UM
D
MCCORMICK AGARROU Melanie pelo braço e arrastou-a para
o bosque sem deixar rasto. Ninguém costumava passar por ali. A
verdadeira atração — as trilhas de ciclismo e de caminhada em torno do
lago Salmon Brook — tinha ficado para trás, do outro lado da Route 86.
— Por que vocês estão me trazendo para cá? — perguntou
Melanie.
— Já disse que é surpresa — respondeu Darby.
— Não se preocupe, daqui a pouco levamos você de volta para o
convento — disse Stacey Stephens.
Vinte minutos depois, Darby largou a mochila no local onde ela e
Stacey costumavam ficar de bobeira e fumando — um barranco coberto de garrafas vazias de cerveja e pontas de cigarro.
Para não sujar o jeans Calvin Klein novo, Darby, antes de sentar,
checou o solo, para ter certeza de que estava seco. Stacey, é claro, foi
logo plantando o traseiro na terra. Havia algo fundamentalmente desleixado em Stacey, com seu excesso de rímel, jeans de segunda mão e
camisetas justas, sempre um tamanho abaixo — nada podia disfarçar
a impressão de desespero que sempre pairava em torno dela, como a
nuvem de sujeira do Linus, da turma de Charlie Brown.
Darby conhecia Melanie desde, bem, desde sempre, para ser mais
exato, já que as duas tinham sido criadas na mesma rua. E, apesar de
Darby se lembrar de todos os acontecimentos e casos que ela e Mel
tinham vivido juntas, não conseguia, de jeito nenhum, lembrar como
ARBY
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tinha conhecido Stacey, nem de como as três haviam se tornado grandes
amigas. Como se Stacey simplesmente tivesse aparecido um dia. Estava
sempre com elas, na sala de estudos, nos jogos de futebol americano e
nas festas. Stacey era divertida. Contava piadas de sacanagem, conhecia
os rapazes mais populares e já tinha feito sexo oral com eles, enquanto Mel era muito parecida com os bibelôs de porcelana que a mãe de
Darby colecionava — objetos preciosos e frágeis que tinham que ser
guardados em locais protegidos.
Darby abriu o zíper da mochila e distribuiu as cervejas.
— O que você está fazendo? — perguntou Mel.
— Apresento-lhe o senhor Budweiser — respondeu Darby.
Mel mexeu com os balangandãs da pulseira. Sempre fazia isso
quando estava nervosa ou com medo.
— Ande logo, Mel, pode pegar. Ele não morde.
— Não, o que eu quero saber é por que você está fazendo isso.
— Para festejar seu aniversário, sua boba — disse Stacey, abrindo
uma cerveja.
— E por você ter tirado carteira de motorista — acrescentou Darby. — Agora temos alguém para nos levar ao shopping.
— Seu pai não vai dar falta das cervejas? — Mel perguntou a
Stacey.
— Ele tem umas seis caixas na geladeira do porão, nem vai notar
a falta dessa mixaria de seis cervejas. — Stacey acendeu um cigarro e
jogou o maço para Darby. — Mas se ele e mamãe chegassem em casa
e nos pegassem bebendo, eu não ia poder sentar nem ver nada direito
por uma semana.
Darby ergueu sua lata.
— Feliz aniversário, Mel, e parabéns.
Stacey engoliu metade da sua cerveja. Darby bebeu um longo gole.
Melanie primeiro cheirou a cerveja. Ela sempre cheirava qualquer coisa
nova antes de experimentar.
— Tem gosto de torrada molhada — comentou Mel.
— Continue bebendo, vai acabar gostando... e se sentindo melhor
também.
Stacey apontou para algo que se parecia com um Mercedes e serpenteava pela Route 86 e disse:
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— Um dia ainda vou dirigir um desses.
— Já estou imaginado você como chofer — disse Darby.
Stacey apontou o dedo médio para Darby.
— Não, sua babaca, alguém vai me levar por aí, dentro de um desses, porque vou casar com um cara rico.
