação, mas tal importância revelase, segundo ele, minimizada quando se analisa a questão da manutenção. Deste modo, o hegemona não é necessário e nem é a única condição para a cooperação, no que confere a análise da formação e das mudanças nos regimes. Em outra obra, Keohane em co-autoria com Joseph Nye (2001), abarca a ideia de regimes como sendo grupos de arranjos de governo que incluem redes de regras, normas, e procedimentos responsáveis em regulamentarem o comportamento de seus membros. Deste modo, para esses autores regimes são arranjos de governo. Assim, os mesmos argumentam que: Regimes internacionais são fatores intermediários entre a estrutura de poder do sistema internacional e a barganha política e econômica que acontece dentro desse sistema. A estrutura desse sistema afeta profundamente a natureza do regime (o conjunto mais ou menos frouxo de normas, regras e procedimentos formais ou informais relevantes para o sistema). O regime, em troca, afeta e até certo ponto governa a barganha política e a tomada de decisão diária que ocorrem dentro do sistema 14 (KEOHANE; NYE, 2001, p. 18, tradução nossa ). Seguindo o conceito proposto, como demonstra o autor, um regime só poderá ser considerado forte se os seus princípios e regras tiverem uma forte conexão entre ambos, conferindo, neste sentido, legitimidade ao regime. Ainda em relação a essa análise conceitual, normas, regras e procedimentos significam comportamento, tendo essa estrutura de normas e regras a capacidade de controlar as atividades de seus membros. Nestes termos, é através de um grupo variado de normas que o 13 The concept of norms, however, is ambiguous. It is important that we understand norms in this definition simply as standards of behavior defined in terms of rights and obligations. Another usage would distinguish norms from rules and principles by stipulating that participants in a social system regard norms, but not rules and principles. 14 International regimes are intermediate factors between the power structure of an international system and the political and economic bargaining that takes place with it. The structure of the system (the distribution of power resources among states) profoundly affects the nature of the regime (the more or less loose set of formal and informal norms, rules, and procedures relevant to the system). The regime, in turn, affects and to some extent governs the political bargaining and daily decisionmaking that occurs within the system. 63 comportamento dos atores envolvidos será moldado no sentido de atingir objetivos comuns entre eles, os quais precisam estar em concordância com a finalidade e as convicções dos princípios de um regime. Não obstante, ao analisar o conceito de regimes internacionais, há que se destacar que devem ser estudados como instituições internacionais capazes de gerar expectativas entre seus membros. Além disso, não podem ser entendidos como organizações internacionais, apesar de acompanhá-las em muitos assuntos como também serem responsáveis em viabilizar um suporte de várias maneiras dentro dessas organizações. Assim, apesar de os regimes e as organizações internacionais serem tipos de instituições internacionais, não podem ser entendidos, como exposto anteriormente, como sendo a mesma coisa. Os regimes internacionais são apenas um conjunto de princípios, normas, regras, e procedimentos que são aceitos pelos Estados envolvidos. Em contrapartida, as organizações internacionais são instituições com poderes jurídicos, com a faculdade de agir em nome de seus membros, caracterizando-se como atores internacionais. 4.3.1 Análise crítico-conceitual de regimes internacionais Apesar de uma ampla referência ao conceito de regimes internacionais, tal como proposto por Stephen Krasner em 1982, alguns analistas tentam fazer algumas ressalvas ou, como Susan Strange (1982), tecem uma crítica a essa definição. A mesma elabora tal crítica dividindo-as em cinco categorias, questionando a ideia de regimes para o estudo de política internacional. Todavia, algumas correntes teóricas, como o Neorealismo, preocupam-se em revisar não apenas o conceito proposto por Krasner, mas a importância e efetividade dos regimes internacionais, não se atendo, assim, à questão conceitual, mas, à sua relevância na política internacional e seu estudo. Já no que se refere ao conceito de regimes internacionais, a crítica gira em torno dos elementos que compõem este conceito, como também a dubiedade do seu uso, deixando vagas as definições de vários elementos utilizados para conceituar o termo. Um aspecto concernente a essa interpretação é o significado 64 preciso dos quatro componentes do termo (princípios, normas, regras e procedimentos) quanto aos critérios usados para distingui-los entre si. Ainda em relação à definição proposta por Krasner, Young (1986) tece uma crítica quanto à clareza de significado do termo ‘regimes internacionais’: apesar de ser um conceito amplamente aceito e utilizado, não significa, segundo Young, que está isento de críticas e contradições. Assim, a discussão crítica quanto à conceituação gira em torno da indefinição quanto ao uso do termo, porque o mesmo demonstra-se vago, faltando-lhe maior especificação. Seguindo esta perspectiva, Oran Young (1986) salienta que: Parte do problema com a definição de Krasner é que não nos permite identificar regimes com precisão ou separar facilmente regimes do resto das relações internacionais. A definição comum é apenas uma lista de elementos que são difíceis de diferenciar conceitualmente e que freqüentemente se sobrepõem no mundo real. (YOUNG, p.106, 1986, 15 tradução nossa ). Não obstante, o mesmo autor reconhece a tentativa de Krasner em dar ao seu conceito melhores especificações quanto aos elementos utilizados em sua elaboração, o que não ameniza o problema da ambiguidade, apenas muda o foco nos termos utilizados. Deste modo, ao construir sua crítica ao conceito consensual de regimes internacionais, Oran Young o faz utilizando-se de três pontos quanto ao problema proposto. O primeiro, segundo o autor, é que a definição sugerida é composta por uma lista de elementos de difícil distinção; o segundo ponto é que ela “exibe uma elasticidade confusa quando se aplica ao mundo real das relações internacionais” (YOUNG, 1986); e por fim, a mesma se revela simples, não conseguindo resolver o problema da ambigüidade. A análise crítico-conceitual mais conhecida e citada dentro do estudo de Relações Internacionais é a proposta por Susan Strange (1982). Assim como Young, Strange acredita que o conceito de regimes internacionais é vago e confuso. Ao questionar a validade e utilidade do conceito de regimes quanto ao estudo de política internacional, a autora identifica cinco questionamentos importantes, 15 Part of the problem with Krasner's definition is that it does not allow us to identify regimes with precision or to separate regimes easily from the rest of international relations. The common definition is really only a list of elements that are hard to differentiate conceptually and that often overlap in realworld situation. 65 questionamentos estes que ela denominou como sendo “dragões” a serem lidados com cautela. A primeira crítica levantada pela autora é o fato do estudo de regimes internacionais não passar de apenas um modismo acadêmico por parte dos estudos norte-americanos. Esta análise se vale do poder hegemônico norte-americano; muitos autores que se propuseram a estudar os regimes internacionais possuem algum vínculo com os Estados Unidos, e com os papéis desempenhados pelas Organizações Internacionais durante a década de 1970. Assim, esse estudo seria passageiro, sendo sua importância limitada, tendo em vista o fato de cada regime internacional ter sua própria lógica. Com relação a esta proposição, a autora revela que: A moda corrente por regimes surge, eu sugeriria, de certas percepções algo subjetivas em muitas mentes americanas. Uma dessas percepções foi que vários “choques” externos, somando-se a problemas internos como Watergate e Jimmy Carter, tinham acelerado um sério declínio do poder americano. [...] acadêmicos internacionalistas se perguntaram como o dano poderia ser minimizado pela restauração e reforma dos mecanismos de gerência multilateral – “regimes”. Uma segunda percepção subjetiva era que havia algum tipo de mistério sobre a performance irregular e a situação desagradável das Organizações Internacionais. (STRANGE, 1982, p. 481, 16 tradução nossa ). No argumento central permanece a ideia de que o estudo de regimes internacionais é um interesse norte-americano com o objetivo de se manter como hegêmona no sistema. Um mecanismo gerado para minimizar os problemas enfrentados pelos Estados Unidos tanto na arena nacional como internacional. Outro ponto questionado é o fato de as Organizações Internacionais servirem, segundo o argumento em pauta, aos interesses políticos norte-americanos. Não obstante, após muitos trabalhos concernentes aos regimes internacionais com o anseio de entender a relação de cooperação entre Estados em muitas áreas temáticas da política internacional, esses estudos corroboraram com a hipótese de que as instituições internacionais, mais especificamente os regimes, são importantes 16 The current fashion for regimes arises, I would suggest, from certain, somewhat subjective perceptions in many American minds. One such perception was that a number of external "shocks," on top of internal troubles like Watergate and Jimmy Carter, had accelerated a serious decline in American power. […] internationalist academics asked how the damage could be minimized by restoring or repairing or reforming the mechanisms of multilateral management- "regimes." A second subjective perception was that there was some sort of mystery about the uneven performance and predicament of international organizations. 66 quanto à modelagem do comportamento dos atores na sociedade internacional. Pode-se, ainda, inferir que não se trata apenas de um interesse temporário por parte de alguns estudiosos, uma vez que o tema, após trinta anos dos primeiros estudos, ainda inspira os analistas internacionais. Outro argumento crítico elaborado por Strange com relação ao estudo de regimes internacionais é o fato, segunda a autora, de que os mesmos se mostram imprecisos. Neste sentido, de acordo com essa análise o termo não é claro nem preciso, impossibilitando seu uso em um ambiente anárquico. Assim, de acordo com essa crítica, as “pessoas querem dizer diferentes coisas”. (STRANGE, 1982, p. 485). Por ter um significado amplo, o conceito de regimes pode, segunda a autora, ser atribuído a diferentes coisas. A imprecisão do conceito revela-se no fato de que pode ser atribuído a objetos mais restritos como acordos internacionais, como também realidades mais amplas e complexas que incluem qualquer estrutura de poder capaz de influenciar o cenário internacional. Essa imprecisão pode ter sua causa nas abordagens variadas de diferentes escolas. Uma terceira crítica proposta pela autora se embasa no fato de que os estudos de regimes internacionais não seriam imparciais. Esse termo que fora empregado nas relações internacionais teve a sua origem na política nacional e, segundo Strange, far-se-á necessário remeter-se ao conceito da palavra “regime” para entender melhor essa imparcialidade. Um quarto ponto relacionado à análise crítico-conceitual de regimes internacionais exposta por Susan Strange que merece ser discutido é o fato de que os arranjos internacionais são dinâmicos, porém, esse estudo parece ser estático, desconsiderando, muitas vezes, os arranjos nacionais que podem gerar mudanças na ordem internacional. O último argumento discutido pela autora é o paradigma estadocêntrico seguido pelo estudo de regimes internacionais, o qual exclui relações entre unidades não estatais, levando em consideração apenas assuntos dos interesses dos governos. A autora defende que existem outros assuntos relevantes nas relações internacionais que não perpassam necessariamente por um arranjo de normas e regras e que precisam ser abordados pelos estudiosos da área. Desta forma, Strange (1982) salienta que: 67 Os assuntos nos quais os governos, através das Organizações Internacionais, negociam e fazem acordos não são necessariamente os assuntos que eles mesmos consideram como mais importantes, ainda menos os assuntos que a massa dos indivíduos considera como cruciais. Atenção aos regimes, dessa maneira, concede aos governos, um direito excessivo de definir a agenda do estudo acadêmico e direciona a atenção dos estudiosos principalmente para os assuntos que os funcionários dos governos acham significantes e importantes. Se os acadêmicos se submetem muito a este tipo de pressão imperceptível, eles abdicam da responsabilidade para uma tarefa para quais os estudiosos independente tem toda vantagem comparativa, o desenvolvimento da filosofia das relações internacionais ou da economia política internacional que não apenas explicará e iluminará, mas apontará um caminho a frente e inspirará 17 uma ação a ser seguida. (STRANGE, 1982, p. 491, tradução nossa ). Destarte, apesar das críticas em torno do conceito e uso do termo “regimes internacionais”, verificou-se que o estudo do mesmo persistiu ao longo dos anos, não só com intuito de explicar fenômenos no cenário internacional, mas também como essas instituições internacionais são relevantes para efetivar as relações de cooperação. 4.4 A questão da efetividade dos Regimes Internacionais Objetivou-se ao longo desse estudo entender e expor não apenas as proposições que abarcam o termo “regimes internacionais” com suas especificações e críticas tecidas em relação ao seu conceito e ao seu uso, como também verificar e analisar se tal termo é capaz de explicar ou mesmo determinar o comportamento dos atores internacionais. Neste sentido, ao entender que o cenário internacional é um ambiente interdependente, no qual a cooperação se estabelece devido à intensa dependência mútua entre as unidades e que essa característica foi relevante para a emersão de um conjunto de regras e normas (regimes internacionais), cabe, assim, questionar a efetividade desse conjunto. 17 The matters on which governments, through international organizations, negotiate and make arrangements are not necessarily the issues that even they regard as most important, still less the issues that the mass of individuals regards as crucial. Attention to regimes therefore accords to governments far too much of the right to define the agenda of academic study and directs the attention of scholars mainly to those issues that government officials find significant and important. If academics submit too much to this sort of imperceptible pressure, they abdicate responsibility for the one task for which the independent scholar has every comparative advantage, the development of a philosophy of international relations or inter- national political economy that will not only explain and illuminate but will point a road ahead and inspire action to follow it. 68 Destarte, far-se-á imprescindível contrapor os argumentos neorealistas e neoliberais, no que tange às instituições internacionais, especialmente no que confere aos regimes internacionais, para então entender as características que possibilitam a eficácia das instituições internacionais, como foram expostas por Oran Young. 4.4.1 Neoliberalismo e regimes internacionais Diferente das análises realistas e neorealistas, os autores neoliberais defendem que as instituições internacionais são importantes para moldar o comportamento dos atores internacionais e também viabilizar a cooperação entre eles, buscando a maximização de seus ganhos absolutos e individuais. Assim, o foco do estudo dos neoliberais concentra-se na área da economia política, enquanto o dos neorealistas na área de segurança. Deste modo, as instituições internacionais tem o papel de promover a cooperação sem com isso ferir a soberania dos Estados, segundo a corrente neoliberal. Uma das divergências entre neorealistas e neoliberais está no fato de que os últimos pressupõem que há mais relação de cooperação do que os primeiros pregam. Pode-se, então, destacar quanto à cooperação: Alcançar cooperação é difícil na política mundial. Não há governo comum para aplicar regras, e para os padrões da sociedade doméstica, as instituições internacionais são fracas. Fraudes e trapaças são endêmicas, porém, a cooperação é algumas vezes alcançada. A política mundial não é um estado de guerra homogêneo: cooperação varia conforme as questões e 18 o tempo. (BALDWIN, 1993, p. 85, tradução nossa ). Deste modo, alguns pontos precisam ser considerados, segundo Baldwin, quando se propõe contrastar neorealistas e neoliberais. O autor identifica seis aspectos importantes a serem considerados quando se trata do debate “Neo-Neo”: “a natureza e conseqüências da anarquia, cooperação internacional, ganhos relativos versus ganhos absolutos, prioridade dos objetivos do Estado, intenções 18 Achieving cooperation is difficult in world politics. There is no common government to enforce rules, and by the standards of domestic society, international institutions are weak. Cheating and deception are endemic; yet cooperation is sometimes attained. World politics is not a homogenous state of war: cooperation varies among issues and over time. 69 versus capacidades e instituições e regimes” (BALDWIN, 1993). Quanto ao primeiro aspecto, neoliberais tendem a minimizar a importância da preocupação com a sobrevivência, segundo eles os Estados não se comportam apenas por causa dessa preocupação. Desta maneira, os neorealistas vêem na anarquia, a responsabilidade de maiores constrangimentos no comportamento dos Estados. Já em relação ao segundo aspecto, as duas correntes concordam na possibilidade de se estabelecer cooperação no cenário político internacional. Todavia, diferem quanto à facilidade dessa cooperação, os neorealistas acreditam que apesar dos Estados conseguirem cooperar entre si, essa convergência é tão difícil de ser estabelecida como de ser mantida. Assim, segunda essa corrente, a cooperação é “mais difícil de ser alcançada, mais difícil de ser mantida, e mais dependente do poder do Estado” (GRIECO in BALDWIN, 1993, tradução nossa19). Com relação aos ganhos relativos versus absolutos, para os Neorealistas, os Estados dão maior ênfase aos ganhos relativos do que em ganhos absolutos, uma vez que o foco é a segurança. Desta maneira, os Estados nas suas relações internacionais estão preocupados não somente com seus ganhos individuais, mas também se os seus parceiros estão lucrando mais que eles. Por outro lado, os Neoliberais, tendo um foco muito maior na área econômica em detrimento à área de segurança, argumentam que os Estados estão bem mais interessados em ganhos absolutos, o que significa que eles estão mais preocupados com seus ganhos pessoais, o que não descarta a possibilidade de se considerar os ganhos relativos. A ênfase em ganhos absolutos significa maiores possibilidades de arranjos cooperativos. Nesse sentido: As reivindicações do Neoliberalismo sobre cooperação estão baseadas na sua crença de que os Estados são atores atomísticos. Argumenta que os Estados procuram maximizar os seus ganhos absolutos individuais e são indiferentes aos ganhos alcançados pelos outros. Fraude, a nova teoria sugere, é o maior impedimento para cooperação entre Estados racionalmente egoístas, mas instituições internacionais, a nova teoria sugere, podem ajudar os Estados a superarem esta barreira para ação conjunta. Os realistas entendem que os Estados procuram ganhos absolutos e se preocupam com compliance, Todavia, realistas acham que os Estados são posicionais, não atomísticos, em caráter, e, portanto, eles argumentam que, ao invés de se preocuparem com fraude, Estados em arranjos cooperativos também se preocupam se seus parceiros podem ganhar mais com a cooperação do que eles. Para os realistas, os Estados 19 Harder to achieve, more difficult to maintain, and more dependent on state power. 