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Revista Brasileira de Ensino de F
sica, vol. 23, no. 1, Mar
co, 2001
Os Grandes N
umeros
The Great Numbers
Jos
e Pl
nio Baptista e La
ercio Ferracioli
[email protected]; [email protected]
Departamento de F
sica, Universidade Federal do Esp
rito Santo
Campus de Goiabeiras, 29060-900, Vit
oria, ES
Recebido em 03 de julho de 2000. Aceito em 22 de de novembro de 2000
O artigo aborda os trabalhos de dois grandes personagens da historia da ci^encia, Arquimedes e Dirac,
que trataram independentemente, e de formas diversas, a chamada quest~ao dos grandes numeros.
O desenvolvimento destes trabalhos revela o talento destes cientistas que foram precursores de concepc~oes cientcas avancadas: no caso de Arquimedes, propondo uma nova representac~ao numerica
utilizando, para comprovaca~o de sua ecacia, a concepc~ao de sistema helioc^entrico proposta por
Aristarco, e no caso de Dirac, lancando as bases que possibilitaram serias tentativas de construc~ao
da Gravitac~ao Qu^antica.
This paper deals with the work written by two notable scientists, Archimedes and Dirac, who
independently dealt with the theme so called the question of the great numbers. The development
of their work reveals their talent related to the construction of advanced scientic conceptions:
Archimedes presenting a new numeric representation using for the sake of eÆcacy the heliocentric
conception proposed by Aristharco; Dirac introducing the basis which gave grounds for attempts
for the construction of Quantum Gravitation.
I
Introduc~ao
Os calculos realizados hoje em dia, seja no campo da
tecnologia como no campo da ci^encia pura, envolvem
quase sempre numeros que representam medidas de algumas grandezas que podem ser tanto muito pequenas, relativas a dimens~ao at^omica ou menor, quanto
bastante grandes como e o caso da dimens~ao de uma
galaxia ou mesmo do universo atual. Assim, pode-se
citar:
Tempo de Planck1
10 43 segundos
Massa do eletron
10 23 kg
Velocidade da luz
108 m/s
Idade atual do universo 1010 anos
Estes numeros, quando escritos na forma natural, se
apresentam como numeros contendo muitos algarismos
antes da vrgula ou um numero muito grande de casas
decimais, como e o caso do Tempo de Planck escrito
abaixo:
c
10
43
= 0; 0000000000000000000000000000000000000000001
d
Atualmente, mediante o uso da chamada notac~ao
cientca ou notac~ao de engenheiro, encontrada em
qualquer calculadora cientca, estes numeros s~ao facilmente expressos ou representados como mostram os
exemplos acima. Em geral estes numeros expressam
a ordem de grandeza de uma medida e n~ao a medida
propriamente dita. Na verdade, no emprego destes
numeros, o que importa n~ao e o valor exato deles e sim
a ordem de grandeza, podendo as diferencas de unidades na express~ao nal do numero serem desprezadas.
Assim, utilizando as regras de arredondamento praticadas na fsica, o tempo de Planck poderia ter a parte
1 Na evolu
c~ao do universo a partir do Big-Bang, o tempo de Planck - (tP L ) marca uma epoca de transica~o. Para t > tP L as interac~oes
gravitacionais s~ao descritas pela Relatividade Geral, ao passo que para t < tP L seria necessario o emprego p
da Gravitac~ao Qu^antica
para a descrica~o das interac~oes. A unidade de tempo de Planck pode ser denida formalmente como tP L = 2hG
c5 . A densidade do
universo para t = tP L e da ordem de 1090 g/cm3 .
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diferente de zero expressa por qualquer numero menor
que 5 e sua ordem de grandeza permaneceria a mesma:
10 43 .
Neste contexto, s~ao numeros desta ordem de grandeza que s~ao aqui denominados de grandes numeros, e
que ser~ao abordados a partir dos trabalhos desenvolvidos por dois cientistas que muito contriburam para o
progresso cientco ao longo da historia do saber humano. Esses cientistas s~ao:
1. Arquimedes (c.287-212 a.C.) matematico
e fsico grego, escreveu sobre os fundamentos da geometria, aritmetica e mec^anica.