— Lamento informar — disse Darby —, mas não tem nenhum
cara rico em Belham.
— É por isso que eu vou para Nova York. E o cara com quem eu
vou casar não vai ser só um cara lindo de morrer, ele vai ser legal comigo.
Isso quer dizer jantar em restaurantes bacanas, roupas chiques e o carro da
marca que eu quiser, e ele vai ter até um avião particular para levar a gente
para nossa casa fabulosa no Caribe. E você, Mel? Qual é o tipo de cara
com quem você vai casar? Ou ainda não desistiu da ideia de ser freira?
— Eu não vou ser freira — retrucou Mel, e, como para confirmar
o que dizia, tomou um longo gole de cerveja.
— Quer dizer que você finalmente resolveu dar para o Michael
Anka?
Darby quase engasgou com a cerveja.
— Então você está ficando com o Melequento?
— Ele parou de tirar meleca na terceira série — protestou Mel.
— Ele não tira mais meleca.
— Sorte sua — declarou Darby, enquanto Stacey morria de rir.
— Pare com isso — pediu Mel. — Ele é um cara legal.
— Claro que ele é legal — respondeu Stacey. — Todos são legais
no começo. Depois que conseguir o que quer, vai tratar você como o
lixo de ontem.
— Não é verdade — retrucou Darby, pensando no pai, que todos
chamavam de Big Red, como a marca de chicletes. Quando ainda estava
vivo, ele sempre abria a porta para a mãe dela. Nas noites de sexta-feira,
quando os pais de Darby chegavam em casa depois de jantar fora e Big
Red colocava para tocar um dos seus discos de Frank Sinatra, às vezes
até dançava com a mãe dela, de rosto colado, enquanto cantarolava uma
canção que dizia como tinham sido bons os velhos tempos.
— Acredite no que eu digo, Mel, é só fingimento — disse Stacey.
— É por isso que você tem que parar de ser tão sonsa. Se continuar
assim, eles vão sempre se aproveitar de você, acredite.
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Então Stacey começou um daqueles seus discursos sobre os rapazes
e sobre todas as mentiras de que eles lançavam mão para convencer uma
garota a dar-lhes o que eles queriam. Darby revirou os olhos, encostou-se a uma árvore e olhou para longe, para a grande cruz de néon
acima da Route 1.
Enquanto bebia a cerveja, Darby observava o tráfego pesado nas
duas pistas da Route 1 e pensava nas pessoas dentro dos carros, gente
interessante a caminho de coisas interessantes em lugares interessantes.
Como é que se faz para ser uma pessoa interessante? Seria algo que nasce com a pessoa, como a cor do cabelo ou a altura? Ou era Deus quem
decidia pela gente? Talvez Deus escolhesse quem era e quem não era
interessante, e cada um tinha que aprender a viver com o que a sorte
lhe reservara.
Mas quanto mais Darby bebia, aquela voz que havia dentro dela
ficava mais forte, e a voz dizia que ela, Darby Alexandra McCormick,
estava destinada a coisas maiores — talvez não fosse a vida de uma estrela de cinema, mas algo melhor, decididamente melhor que o mundinho
doméstico da mãe dela, sempre limpando, cozinhando e recortando
cupons de descontos. A maior emoção de Sheila McCormick consistia
em caçar cobiçosamente pechinchas nos balcões das liquidações.
— Ouviram isso? — sussurrou Stacey.
Snap, snap, snap — som de gravetos secos e galhos sendo pisados.
— Deve ser um guaxinim ou coisa parecida — murmurou
Darby.
— Não estou falando dos galhos — disse Stacey. — O choro.
Darby colocou a cerveja no chão e olhou por cima do barranco.
O sol havia baixado havia pouco; não viu nada, a não ser o vulto indistinto de troncos de árvores. O ruído seco de galhos quebrando e
estalando ficou mais forte, depois todas ouviram a voz da mulher, fraca,
mas nítida:
— Por favor, me deixe ir embora, juro por Deus que não vou contar a ninguém o que você fez.
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