70 vão focar tanto em ganhos absolutos quanto relativos da cooperação [...]. 20 (BALDWIN, 1993, p. 117-118, tradução nossa ). Ainda analisando as diferenças entre essas duas correntes em dados aspectos, outro ponto importante é a prioridade dos objetivos de um Estado. As duas correntes concordam que tanto a segurança nacional como a economia são importantes, porém, o grau de importância dessas áreas difere entre essas correntes. Como já mencionado nas linhas anteriores, neoliberais preocupam-se muito mais com a área econômica do que neorealistas, ao passo que estes últimos acreditam que a segurança de um país precisa estar em primeiro plano. Um quinto aspecto importante de se considerar é a questão da ênfase neoliberal nas intenções, interesses, e informações; subestimando, assim, a distribuição de capacidades. Ao contrário, o foco neorealista está nessa distribuição das capacidades de um Estado. Um último ponto quanto às características do Neorealismo e do Neoliberalismo gira em torno das instituições e regimes, os quais fazem parte do estudo aqui proposto. Apesar de não conferirem um grau de importância similar às instituições e aos regimes, os neorealistas e neoliberais concordam que as instituições são atores internacionais, ganhando, assim como os regimes, maior significado no cenário político internacional. Não obstante, os neorealistas acreditam, obviamente, que os neoliberais exageram no grau de importância dessas instituições e do regime internacional. Assim, o Neorealismo destaca que os regimes internacionais reproduzem o jogo de forças do ambiente internacional, sendo apenas reflexo do interesse das grandes potências. Todavia, verifica-se, de acordo com os neoliberais, como visto, que os regimes internacionais tem certa efetividade. Considerado o mais cético dos autores Neoliberais, Keohane não nega que os Regimes possam reproduzir o jogo de força das grandes potências, porém, necessitar-se-á salientar que pode haver casos em que tais regimes contrariem os 20 Neoliberalism’s claims about cooperation are based on its belief that states are atomistic actors. It argues that states seek to maximize their individual absolute gains and are indifferent to the gains achieved by others. Cheating, the new theory suggests, is the greatest impediment to cooperation among rationally egoistic states, but international institutions, the new theory also suggests, can help states overcome this barrier to joint action. Realists understand that states seek absolute gains and worry about compliance. However, realists find that states are positional, not atomistic, in character, and therefore realists argue that, in addition to concerns about cheating, states in cooperative arrangements also worry that their partners might gain more from cooperation that they do. For realists, a state will focus both on its absolute and relative gains from cooperation […]. 71 interesses pessoais de uma superpotência. Todavia, não se pode subestimar o fato de que a hegemonia tem um papel preponderante na constituição de uma ordem internacional. Não obstante, de modo diverso da corrente neorealista, a perda do poderio da hegemonia não implica o fim da ordem internacional criada por ela. Assim, quando a ordem já está formada, o fim da grande potência pode gerar benefícios para a ordem internacional, uma vez que possibilita a distribuição mais efetiva de força entre os países, tornando-a mais legítima. Assim, ao entender que as instituições internacionais possuem um papel relevante nas relações internacionais e como são vistas pelos neorealistas e neoliberais, cabe, ainda, avaliar sua efetividade, sua importância em determinar o comportamento de seus membros. 4.4.2 Os regimes internacionais e sua efetividade Conforme a análise feita por Oran Young (2000), regimes internacionais são instituições sociais complexas que mudam ao longo do tempo, assim, sua importância é facilmente questionável. É através desta perspectiva que o autor busca entender a importância destas instituições internacionais, em especial os regimes, se as mesmas são realmente relevantes ou apenas fenômenos secundários, que despertaram o interesse temporário de alguns estudiosos, como acreditam os autores realista. Segundo Young (2000), o estudo dos arranjos institucionais e, mais especificamente dos regimes internacionais, não é apenas um modismo acadêmico norte-americano como acreditam alguns estudiosos das Relações Internacionais como Susan Strange. Conforme exposto por Young (2000), as instituições internacionais ajudam a explicar e até mesmo determinar o comportamento dos atores internacionais, podendo prever ações individuais e coletivas. Assim, o estudo dos arranjos institucionais tem sua relevância dentro das Relações Internacionais. No sentido de analisar a importância das instituições internacionais, em particular os regimes internacionais, o autor propôs analisar os mesmos quanto à sua efetividade no sentido de contrapor as análises realistas e neo-realistas que 72 defendem que atores mais poderosos negligenciam tais arranjos podendo até mesmos reestruturá-los. Nestes termos, ao generalizar o significado de efetividade, Young (2000) revela que o mesmo é uma medida do papel das instituições sociais na modelagem da conduta na sociedade internacional. (YOUNG, 2000). Já com relação à questão comportamental dos atores internacionais, capaz de determinar a conduta individual ou coletiva, Young pondera que uma instituição é efetiva na medida em que seu funcionamento obriga os atores a se conduzirem de modo diferente daquele como se comportariam caso a instituição não existisse. (YOUNG, 2000). Desta forma, ao se atentar para o comportamento dos atores internacionais, em particular o dos Estados, verificando suas posições frente às ações das instituições, será possível verificar a efetividade das mesmas. Com isso, Oran Young analisa a efetividade como uma medida, uma “questão de grau”: [...] a efetividade das instituições internacionais pode ser medida em termos do sucesso que alcançar nas áreas da implementação, da persistência e do respeito às suas normas. As instituições são efetivas na medida em que seu funcionamento explica a variação da conduta individual e coletiva observável por meio dos contextos espaciais ou temporais. (YOUNG, 2000, p. 223). Todavia, isso não quer dizer que outros elementos como poder e interesse não sejam responsáveis em constranger o comportamento dos Estados e influenciarem a efetividade das instituições, efetividade esta que varia conforme a área proposta e quanto ao tempo. É preciso, ainda, fazer uma pequena distinção entre certos termos que estão constantemente atrelados à noção de efetividade. Para entender melhor a avaliação feita por Oran Young necessitar-se-á diferenciar efetividade de eficiência e equidade. Isso porque, mostra-se muito comum a utilização das palavras eficácia e efetividade como sendo sinônimos. Entende-se assim por efetividade aquilo que traz um resultado verdadeiro, por eficácia aquilo capaz de gerar um efeito e finalmente, por equidade pode-se inferir que é aquilo que produz igualdade entre um grupo. Considerando tais diferenças, pode-se salientar que: [...] qualquer situação em que o bem-estar de pelo menos um dos participantes possa aumentar sem trazer prejuízo aos outros é ineficiente, porque deixa de maximizar o bem-estar social. [...] a equidade é usada muitas vezes para medir o grau em que a conduta coletiva se ajusta a uma 73 certa distribuição preferencial de ganhos entre os membros de um grupo ou a medida em que os processos que levam a essa distribuição dos ganhos obedecem a uma variedade de normas processuais. (YOUNG, 2000, p. 224). Desta maneira, as instituições podem ser efetivas, porém, não serem eficazes ou equitativas, como também podem ser eficazes ou equitativas, mas não ser efetivas. Esses critérios de avaliação são distintos e independentes. Apesar de serem critérios importantes, Oran Young (2000) se ateve a discutir o problema da efetividade com o intuito de verificar se as instituições são realmente importantes. É nesta perspectiva que o autor se propôs a testar alguns modelos, os quais ele denomina como “casos difíceis”. Segundo ele, ao verificar efetividade nestes casos, então será bem mais fácil testar outros casos e comprovar a importância das instituições no que concerne à capacidade delas de determinar o comportamento dos atores internacionais.21 Com isso, entende-se como casos difíceis aqueles nos quais os atores encontram-se em uma situação em que não obedecer as proposições institucionais não significa um problema, não existindo dificuldade quanto a isso, tendo ainda a capacidade de alterarem seus requisitos. Isso acontece devido a alguns fatores listados por Young (2000): Pelo menos um dos membros preeminentes do grupo está predisposto a não aceitar os resultados esperados do regime em questão. É comparativamente fácil violar as regras do regime sem que a violação seja percebida, ou de forma tal que seja difícil conseguir uma prova incontroversa dessa violação. As mudanças em curso no caráter da sociedade internacional levantam dúvidas sobre os fundamentos sociopolíticos ou intelectuais do regime. (YOUNG, 2000, p. 227). Assim, pode-se perceber que a efetividade é inversamente proporcional a esses condicionantes. Quanto mais eles estiverem presentes, menor a efetividade da instituição em questão. Atendo-se a este tipo de análise Young conseguiu elaborar certas variáveis imprescindíveis no que se refere à efetividade de uma 21 Assim como Young, Robert O. Keohane, como analisado nos subtítulos anteriores, testa suas proposições (o grau de cooperação) em alguns casos, que o autor denomina como sendo casos fáceis e casos difíceis. Destarte, Keohane testa primeiramente o processo de cooperação em casos fáceis, na qual a cooperação se estabelece de maneira tranqüila para então analisar os casos mais difíceis. Não obstante, Young parte dos casos mais difíceis, acreditando que ao testar suas proposições nesses casos, os demais se tornarão simples de analisar. 74 instituição. Essas variáveis influenciam o grau de efetividade, tornando as instituições internacionais mais ou menos efetivas. Tais variáveis são compostas por fatores endógenos e exógenos às instituições; esses fatores são articulados em sete elementos (transparência, resistência, regras da transformação, capacidade dos governos, distribuição do poder, interdependência e ordem intelectual), os quais são capazes de medir a efetividade de uma instituição. É importante, desta forma, abordar cada uma destas variáveis para entender seu papel quanto ao grau de efetividade de um regime internacional. a) Transparência Conforme exposto por Oran Young (2000), “a efetividade das instituições internacionais varia diretamente com a facilidade do monitoramento ou da verificação do desempenho à luz das suas principais prescrições de conduta”. (YOUNG, 2000, p. 239). A percepção por parte dos Estados de que uma norma não deva ser descumprida, de que sua violação pode causar uma instabilidade, motivando-os a não violar a mesma, mesmo sabendo que poderá não haver sanções, e mesmo se houver não será tão rigorosa. Apesar de que se espere que um número de atores viole os princípios básicos de uma instituição, isso não significa um distúrbio da mesma, porque é natural que haja alguns transgressores. Todavia, é preciso ressaltar que isso não pode abalar as regras e práticas sociais desta instituição. Assim, pode-se entender que: “a expectativa da exposição pública, em contraste com a força das sanções convencionais, tem assim importância considerável na sociedade internacional como fator determinante do cumprimento das regras”. (YOUNG, 2000, p. 241). Pode-se inferir ainda que: “[...] a transparência é, ao mesmo tempo, uma função do modo como são formuladas as prescrições de conduta e da tecnologia utilizada para monitorar essa conduta e verificar o cumprimento das regras”. (YOUNG, 2000, p. 241). Desta maneira, se espera que uma verificação do cumprimento das normas seja realizada periodicamente e que o comportamento dos Estados membros não prejudique as prescrições da conduta social tida como genérica. A transparência, 75 deste modo, é fundamental, apesar de não ser o único elemento relevante, no que tange à efetividade de uma instituição, uma vez que a mesma precisa monitorar o cumprimento de suas normas porque caso exista qualquer constrangimento com os princípios e regras impostos, verifica-se a importância desta instituição para seus Estados-membros. b) Resistência Young salienta que, “a efetividade das instituições internacionais é função da resistência dos mecanismos de opção social empregados.” (YOUNG, 2000, p. 242). Além de serem capazes de fazer com que seus membros não transgridam as regras e a conduta social estabelecidas, as instituições internacionais precisam resistir às mudanças que são factíveis de ocorrer ao longo do tempo. Todavia, não se pode esperar que essas instituições sejam imutáveis, mas que as mudanças institucionais não sejam radicais ao ponto de causar um desequilíbrio. A variável resistência tem embutida em seu cerne a ideia de estabilidade. Desta maneira, pode-se ressaltar que: Um mecanismo de escolha social é resistente, e não frágil, na medida em que pode resistir a perturbações ou ocorrências perturbadoras que surjam em conjunto com as atividades que governa. Nesse sentido a resistência equivale à ideia de estabilidade nos modelos de equilíbrio. (YOUNG, 2000, p. 242). Destarte, a instituição pode se ajustar, fazer mudanças, incorporar novas regras, mas tais articulações não podem ferir os seus princípios básicos porque caso isso aconteça, ela perde sua importância dentro da sociedade internacional. Alguns autores, ao se aterem mais profundamente a esta questão, vão discutir mais intensamente a diferença entre o que denomina ser mudança no regime e mudança do regime. Considerando tais proposições, se ocorrerem alterações dos princípios e/ou das normas de um regime, se estabelece uma mudança de regime, porque um outro surge nesta alteração, uma vez que princípios e normas são elementos chaves de qualquer instituição. Em contra partida, se as regras e os procedimentos são alterados, não há uma mudança de regimes, apenas uma mudança dentro dele. 76 Desta forma, as instituições precisam ser fortes às variações exógenas, porque instituições frágeis não conseguem determinar o comportamento de seus membros, precisam ser resistentes para terem um papel importante frente aos seus membros no cenário internacional. c) Regras de Transformação Oran Young salienta que, “a efetividade das instituições internacionais varia diretamente com o rigor das regras reconhecidas que governam as mudanças nas suas normas substantivas”. (YOUNG, 2000, p. 244). Segundo o argumento proposto, a efetividade é medida também através da força das normas que regulamentam alterações dentro das instituições. Suas regras substantivas não podem sofrer modificações tão facilmente, é preciso que haja certo rigor legislativo para que possa resistir às tentativas de alterações nas provisões substantivas; isso não significa que não possa haver emendas, porém, as mesmas precisam ser feitas obedecendo certas exigências. Assim, pode-se estabelecer que: “[...] mesmo entre as instituições que dispõem de procedimentos de emenda bemdefinidos e amplamente aceitos há uma grande variação no rigor nas exigências impostas aos que desejam fazer alterações”. (YOUNG, 2000, p. 244-245). Nestes termos, pode-se ainda ressaltar que: “as instituições internacionais oferecerão resistência a mudanças na medida em que as exigências para esse fim, rigorosas e amplamente reconhecidas, impeçam os esforços daqueles que preconizarem tais alterações”. (YOUNG, 2000, p. 245). Neste sentido, as instituições internacionais serão tão efetivas quanto for o rigor de seus arranjos. Assim, a efetividade está diretamente relacionada com o rigor das regras capazes de gerar mudanças nas normas substantivas de uma instituição. Como já mencionado anteriormente, mudanças em normas substanciais levam à alteração da instituição, já mudanças em regras procedimentais geram apenas uma reforma da mesma. Com isso, se estabelece que: As instituições internacionais podem ser mais difíceis de substituir ou reformar do que as instituições nacionais. Não há nenhum mecanismo legislativo padronizado aceito universalmente pela sociedade internacional, e os membros desse sistema social exibem uma propensão incisiva para insistir na adoção de requisitos estritos para as mudanças em conexão com arranjos específicos. (YOUNG, 2000, p. 246). 