Nascido em Siracusa, Siclia, no seculo III
a.C., foi educado em Alexandria, Egito, voltando a viver a maior parte de sua vida na
Siclia;
2.
Paul Andre Maurice Dirac (19021984) fsico ingl^es, um dos responsaveis
pela Mec^anica Qu^antica e criador da estrutura de representac~ao formal da fsica
qu^antica. Viveu no seculo 20 e durante a
maior parte de sua vida pesquisou e ensinou em Cambridge, Inglaterra, vivendo os
ultimos anos de sua vida ligado a Universidade da Florida, nos Estados Unidos.
A ligac~ao entre estes dois importantes personagens
da historia da fsica reside no fato que, enquanto Dirac
com sua conhecida genialidade interpreta o signicado
dos grandes numeros da fsica Moderna de uma maneira inesperada e original, Arquimedes utiliza todo o
seu lendario talento na construc~ao de um sistema de
representac~ao de grandes numeros nos primordios da
losoa natural, como era denominada a fsica em seu
tempo. Dessa forma, a quest~ao dos grandes numeros e
abordada de maneira distinta e em diferentes perspectivas, como e relatado a seguir.
II O sistema numerico para
representac~ao de grandes
numeros de arquimedes de
siracusa
Arquimedes gura na historia da ci^encia como um dos
mais talentosos personagens que surpreendeu o mundo
de sua epoca pelas suas conquistas tanto na matematica
como na ci^encia da mec^anica, teorica e aplicada. Na
matematica pura, antecipou muitas das descobertas da
ci^encia moderna, tal como o calculo integral, atraves
de seus estudos sobre as areas e volumes de guras
solidas e areas de guras planas. Assim, ele demonstrou a formula para o calculo do volume de uma esfera
em func~ao do volume de um cilindro que a circunscreve
a partir do famoso teorema relacionando os volumes do
cone, da esfera e do cilindro, com o qual demonstra que
os volumes do cone, da semi- esfera e do cilindro est~ao
na raz~ao 1:2:3.
Na mec^anica, foi autor do primeiro tratado teorico
sobre as alavancas e da descoberta da lei da hidrostatica, denominada de Princpio de Arquimedes.
Durante a invas~ao romana, empregou sua genialidade
na mec^anica aplicada construindo e fazendo funcionar
maquinas belicas em defesa de Siracusa, impedindo sua
conquista por dois longos anos2 . Todos os trabalhos de
Arquimedes apresentaram o rigor e a imaginac~ao de seu
pensamento matematico.
Dessa forma, Arquimedes emprega toda essa genialidade na resoluc~ao do problema da representac~ao dos
grandes numeros, tarefa assumida por ele proprio e descrita a seguir.
II.1 O Contexto hist
orico: A numera
c~
ao
alfab
etica grega
O grande problema na epoca de Arquimedes era a
inexist^encia da notac~ao moderna posicional para a representac~ao dos numeros. Ate que a humanidade atingisse este nvel tecnico, o ser humano experimentou
inumeros metodos de contagem ou de representac~oes
numericas [2].
A representac~ao dos numeros usada na Grecia antiga, a epoca de Arquimedes, era constituda das letras
do alfabeto que era formado de 24 letras, acrescido de
3 letras arcaicas. Estas 27 letras davam possibilidade
de se nomear tr^es ordens de grandeza. S~ao elas:
as unidades: de 1 a 9 e representadas pelas primeiras nove letras do alfabeto;
as dezenas ou m
ultiplos de 10: de 10 a 90 e representadas pelas nove letras seguintes, da 10a a 18a
letra;
as centenas ou m
ultiplos de 100: de 100 ate 900
representadas pelas nove letras seguintes, da 19a a 27a
letra.
A Quadro 1 apresenta um resumo desta representac~ao com a utilizac~ao das letras minusculas e
maiusculas [2].
2 Uma descri
c~ao detalhada destas proezas foi minuciosamente relatada pelo proprio general romano Marcelo, comandante do exercito
invasor [1].
