Discipulado – tarefa da Igreja Ide, fazei discípulos meus todos os povos (Mt 28,19). Por muito tempo se espelhava no discípulo a qualidade do seguimento. E era isto que o caracterizava. Mas o seguimento perdeu seu sabor porque o discípulo, ou discípula se deixava marcar mais pelo aspecto jurídico. Recebia jurisdição que lhe pedia fidelidade e não seguimento. A fidelidade mal entendida ia muitas vezes contra as propostas de Jesus de Nazaré mas eram consideradas um dever do discípulo. E assim foram se instalando as esquizofrenias nos discípulos e discípulas. Muita gente sente o cheiro de algo errado acontecendo. O aspecto jurídico prevalece o aspecto vocacional. Não deveria ser assim! São quatro as instâncias, ou se quiserem, os passos do discipulado de Jesus: a escuta, o encantamento (ou reencantamento), o seguimento e a missão. A frase acima no título, atribuída a Jesus, espelha a tarefa que a Igreja sempre teve e que hoje ressoa em nova voz e energia. Ser discípulo não acontece pela boa vontade. Não basta o querer. É preciso o convite. O convite não é feito pela Igreja, mas pelo Espírito Santo. O Espírito Santo não chega apenas pelo sentimento, Ele chega através do mais íntimo da pessoa. Lá ninguém chega onde o Espírito está. Mas poderá provocar a sua manifestação através da liberdade e da inteligência. Onde está a inteligência e a liberdade o Espírito não resiste, quer colaborar e iluminar. Como se fará isto? Pela escuta e pelo encantamento por Jesus de Nazaré. 1. A escuta Nós escutamos, distraídos muitas vezes, mas registramos tudo inconscientemente. Também registramos as múltiplas pinturas contraditórias de Cristo. Com isto, está dentro de nós uma confusão sem tamanho. Não sabemos mais por onde nem para onde ir. É preciso parar e escutar de novo o Senhor Jesus. É Jesus que precisamos olhar e não o Cristo. A Sua Palavra que é sua pessoa, (também seus gestos e sua fala), merece uma escuta atenta pois nos ajuda a centrar nossa vida no que é de fato humano. Ele é o humano completo. Nós estamos por demais marcados por outras propostas que não conseguimos filtrar bem. Escutando o Senhor Jesus vamos saber filtrar todas as propostas negativas, perniciosas, fúteis, inconvenientes. Ele nos mostra, por exemplo, que o melhor caminho de vida é a misericórdia e não a competição que tem cheiro de vingança. Indo pelo caminho da competição nos tornamos duros uns contra os outros e estes até se tornarão nossos inimigos, ou nós os consideramos tais. Quando nos treinamos para sermos misericordiosos, e não apenas de vez em quando exercer misericórdia, nos tornamos próximos, nos tornamos pessoas junto a outras pessoas. Nos tornamos gente! Com espiritualidade! Pois deixamos que o Espírito nos guie. Escutar é atualmente também a grande palavra de ordem da Igreja. Esta (sobretudo a Hierarquia) só quer falar. Mas toda a Igreja (incluída a Hierarquia) precisa muito escutar. Escutar os clamores do mundo e escutar Deus em seu Espírito Santo presente dentro do coração da história e dentro do mais íntimo de cada pessoa. É preciso fazer silêncio para poder escutar. Mas não é apenas um silêncio físico. É preciso um silêncio da autosuficiência, do orgulho, da vaidade. É preciso um silêncio de demônios que moram em cada pessoa e que atingem o nível físico (a gula, a luxúria e a cobiça) o nível psíquico (a tristeza, a cólera e a preguiça) e o nível espiritual (a ambição, a inveja e a soberba) . É importante reconhecer sua atuação porque a expulsão não acontece, pois eles não saem. Não deixar que eles nos ocupem e nos distraiam. Escutar é atitude fundamental e esta escuta não acontece normalmente. Só quando a pessoa decide. O salmo 91 poderá nos ajudar muito. Neste salmo o orante é muito bem recebido e é instruído sobre o Senhor. É um testemunho admirável que o que pediu proteção no Templo recebe uma instrução. Ele não fala nada, só escuta. Eis uma boa lição para as nossas pastorais de acolhida. Saber instruir no Senhor. Não é doutrina. É experiência de vida do Senhor. Quem já tem a experiência de vida no Senhor poderá fazer uma boa acolhida pois vai poder dizer ao que vem o que ele poderá encontrar na