77 Nesta perspectiva proposta, a efetividade de uma instituição internacional depende diretamente do rigor das regras de transformação, com isso as mesmas podem ser mais efetivas do que as instituições nacionais. d) Capacidade dos governos De acordo com a análise proposta, “a efetividade das instituições internacionais varia diretamente com a capacidade que têm os governos dos membros de implementar suas normas”. (YOUNG, 2000, p. 247). As instituições internacionais serão efetivas se os governos de seus Estados membros tiverem a capacidade de incorporar as regras institucionais dentro de suas estruturas jurídicas. Existem diversos fatores que dificultam o poder dos governos em implementar certas normas, mesmo porque a incorporação de regras internacionais, tornando-as parte da legislação nacional, depende da aprovação, em muitos países, do Congresso Nacional. É válido ressaltar, então, que: Como os membros da sociedade internacional são entidades coletivas, a efetividade das instituições internacionais depende da capacidade que têm os governos de implementar os arranjos institucionais dentro de sua jurisdição, assim como da disposição dos próprios governos de respeitar as regras relevantes. (YOUNG, 2000, p. 247). Assim, a efetividade de qualquer regime internacional dependerá da estrutura de governo dos seus membros e dos problemas nacionais por eles enfrentados que poderão impossibilitar a incorporação de normas internacionais. Problemas internos podem limitar a atuação dos Estados no cenário político internacional. Considerando este entrave e muitos outros que são suscetíveis quando se refere à interpolação do internacional com o nacional, é válido expor que: Os regimes internacionais efetivos tendem a ser os que têm regras claras de ação confiadas a um número reduzido de atores, cuja conduta é fácil de monitorar. Além disso, é importante levar em conta o papel da política dos grupos de interesse, quando se trata de aplicar as provisões desses regimes. (YOUNG, 2000, p. 249). Desta maneira, certos grupos de interesses tenderão de diversas formas a prejudicar o apreço dessas normas internacionais que vão de encontro com os 78 objetivos desses grupos. A efetividade, deste modo, depende diretamente da capacidade dos governos em implementar seus ordenamentos jurídicos. e) Distribuição do poder Conforme o estudo feito por Young, “as assimetrias agudas na distribuição do poder (no sentido material) entre os participantes circunscreve a efetividade das instituições internacionais”. (YOUNG, 2000, p. 250). Uma variável também relevante quando se discute a efetividade de um regime é como o poder está distribuído entre seus Estados membros. Neste sentido, quanto maior a simetria com relação ao poder entre os membros, maior a efetividade. Isso ocorre porque os países mais poderosos tendem mais facilmente a questionar arranjos institucionais e influenciar os demais. Desta maneira, quando existe uma assimetria na distribuição de poder, mais limitada encontra-se a efetividade. Cabe perceber, com relação a essa distribuição de poder, que: De um modo geral, quanto mais simétrica a distribuição do poder, mais difícil, inicialmente, instituir arranjos institucionais, que, no entanto, serão mais efetivos quando formados. A simetria eleva o custo da transação associada à formação do regime, pois é necessário promover um acordo entre numerosos membros do sistema social. (YOUNG, 2000, p. 251-252). Destarte, existe uma relação inversamente proporcional entre simetria na distribuição de poder e a formação de um regime, e assimetria e a efetividade. Quanto maior a simetria, maior a efetividade, porém, menor a possibilidade de formação de um regime. Ao contrário, quanto maior a assimetria, menor a efetividade, todavia, maior a capacidade de formação, isso acontece devido ao poder de imposição dos mais fortes sobre os demais. Assim, cabe ainda inferir que: [...] parece razoável concluir que do ponto de vista da efetividade das instituições sociais há um ponto ótimo de assimetria na distribuição do poder. Nesse ponto, estaria preservada a assimetria necessária para que uma ou mais partes possam assumir a liderança nos processos de formação do regime, sem chegar a criar uma elite de poder capaz de ignorar impunemente as normas das instituições resultantes. (YOUNG, 2000, p. 252). Considerando o argumento proposto por Young (2000), é viável o paralelo com o que fora proposto por Keohane (1984), segundo o qual a presença do poder 79 hegemônico mostra-se relevante à formação de um regime internacional. Não obstante, esse poder hegemônico não se revela primordial quanto à manutenção de um regime. Um regime consegue se manter com efetividade sem o poder de um Estado hegemônico, pois há uma difusão do poder entre os membros. f) Interdependência A sexta variável proposta por Oran Young quanto à efetividade de uma instituição intui que “a efetividade das instituições internacionais varia diretamente com o nível de interdependência dos participantes”. (YOUNG, 2000, p. 253). No que se refere a esta variável, cabe postular que o regime internacional será mais efetivo e desta maneira sua relevância será acrescida, quanto maior for a interdependência entre seus membros. A interdependência é gerada através da influência entre os membros de um sistema, Estados interdependentes são facilmente afetados pelas decisões dos demais ou de alguns outros Estados, ficando vulneráveis mutuamente ao comportamento uns dos outros. Cabendo, então, salientar que: [...] esse processo envolve situações em que dois ou mais atores autônomos se encontram associados: os resultados das escolhas de cada participante são determinados, em parte, pela escolha de cada um dos outros. Quanto maior esse efeito, mais elevado o nível de interdependência. (YOUNG, 2000, p. 254). Não obstante, não se pode apenas considerar a interdependência externa dos Estados que gera uma maior preocupação dos mesmos com suas relações entre si, é preciso analisar a relação de interdependência que ocorre dentro dos Estados membros que interfere diretamente na sua relação com os demais, uma vez que caso essa interdependência interna seja elevada, precisarão estar mais atentos às suas políticas nacionais em detrimento às internacionais. É considerando tais proposições que Young argumenta que: [...] à medida que se eleva o nível das interdependências externas, em relação às internas, os responsáveis pelas decisões políticas estarão devotando mais temo e energia às interações entre os membros da sociedade internacional. O aumento da interdependência externa gera dois fluxos diferentes de incentivos para que os atores criem instituições sociais e aceitem suas normas, quando definidas. (YOUNG, 2000, p. 254). 80 O estudo da interdependência feito por muitos analistas das relações internacionais, como feito por Keohane e Nye e pelo próprio Young, revela a importância deste fenômeno no que se refere ao estudo de regimes internacionais, já que os mesmos resultam de uma relação cada vez mais interligada entre os membros da sociedade internacional que buscam através desses regimes uma relação entre si mais efetiva e coesa no que tange a algumas áreas. Com este viés que acredita-se que: O aumento da interdependência contribui também para a efetividade dos arranjos institucionais ao aumentar a capacidade que tem cada membro do sistema social de responder às violações pelos outros membros. [...] níveis crescentes de interdependência não só aumentam a necessidade de arranjos institucionais para controlar a interferência mútua como proporcionam aos membros do sistema social formas de pressão que podem ser usadas contra os violadores ou possíveis violadores das normas e dos direitos de uma instituição. (YOUNG, 2000, p. 255). Deste modo, entender-se-á que o aumento da relação entre os Estados no cenário internacional e a influência existente entre os mesmos contribui para a formação de regimes internacionais em diferentes áreas. Isso porque, o regime internacional possibilita uma interação mais “harmônica” entre seus membros, já que essa interação acontece sobre a luz de norma e regras. Pode-se ainda frisar que essa interdependência mútua contribui também para o fortalecimento das instituições e o interesse nas mesmas. g) Ordem Intelectual A última variável proposta por Young no que concerne à efetividade dos regimes internacionais expõe que, “as instituições internacionais não podem manter sua efetividade por muito tempo depois da erosão ou do colapso das subestruturas intelectuais”. (YOUNG, 2000, p. 256). Outro elemento relevante referente à importância das instituições internacionais, contribuindo, assim, para o estudo da efetividade das mesmas é o poder das ideias que permeiam a origem dessas instituições. Com isso, os regimes internacionais são criados através de um arranjo de ideias que servem como arcabouço de sua existência, sem elas fica inviável a continuação de um regime em uma dada área. Se um regime é criado circunscrevendo uma ordem intelectual, essa 81 ordem precisa ser resistente e coerente. Imbuído deste argumento, Oran Young revela que: As instituições não podem enraizar-se sem um sistema coerente de ideias; não podem manter sua efetividade se as ideias que as geram fracassam, nem conseguem resistir às pressões para sua transformação que decorrem do surgimento de um novo sistema de ideias. (YOUNG, 2000, p. 256). Nestes termos, da mesma forma que a instituição pode entrar em colapso se suas normas substantivas são alteradas ou não mais consistentes. O mesmo é factível de ocorrer se a ordem intelectual que deu origem a esse regime não mais se sustenta ou não se mostre capaz de se manter forte diante de novas ideias ou de tentativas de anularem essa ordem. É como se não fizesse sentido ter um corpo de normas ao redor de um sistema de ideias que não mais existe; assim, a finalidade do regime é sucumbida. Essas sete variáveis críticas em torno da efetividade das instituições internacionais analisadas por Oran R. Young são o cerne do seu argumento de que o estudo das instituições, deste modo dos regimes internacionais, não é apenas uma moda acadêmica. O estudo destas instituições é de fundamental importância para as Relações Internacionais, porque os arranjos institucionais são relevantes para constranger e moldar o comportamento dos atores no cenário internacional. Destarte, com o anseio de entender e/ou tecer qualquer crítica a quão efetivo é um dado regime internacional, segundo Young, cabe aplicar-lhe essas variáveis endógenas. Não obstante, conforme reconhecido pelo próprio Young, esses fatores não podem ser vistos como suficientes para explicar as instituições internacionais. Com o anseio de analisar e entender o papel da UNESCO na formulação de políticas mundiais para a educação, tendo o Brasil como foco, objetivou-se tecer um estudo acerca das instituições internacionais, e mais especificamente dos regimes internacionais. Deve-se esclarecer que não houve a preocupação de se ater a detalhes e especificações, mas sim, de projetar um arcabouço teórico que pudesse explicar claramente o papel da UNESCO no fomento da educação no Brasil. 82 5 O REGIME INTERNACIONAL DA EDUCAÇÃO: A UNESCO E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA Na presente seção analisar-se-á, num primeiro momento, a importância da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura – UNESCO no fomento da educação mundial, discorrendo inicialmente sobre a origem e estrutura da UNESCO. Após tal explanação, abordar-se-á a importância da UNESCO na educação brasileira, abarcando suas regras para a educação e seus reflexos na formulação de regras educacionais no Brasil, atendo-se à questão da efetividade desta organização internacional segundo a análise feita anteriormente. 5.1 A importância da UNESCO no fomento da educação mundial Em um mundo cada vez mais interdependente, no qual as fronteiras tornamse maleáveis, impossibilitando o isolamento de qualquer uma das unidades em sua esfera política e econômica, cooperar revela-se inevitável, principalmente nas áreas sociais. A educação, deste modo, transformou-se em um bem público internacional, cooperar nesta área tornou-se muito mais que inevitável, mas sim vital para o crescimento e desenvolvimento dos Estados. Nestes termos, com a finalidade de tratar a educação e a cultura em um nível internacional, a UNESCO se destaca como a principal instituição nessa área, contribuído não apenas para o desenvolvimento intelectual, social e econômico de seus membros, mas através desse propósito minimizando conflitos, fortalecendo a paz no cenário internacional. Anseia-se, deste modo, entender a importância de um regime internacional voltado para a educação na gestão da educação pública, especificamente no Brasil, o qual ainda encontra dificuldades em estruturar e qualificar o seu sistema educacional. Devido a esta dificuldade, o auxílio da UNESCO dentro do país revelou-se indispensável, tornando-se um marco estratégico para a educação brasileira. Seguindo esta esteira, propõe-se analisar, também, por intermédio este trabalho, a estrutura da UNESCO, tendo como sustentáculos aspectos históricos da 83 organização como também seus principais trabalhos, considerando a capacidade do Brasil, foco deste trabalho, em implementar tais diretrizes. Com isso, pretende-se fazer um breve apanhado histórico da UNESCO e de uma de suas principais diretrizes para então abarcar mais precisamente como o Brasil tem instituído essas regras e se o país tem conseguido atingir as metas estabelecidas, conforme será visto através do Plano Nacional de Educação de 2001. 5.1.1 Breves considerações sobre a UNESCO Órgão de considerável relevância ao se referir à questão da educação em esfera transnacional, a UNESCO encontra-se espalhada por diversos países, tendo como objetivo a promoção de educação de qualidade e com isso o desenvolvimento econômico e social desses países. Foi durante a Segunda Guerra Mundial que a história da UNESCO começou a ser traçada, tendo como objetivo a promoção da paz e dos direitos humanos, tendo como cerne a “solidariedade intelectual e moral da humanidade”. Sua criação data de 16 de novembro de 1945, sendo os países aliados durante a Segunda Guerra Mundial os idealizadores da iniciativa de se criar um organismo que pudesse ajudar a promover a paz, a solidariedade e a justiça. Em seu ato constitutivo criou-se a concepção de que “se as guerras nascem na mente dos homens, é na mente dos homens que devem ser erguidas as defesas da paz”. A educação tornou-se, assim, um ponto chave na intenção de salvaguardar o mundo dos flagelos das guerras. Nestes termos, a própria Organização salienta que: A UNESCO trabalha para criar as condições para um diálogo entre civilizações, culturas e povos, baseado no respeito por valores comumente compartilhados. É através desse diálogo que o mundo pode alcançar visões globais de desenvolvimento sustentável englobando a observância dos direitos humanos, respeito mútuo e o alívio da pobreza, e todos esses estão no coração da missão e das atividades da UNESCO. (UNESCO, 2010, 22 tradução nossa ). 22 UNESCO works to create the conditions for dialogue among civilizations, cultures and peoples, based upon respect for commonly shared values. It is through this dialogue that the world can achieve global vision for sustainable development encompassing observance of human rights, mutual respect and alleviation of poverty, all of which are at the heart of UNESCO’s mission and activities. 84 A UNESCO é uma organização, contando com mais de cento e noventa (190) membros, que traz em seu cerne a ideia de um desenvolvimento social que se torne realidade através de um sistema educacional estruturado, de uma cooperação científica entre os países, incentivando um diálogo cultural entre os povos. A finalidade última de tudo isso, segundo proposto por essa instituição, é a manutenção da paz, a erradicação da pobreza e o desenvolvimento, como salientado. Neste sentido, insta ressaltar que: A missão da UNESCO é contribuir para a construção da paz, da erradicação da pobreza, do desenvolvimento sustentável e do diálogo intercultural através da educação, ciência, cultura, comunicação e da 23 informação. (UNESCO, 2010, tradução nossa ). Destarte, seus diversos programas espalhados pelo mundo com suas muitas secretarias voltam-se para essas questões, as quais são consideradas prioridades na agenda da Organização. Além disso, a UNESCO encontra-se em sintonia com outros acordos internacionais para o desenvolvimento sustentável, como as Metas do Milênio, os quais ajudam a sustentar as estratégias e as atividades dessa Organização. Em termos estruturais é válido salientar brevemente que tanto o programa quanto o orçamento da UNESCO são aprovados pela Conferência Geral a cada dois anos. Já com relação às estratégias lançadas, a UNESCO cria a cada seis anos uma estratégia de médio prazo a ser adotada, o que viabiliza traçar os objetivos e os resultados esperados de trabalhos periodicamente, percebendo o progresso dos mesmos. Cabe ressaltar, deste modo, que essas estratégias adotadas pela Organização estão em sintonia com sua missão, tendo como prioridades em seus trabalhos atualmente, temas como a África e a igualdade de gêneros, temas considerados pela instituição ainda carentes de maior atenção e trabalho. Essa estratégia a médio prazo, conforme estabelecido pela UNESCO, estrutura-se em cinco programas (Educação, Ciências Naturais, Ciências Social e Humana, Cultura e 23 UNESCO’s mission is to contribute to the building of peace, the eradication of poverty, sustainable development and intercultural dialogue through education, the sciences, culture, communication and information. The Organization focuses, in particular, on two global priorities: Africa and gender equality. 85 Comunicação e Informação) e os objetivos dos programas estratégicos da instituição exprimem como as metas globais serão perseguidas de uma maneira temática. Seus trabalhos acontecem através de seus institutos especializados e através de seus mais de sessenta escritórios regionais localizados em diversos continentes, prestando cooperação técnica aos países, realizando estudos e diagnósticos e, além disso, buscando juntamente com os governos e com a sociedade civil soluções para os problemas que impossibilitam o exercício pleno da cidadania. Considerando os cinco principais campos de atuação da UNESCO, verifica-se que a mesma preocupa-se com mais rigor com a educação para todos e com a erradicação do analfabetismo, isso porque a educação, principal tema deste estudo, é vista como direito fundamental do ser humano assim como estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo vista também como principal mecanismo de desenvolvimento dos povos; e aqueles que estão à margem dessa educação, terão, segundo a Organização, maior cuidado, pois são os que mais precisam tendo em vista terem seus direitos mais intensamente feridos. Com relação ao campo das ciências naturais, a atenção da Organização está voltada aos princípios e normas éticas, como também à segurança humana, buscando uma melhor gestão das mudanças sociais e ambientais. No que tange ao campo das ciências humanas e sociais, elas devem ser colocadas a serviço do desenvolvimento humano, tendo em vista sua popularização. Outra área de atuação é a de informação e a comunicação. Neste sentido, muito tem sido feito para que as pessoas tenham cada vez mais acesso ao restrito mundo da informação de qualidade; como também acesso às novas tecnologias, protegendo a livre circulação de ideias. A respeito da cultura, o principal objetivo da UNESCO é a proteção da diversidade cultural juntamente com o fortalecimento do intercâmbio cultural entre as civilizações, incentivando a preservação de patrimônios históricos. A UNESCO atua nessas cinco áreas temáticas tendo como anseio maior o desenvolvimento dos povos e a concretização de uma cultura de paz, de não-violência. Percebe-se com todas essas ações que essa instituição internacional possui um amplo leque de atividades, que são conduzidas por uma política integrada e através de uma postura de reconhecimento dos fatos de maneira inter e transdisciplinar. Isso porque, essa instituição tenta abarcar os vários ângulos e especificações de um problema, evitando soluções parciais e oblíquas. 