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A representac~ao dos numeros acima de 1.000 era realizada por combinac~oes de elementos do quadro acima
acrescentado de um sinal que identicava os milhares, conforme mostrado no Quadro 2.
Existia, ainda, uma notac~ao especial para a representaca~o da ordem dos milhares, como mostra o Quadro 3.
O nome especial para o numero 10.000 era a myri
ade, representada pela letra M ou .
Por conseguinte, neste sistema de numerac~ao so era
possvel distinguir claramente os numeros ate a myriade
de myriades, ou seja, 10.000 x 10.000 ou 100.000.000.
Uma consequ^encia inc^omoda era, e claro, que os matematicos gregos jamais poderiam expressar numericamente grandezas cujas magnitudes ultrapassassem os
cem milh~oes. Apol^onio de Perga3, contempor^aneo de
Arquimedes, prop^os um sistema que mais tarde foi adotado por muitos astr^onomos. Entretanto, o foco do presente artigo sera o sistema proposto por Arquimedes,
pois o tratado escrito por ele sobre os grandes numeros
contem informac~oes de muito interesse para a historia
da ci^encia [3].
II.2 A motiva
c~
ao
O interesse de Arquimedes na representaca~o dos
grandes numeros originou-se de uma discuss~ao ocorrida
na corte do rei Gelon de Siracusa, onde algumas pessoas
teriam armado ao rei ser impossvel contar os gr~aos de
areia das praias da Siclia, pois, ainda que este numero
n~ao fosse innito, seria t~ao grande que n~ao haveria uma
maneira de representa-lo.
A diculdade levantada pelos interlocutores do rei
repousava sobre a limitac~ao do sistema de numerac~ao
grega, ent~ao em uso, que representava enorme diculdade ao calculo quando se tratava de numeros de magnitudes muito elevadas, conforme descrito na seca~o anterior.
Arquimedes propos, ent~ao, demonstrar que esta
contagem era realizavel e que, alem do mais, era
3 Matem
atico grego viveu durante o nal do sec. III a.C e incio do sec. II a.C. Nasceu em Perga, Pamphylia, hoje Turquia. Escreveu
o celebre Tratado Sobre as Sec~oes C^onicas, originalmente escrito em 8 livros. Fez importante contribuic~ao a astronomia grega com a
introduc~ao dos epiciclos e exc^entricos no estudo do movimento dos planetas.
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possvel imaginar uma numerac~ao adequada que permitisse n~ao somente resolver o problema em quest~ao como
tambem exprimir numericamente qualquer quantidade
nita.
Para que as conclus~oes de sua demonstrac~ao resultassem incontestaveis por parte de seus interlocutores,
Arquimedes passou a considerar as situac~oes mais desfavoraveis aos seus propositos, trazendo ainda maiores
diculdades ao problema inicial. Assim sendo, Arquimedes armou inicialmente que mediante raciocnios
geometricos os numeros que ele propunha representar
poderiam ultrapassar n~ao somente o numero de gr~aos
de areia de todas as praias da Siclia, como tambem
o numero de gr~aos de areia contido no volume igual
de toda a Terra. E mais ainda, armou que estes
numeros recem imaginados poderiam ultrapassar inclusive o numero de gr~aos de areia contido no volume de
uma esfera do tamanho do mundo!
No entanto, ainda n~ao satisfeito com o grau de diculdades que se atribuiu, Arquimedes vai ainda mais
longe, adotando posteriormente a denic~ao de mundo,
n~ao a que estava em voga em sua epoca, mas a denic~ao de Aristarco de Samos (c. 310-230 a.C.), primeiro astr^onomo a propor uma Teoria Helioc^entrica.
Em seu trabalho escrito e dirigido ao rei Gelon, ele declara ter tomado conhecimento desta teoria pela leitura
dos livros publicados por Aristarco [4]. Assim sendo, as
denic~oes de mundo eram:
Mundo aceito na epoca de Arquimedes, era
o nome dado pelos astr^onomos a esfera cujo
centro seria coincidente com o centro da
Terra e cujo raio seria igual a dist^ancia
Terra-Sol - Sistema Geoc^entrico;
Mundo de Aristarco de Samos seria a esfera com centro no Sol e com raio igual a
dist^ancia Sol-Estrelas Fixas. Neste sistema,
tanto o Sol quanto as estrelas xas permaneceriam em repouso enquanto os outros corpos celestes girariam em torno do Sol, tendo
este como centro de suas orbitas circulares
- Sistema Helioc^entrico4 .