igreja. Isaías 50,5 nos desafia para uma tarefa que precisamos cultivar conscientemente. Que cada manhã possamos dizer ao Senhor que nossos ouvidos estão prontos a escutar o que o Senhor tem a nos dizer. Ezequiel 3,4: “Filho do homem, dirige-te à casa de Israel e transmite-lhe as minhas palavras”. Dei Verbum n 24: O Magistério : não está cima da Palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, a ouve piamente,a guarda religiosamente e a expõe fielmente. Verbum Domini: n 3: A comunidade eclesial cresce na escuta, na celebração e no estudo da Palavra de Deus. N 12: O Logos, Palavra Eterna, também escuta. N 26: O pecado como não escuta da Palavra de Deus N 51: A relação entre Cristo, Palavra do Pai, e a Igreja não pode ser compreendida em termos de acontecimento simplesmente passado, mas trata-se de uma relação vital na qual cada fiel, pessoalmente, é chamado a entrar. N66: Hoje é necessário educar o Povo de Deus para o valor do silêncio N 78: A Palavra de Deus é indispensável para formar o coração de um bom pastor, ministro da Palavra. Bispos, presbíteros e diáconos não podem de forma algum pensar viver a vocação e missão sem um decidido e renovado compromisso de santificação, que tem um dos seus pilares no contato com a Bíblia. N79: O Bispo, como os seus sacerdotes e como qualquer fiel – mais ainda, como a própria Igreja – deve ser ouvinte da Palavra. N 86: A Palavra de Deus está na base de toda a espiritualidade cristã autêntica. N 122: O nosso deve ser cada vez mais o tempo de uma nova escuta da Palavra de Deus e de uma nova evangelização. N 124: Façamos silêncio para ouvir a Palavra do Senhor e meditá-la, a fim de que a mesma, através da ação eficaz do Espírito Santo continue a habitar e viver em nós. 2. O encantamento por Jesus de Nazaré. Hoje as pessoas são muito sensíveis ao sentimento. Eram mais sensíveis à razão. Mas as pessoas não podem desistir da razão. Santa Teresa de Ávila teria dito que um dia de autoconhecimento vale mais do que mil dias de oração. Isto vale para o conhecimento que podemos ter de Jesus, que é o ser humano completo. Nele nós nos conhecemos. É o Espírito da Verdade que vai revelar a Verdade. Como proceder para oferecer às pessoas que queiram escutar o Espírito Santo? Uma das formas eficientes é um retiro como tempo significativo de encontro consigo mesmo, com o estudo da pessoa de Jesus, pela leitura orante. Tome-se um evangelho (o melhor seria o do ano da liturgia) e se estudem as características de Jesus ali testemunhadas. Cada evangelho apresenta Jesus com enfoques diferentes, atraentes, desafiadores para uma imitação como discípulo/a. É bom encontrar livros de exegese dos evangelhos para, pelo estudo, descobrir as características de Jesus propostas no livro do evangelho. É muito bom oferecer uma imagem genuína de Jesus e não favorecer outras imagens que talvez possam estar mais próximas de caricatura de Jesus do que da verdade sobre Jesus de Nazaré, o humano completo. Imaginar Jesus não é bom pois a gente sente que isto provem de fantasias. Ver Jesus descrito nos evangelhos é muito bom pois nos encontramos com um testemunho sobre o Senhor que já encantou por sua vida, atitudes, palavras a muita gente em dois mil anos. Nós podemos ser os que passem este encantamento para outras pessoas que vem vindo e ocuparão nosso lugar. O Espírito, que constantemente nos quer ajudar com sua luz, ilumine as nossas comunidades e toda a Igreja. Estudar Jesus que os evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas, João) e Paulo em suas cartas apresentam, nos ajuda a encantar-nos com a pessoa de Jesus de Nazaré, o humano completo. Ele não se importa com o seu “bom nome”, sua fama. Ele se importa com a pessoa que está à sua frente e não se pergunta sobre os conflitos que uma atitude sua pode gerar. Assim ele é sempre e não apenas em alguns momentos. Ele consegue na vida estabelecer uma presença diante de Deus que é o “Abbá” 3. Seguimento. Precisamos, hoje mais do que em outros tempos, seguir alguém que valha a pena a vida toda e não por determinados momentos. Sempre seguimos alguém ou alguma coisa. É bom decidir quem seguir. O único que