86 Com essa estratégia de trabalho, essa Organização tem conseguido, apesar de não totalmente, que todos os países adotem em suas políticas públicas as diretrizes de ação propostas pela UNESCO, diretrizes voltadas para a criação de cenários sociais que propiciem condições mais dignas de vida, conduzindo, progressivamente, à universalização da cidadania. Não obstante, cabe a cada membro definir as estratégias que se adaptem às peculiaridades de seu país, levando em consideração a necessidade, história e cultura não somente do país em questão, como também, da região ou localidade deste. A educação é tratada, deste modo, muito mais que uma educação formal. Seu conceito é mais amplo, abrangendo fatores gerais como educação para saúde, educação para o trânsito, educação ambiental, educação científica, educação para a preservação dos bens culturais. Assim, a educação é vista de maneira transversal, sem limitações, envolvendo toda a sociedade, saindo dos muros da escola. Esse sentido remete à definição de educação proposta pelo sociólogo Emile Durkheim: A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine. (DURKHEIM, p. 7 e 8, 1955) Deste modo, a UNESCO tem se preocupado em incentivar políticas de educação para todos, não só durante a vida escolar, mas ao longo de toda uma vida. Com isso, a execução e a responsabilidade por essa política educacional precisam envolver não somente o poder público, mas também toda a sociedade, não podendo ser atribuída apenas ao poder do Estado, todos os setores da sociedade precisam estar envolvidos. Insta ainda destacar que a UNESCO não tem um papel de agência financiadora, a mesma é uma organização intelectual que promove estudos diagnósticos, recolhe e processa informação sobre seus membros e ainda avalia experiências e incentiva a cooperação técnica entre os países a fim de apontar alternativas para eliminar os problemas que impedem a plenitude do desenvolvimento social. A UNESCO, preocupando-se em ter uma postura ética que oriente sua ação mundial e com a profundidade de seus estudos, conseguiu, ao longo de sua história, 87 concentrar um importante capital intelectual respaldado por experiências empíricas realizadas em muitos países. Esse capital intelectual se resume em experiências, estudos e reflexões de caráter mundial e ainda em muitos documentos, normas e convenções que são discutidas e aprovadas pelos países membros. Não há aqui a pretensão de tecer uma análise de todo este arsenal intelectual, o que seria imprudente, levando-se em consideração o estudo proposto. Nestes termos, analisar-se-á apenas algumas diretrizes da UNESCO para educação, tendo em vista sua relevância quanto a formulação do Plano Nacional de Educação de 2001; sendo a Declaração de Dakar, seguindo os passos da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, um importante documento referente à análise proposta por intermédio do presente estudo. 5.1.2 Diretrizes da Declaração Mundial Sobre Educação Para Todos Ao longo da história e com a ampliação das necessidades sociais que abarcam o ser humano, a educação que antes era considerada apenas um incremento, hoje é considerada um direito universal, o caminho para a consolidação de um desenvolvimento sustentável, uma importante responsabilidade do Estado; e podendo ser efetiva se todos os governos agirem ao seu favor, movendo todos os recursos adquiridos. É sobre este alicerce que foi construído um programa que tem como objetivo já incrustado em seu título, a ampliação de um sistema educacional de qualidade a todas as pessoas sem distinção. Deste modo, entre 5 e 9 de março de 1990, cento e cinqüenta e cinco (155) países reuniram-se em Jomtien, Tailândia, com uma só promessa: uma educação de qualidade para todos os cidadãos do mundo, satisfazendo as necessidades básicas de um aprendizado de qualidade. Essas metas e muitas outras foram definidas na Conferência Mundial sobre Educação para Todos para serem cumpridas até o ano de 2000. Assim, conforme exposto em seu preâmbulo: Há mais de quarenta anos, as nações do mundo afirmaram na Declaração Universal dos Direitos Humanos que "toda pessoa tem direito à educação". No entanto, apesar dos esforços realizados por países do mundo inteiro para assegurar o direito à educação para todos, persistem as seguintes realidades: mais de 100 milhões de crianças, das quais pelo menos 60 88 milhões são meninas, não têm acesso ao ensino primário; mais de 960 milhões de adultos - dois terços dos quais mulheres são analfabetos, e o analfabetismo funcional é um problema significativo em todos os países industrializados ou em desenvolvimento; - mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a qualidade de vida e ajudá-los a perceber e a adaptar-se às mudanças sociais e culturais; e mais de 100 milhões de crianças e incontáveis adultos não conseguem concluir o ciclo básico, e outros milhões, apesar de concluí-lo, não conseguem adquirir conhecimentos e habilidades essenciais. (UNESCO, 2008, p.2, preâmbulo). Segundo os propósitos desta conferência, o acesso à escola, ao ensino, não significa todavia uma educação de qualidade, apenas cria, muitas das vezes, uma falsa impressão de desenvolvimento. Deste modo, tornou-se necessária uma maior atenção ao ensino para todos, mas um ensino de qualidade com um acesso universal, promovendo a igualdade; tendo como foco o aprendizado; alargando o significado e o escopo da educação básica e ainda fortalecendo as parcerias. Deste modo, tal declaração estabeleceu seis metas principais a serem alcançadas pelos países-parte desse acordo ao longo da década de 1990: 1. expansão dos cuidados e do desenvolvimento na primeira infância; 2. acesso universal e conclusão da educação primária até o ano 2000; 3. melhoria dos resultados da aprendizagem; 4. redução da taxa de analfabetismo de adultos; 5. expansão da educação básica e a formação em competências essenciais exigidas pelos jovens e adultos; 6. aquisição crescente por indivíduos e famílias, dos conhecimentos, habilidades e valores necessários para uma vida melhor e para o desenvolvimento sustentável através de todos os canais educativos. 24 (UNESCO, 1990, tradução nossa ). Tendo essas metas em seu cerne, o Fórum de Educação para Todos teve como incentivadores várias agências das Nações Unidas, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF), e contou também com a parceria do Banco Mundial, incentivando os seguintes objetivos: 24 1. expansion of early childhood care and development; 2. universal access to and completion of primary education by the year 2000; 3. improvement of learning achievement; 4. reduction of the adult illiteracy rate; 5. expansion of basic education and training in essential skills required by young people and adults; 6. increased acquisition by individuals and families of the knowledge, skills and values required for better living and for sustainable development through all educational channels. 89 • monitorar o progresso dos países e das organizações em relação à educação para todos; • assegurar que a educação básica permanece na agenda de desenvolvimento do mundo (advocacia e informação); • promover o diálogo e a cooperação entre os parceiros de Educação para 25 Todos. (UNESCO, 1990, tradução nossa ). Não obstante, após seis anos da Declaração, constatou-se que apesar dos importantes resultados em mais de 100 países e mais de 50 milhões de crianças matriculadas nas escolas primárias, milhões de pessoas ainda não tinham sido beneficiadas e cerca de 100 milhões de crianças na faixa etária entre seis e onze anos ainda estavam fora da escola, 150 milhões, abrangendo os adolescentes, abandonaram a vida escolar sem ao menos terem adquirido um nível básico de alfabetização. Muitas das metas não foram alcançadas, e constatou-se, ainda, que são poucos os programas de cuidados para a primeira infância realizados nos países em desenvolvimento. Além desse problema com a primeira infância, a remuneração e a qualificação de professores continuam precárias, o corpo docente precisa ainda de melhor valorização. A situação parece ainda pior se analisados os resultados em sub-regiões no mundo e em regiões em desenvolvimento, principalmente na África subsaariana. No entanto, esse problema com a educação ainda persiste em países industrializados, apesar de não tão intenso como em países mais pobres. Depois de seis anos da conferência de Jomtien, um em cada cinco adultos nos países considerados mais desenvolvidos não conseguiam ler ou escrever. Além dos problemas quanto ao acesso e à qualidade do ensino, pode-se verificar na época (1996) que, apesar de alguns avanços, as disparidades de gênero não haviam se extinguido, o sexo feminino ainda encontrava problemas no que se refere ao acesso à educação, sendo vítima da discriminação quanto ao gênero, apesar desse problema ser uma das prioridades da Declaração. Como as promessas dessa conferência não foram alcançadas, grupos da sociedade civil como ONG’s, professores e agências de desenvolvimento, de cento e oitenta países mobilizaram-se para reivindicar junto aos governos e agências internacionais. Esses grupos criaram, em 1999, a campanha global pela educação 25 • to monitor progress by countries and organizations towards education for all; • to ensure that basic education remains on the world’s development agenda (advocacy and information); • to promote dialogue and co-operation among Education for All partners. 90 com o objetivo de pressionar os governos para que estes efetivassem o acordo firmado de garantir uma educação gratuita e de qualidade para todos sem restrições, priorizando os grupos menos favorecidos da sociedade. Devido às frustrações quanto às metas da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, houve a necessidade de revisá-las e reafirmá-las através de um novo acordo, e foi, então, que uma nova Conferência para a Educação foi realizada em Dakar, capital do Senegal. 5.1.3 Diretrizes da Declaração de Dakar A educação tornou-se, em pouco tempo, tema de discussão em várias conferências internacionais e objeto de muitos acordos entre países e entre agências internacionais como a UNESCO, órgão referencial no que tange ao desenvolvimento educacional dos povos. Em Senegal, Dakar, em abril do ano de 2000, os membros da Cúpula Mundial de Educação se reuniram para discutirem o compromisso de alcançar os objetivos das metas da Declaração Mundial sobre Educação para Todos26. Assim, de acordo com a Declaração de Dakar: O Marco de Ação de Dakar é um compromisso coletivo para a ação. Os governos têm a obrigação de assegurar que os objetivos e as metas de EPT sejam alcançados e mantidos. Essa responsabilidade será atingida de forma mais eficaz por meio de amplas parcerias no âmbito de cada país, apoiada pela cooperação com agências e instituições regionais e internacionais. (UNECO, 2000). O objetivo da Declaração de Dakar é reafirmar as metas da Declaração Mundial e incentivar os governos dos países vinculados a se comprometerem a agir em prol das metas estabelecidas para que as mesmas sejam alcançadas segundo as disposições das declarações. Apesar de se verificar um progresso, muito ainda precisa ser feito, muitas das metas da Declaração Mundial não foram atingidas totalmente, por isso a necessidade de um novo compromisso. Deste modo, pode-se destacar a intenção de manter as proposições da Declaração Mundial sobre Educação para Todos quando os participantes afirmam que: 26 Vide anexo 2. 91 Nós reafirmamos a visão da Declaração Mundial de Educação Para Todos (Jomtien, 1990), apoiada pela Declaração Universal de Direitos Humanos e pela Convenção sobre os Direitos da Criança, de que toda criança, jovem e adulto têm o direito humano de beneficiar-se de uma educação que satisfaça suas necessidades básicas de aprendizagem, no melhor e mais pleno sentido do termo, e que inclua aprender a aprender, a fazer, a conviver e a ser. É uma educação que se destina a captar os talentos e o potencial de cada pessoa e desenvolver a personalidade dos educandos para que possam melhorar suas vidas e transformar suas sociedades. (UNESCO, 2000). Verifica-se, deste modo, que a educação é um tema de relevância e caminho para a realização de outros objetivos essenciais para uma vida de qualidade, sendo o esteio para o desenvolvimento social e econômico de todos os países. Assim, conforme exposto no artigo 6º da Declaração de Dakar: A educação enquanto um direito humano fundamental é a chave para um desenvolvimento sustentável, assim como para assegurar a paz e a estabilidade dentro e entre países e, portanto, um meio indispensável para alcançar a participação efetiva nas sociedades e economias do século XXI. Não se pode mais postergar esforços para atingir as metas de EPT. As necessidades básicas da aprendizagem podem e devem ser alcançadas com urgência. (UNESCO, 2000, art. 6º). Destarte, o anseio dessa Declaração é atingir os objetivos propostos por ela e pela Educação para Todos – EPT, conferindo às populações do mundo uma educação de qualidade e capaz de gerar inclusões entre os menos favorecidos, integrando-os à sociedade com os mecanismos necessários para o labor, como também para o convívio social. Tendo como objetivo principal uma educação básica de qualidade para todas as crianças, todos os jovens e adultos, cento e sessenta e quatro governos se comprometeram a alcançar a educação para todos e identificaram seis metas principais a serem alcançados até 2015. Deste modo, cabe identificar essas seis metas para a educação internacionalmente acordados para sanar as necessidades de aprendizado de todas as crianças, todos os jovens e adultos até 2015: Meta 1: Expandir e melhorar os cuidados e a educação na primeira infância, especialmente para as crianças mais vulneráveis e desfavorecidas; Meta 2: Assegurar que até 2015 todas as crianças, especialmente meninas, crianças em circunstâncias difíceis e as pessoas pertencentes a minorias étnicas, tenham acesso completo, gratuito e obrigatório a educação primária de boa qualidade; 92 Meta 3: Assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os jovens e adultos sejam satisfeitas mediante o acesso eqüitativo à aprendizagem apropriada e aos programas de habilidades para a vida; Meta 4: Alcançar uma melhoria de 50 por cento nos níveis de alfabetização de adultos até 2015, especialmente para as mulheres, e acesso eqüitativo à educação básica e continuada para todos os adultos; Meta 5: Eliminar disparidades de gênero na educação primária e secundária até 2005 e alcançar a igualdade de gênero na educação até 2015, com foco na garantia do acesso pleno e igual das meninas e nas conquistas na educação básica de boa qualidade; Meta 6: Melhorar todos os aspectos da qualidade da educação e assegurar a excelência de todos para que os resultados reconhecidos e mensuráveis sejam alcançados por todos, especialmente em alfabetização, cálculo e 27 habilidades essenciais para a vida. (UNESCO, 2010, tradução nossa ). Com a finalidade de atingir os objetivos propostos na Declaração, os governos junto às agências internacionais e às associações representadas na Cúpula Mundial de Educação se comprometeram a seguir as diretrizes da Declaração nos seguintes termos: a) mobilizar uma forte vontade política nacional e internacional em prol da Educação para Todos, desenvolver planos de ação nacionais e incrementar de forma significativa os investimentos em educação básica; b) promover políticas de Educação para Todos dentro de marco setorial integrado e sustentável, claramente articulado com a eliminação da pobreza e com estratégias de desenvolvimento; c) assegurar o engajamento e a participação da sociedade civil na formulação, implementação e monitoramento de estratégias para o desenvolvimento da educação; d) desenvolver sistemas de administração e de gestão educacional que sejam participativos e capazes de dar respostas e de prestar contas; e) satisfazer as necessidades de sistemas educacionais afetados por situações de conflito e instabilidade e conduzir os programas educacionais de forma a promover compreensão mútua, paz e tolerância, e que ajudem a prevenir a violência e os conflitos; f) implementar estratégias integradas para promover a eqüidade de gênero na educação, que reconheçam a necessidade de mudar atitudes, valores e práticas; 27 Goal 1: Expanding and improving comprehensive early childhood care and education, especially for the most vulnerable and disadvantaged children; Goal 2: Ensuring that by 2015 all children, particularly girls, children in difficult circumstances and those belonging to ethnic minorities, have access to, and complete, free and compulsory primary education of good quality; Goal 3: Ensuring that the learning needs of all young people and adults are met through equitable access to appropriate learning and life-skills programmes; Goal 4: Achieving a 50 per cent improvement in levels of adult literacy by 2015, especially for women, and equitable access to basic and continuing education for all adults; Goal 5: Eliminating gender disparities in primary and secondary education by 2005, and achieving gender equality in education by 2015, with a focus on ensuring girls’ full and equal access to and achievement in basic education of good quality; Goal 6: Improving all aspects of the quality of education and ensuring excellence of all so that recognized and measurable learning outcomes are achieved by all, especially in literacy, numeracy and essential life skills. 93 g) implementar urgentemente programas e ações educacionais para combater a pandemia HIV/AIDS; h) criar ambientes seguros, saudáveis, inclusivos e eqüitativamente supridos, que conduzam à excelência na aprendizagem e níveis de desempenho claramente definidos para todos; i) melhorar o status, a auto-estima e o profissionalismo dos professores; j) angariar novas tecnologias de informação e comunicação para apoiar o esforço em alcançar as metas EPT; k) monitorar sistematicamente o progresso no alcance dos objetivos e estratégias de EPT nos âmbitos internacional, regional e nacional; l) fortalecer os mecanismos existentes para acelerar o progresso para alcançar Educação para Todos. (UNESCO, 2000). Destarte, governos, agências de desenvolvimento, sociedade civil e o setor privado se propuseram a trabalhar juntos com a finalidade de atingir as referidas metas. A UNESCO como agência líder tem como foco atividades em cinco principais áreas dentro das metas estabelecidas: política de diálogo, monitoramento, advocacia, mobilização de fundos e capacidade de desenvolvimento. Apesar de coordenadora, a UNESCO, assim como fora estabelecido na Declaração Mundial sobre Educação para Todos, conta com o apoio de outras agências da ONU como PNUD, UNFPA, UNICEF e também com o apoio do Banco Mundial. 