Em outras palavras, Arquimedes se prop~oe a mostrar que seus numeros poderiam exprimir a quantidade
de gr~aos de areia contida no volume de uma esfera expressivamente maior que a esfera do mundo da epoca.
Ele prop~oe calcular esta quantidade considerando a esfera do mundo de Aristarco.
II.3
Os
elementos
geom
etricos
e
num
ericos da solu
c~
ao
Para demonstrar o proposto, Arquimedes desenvolveu um argumento baseado em uma sequ^encia de
calculos dos volumes de esferas cujos raios estariam
relacionados, comecando por esferas com raios cujas
medidas pudessem ser feitas com facilidade. Assim,
o calculo dos volumes comeca por relacionar geometricamente volumes de esferas em ordem crescente de
tamanho, partindo de uma esfera de raio igual a um
dedo5 ate uma esfera de raio igual ao raio do mundo de
Aristarco.
A demonstrac~ao e feita a partir de um procedimento
basico desenvolvido mediante a aplicac~ao repetida de
uma relac~ao entre os volumes de duas esferas e seus
raios, dada pelo teorema ja conhecido na epoca:
V1 R13
=
V2 R23
(1)
onde R1 e o raio da esfera de volume V1 e R2 e o raio
da esfera de volume V2 .
Alem desta relac~ao basica, Arquimedes utiliza alguns elementos cujo conhecimento previo e necessario
para o desenvolvimento dos calculos por ele elaborados.
Estes elementos se constituem em teoremas relativos a
crculos e polgonos ja demonstrados por ele anteriormente em outras obras, medidas astron^omicas realizadas por ele mesmo e medidas e relac~oes entre grandezas
astron^omicas estabelecidas por outros estudiosos. Assim, e necessario enumerar:
1. Relac~ao entre o di^ametro do Sol e da Terra
De Aristarco [4], considerando que DS e DT s~ao
respectivamente os di^ametros verdadeiros do Sol e da
Terra, Arquimedes adota
DS 30DT
(2)
2. Permetro da circunfer^encia da Terra
Apesar do calculo feito por Eratostenes6 (c. 276196 a.C.), obtendo para o permetro da circunfer^encia
da Terra o valor de 250.000 estadios7 ja ser do conhecimento dos estudiosos da epoca, Arquimedes adota
4 Aristarco foi quem primeiro armou que a Terra girava ao redor do Sol, quase dois mil anos antes do astr^
onomo polon^es Nicolau
Copernico (1473-1543) publicar sua obra Sobre a Revoluc~ao dos Corpos Celestes. Sua crenca na Teoria Helioc^entrica e conhecida
somente atraves dos escritos de Arquimedes, uma vez que nenhum de seus tratados sobre o assunto foi conservado. A unica obra de
Aristarco que sobreviveu foi Sobre as Dimens~oes e Dist^ancias do Sol e da Lua, onde descreve um metodo para estimar a dist^ancia
relativa do Sol e da Lua a partir da Terra. Embora seu metodo estivesse essencialmente correto, suas estimativas n~ao foram corretas
devido, sobretudo, a falta de instrumentos precisos. Ver refer^encia [4].
5 Provavelmente o equivalente da polegada moderna.
6 Matem
atico, astr^onomo, geografo e poeta grego, que mediu a circunfer^encia da Terra com extraordinaria precis~ao pela determinac~ao
astron^omica da diferenca de latitude entre as cidades de Syene, hoje Asw
aon, e Alexandria, no Egito: sua medida foi 15% maior do que
o valor hoje aceito.
7 O est
adio e uma antiga unidade grega de dist^ancia igual a dist^ancia entre as linhas de partida e de chegada da pista de corrida de
fundos do estadio de Olmpia e que media aproximadamente 194 metros.