vale a pena seguir é Jesus de Nazaré. Quem vai nos iluminar neste seguimento é o Espírito da verdade. Seguimento é uma decisão consciente, livre e perseverante. Surgirão dificuldades. Importa não desanimar. É preciso alcançar idade adulta na fé. Não basta permanecer crianças na fé. Experimentar o leite da fé é necessário no início da caminhada mas não pode ser algo permanente. Aqui já se percebe que o que se experimentou no encantamento ou reencantamento por Jesus seja posto em prática para confirmar que vale a pena. A prática do seguimento no dia a dia torna a pessoa adulta na fé. Ela reconhece, pelo resultado da prática, que seguir Jesus dá experiências de vida muito mais interessantes que outras propostas. Jesus humaniza tudo o que a humanidade desumanizou. Jesus desaliena tudo que a humanidade alienou do projeto do Reino de Deus. O Reino de Deus é um reino onde todos são iguais. É um reino horizontal e não vertical como os reinos do mundo. Seguir Jesus é assumir o projeto de humanização e desalienação do projeto do Reino de Deus. São Beda Venerável: “Segue, quis dizer, imita; segue, quis dizer, não tanto pelo andar dos pés, quanto pela realização dos atos”. Uma boa atualização do projeto do Reino está na Doutrina Social da Igreja (ou Ensino Social da Igreja). 4. A missão. Decorre do entusiasmo que se adquire pelo seguimento consciente e claro de Jesus de Nazaré. Não é uma ordem. É uma convicção. Esta brota do entusiasmo consciente e lúcido pela pessoa de Jesus de Nazaré, o humano completo. Não há alguém mais misericordioso. Não há alguém que dê atenção a toda e qualquer pessoa, até aos inimigos, mesmo às custas do bom nome. Ser como Jesus faz acontecer missão. Esta acontece pelo exemplo de vida e nem tanto pela palavra. A palavra precisa acontecer no aprofundamento do conhecimento de Jesus. Ele estava plenamente integrado na obra de criação do Pai. Ele, enfim, é a expressão de Deus no coração do mundo. Por isso tudo podemos concluir que não basta um desejo vago de boa vontade e afirmar que somos discípulos missionários. É preciso se qualificar para isso. Vai muito bem aqui a admoestação atribuída a Jesus que se encontra em Lucas 9,57-62: São três as qualidades de discípulo ai descritas. No primeiro relato o ao candidato é dito: “As raposas tem tocas e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça. Intérpretes enxergam aí os sinais de pobreza. Parece mais adequado comeár a pergunta por que estes animais servem de comparação. Trata-se de animais irrequietos que parecem não parar . Mas param: tem toca e tem ninho. O Filho do Homem tem tarefas que impedem que ele pare. Vai realizar tudo e há urgência na realização destas tarefas. O discípulo descobre que há urgência na tarefa a ser realizada. No segundo caso a resposta que o discípulo recebe: Deixa que os mortos enterrem seus mortos, quanto a ti, vai anunciar o Reino de Deus”. Enterrar morto é tarefa muito nobre e sempre deve ser feita. Mas enterrar todos podem fazer. Anunciar o Reino de Deus só pode aquele que é cativado pelo Reino de Deus. Há prioridades que o discípulo vai aprendendo. Qual é a grande prioridade (se é que existem pequenas prioridades!) do discípulo diante da qual não pode ter dúvidas? Qual é portanto a grande missão que o discípulo deve realizar hoje no mundo? Por fim, tem o terceiro exemplo de discípulo que recebeu a resposta: “Quem põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus”. Olhar para trás não significa saudade da vida passada. Significa, isto sim, fazer um trabalho mal feito. Quem está lavrando e olha para trás erra a lavração. Quem pretende fazer qualquer coisa pelo Reino e de qualquer jeito não é apto. Caia fora! Só se apresente quem for se preparar bem e não erre nas coisas do Reino de Deus. Nossa tarefa: Quais as qualidades de Jesus que mais me encantam? Quais as qualidades de Jesus que tenho mais dificuldade de seguir? Quais as atitudes de Jesus que me fazem sentir seguro de ser amado por Ele? Que qualidades o discípulo hoje não pode deixar de lado com o risco de não ser discípulo de Jesus de Nazaré? Onde precisaríamos dar mais atenção nos quatro passos do discipulado?