5.2 A UNESCO e a educação brasileira Em 1946, o Brasil tornou-se membro desta organização, porém, sua representação apenas em 1972 foi instalada em Brasília. Todavia, foi com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, em 1992, que as ações da UNESCO no país se avolumaram. Esta organização iniciou um trabalho em conjunto com o Ministério da Educação a fim de realizar as ideias previstas na Declaração mencionada, já possuindo um acordo de Cooperação Técnica em Matéria Educacional Científica Cultural entre o governo brasileiro e a Organização, datado de 1981, e assinado um plano de trabalho com o MEC a fim de ajudar na elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos em 1993. Com o passar dos anos, a UNESCO teve suas atividades ampliadas para outras áreas, desenvolvendo também uma cooperação técnica com o governo e também com grupos da sociedade civil. Sua representação consolidou-se a partir de 1995 com a doação do governo federal de um terreno para sua sede. Verifica-se, 94 então que as atividades da UNESCO no Brasil encontram-se particularmente nos setores da Educação, Cultura, Ciência, Tecnologia, Comunicação, Informática, Meio Ambiente, Direitos Humanos e Gestão Social. É nestes setores, que o foco da organização se encontra com mais rigor, tendo como referencial os acordos internacionais entre seus Estados membros. Desta forma, sua atuação no país e a cooperação com o governo federal tem como objetivo ajudar na formulação e operacionalização de políticas públicas que se encontram em concordância com as importantes metas internacionais, bem como através de atuações em grupos da sociedade civil com o objetivo de contribuir com as políticas públicas de desenvolvimento humano no país. Destarte, a UNESCO, ligada a vários projetos voltados para muitas áreas do conhecimento, é um importante colaborador para o desenvolvimento social brasileiro, atuando através das políticas públicas para educação, criando mecanismos que auxiliam no seu aperfeiçoamento e extensão à sociedade, articulando metas e responsabilidades para o governo brasileiro que tem o dever de repassar aos seus Estados e municípios. O papel da UNESCO no Brasil visa enfrentar os desafios da grande diversidade existente no país, abrangendo não somente divergências geográficas, mas também culturais e socioeconômicas. Considerando esses fatores é que a cooperação técnica com o Brasil foi estabelecida, tendo como parceiros a União, os Estados, municípios, bem como toda a sociedade civil e entidades nãogovernamentais. Os acordos estabelecidos entre a UNESCO e o Brasil foram celebrados com o Ministério da Educação, Ministério da Cultura, Ministério da Ciência e Tecnologia (CNPq), Ministério da Justiça, Ministério da Saúde e Ministério do Meio Ambiente. Além desses acordos, outros programas foram desenvolvidos pela Organização com temas socialmente importantes para o país bem como o desenvolvimento de parecer avaliativo dos programas criados pelo governo nessas áreas. Neste sentido, é importante salientar que juventude, violência e cidadania correspondem às principais linhas de investigação da instituição no Brasil. Muitas pesquisas nessas áreas foram feitas e demonstraram um preocupante panorama no que diz respeito à violência entre a juventude brasileira. Um dos levantamentos feitos mostrou o aumento da violência nos finais de semana. Deste modo, a UNESCO sugeriu a abertura das escolas brasileiras também durante tais dias com a 95 finalidade de oferecer a esses jovens atividades recreativas, afastando-os de atividades criminais e violentas. Ainda no que se refere aos programas para os jovens, a UNESCO executa ampla pesquisa não só na questão da violência, mas também com relação às drogas e Aids nas escolas brasileiras, tendo como objetivo a construção de programas que estabeleçam uma cultura de paz nas escolas, tendo a família como ponto de partida para a eliminação da violência doméstica, estendose esse objetivo pelas instituições de ensino. 5.2.1 A situação atual da educação brasileira Desde a colonização a instrução dos cidadãos brasileiros enfrentou muitas dificuldades, não só no que se refere à incorporação do direito à educação no ordenamento jurídico nacional, ganhando status de direito fundamental, como também no que tange à sua qualidade e seu amplo acesso aos cidadãos brasileiros. Acordos internacionais na área da educação e instituições como a UNESCO foram mecanismos importantes no que tange à elevação do padrão de qualidade da educação no mundo e no Brasil através de suas metas e incentivos. 5.2.1.1 Os dados referentes à educação brasileira Apesar de muitos projetos e metas, o Brasil segundo dados do Ministério da Educação (MEC) ainda enfrenta muitos problemas quanto à universalização e qualidade do ensino no país. Segundo um relatório divulgado pelo MEC em meados de 2010, o Brasil não conseguiu atingir algumas metas básicas do Plano Nacional de Educação, documento produzido durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Este documento completou no ano de 2010, dez anos, e o mesmo ano estava previsto para ser o prazo limite para o cumprimento dos objetivos nele propostos com relação à educação pública. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) realiza todos os anos desde 2007 o Censo Escolar. O Censo é um 96 levantamento de dados estatístico-educacionais de âmbito nacional, o qual tem como objetivo a melhora da qualidade da educação Básica no Brasil, abrangendo o ensino regular (educação Infantil e ensinos fundamental e médio), educação especial e educação de jovens e adultos – EJA. Este Censo é feito através da colaboração de órgãos regionais de ensino juntamente com as secretarias estaduais e municipais de educação, além da participação de escolas públicas e privadas através do Sistema online Educacenso, o qual faz as coletas dos dados e os centraliza. Estes dados são sobre estabelecimentos, matrículas, funções docentes, movimento e rendimento escolar, tais dados são importantes porque auxiliam na criação de políticas públicas como também na distribuição de recursos públicos, os quais são destinados para várias áreas, indo desde a alimentação até a instalação de energia elétrica. Além de traçar um panorama da educação básica brasileira, os resultados do Censo Escolar sobre o rendimento escolar (aprovação e reprovação) e abandono escolar dos alunos do ensino Fundamental e Médio juntamente com outras avaliações realizadas pelo Inep, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica – Saeb e a Prova Brasil são utilizados no cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), auxiliando, assim, no monitoramento do ensino no país. Os indicadores brasileiros para a educação ainda são ruins. Em alguns itens como o da repetência, devido à similaridade dos indicadores, os resultados podem ser facilmente comparados aos dos países africanos, chegando aos 13% segundo o relatório feito pelo próprio MEC. Outro indicador importante com relação à educação brasileira é o da evasão escolar, tal índice revelou o quanto a evasão das escolas é ainda um problema de difícil solução, o qual não tem melhorado. Em comparação aos anos anteriores, esse índice passou de 10% para 11% em 2008, sendo que, em contra partida, o objetivo do PNE era reduzir este índice para 9%. O país, segundo este relatório e dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD através do Instituto de Geografia e Estatística – IBGE, não conseguiu melhorar seus índices para uma educação de qualidade que se estenda por todo o país. Podendo-se, ainda, ressaltar que houve não apenas uma falta de melhora, mas, sim, um retrocesso em alguns aspectos, os resultados revelam uma piora no que tange a alguns dos indicadores básicos. Deste modo, cabe ponderar que esta situação revela uma ineficiência brasileira quanto ao 97 desenvolvimento de um ensino público de qualidade aos seus cidadãos. Deste modo, é válido fazer um paralelo entre os sucessos e os insucessos: AVANÇOS ALERTA 97,6% das crianças de 6 a 14 anos estão na escola; ! Só 50% dos alunos concluem a 78% dos alunos têm acesso à internet nas escolas*; ! Apenas 10% das escolas tem O orçamento do Ministério da Educação duplicou em 15 anos; 11 milhões de jovens e adultos foram alfabetizados nos últimos 7 anos; O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica já superou a meta de 2011*; Futuro professores podem fazer sua graduação de graça; ! O gasto por aluno é um quarto do 15% cresceram as matrículas na pré-escola na última década. ! Apenas 18,4% das crianças de até Educação básica; laboratório de Ciências*; investido nos países desenvolvidos; ! O Brasil ainda tem 14,1 milhões de analfabetos; ! Menos de um terço dos alunos tem desempenho adequado à série*; ! Só 3% das graduações são consideradas excelentes; 3 anos frequentam creches. Figura 1: Dados da Educação brasileira 2010 *No ensino fundametal. Fontes: Censo Escolar 2010, PNAD 2009, Relatório de Olho nas Metas 2010 e Sinopse das ações do MEC. Outro aspecto concernente aos dados divulgados que merece atenção é a baixa porcentagem de jovens nas instituições de ensino superior do país, indicador que ficou em torno de 14%, algo ainda mais frustrante se comparado com países da América Latina, como Chile, cujo índice permeia a faixa dos 21%. Um fator agravante a esses dados é o fato de que PNE previa uma melhora considerável, objetivando dobrar esta estimativa para 30%. Localizado no outro extremo da linha educacional, encontra-se o analfabetismo, que também foi alvo de decepção, isso porque a taxa de analfabetismo do país se encontra em torno dos 10%, taxa essa que deveria ter caído para 4% segundo as metas do PNE e como previsto em acordos internacionais firmados pelo país. Deste modo, a educação brasileira merece, ainda, muita atenção, pois está longe de alcançar a tão sonhada excelência. Os três principais indicadores 98 mencionados, que servem de medidores quanto à qualidade e eficiência do ensino público nacional, como mostrado anteriormente, não apresentaram a melhora prevista pelo PNE, tampouco chegando perto do esperado, não só ficando abaixo do proposto, como também bem abaixo dos indicadores de países desenvolvidos. O Brasil, assim, está muito longe de atingir metas consideradas de grande importância para um ensino básico público amplo e de qualidade, e também demonstra uma incapacidade quanto à ampliação do ensino superior aos cidadãos brasileiros, em especial os jovens com uma faixa etária entre 18 e 24 anos. Os novos dados sobre a educação brasileira na última década com a entrada em vigor do Plano Nacional de Educação como demonstrado nos parágrafos anterior, são o reflexo da infeliz realidade do país, revelando que os avanços em sala de aula foram bem mais lentos do que o esperado, como também, bem menos do que o necessário. Esses números expostos acima provem de um relatório do Ministério da Educação – MEC que divulgou a situação educacional do Brasil, revelando que o país não foi capaz de atingir as metas mais básicas rumo à excelência acadêmica. Essas metas mencionadas para o desenvolvimento da educação no país fazem parte do Plano Nacional de Educação, plano como salientado, fora formulado há dez anos, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, que, pela primeira vez, definiu diversas metas para a educação pública do país, coincidentemente até 2010. Segundo as inferências do MEC, o país deixou de fazer sua lição de casa. O governo brasileiro não conseguiu resolver algumas questões cruciais no que se refere ao ensino público de qualidade para crianças, jovens, e adultos. Os problemas com a repetência e a evasão escolar, são problemas que os países mais desenvolvidos conseguiram superar há mais de um século e que o Brasil até hoje vem lutando por melhoras, mas ainda tem muita dificuldade de mudar essa realidade. Não obstante, a tendência geral é que haja uma melhora do ensino brasileiro em longo prazo, mas a persistência da má qualidade nas escolas brasileiras leva à indagação de que é preciso acelerar o ritmo no que tange à melhoria da qualidade e da extensão do ensino no país, principalmente para as regiões de baixa renda. Deste modo, pode-se inferir que as deficiências encontradas hoje no nível básico são responsáveis pela dificuldade enfrentada pelos cidadãos brasileiros de terem acesso ao ensino superior, dificultando, desta forma, a inserção em um 99 mercado de trabalho cada vez mais competitivo e seletivo. O ensino superior como também os cursos de extensão e pós-graduação são mecanismos importantes para o desenvolvimento econômico e social de um país. Com esses dados, o Ministério da Educação tem como desafio, através deste diagnóstico, além de garantir o acesso à sala de aula, investir com mais afinco na qualidade na educação para que a tão desejada excelência acadêmica possa se tornar mais que uma simples utopia, fruto de várias metas de muitos planos. Esses planos que não conseguem ir além dos papéis aprovados pelo Congresso Nacional, planos que não chegam à sociedade civil, a qual muitas das vezes nem toma ciência dessas metas e projetos. Percebe, deste modo que essa mesma sociedade, apenas consegue uma proximidade com esses planos quando é apresentada a muitas nomenclaturas, que além de confusas mudam cada vez que um novo plano é aprovado. Essas metas refletem a dificuldade brasileira quanto à implementação, não somente do Plano Nacional de Educação de 2001, como também de metas internacionais acordada pelo país junto à UNESCO com o objetivo de melhorar os indicadores nacionais para uma educação mais completa. Deste modo, a próxima seção apresentará os resultados do PNE de 2001. 5.2.1.2 Os resultados do Plano Nacional de Educação de 2001 O Plano Nacional de Educação foi criado sob a luz das diretrizes estabelecidas na Declaração Mundial sobre Educação para todos, diretrizes estas que foram reafirmadas com a Declaração de Dakar. O PNE entrou em vigor em 2001 com o prazo de atingir suas metas até 2010, ano de encerramento deste Plano. Assim, este Plano foi criado segundo previsto no artigo nono das diretrizes da Declaração de Dakar: Baseando-se na evidência acumulada durante as avaliações de EPT nacionais e regionais e em estratégias setoriais já existentes, todos os Estados deverão desenvolver ou fortalecer planos nacionais de ação até, no máximo, 2002. Estes planos devem ser integrados em um marco mais amplo de redução da pobreza e de desenvolvimento, e devem ser elaborados por meio de processos mais democráticos e transparentes que 100 envolvam todos os interessados e parceiros. Os planos irão abordar problemas relacionados com o sub-financiamento crônico da educação básica, estabelecendo prioridades orçamentárias que reflitam um compromisso em alcançar os objetivos e as metas de EPT o mais cedo possível ou no máximo até 2015. Também definirão estratégias claras para superar problemas especiais daqueles que estão atualmente excluídos das oportunidades educacionais, com um compromisso claro com a educação de meninas e a eqüidade de gênero. Os planos darão forma e conteúdo para os objetivos e estratégias estabelecidos neste documento e para os compromissos estabelecidos durante a sucessão de conferências internacionais dos anos 90. Atividades regionais para apoiarem estratégias nacionais deverão estar baseadas no fortalecimento das organizações, redes e iniciativas regionais e sub-regionais. (UNESCO, art. 9, 2000). Desta forma, o PNE de 2001 seguiu em suas metas as proposições estabelecidas pela Declaração de Dakar de 2000. Todavia, após dez anos, ao se fazer um balanço das metas atingidas, utilizando os dados de 2008, além de outros dados levantados pelo próprio governo quanto ao desempenho da educação no Brasil ao longo dos anos, verifica-se que o sucesso foi mínimo. As mais de 295 metas do PNE, agrupadas em cinco categorias, ficaram abaixo do resultado esperado. Segundo um levantamento do governo abrangendo um período entre os anos de 2001 e 2008, constatou-se que apenas 97 dessas 295 metas foram atingidas. O período inclui dois anos do governo Fernando Henrique Cardoso e seis anos do governo de Luís Inácio Lula da Silva. Um dos maiores problemas quanto à implementação dessas metas é o fato de que o governo federal apesar de ter sido responsável pela criação do PNE, não conseguiu que todos os Estados e municípios o incorporassem por completo. O país não conseguiu aprovar uma legislação que garantisse tal implementação como também uma punição para os que não cumprissem as ações previstas. Apesar do extenso número de metas, seis delas merecem destaque: 1. Universalizar o ensino fundamental, 2. Implantar o Ensino Fundamental de nove anos; 3. Assegurar a EJA para 50% da população que não cursou o ensino regular; 4. Reduzir em 50% a repetência e o abandono; 5. Erradicar o analfabetismo até 2010; 6. Atender 50% das crianças de até 3 anos e 80% das de 4 e 5 anos; 7. Implantar o piso salarial e planos de carreira; 8. Aprimorar sistemas de informação e avaliação. (BRASIL, 2001). 101 Ao avaliar essas metas perceber-se-á que apesar de algum progresso, o Brasil não conseguiu atingir muitas delas. Assim, cabe analisar essas seis metas. Com relação à meta de universalizar o Ensino Fundamental, segundo o relatório do MEC, foi alcançada parcialmente, dados de 2008 revelam que 2,4% dos brasileiros de sete a quatorze anos não freqüentavam a escola, a queda foi apenas de 1,1% em relação aos dados de 2001. Taxa de Atendimento no Ensino Fundamental (anos selecionados) 1980 1994 1998 2000 2009 80% 88% 95% 94% 98% 1 2 3 4 5 Figura 2: Taxa de Atendimento no Ensino Fundamental (anos selecionados). Fontes: EDUDATA e PNAD 2009. Dados extraídos da Revista Nova Escola / Edição nº 239 – janeiro/fevereiro 2011 O que se percebe é que essa porcentagem é baixa, mas se analisados os números absolutos, o avanço torna-se mínimo porque em números absolutos são 680 mil crianças fora das escolas, das quais 450 mil são consideradas negras e pardas, a maioria delas vivendo nas regiões Norte e Nordeste. O acesso à escola apesar do aumento em comparação aos anos anteriores, ainda precisa de maior atenção por parte do governo e da sociedade civil. Já a meta de implantar o Ensino Fundamenta de nove anos foi atingida. Não obstante, a meta de assegurar a EJA para 50% da população que não cursou o ensino regular não foi atingida. Essas duas metas podem ser analisadas com mais clareza nos gráficos divulgado pelo MEC através do Censo Escolar de 2009, o qual se encontra na próxima página: 102 Figura 3: Matrículas no ensino Fundamental de 9 anos e oferta de EJA entre 2001 e 2009. Fonte: Censo Escolar/Mec/Inep. Quadro extraído da Revista Nova Escola / Edição nº 228 - março 2010. Da mesma forma, a meta de reduzir em 50% a repetência e o abandono não teve tanto sucesso. Essa meta tinha um prazo para execução até o ano de 2006 e, além disso, tinha como objetivo reduzir as distorções idade-série como também evitar a progressão automática de alunos repetentes. Não obstante, entre 2001 e 2007 os índices de abandono escolar no Ensino Fundamental caíram de 9,6% para 4,8% (50% de queda). Em contra partida, a reprovação aumentou de 11% para 12,1%. No mesmo período, a porcentagem de alunos acima da idade recomendada para sua série no Ensino Fundamental caiu de 35% para 25%, todavia, este número ainda é um número muito alto, o qual se equivale a um em cada quatro estudantes. Como pode se verificar com relação à matrícula no ensino fundamental de 9 anos, os dados de 2009 revelam que 59% das matrículas foram feitas dentro do novo sistema de seriação, conseguindo que as crianças de seis anos ingressassem na escola. Com isso pode-se garantir que essas crianças sejam alfabetizadas antes de atingirem a idade de sete a oito anos. Todavia, é preciso, ainda, que a qualidade deste ensino seja garantida ao longo dos anos. Com relação ao EJA, entre os anos de 2001 e 2007, 10,9 milhões de pessoas fizeram parte de turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Esse número representa aproximadamente um terço dos mais 29 milhões de pessoas que não conseguiram concluir a quarta série, e, são essas pessoas. o alvo do programa, todavia, ficaram de fora. Um dos grandes problemas com relação ao número de pessoas participando do EJA é a evasão escolar, atingido aos 43%. 