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um valor, exageradamente superior, de 3.000.000 de
estadios. O quer dizer que ele atribui o valor de
582.000 quil^ometros para a circunfer^encia da Terra8 .
Dessa forma, Arquimedes utilizou o valor abaixo para
o permetro da circunfer^encia da Terra,
PT
3:000:000 estadios
DT
1:000:000 estadios
(4)
4. Di^ametro do Sol
Por meio de uma deduc~ao geometrica bem elaborada [3;5] ca demonstrado que o di^ametro verdadeiro
do Sol e maior que o lado de um polgono regular de
1.000 lados inscrito no crculo do Mundo:
DS > `1:000
(5)
5. Relac~ao geometrica
Outro teorema de Arquimedes estabelece que o
di^ametro de qualquer crculo e menor que o terco do
permetro de qualquer polgono regular inscrito neste
crculo e que tenha mais de seis lados
1
(6)
3
Portanto, utilizando a relac~ao (6) aplicada ao crculo
do mundo, tal que DM e PM s~ao respectivamente seus
di^ametro e permetro, e tendo em conta as relaco~es (2),
(3), (4) e (5) pode-se escrever:
D < P (> 6)
1
DM < PM (> 6)
3
1
3
)
)
DM < 1:000 30 1:000:000 estadios
(3)
3. Di^ametro da Terra
Os teoremas demonstrados por Arquimedes sobre o
crculo, que estabelece a raz~ao entre a circunfer^encia e
seu di^ametro, juntamente com o dado numerico de (3)
permitem escrever,
1
3
1
DM < 1:000 30DT
3
DM < 1:000 `1000 )
)
DM < 100 10:000 10:000
Donde pode-se escrever a seguinte relaca~o:
RM < 100 myriades de myriades de estadios
(7)
Finalmente Arquimedes deduz, a partir dos escritos de
Aristarco, a relac~ao nal:
raio da terra
raio do mundo
raio do mundo
raio da esfera das estrelas xas
(8)
Com estes dados Arquimedes p^ode calcular progressivamente as quantidades de gr~aos de areia contidas nas
esferas a partir de uma esfera de di^ametro previamente
escolhido ate o numero de gr~aos de areia contido na
esfera do mundo helioc^entrico.
II.4 O sistema num
erico de arquimedes
O numero 10.000 em grego era, como ja descrito, de
nominado de myriade e representado pela letra M ou .
Na seca~o II.1 foi tambem visto que, para Arquimedes,
os nomes dos numeros iam desde a unidade ate a myriade, sendo portanto possvel exprimir um numero com
clareza ate 10.000 myriades, o que, na nossa notac~ao
moderna de pot^encias de dez, daria 108 . No entanto,
estes numeros e esta representac~ao n~ao eram sucientes para o seu proposito, levando-o a propor um novo
sistema de numeros9 .
Inicialmente, Arquimendes considerou uma progress~ao geometrica de raz~ao igual a 10, denominada de
progress~ao decupla:
c
10o; 101 ; 102 ; 103 ; 104 ; 105 ; 106 ; 107 ; 108 ; 109 ; 1010 ; 1011 ; 1012 :::
Em seguida, a dividiu em classes de ordens constitudas, cada uma, por 8 numeros, as quais denominou de
oitavas: a primeira comecando do 1 ate 107 e denominada de numeros primeiros; a segunda de 108 ate 1015 ,
denominada de numeros segundos, e assim por diante e sucessivamente. Dessa forma, pode-se escrever:
100
108
1016
1024
...
1056
...
101
109
1017
1025
...
1057
...
102
1010
1018
1026
...
1058
...
8 O valor do permetro da Terra
9 Vide L'Arenaire em [3], p.365.
103
1011
1019
1027
...
1059
...
104
1012
1020
1028
...
1060
...
105
1013
1021
1029
...
1061
...
106
1014
1022
1030
...
1062
...
107
1015
1023
1031
...
1063
...
!
!
!
!
!
Numeros primeiros f1os g
Numeros segundos f2os g
Numeros terceiros f3os g
Numeros quartos f4os g
................