103 Outra meta muito importante, mas que não obteve os resultados esperados, foi a erradicação do analfabetismo até 2010. Apesar do programa Brasil Alfabetizado criado pelo Governo Federal, que beneficiou dez milhões de pessoas até 2010, o Plano Nacional de Educação havia estabelecido que o índice deveria ter sido atingido em 2006. Entre os anos de 2001 e 2008, a taxa de analfabetismo caiu apenas 3%, de 16 milhões para 14,5 milhões de pessoas. Já com relação à meta de atender 50% das crianças de até três anos e 80% das de quatro e cinco anos foi parcialmente alcançada, como se verifica no gráfico divulgado pela Unicef em 2008: Figura 4: Acesso à Educação Infantil. Fonte: Relatório O Direito de Aprender (Unicef). Quadro extraído da Revista Nova Escola / Edição nº 228 – março 2010. No que diz respeito à Educação Infantil, caracteriza-se duas situações: de um lado, a pré-escola faltando uma pequena porcentagem (2,4%) para atingir a meta proposta; de outro, a creche que só tem cerca de 17% das crianças matriculadas, bem abaixo da meta proposta. Um dos problemas encontrados é o custo de se manter essas crianças em creches, isso porque uma criança na creche custa para o governo mais do que o dobro de um aluno no Ensino Fundamental, inviabilizando assim o aumento de vagas. Meta de grande relevância para a valorização da docência é a meta de implantar o piso salarial e plano de carreira, que foi atingida parcialmente. De acordo com PNE, essa meta deveria ser alcançada em 2001, todavia o piso salarial foi implantado apenas em 2009. Já com relação aos planos de carreira, os mesmos 104 foram criados na maioria dos Estados, todavia, sua implementação efetiva ainda não foi concretizada. Os salários dos professores ainda se encontram estagnados. Figura 5: Salário Médio dos professores (em reais). Fonte: PNAD. Quadro extraído da Revista Nova Escola / Edição nº 239 – janeiro/fevereiro 2011. Uma meta importante para a avaliação do ensino no país é a de aprimorar sistemas de informação e avaliação, que foi atingida com sucesso. Todos os níveis de ensino são avaliados periodicamente pelo Ministério da Educação, com exceção da Educação Infantil. Com destaque para a criação do Censo Escolar através do Inep que ajuda no cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb, fornecendo, assim, um retrato da Educação no país. Apesar de analisadas apenas algumas das muitas metas do Plano Nacional de Educação de 2001, verifica-se que este plano não obteve o sucesso esperado, apenas 33% de suas metas foram atingidas, caracterizando-se, assim, uma ineficiência quanto ao aumento do acesso às escolas com um ensino de qualidade no país. 5.3 Quanto à efetividade da UNESCO no desenvolvimento da educação mundial 105 Ao longo deste estudo houve o anseio de tecer uma análise da educação brasileira, tendo como foco de análise o Plano Nacional de Educação de 2001 e algumas diretrizes da UNESCO para a educação mundial. Objetivou-se, então, entender a importância desse regime internacional para a educação brasileira e para isso necessitou-se compreender o papel da educação para a concepção da cidadania, a história da educação no Brasil e o papel da UNESCO no desenvolvimento da educação mundial. Além disso, propõe-se ao longo desta seção, entender se a UNESCO é um regime internacional efetivo. Isso porque, após todos os estudos feitos anteriormente no que concerne a educação, constatar a efetividade ou não dessa instituição é fundamental para entender seu papel junto a comunidade internacional. Deste modo, verificar se as metas incorporadas na legislação brasileira não foram atingidas com sucesso devido à falta de efetividade da UNESCO. As variáveis listadas pelo estudioso das Relações Internacionais, Oran Young, são importantes para o estudo de Regimes Internacionais quanto à verificação da efetividade dos mesmos, o que se pretende nesta seção. Ao expor novamente cada variável, a seguir, analisar-se-á a sua aplicação no que confere a UNESCO, foco deste estudo, para avaliar se essas variáveis se aplicam a esse regime internacional, mais precisamente, a medida do possível, no que confere a Declaração de Dakar de 2000, um dos focos propostos nesse estudo. a) Transparência “A efetividade das instituições internacionais varia diretamente com a facilidade do monitoramento ou da verificação do desempenho à luz das suas principais prescrições de conduta”. (YOUNG, 2000, p. 239). Assim, um monitoramento ou verificação do desempenho de um regime internacional é importante para que o mesmo seja efetivo. O regime terá maior efetividade se houver sanções ou disposições normativas fortes capazes de conter as possíveis violações e para isso, é necessário que a instituição seja transparente. Com relação a UNESCO, regime internacional analisado neste estudo, no que se refere à Declaração de Dakar para a Educação para Todos, a mesma, apesar de ter uma disposição normativa, não possui mecanismos diretos de sanção. A Declaração de Dakar visa melhorar a qualidade e o acesso à educação a todos. 106 Este objetivo é um objetivo comum entre os Estados-membros, uma vez que isso significaria um aumento no desenvolvimento econômico e social do país. Além da justificativa social para o cumprimento das diretrizes da Educação para Todos, os Estados contam com o incentivo financeiro bem como com o perdão de dívidas internacionais bilaterais e multilaterais. Esse apoio financeiro mantido pelas agências internacionais só é mantido através da implementação das metas propostas pela UNESCO no prazo estabelecido, no caso em questão, de acordo com a Declaração de Dakar. Segundo esse documento, o custo anual estabelecido para o incentivo ao cumprimento dessas metas seria de oito bilhões de dólares. O artigo dez da Declaração revela, nestes termos, que traz: Vontade política e uma liderança nacional mais forte são necessárias à implementação efetiva e bem sucedida dos planos nacionais em cada um dos países. No entanto, a vontade política precisa sustentar-se em recursos. A comunidade internacional reconhece que, atualmente, muitos países não possuem recursos para alcançar uma Educação para Todos dentro de um prazo aceitável. Recursos financeiros novos, de preferência na forma de doações, devem, portanto, ser mobilizados pelas agências financeiras bilaterais e multilaterais, incluindo o Banco Mundial e bancos regionais de desenvolvimento, assim como o setor privado. Afirmamos que nenhum país seriamente comprometido com a Educação para Todos será impedido de realizar este objetivo por falta de recursos. (UNESCO, artigo 10, 2000). A Organização conta com programas de fiscalização com suas secretarias espalhadas pelo mundo. E ainda, juntamente com o setor privado, pressiona os países membros a divulgarem seus dados referentes à educação, com a finalidade de fazer uma verificação do desempenho das metas incorporadas. Tal possibilidade de verificação encontra-se exposta dentro de seu décimo primeiro artigo: “realizar um monitoramento mais efetivo e regular do progresso em atingir metas e objetivos de EPT, incluindo avaliações periódicas” (DECLARAÇÃO DE DAKAR, 2000). A UNESCO, desta maneira, é a responsável direta no que tange ao cumprimento das metas como exposto nas diretrizes para a Educação para Todos: A UNESCO continuará exercendo seu mandato na coordenação dos parceiros de Educação para Todos e a manter seu ímpeto de colaboração. Neste sentido, o Diretor Geral da UNESCO convocará anualmente um pequeno grupo flexível de alto nível. Este servirá de alavanca para o compromisso político e a mobilização de recursos técnicos e financeiros. Recebendo informações de monitoramento dos institutos da UNESCO (IIEP, IBE, UIE), e, especialmente, do Instituto de Estatísticas e dos Fóruns Regionais e Sub-regionais, também terá oportunidade de cobrar responsabilidade da comunidade global pelos compromissos assumidos em Dakar. Será composto de líderes do mais alto nível de governos e da 107 sociedade civil de países desenvolvidos e em desenvolvimento, assim como das agências de desenvolvimento. (UNESCO, 2000). Apesar de não haver mecanismos de sanções quanto ao não cumprimento das metas estabelecidas pelo programa Educação para Todos, fica nítido a existência de uma necessidade em cumprí-las tanto pela credibilidade na política internacional quanto pelas questões sociais e financeiras, o que serve como sustentáculo para a efetivação das diretrizes. Todavia, mesmo que este programa possua mecanismos de monitoramento e avaliação dos resultados, nem todos os membros conseguirão atingir todas as metas propostas com efetividade, como aconteceu com o Brasil, que mesmo criando um plano que abarcasse essas metas, não conseguiu obter grandes sucessos. b) Resistência “A efetividade das instituições internacionais é função da resistência dos mecanismos de opção social empregados.” (YOUNG, 2000, p. 242). Conforme exposto, um regime internacional é resistente se for capaz de se manter estável perante as possíveis perturbações, além de ter a capacidade de adequar-se às mudanças que ocorrem no cenário internacional. Todavia, um regime internacional precisa se manter firme, não deixando que essas mudanças possam ferir seu cerne, propiciando a sua queda. No que se refere à UNESCO, ressalta-se as diretrizes do programa de Educação para Todos que tendo surgido na Conferência Mundial em Jomtien em 1990, precisaram ser reafirmadas em 2000 pela Declaração de Dakar. Percebeu-se, assim, a necessidade de ajustes e reformas nas propostas iniciais, e de assegurar outras necessidades acordadas em outros dispositivos internacionais. Considerando essa necessidade de transformação, a própria Declaração de Dakar expõe: Nós reafirmamos a visão da Declaração Mundial de Educação Para Todos (Jomtien, 1990), apoiada pela Declaração Universal de Direitos Humanos e pela Convenção sobre os Direitos da Criança, de que toda criança, jovem e adulto têm o direito humano de beneficiar-se de uma educação que satisfaça suas necessidades básicas de aprendizagem, no melhor e mais pleno sentido do termo, e que inclua aprender a aprender, a fazer, a conviver e a ser. É uma educação que se destina a captar os talentos e o potencial de cada pessoa e desenvolver a personalidade dos educandos para que possam melhorar suas vidas e transformar suas sociedades. (UNESCO, 2000). 108 Assim, fica claro que a necessidade de se manter normas internacionais que estabeleçam e incentivem a implementação de um ensino de qualidade a todos os cidadãos do mundo não se caracteriza como sendo passageira, resistindo às mudanças internacionais como também mudanças políticas e sociais nas esferas nacionais. A UNESCO como principal organismo internacional para a educação está atenta às principais alterações quanto ao desempenho de seus membros, quanto à efetivação ao acesso ao um ensino de qualidade. Ao contar com um sistema de monitoramento das atividades de seus membros, essa instituição consegue perceber, através dos diagnósticos, as mudanças a serem feitas, tendo, todavia, uma atenção em manter seu objetivo principal. Ao verificar que a Conferência Mundial de Educação para Todos não conseguiu atingir suas metas, tendo sucesso parcial, a Comunidade Internacional reuniu-se em Dakar para criar uma Declaração que pudesse abarcar as mudanças necessárias para que o objetivo principal pudesse se manter, afirmando, assim, importantes metas para educação mundial. Entende-se, então, que a variável resistência se aplica claramente, contribuindo, assim, para a efetividade da instituição. c) Regras de Transformação “A efetividade das instituições internacionais varia diretamente com o rigor das regras reconhecidas que governam as mudanças nas suas normas substantivas”. (YOUNG, 2000, p. 244). Com relação a esta variável, as normas substantivas precisam ser resistentes, não sendo passíveis a alterações, porque caso isso aconteça o regime perde a razão de sua existência. Todavia, se o mesmo acontecer com as regras procedimentais não interfere na efetividade deste regime. Assim, as normas substantivas precisam ser rigorosas e estáveis para que a instituição internacional seja considerada efetiva. No caso da UNESCO, a organização possui um corpo de normas denominado “Constituição da UNESCO”, identificando o grau de obrigatoriedade de suas convenções, regras e normas perante seus Estados membros. Pode-se destacar, deste modo, parte do preâmbulo dessa constituição: 109 Artigo IV, parágrafo 4, da Constituição da UNESCO prevê que "a Conferência Geral, na adoção de propostas a apresentar aos EstadosMembros, distinguirá entre as recomendações e as convenções internacionais submetidos à sua aprovação [...]. (UNESCO, 2010, tradução 28 nossa ). Ao verificar que a UNESCO possui uma Constituição na qual estão previstas as ações de seus membros, controlando as diversas diretrizes criadas através de muitas conferências internacionais, estendendo-se também para Declaração de Dakar. Essa estrutura legislativa, que abrange normas substanciais como também regras procedimentais, é fundamental para a instituição, viabilizando a sua efetividade. d) Capacidade dos governos “A efetividade das instituições internacionais varia diretamente com a capacidade que têm os governos dos membros de implementar suas normas”. (YOUNG, 2000, p. 247). A capacidade e o interesse dos governos em incorporar as normas no seu ordenamento jurídico são fundamentais no que se refere à efetividade das instituições internacionais. Se os Estados membros não introduzem as normas internacionais dentro da legislação de seus países, a instituição perde a sua credibilidade. A Declaração de Dakar, assim como outras Declarações da UNESCO, prevê em seu documento que os Estados membros da UNESCO incorporem suas resoluções em seus ordenamentos jurídicos, estendendo essas diretrizes aos cidadãos desses países. Tendo, assim, como objetivo tornar as regras internacionais em nacionais. Assim, no seu nono artigo, já analisado anteriormente, a Declaração de Dakar estabelece que: Baseando-se na evidência acumulada durante as avaliações de EPT nacionais e regionais e em estratégias setoriais já existentes, todos os 28 Article IV, paragraph 4, of UNESCO's Constitution provides that “the General Conference shall, in adopting proposals for submission to the Member States, distinguish between recommendations and international conventions submitted for their approval […]. 110 Estados deverão desenvolver ou fortalecer planos nacionais de ação até, no máximo, 2002. (UNESCO, 2000). Com relação a esta variável, não se revela objetivo desse trabalho verificar a capacidade de todos os governos membros da UNESCO, tão pouco revela-se importante para o mesmo. Tendo o anseio de se ater ao caso brasileiro, foco deste estudo, ao aplicar essa variável ao mesmo, verifica-se que o governo brasileiro, no caso da Declaração de Dakar, tem a capacidade de implementar as normas internacionais. Ao criar, assim como previsto também pela legislação interna brasileira, um Plano Nacional de Educação, constando no mesmo metas internacionais previstas pelo programa de Educação para Todos, percebe-se essa capacidade. O PNE criando em 2001, logo após à Conferência em Dakar, demonstra a capacidade do governo brasileiro de incorporar em seu ordenamento jurídico as normas internacionais, no caso analisado, as diretrizes do programa de Educação para Todos. Não obstante, apesar de caracterizar uma capacidade e um interesse do governo brasileiro de fazer das metas internacionais do programa Educação Para Todos em metas nacionais para a educação, isso não significa que o governo tenha tido a mesma capacidade com relação à implementação adequada dessas normas dentro da esfera estatal, atingindo Estados e municípios por completo. Com relação à esfera nacional, as metas do Plano Nacional de Educação de 2001, como analisado, que incorporava as metas internacionais do programa de EPT, não tiveram bons resultados, revelando uma incapacidade do governo brasileiro de estender essas metas à população. Destarte, entende-se que a UNESCO, no que se refere à Declaração de Dakar, consegue, na medida do possível, fazer com que seus membros, através de seus mecanismos de pressão, instituam suas normas. Isso porque, a mesma confere aos seus membros mecanismos para tal feito, como a viabilização de apoios financeiros através de agências internacionais, como o Banco Mundial, para que eles consigam atingir as metas estabelecidas, como também efetuar monitoramento dos mesmos. Não obstante, como visto com o Brasil, as diretrizes podem se perder pelo caminho não atingindo o público previsto, permanecendo apenas em produto legislativo. Todavia, não cabe aqui, concluir precipitadamente a não efetividade 111 dessa Organização Internacional, uma vez que necessitar-se-á anteriormente analisar diversas questões dentro da esfera brasileira, o que não se pretende nesse estudo devido à amplitude da problemática. Deste modo, os resultados não favoráveis apenas indicam a existência de uma deficiência na implementação das metas propostas pelo programa de Educação para Todos. Todavia, não se pode, ainda, concluir, no caso do Brasil, o porquê de resultados tão inferiores aos esperados, o que precisaria de uma análise minimalista de várias questões e aspectos dentro do território brasileiro, cabendo neste estudo, apenas uma análise geral dos dados, considerando as metas e seus resultados. e) Distribuição do poder “As assimetrias agudas na distribuição do poder (no sentido material) entre os participantes circunscreve a efetividade das instituições internacionais”. (YOUNG, 2000, p. 250). Segundo esta variável, quando há uma assimetria quanto à distribuição de poder entre os Estados membros, a efetividade da instituição internacional encontrase reduzida. Assim, é preciso que exista uma estabilidade dentro da instituição, sem um membro capaz de controlar as atividades e as normas criadas por esse regime internacional. Insta salientar que, no caso da UNESCO, a instituição conta com diversos parceiros que apóiam financeiramente os projetos da mesma para a educação, e para suas demais áreas de atuação. Dentro deste grupo de parceiros encontram-se agências internacionais da ONU, doadores bilaterais e multilaterais, a sociedade civil juntamente com organizações não-governamentais, o setor privado e parceiros temáticos (parceiros na área da educação). Entre esses múltiplos apoiadores financeiros para o desenvolvimento da educação, no que se refere aos parceiros bilaterais e multilaterais, encontram-se diversas agências voltadas para a educação em muitos países. Essas agências apóiam os muitos projetos e, além disso, ajudam os países que enfrentam dificuldades financeiras para colocá-los em prática. Dentre os principais doadores encontram-se vários países como os Estados Unidos, o Reino Unido e o Japão, sem 112 contar com alguns países integrantes da União Européia e até mesmo a própria União Européia estão entre os incentivadores financeiros da UNESCO. Não obstante, afirmar que esses contribuidores influenciam ou não as diretrizes dessa instituição revela-se complicado devido ao acesso às informações restritas e às discussões políticas não reveladas. Deste modo, não cabe afirmar, muito porque não é o objetivo proposto deste estudo, a existência de um controle desses grupos perante aos demais membros da UNESCO. Todavia, percebe-se, ao analisar os muitos projetos realizados por essa instituição e o orçamento aprovado para os mesmo, ainda que houvesse qualquer tipo de influência exercida de um dos membros ou de um grupo, esta seria mínima ou não tanta ao ponto de minimizar a credibilidade dessa organização. f) Interdependência “A efetividade das instituições internacionais varia diretamente com o nível de interdependência dos participantes”. (YOUNG, 2000, p. 253). Quanto maior o nível de interdependência entre os membros de uma instituição, maior efetividade da mesma. E quanto maior a interdependência entre os Estados, como analisado por Robert O. Keohane, a necessidade por regimes internacionais aumenta e, nestes termos, como defendido por Young, esses arranjos tendem a ser mais resistentes e influenciar as decisões na arena internacional. No que se refere à UNESCO, entende-se que os seus membros, devido ao novo cenário político internacional cada vez mais integrado, encontram-se em uma relação de mútua dependência entre si, aumentando a necessidade de uma relação cada vez mais cooperativa, deste modo, uma organização internacional que viabilize este tipo de relação. Assim, o papel dessa organização é fundamental porque facilita o diálogo entre os Estados como também a criação de muitos mecanismos para solucionar diversos problemas sociais, os quais persistiriam em muitos países devido à escassez de recursos financeiros e estruturais. Muitos países não conseguem sozinhos resolver muitas questões sociais em esfera nacional, necessitando, assim, de uma estrutura cooperativa dentro do cenário internacional para proporcionar aos seus cidadãos uma melhora nas condições de vida. 113 Deste modo, em um cenário em que o outro é fundamental para sua existência e com a existência de muitos problemas comuns a eles, cooperar é a melhor maneira para resolver esses problemas. Tendo este objetivo, a melhor forma de coordenar as atividades em torno das quais a cooperação se estabelece é através de um corpo de normas, regras e princípios, os quais moldam as expectativas de seus membros. Com isso, os Estados membros sentem-se cada vez mais pressionados a respeitar as resoluções e diretrizes estabelecidas pelas Organizações Internacionais, porque percebem que através das mesmas, de acordo com o estudo feito, através da UNESCO, grandes problemas sociais, como a educação, conseguem ser minimizados se tratados como problemas internacionais ao invés de nacionais. g) Ordem Intelectual “As instituições internacionais não podem manter sua efetividade por muito tempo depois da erosão ou do colapso das subestruturas intelectuais”. (YOUNG, 2000, p. 256). Insta ressaltar, que qualquer instituição internacional não consegue se manter por muito tempo se as ideias que contribuíram com sua origem se perderem ao longo do tempo e nas mudanças políticas no cenário internacional. Isso porque os regimes internacionais são criados através de uma estrutura intelectual que cria um objetivo principal em torno do qual os mesmos se consolidam. Analisando o caso da UNESCO, o arcabouço de ideias que serviram de alicerce para a sua criação se mantem ao longo do tempo aderindo a novos conceitos, mas tendo como característica principal, no que tange à educação, o desenvolvimento social e econômico dos povos. Esta ordem internacional é aceita pelos seus membros e entendida como sendo importante. Deste modo, a missão geral da UNESCO é: • assumir a liderança internacional para criar sociedades de aprendizagem com as oportunidades educacionais para todas as populações; • fornecer conhecimentos e promover parcerias para fortalecer a liderança educativa nacional e da capacidade dos países para oferecer educação de qualidade para todos; 114 • funcionar como um líder intelectual, um mediador honesto e câmara de compensação para as ideias, levando ambos os países e a comunidade internacional para acelerar o progresso rumo a essas metas; • facilitar o desenvolvimento de parcerias e o progresso de monitores, nomeadamente através da publicação anual de um Relatório de Monitoramento Global que controla as conquistas dos países e à comunidade internacional para a Educação para Todos as metas. 29 (UNESCO, 2010, tradução nossa ). Neste sentido, a UNESCO tem uma estrutura intelectual que norteia suas prioridades e seus campos de ação, criando suas várias atividades atendo-se a essa estrutura intelectual, aceita de maneira ampla, como principal objetivo da instituição. Todavia, com uma missão geral na área da educação, na medida em que suas metas vão sendo atingidas dentro dessa perspectiva, existe a necessidade de ampliação e alteração das prioridades. Essa necessidade é fruto de mudanças sociais de seus países membros bem como no âmbito internacional. Assim, a instituição precisa criar novas prioridades para que ela possa continuar desenvolvendo projetos na área da educação e se mantendo como grande influenciadora da política internacional. Nestes termos, podem-se listar algumas de suas prioridades do Setor da Educação que são determinadas através de metas adotadas tanto pela ONU quanto pela própria UNESCO, as quais incluem: As seis metas do Educação para Todos definidas no Quadro de Acção de Dakar 2000-2015; • As metas do Desenvolvimento do Milénio das Nações Unidas, espcecialmente o Objectivo 2 e Objectivo 3; • A Década da Alfabetização das Nações Unidas 2003-2012; • A Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável 2005-2014; • O EDUCAIDS Iniciativa Global de Educação e HIV/AIDS. (UNESCO, 30 2010 tradução nossa ). • 29 provide international leadership to create learning societies with educational opportunities for all populations; • provide expertise and foster partnerships to strengthen national educational leadership and the capacity of countries to offer quality education for all; • work as an intellectual leader, an honest broker and clearing house for ideas, propelling both countries and the international community to accelerate progress towards these goals; • facilitate the development of partnerships and monitors progress, in particular by publishing an annual Global Monitoring Report that tracks the achievements of countries and the international community towards the six Education for All goals. 30 The six Education for All goals adopted in the Dakar Framework for Action 2000-2015; • The UN Millennium Development Goals, especially Goal 2 and; • The UN Literacy Decade 2003-2012; • The UN Decade of Education for Sustainable Development 2005-2014; • The EDUCAIDS Global Initiative on Education and HIV/AIDS. 115 Deste modo, ao analisar, aplicando essas variáveis no caso da UNESCO e mais precisamente, na medida do possível, no que se refere ao programa de Educação para Todos, fruto da Conferência em Jomtien de 1990, como também da Declaração de Dakar de 2000, verificou-se um grau de efetividade da UNESCO quanto às diretrizes para a educação mundial. Apesar de não poder afirmar que todas variáveis se aplicam integralmente, de forma satisfatória, ainda sim, de um modo geral, percebe-se que essa instituição é um regime internacional efetivo. Não obstante, insta salientar que apesar de constatar a efetividade da UNESCO, como visto anteriormente no caso do Brasil, as metas não foram atingidas de maneira satisfatória, não conseguindo melhorar a qualidade do ensino no país. Deste modo, conclui-se que o problema da educação brasileira não se resume à incorporação das metas internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, o que acontece como já visto, cabendo, assim, uma análise mais detalhada da educação em esfera nacional, o que não se pretende no estudo proposto. 116 6 CONCLUSÕES Hodiernamente, nota-se a inevitabilidade de se questionar o papel do ser humano no cenário internacional. As questões internacionais cada vez mais se voltam para a necessidade de extinguir, ou amenizar as mazelas da humanidade. Assim, a questão social está perpassada também pela noção de justiça que está arraigada na área de Relações Internacionais, a qual se utiliza de diversas áreas do conhecimento com o intuito não só de solucionar problemas em uma esfera supranacional, mas também na perspectiva de entender como as relações internacionais são construídas ao longo do tempo. Destarte, ao estudar a cooperação social internacional, remeter-se-á, brevemente, a uma análise sobre a justiça, tema também importante nas Relações Internacionais. Para John Rawls (1971), a justiça é a primeira virtude da instituição social, sendo a estrutura básica da sociedade, ou mais precisamente, a forma em que as principais instituições sociais distribuem direitos e obrigações fundamentais e determina a divisão das vantagens da cooperação social. (RAWLS, 2002). Ao tecer essa breve referência à questão da justiça, pode-se entender que a vida política e social, tanto na esfera nacional quanto internacional, se consolida através dessa noção. Assim o acesso à educação tornou-se, também, fruto da justiça, não caracterizando assim justo o isolamento cultural e intelectual dos povos. Nestes termos, há que se compreender melhor a sociedade contemporânea, e para tal fim, é preciso entender seu desenvolvimento social e histórico, bem como as instituições que se estabelecem nesta sociedade, angariando poderes para que essa justiça possa ser colocada em prática. Deste modo, através de uma noção de justiça, lutando por um direito, direito este inerente ao ser humano, que muitos temas ganharam importância, especialmente a educação, cujo acesso tornou-se muito mais do que algo justo, mas um direito essencial ao ser humano. Assim, advinda dessa necessidade de efetivar o que é justo, o que é de direito, está a Declaração de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, datada de 1948, que traz em seu artigo XXVI que: A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento e do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a 117 compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. (ONU, 1948, artigo XXVI, 2ª alínea). Desse modo, mostra-se inevitável a observância de certos direitos e garantias dos homens que abarcam tanto as condições vitais como políticas e sociais. Nestes termos, a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, desde o seu preâmbulo31, consagra tanto os objetivos do Estado Democrático de Direito quanto os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, institucionalizando-se, assim, os direitos humanos. É neste viés, que se observa o caráter internacionalista da atual Constituição brasileira, ao integrar no ordenamento jurídico nacional regras que primam pelo respeito aos direitos dos homens. Ademais, é importante frisar o estatuído no artigo terceiro da Constituição, o qual trata dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro, quais sejam: I construir uma sociedade livre, justa e solidária; II garantir o desenvolvimento nacional; III erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, 2009). Por intermédio de uma interpretação teleológica do artigo, conclui-se que a educação é um dos instrumentos eficaz para se alcançar os referidos objetivos, seja ao formar cidadãos comprometidos com o desenvolvimento do Estado brasileiro, em seus níveis ambiental, social, econômico, humano; seja ao ser também, por intermédio das conquistas operadas por uma sociedade educada, referência internacional em desenvolvimento humano. Cabe ainda ressaltar que, por intermédio da Emenda Constitucional n.º 45 de 200432, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos serão equivalentes às emendas constitucionais, não se podendo declarar inconstitucionais direitos e garantias fundamentais, caracterizadas, assim, como cláusulas pétreas (o 31 Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL, 2009, grifo nosso). 32 Art. 5º [...] § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 45, de 2004). (BRASIL, 2009). 118 núcleo imutável da Constituição), não podendo ser abolidas nem mesmo através de emendas à Constituição e os tratados da mesma matéria ratificados pelo Estado, assim como aconteceu com a Declaração de Dakar, também não poderão ser revogados por lei interna infraconstitucional, devido a esse status, em respeito ao princípio da supremacia da Constituição. Falar sobre direitos humanos é falar sobre o próprio homem, suas aspirações e necessidades básicas de sobrevivência e busca da felicidade. Mesmo na Constituição da República Federativa de 1988, na qual o econômico e o social se avultam (FERREIRA FILHO, 1996), não houve descaso com os direitos e garantias fundamentais, sendo o princípio da dignidade da pessoa humana, conjugado com o princípio da solidariedade humana, o norteador de todo o ordenamento jurídico. Assim: Do direito à vida plenamente contemplado é que derivam todos os outros direitos. Vamos alcançá-los a partir do momento em que passarmos a conviver com a justiça e com o seu fruto que é a paz. E essa vida com justiça e paz decorre da atenção que se dê à educação, à saúde e ao trabalho, apontando para um desenvolvimento que assegure a liberdade em que se funda o Estado democrático de direito. (BRASIL, 2010). A Constituição brasileira de 1988, seguindo a linha ideológica da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 194833, abarca em seu artigo 20534 que a educação deverá ser incentivada pela sociedade e que a mesma é um direito de todos os cidadãos brasileiros e é dever do Estado e da família garanti-la. Na perspectiva de que os direitos humanos se estabelecem através da consolidação da cidadania e o exercício da mesma depende diretamente de uma educação de qualidade. Assim, percebe-se que a educação tornou-se um direito humano, alicerçado pela Declaração Mundial de Direitos Humanos, a qual foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, tornando-se parte da Constituição. A educação, desse modo, é uma obrigação do Estado brasileiro e um direito fundamental de seus cidadãos, não podendo ser anulado. 33 Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. 34 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 2009). 119 Destarte, o que se propôs ao longo deste estudo foi analisar o Plano Nacional de Educação de 2001, criado pelo governo brasileiro, que abarcou as metas do programa de Educação para Todos, que nasceu com a Declaração Mundial para essa matéria em Jomtien em 1990 e reafirmado na Declaração de Dakar, os quais fazem parte dos trabalhos da UNESCO para educação. Assim, utilizando o arcabouço das Relações Internacionais, analisou-se a efetividade da UNESCO como um regime internacional para a educação e entender se tal regime é efetivo, utilizando para este fim as variáveis propostas por Oran Young quanto à efetividade. Ao se buscar entender a efetividade da UNESCO em relação ao tema, especialmente no que concerne ao programa de Educação para Todos, verificou-se que o Brasil tem angariando resultados ruins na área da educação e o PNE não obteve o sucesso esperado. Com término do PNE de 2001 e devido ao seu resultado pouco satisfatório, o Ministério da Educação divulgou em dezembro de 2010 um novo PNE para a próxima década (2011-2020). Este documento servirá como diretriz para todas as políticas educacionais do país, assim como aconteceu com o PNE de 2001, após a aprovação do Congresso Nacional, prevista para o primeiro semestre de 2011. Este novo documento possui doze artigos e em anexo, vinte metas para a Educação. Segundo o então ministro da educação, Fernando Haddad, esse outro plano terá como objetivo principal a valorização do magistério e a qualidade da educação, objetivo também exposto no antigo plano. Não obstante, esse tem apenas vinte metas35, diferente do anterior que era bem mais longo com mais de duzentas metas. Muitas das metas desse novo plano foram também contempladas pelo PNE de 2001, além disso, esse novo plano não se preocupa em definir, assim como outro, as consequências pelo não cumprimento dessas metas. Desse modo, esperase que este novo documento, se aprovado, tenha resultados melhores e mais satisfatórios que o antigo, não sendo apenas um documento a mais com as mesmas metas e os mesmo prazos, mas com pouca efetividade. Destarte, percebeu-se ao longo desse estudo que as deficiências da educação brasileira, o insucesso das metas estabelecidas pelo PNE, não interferem na efetividade da UNESCO como um importante organismo internacional para a educação, concluindo que o problema pode advir de estruturas nacionais. Não 35 Vide anexo 3. 120 obstante, não houve aqui a pretensão de fazer uma analise minuciosa para constatar as ineficiências do PNE de 2001, o que necessitaria de um estudo detalhado de muitas questões em esfera nacional. Destarte, ansiou-se apenas verificar se a UNESCO é efetiva, e se Plano Nacional de Educação de 2001 fracassou por causa da não efetividade desse regime internacional. Porém, cabe esclarecer que, como defendido por Oran Young, mesmo sendo efetivo, o regime internacional pode não ser eficaz, uma vez que efetividade e eficácia não significam a mesma coisa. A educação ainda é um dos temas pendentes de um tratamento mais sério por intermédio das políticas públicas nacionais. Houve melhoras em relação à mesma? Pode ser que sim, todavia há ainda um longo caminho a ser trilhado. 121 REFERÊNCIAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ALCÁNTARA, A. Tendências mundiais na educação superior: o papel dos organismos multilaterais. 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Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Fica aprovado o Plano Nacional de Educação, constante do documento anexo, com duração de dez anos. Art. 2o A partir da vigência desta Lei, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão, com base no Plano Nacional de Educação, elaborar planos decenais correspondentes. Art. 3o A União, em articulação com os Estados, o Distrito Federal, os municípios e a sociedade civil, procederá a avaliações periódicas da implementação do Plano Nacional de Educação. § 1o O Poder Legislativo, por intermédio das Comissões de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados e da Comissão de Educação do Senado Federal, acompanhará a execução do Plano Nacional de Educação. § 2o A primeira avaliação realizar-se-á no quarto ano de vigência desta Lei, cabendo ao Congresso Nacional aprovar as medidas legais decorrentes, com vistas à correção de deficiências e distorções. Art. 4o A União instituirá o Sistema Nacional de Avaliação e estabelecerá os mecanismos necessários ao acompanhamento das metas constantes do Plano Nacional de Educação. Art. 5o Os planos plurianuais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios serão elaborados de modo a dar suporte às metas constantes do Plano Nacional de Educação e dos respectivos planos decenais. Art. 6o Os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios empenhar-se-ão na divulgação deste Plano e da progressiva realização de seus objetivos e metas, para que a sociedade o conheça amplamente e acompanhe sua implementação. Art. 6o-A. É instituído o ‘Dia do Plano Nacional de Educação’, a ser comemorado, anualmente, em 12 de dezembro. (Incluído pela Lei n.º 12.102, de 2009) Art. 7o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 9 de janeiro de 2001; 180o da Independência e 113o da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Paulo Renato Souza Fonte: portal www.planalto.gov.br 131 ANEXO 2 - DECLARAÇÃO DE DAKAR. DECLARAÇÃO DE DAKAR Texto adotado pela Cúpula Mundial de Educação Em Dakar, Senegal, de 26 a 28 de abril de 2000. 1. Reunidos em Dakar em abril de 2000, nós, participantes da Cúpula Mundial de Educação, comprometemo-nos a alcançar os objetivos e as metas de Educação Para Todos (EPT) para cada cidadão e cada sociedade. 2. O Marco de Ação de Dakar é um compromisso coletivo para a ação. Os governos têm a obrigação de assegurar que os objetivos e as metas de EPT sejam alcançados e mantidos. Essa responsabilidade será atingida de forma mais eficaz por meio de amplas parcerias no âmbito de cada país, apoiada pela cooperação com agências e instituições regionais e internacionais. 3. Nós reafirmamos a visão da Declaração Mundial de Educação Para Todos (Jomtien, 1990), apoiada pela Declaração Universal de Direitos Humanos e pela Convenção sobre os Direitos da Criança, de que toda criança, jovem e adulto têm o direito humano de beneficiar-se de uma educação que satisfaça suas necessidades básicas de aprendizagem, no melhor e mais pleno sentido do termo, e que inclua aprender a aprender, a fazer, a conviver e a ser. É uma educação que se destina a captar os talentos e o potencial de cada pessoa e desenvolver a personalidade dos educandos para que possam melhorar suas vidas e transformar suas sociedades. 4. Acolhemos os compromissos pela educação básica feitos pela comunidade internacional ao longo dos anos 90, especialmente na Cúpula Mundial pelas Crianças (1990), na Conferência do Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), na Conferência Mundial de Direitos Humanos (1993), na Conferência Mundial sobre Necessidades Especiais da Educação: Acesso e Qualidade (1994), na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social (1995), na Quarta Conferência Mundial da Mulher (1995), no Encontro Intermediário do Fórum Consultivo Internacional de Educação para Todos (1996), na Conferência Internacional de Educação de Adultos (1997) e na Conferência Internacional sobre o Trabalho Infantil (1997). O desafio, agora, é cumprir os compromissos firmados. 5. A Avaliação de EPT 2000 demonstra que houve progresso significativo em muitos países. Mas é inaceitável que no ano 2000, mais de 113 milhões de crianças continuem sem acesso ao ensino primário, que 880 milhões de adultos sejam analfabetos, que a discriminação de gênero continue a permear os sistemas educacionais e que a qualidade da aprendizagem e da aquisição de valores e habilidades humanas estejam longe das aspirações e necessidades de indivíduos e sociedades. Jovens e adultos não têm acesso às habilidades e conhecimentos necessários para um emprego proveitoso e para participarem plenamente em suas sociedades. Sem um progresso acelerado na direção de uma educação para todos, 132 as metas nacionais e internacionais acordadas para a redução da pobreza não serão alcançadas e serão ampliadas as desigualdades entre nações e dentro das sociedades. 6. A educação enquanto um direito humano fundamental é a chave para um desenvolvimento sustentável, assim como para assegurar a paz e a estabilidade dentro e entre países e, portanto, um meio indispensável para alcançar a participação efetiva nas sociedades e economias do século XXI. Não se pode mais postergar esforços para atingir as metas de EPT. As necessidades básicas da aprendizagem podem e devem ser alcançadas com urgência. 7. Nós nos comprometemos a atingir os seguintes objetivos: a) expandir e melhorar o cuidado e a educação da criança pequena, especialmente para as crianças mais vulneráveis e em maior desvantagem; b) assegurar que todas as crianças, com ênfase especial nas meninas e crianças em circunstâncias difíceis, tenham acesso à educação primária, obrigatória, gratuita e de boa qualidade até o ano 2015; c) assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os jovens e adultos sejam atendidas pelo acesso eqüitativo à aprendizagem apropriada, a habilidades para a vida e a programas de formação para a cidadania; d) alcançar uma melhoria de 50% nos níveis de alfabetização de adultos até 2015, especialmente para as mulheres, e acesso eqüitativo à educação básica e continuada para todos os adultos; e) eliminar disparidades de gênero na educação primária e secundária até 2005 e alcançar a igualdade de gênero na educação até 2015, com enfoque na garantia ao acesso e o desempenho pleno e eqüitativo de meninas na educação básica de boa qualidade; f) melhorar todos os aspectos da qualidade da educação e assegurar excelência para todos, de forma a garantir a todos resultados reconhecidos e mensuráveis, especialmente na alfabetização, matemática e habilidades essenciais à vida. 8. Para atingir esses objetivos, nós, os governos, organizações, agências, grupos e associações representadas na Cúpula Mundial de Educação, comprometemo-nos a: a) mobilizar uma forte vontade política nacional e internacional em prol da Educação para Todos, desenvolver planos de ação nacionais e incrementar de forma significativa os investimentos em educação básica; b) promover políticas de Educação para Todos dentro de marco setorial integrado e sustentável, claramente articulado com a eliminação da pobreza e com estratégias de desenvolvimento; c) assegurar o engajamento e a participação da sociedade civil na formulação, implementação e monitoramento de estratégias para o desenvolvimento da educação; d) desenvolver sistemas de administração e de gestão educacional que sejam participativos e capazes de dar respostas e de prestar contas; e) satisfazer as necessidades de sistemas educacionais afetados por situações de conflito e instabilidade e conduzir os programas educacionais de forma a promover compreensão mútua, paz e tolerância, e que ajudem a prevenir a violência e os conflitos; f) implementar estratégias integradas para promover a eqüidade de gênero na educação, que reconheçam a necessidade de mudar atitudes, valores e práticas; 133 g) implementar urgentemente programas e ações educacionais para combater a pandemia HIV/AIDS; criar ambientes seguros, saudáveis, inclusivos e eqüitativamente supridos, que conduzam à excelência na aprendizagem e níveis de desempenho claramente definidos para todos; h) melhorar o status, a auto-estima e o profissionalismo dos professores; i) angariar novas tecnologias de informação e comunicação para apoiar o esforço em alcançar as metas EPT; j) monitorar sistematicamente o progresso no alcance dos objetivos e estratégias de EPT nos âmbitos internacional, regional e nacional; k) fortalecer os mecanismos existentes para acelerar o progresso para alcançar Educação para Todos. 9. Baseando-se na evidência acumulada durante as avaliações de EPT nacionais e regionais e em estratégias setoriais já existentes, todos os Estados deverão desenvolver ou fortalecer planos nacionais de ação até, no máximo, 2002. Estes planos devem ser integrados em um marco mais amplo de redução da pobreza e de desenvolvimento, e devem ser elaborados por meio de processos mais democráticos e transparentes que envolvam todos os interessados e parceiros. Os planos irão abordar problemas relacionados com o sub-financiamento crônico da educação básica, estabelecendo prioridades orçamentárias que reflitam um compromisso em alcançar os objetivos e as metas de EPT o mais cedo possível ou no máximo até 2015. Também definirão estratégias claras para superar problemas especiais daqueles que estão atualmente excluídos das oportunidades educacionais, com um compromisso claro com a educação de meninas e a eqüidade de gênero. Os planos darão forma e conteúdo para os objetivos e estratégias estabelecidos neste documento e para os compromissos estabelecidos durante a sucessão de conferências internacionais dos anos 90. Atividades regionais para apoiarem estratégias nacionais deverão estar baseadas no fortalecimento das organizações, redes e iniciativas regionais e sub-regionais. 10. Vontade política e uma liderança nacional mais forte são necessárias à implementação efetiva e bem sucedida dos planos nacionais em cada um dos países. No entanto, a vontade política precisa sustentar-se em recursos. A comunidade internacional reconhece que, atualmente, muitos países não possuem recursos para alcançar uma Educação para Todos dentro de um prazo aceitável. Recursos financeiros novos, de preferência na forma de doações, devem, portanto, ser mobilizados pelas agências financeiras bilaterais e multilaterais, incluindo o Banco Mundial e bancos regionais de desenvolvimento, assim como o setor privado. Afirmamos que nenhum país seriamente comprometido com a Educação para Todos será impedido de realizar este objetivo por falta de recursos. 11. A comunidade internacional dará andamento a este compromisso coletivo, desenvolvendo imediatamente uma iniciativa global com vistas a desenvolver estratégias e mobilizar os recursos necessários para providenciar apoio efetivo aos esforços nacionais. As opções que serão consideradas nesta iniciativa seguem abaixo: a) aumentar o financiamento externo para a educação básica; b) assegurar prognóstico confiável no fluxo do auxílio externo; c) facilitar uma coordenação mais efetiva de doadores; 134 d) providenciar alívio e/ou cancelamento da dívida em tempo mais curto e de forma mais ampla para reduzir a pobreza, e com forte compromisso na educação básica; e) realizar um monitoramento mais efetivo e regular do progresso em atingir metas e objetivos de EPT, incluindo avaliações periódicas. Já há evidência em muitos países do que pode ser feito por meio de estratégias nacionais fortes, apoiadas em uma cooperação efetiva de desenvolvimento. O progresso dessas estratégias pode - e deve - ser acelerado por meio de um maior apoio internacional. Ao mesmo tempo, aos países com estratégias menos desenvolvidas - incluindo aqueles países afetados por conflitos, os que estão em transição e os países recém saídos de crise - deve ser dado o apoio necessário para atingirem um progresso mais rápido na Educação para Todos. 12. Fortaleceremos os mecanismos internacionais e regionais para que expressem claramente esses compromissos e asseguraremos que o Marco de Ação de Dakar esteja na agenda de todas as organizações internacionais e regionais, todos os corpos legislativos nacionais e todos os fóruns locais responsáveis por decisões. 13. A Avaliação de EPT de 2000 realça que o desafio maior da Educação para Todos está na África sub-saariana e no Sul da Ásia. Neste sentido, embora nenhum país que tenha necessidade deva ser excluído do auxílio internacional, a prioridade deve ser dada a estas duas regiões do mundo. Os países em conflito ou em fase de reconstrução também devem receber atenção especial na construção de seus sistemas educacionais para atenderem às necessidades de todos os educandos. Fortalecer os mecanismos existentes para acelerar o progresso da Educação para Todos. 14. A implementação dos objetivos e estratégias previamente descritas vai requerer a dinamização imediata de mecanismos nacionais, regionais e internacionais. Para que sejam mais efetivos, estes mecanismos serão participativos e, onde for possível, irão fortalecer o que já existe. Incluirão representantes de todos os participantes e parceiros e irão operar de forma transparente e responsável. Responderão de forma compreensiva à palavra, ao espírito da Declaração de Jomtien e a este Marco de Ação de Dakar. As funções desses mecanismos incluirão, em níveis variados, defesa de direitos, mobilização de recursos, monitoramento e geração e disseminação de conhecimentos sobre Educação para Todos. O cerne da atividade de Educação para Todos está no âmbito dos países. Fóruns nacionais de Educação para Todos serão fortalecidos ou estabelecidos para apoiar os resultados a serem alcançados. Todos os ministérios relevantes e as organizações nacionais da sociedade civil serão sistematicamente representadas nestes Fóruns. Estes devem ser transparentes e democráticos e devem constituir um marco de implementação em âmbito sub-nacional. Os países devem preparar Planos Nacionais de Educação para Todos até, no máximo, 2002. Para aqueles países com desafios significativos, tais como crises complexas ou desastres naturais, apoio técnico especial será providenciado pela comunidade internacional. Cada Plano Nacional de Educação para Todos: a) será desenvolvido sob a liderança governamental, consultando diretamente e sistematicamente a sociedade civil nacional; 135 b) atrairá apoio coordenado de todos os parceiros de desenvolvimento; c) especificará reformas referentes aos seis objetivos de Educação para Todos; d) estabelecerá um marco financeiro sustentável; e) será orientado para a ação e especificará prazos; f) incluirá indicadores de desempenho de médio prazo; e g) atingirá uma sinergia de todos os esforços de desenvolvimento humano, pela sua inclusão no planejamento e no processo de implementação do marco de desenvolvimento nacional. Onde estes processos e um plano confiável estiverem em andamento, membros parceiros da comunidade internacional se comprometem a trabalhar de forma consistente, coordenada e coerente. Cada parceiro contribuirá por meio de auxílio aos Planos EPT Nacionais, de acordo com sua relativa competência para assegurar que as lacunas de recursos sejam adequadamente preenchidas. As atividades regionais de suporte aos esforços nacionais terão suas bases nas organizações regionais e sub-regionais, redes e iniciativas já existentes, as quais serão fortalecidas quando for necessário. As regiões e sub-regiões decidirão sua rede de Educação para Todos que exerça liderança e que se transformará no Fórum da região ou sub-região com um mandato de Educação para Todos explícito. É essencial o envolvimento sistemático e a coordenação com toda a sociedade civil relevante e com outras organizações regionais e sub-regionais. Estes Fóruns de Educação para Todos Regionais e Sub-regionais articular-se-ão organicamente com os Fóruns Nacionais e a eles prestarão contas. Suas funções serão: coordenação com todas as redes relevantes; estabelecimento e monitoramento das metas regionais / sub-regionais; advocacy; diálogo sobre políticas; promoção de parcerias e de cooperação técnica; compartilhamento de casos exemplares e de lições aprendidas; o monitoramento e o relato para uma prestação de contas responsável; e a promoção da mobilização de recursos. Apoio regional e internacional será disponibilizado para fortalecer os Fóruns Regionais e Sub-regionais e as competências relevantes para se alcançar a Educação para Todos, especialmente na África e no sul da Ásia. A UNESCO continuará exercendo seu mandato na coordenação dos parceiros de Educação para Todos e a manter seu ímpeto de colaboração. Neste sentido, o Diretor Geral da UNESCO convocará anualmente um pequeno grupo flexível de alto nível. Este servirá de alavanca para o compromisso político e a mobilização de recursos técnicos e financeiros. Recebendo informações de monitoramento dos institutos da UNESCO (IIEP, IBE, UIE), e, especialmente, do Instituto de Estatísticas e dos Fóruns Regionais e Sub-regionais, também terá oportunidade de cobrar responsabilidade da comunidade global pelos compromissos assumidos em Dakar. Será composto de líderes do mais alto nível de governos e da sociedade civil de países desenvolvidos e em desenvolvimento, assim como das agências de desenvolvimento. A UNESCO servirá de Secretaria. O foco de seu programa educacional será adaptado a fim de colocar os resultados e as prioridades de Dakar no centro de seu trabalho. Isto envolverá o estabelecimento de grupos de trabalho para cada um dos seis objetivos estabelecidos em Dakar. Esta Secretaria trabalhará próxima a outras organizações e poderá incluir pessoas por elas cedidas. 136 Alcançar a Educação Para Todos demandará apoio financeiro adicional dos países, aumento da ajuda para o desenvolvimento e perdão da dívida em prol da educação por parte dos doadores bilaterais e multilaterais, o que custará em torno de U$ 8 bilhões por ano. Portanto, é essencial que novos compromissos financeiros concretos sejam firmados pelos governos nacionais e também pelos doadores bilaterais multilaterais, incluindo-se o Banco Mundial, os bancos regionais de desenvolvimento, a sociedade civil e as fundações. 28 de abril de 2000. Dakar, Senegal Fonte: portal www.dominiopublico.gov.br 137 ANEXO 3 – METAS DO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO 2011. METAS DO PLANO NACIONA DE EDUCAÇÃO DE 2011 Meta 1: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, e ampliar, até 2020, a oferta de Educação Infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos; Meta 2: Universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda população de 6 a 14 anos; Meta 3: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%, nesta faixa etária; Meta 4: Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino; Meta 5: Alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os oito anos de idade; Meta 6: Oferecer Educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de Educação Básica; Meta 7: Atingir as seguintes médias nacionais para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb): Ideb Anos iniciais do ensino fundamental Anos finais do ensino fundamental Ensino médio 2011 4,6 3,9 3,7 2013 4,9 4,4 3,9 2015 5,2 4,7 4,3 2017 5,5 5,0 4,7 2019 5,7 5,2 5,0 2021 6,0 5,5 5,2 Meta 8: Elevar a escolaridade média da população de 18 a 24 anos de modo a alcançar mínimo de 12 anos de estudo para as populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% mais pobres, bem como igualar a escolaridade média entre negros e não negros, com vistas à redução da desigualdade educacional; 138 Meta 9: Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e erradicar, até 2020, o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional; Meta 10: Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de Educação de Jovens e Adultos na forma integrada à Educação profissional nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio; Meta 11: Duplicar as matrículas da Educação Profissional Técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta; Meta 12: Elevar a taxa bruta de matrícula na Educação Superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta; Meta 13: Elevar a qualidade da Educação Superior pela ampliação da atuação de mestres e doutores nas instituições de Educação Superior para 75%, no mínimo, do corpo docente em efetivo exercício, sendo, do total, 35% doutores; Meta 14: Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu de modo a atingir a titulação anual de60 mil mestres e 25 mil doutores; Meta 15: Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que todos os professores da Educação Básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam; Meta 16: Formar 50% dos professores da Educação Básica em nível de pósgraduação lato e stricto sensu, garantir a todos formação continuada em sua área de atuação; Meta 17: Valorizar o magistério público da Educação Básica a fim de aproximar o rendimento médio do profissional do magistério com mais de onze anos de escolaridade do rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente; Meta 18: Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os profissionais do magistério em todos os sistemas de ensino; Meta 19: Garantir, mediante lei específica aprovada no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a nomeação comissionada de diretores de escola vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar; 139 Meta 20: Ampliar progressivamente o investimento público em Educação até atingir, no mínimo, o patamar de 7% do produto interno bruto do País. Fonte: portal www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-emidia/noticias/12514/mec-divulga-plano-nacional-de-educacao-2011-2020