Numeros oitavos f8os g
................
calculado a partir do valor do raio igual a 6.370 km e de aproximadamente 40.000 km.
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No proximo passo Arquimedes denominou de
numeros da Primeira Serie os numeros que v~ao
da primeira oitava ate a (10:000 10:000)a oitava;
sequencialmente aos numeros da (10:000 10:000)a oitava da primeira serie iniciava-se a Segunda Serie.
Estas sequ^encias podem ser estendidas ilimitadamente.
A partir desta construc~ao, pode-se deduzir facilmente que o ultimo numero pertencente a ultima oitava
da primeira serie equivale a pot^encia 108 elevada a um
8
expoente igual a 108 ou (108 )(10) . Alem do fato de que
pode-se escrever:
100 e a unidade dos numeros f1os g = 1;
108 e a unidade dos numeros f2os g = 10.000 myri
ades = 10.000 ;
1016 e a unidade dos numeros f3os g = 10.000 e assim por diante [5]. Cada numero e expresso em
uma unidade que correspondera a um numero tradicional expresso em myriades. Este e o engenhoso sistema
numerico de Arquimedes.
a epoca. Ate hoje em dia ainda sobrevivem as unidades do tipo pes, polegadas, bracas, palmos. O dedo
ou polegada usado por Arquimedes e a largura de um
dedo polegar que, no caso presente foi estimado como
sendo de 2 cm. Assim, procedeu ao calculo dos gr~aos
por etapas.
Inicialmente Arquimedes estimou o numero de gr~aos
de areia contido em um gr~ao de papoula em no maximo
10.000 gr~aos de areia! Ora, a medida de um dedo equivale a 40 gr~aos de papoula colocados em leira. Portanto, o numero de gr~aos de areia contido na esfera de
di^ametro de um dedo sera:
Ngr~aos/1 dedo (40)3 10:000 = 64:107
Este numero ca entre 6 e 10 unidades de numeros
2os g. Portanto, o numero de gr~aos de areia contido
na esfera de di^ametro de 1 dedo pode ser escrito,
f
II.5 C
alculo dos gr~
aos de areia: A solu
c~
ao
Ngr~aos/1 dedo 10 f2os g
do problema
Uma vez denido o sistema numerico, Arquimedes iniciou os calculos apoiando-se sistematicamente na
relac~ao entre os volumes das esferas, que est~ao relacionadas como na express~ao (1). As unidades de medida
iniciais tomadas por ele podem parecer um tanto estranhas, porem, s~ao unidades em perfeito acordo com
(9)
Usando a formula (1), calculamos facilmente o numero
de gr~aos contidos nas esferas de volumes proporcionalmente maiores que as precedentes e cujo coeciente de
proporcionalidade e a raz~ao entre os di^ametros. Assim,
o numero de gr~aos contidos na esfera de di^ametro igual
a 100 dedos sera10 :
c
N100 dedos =
(100)
(1)3
3
N1 dedo
(1:000:000)10 2os = 1000 2os
d
ou seja11 ,
N100 dedos 1000 2
os
(10)
Igualmente,
N1000 dedos 1000 3os
3
R10000
dedos
3
R1000
V
dedos 1000 dedos
Por aplicac~oes sucessivas da express~ao (1) e usando as
express~oes (6), (7) e (8) chega-se nalmente a,
(11)
Em seguida passa-se ao calculo correspondente a esfera
de raio igual a 1 estadio12 , cuja raz~ao entre os volumes
e dada13 . Dessa forma, tem-se:
10 E
indiferente o uso do di^ametro ou do
11 Para localizar, na progress~
ao decupla,
V1 estadio < V10000 dedos =
Nestrelas xas 1000 8os
(12)
Este numero e uma estimativa do numero de gr~aos
de areia contido na esfera de raio igual a dist^ancia
Sol-Estrelas xas, e que, traduzido para a notac~ao de
raio, a raz~ao permanece a mesma.
o produto de dois numeros, Arquimedes lanca m~ao de uma propriedade fundamental deste
tipo de progress~ao: o produto de dois elementos desta progress~ao e igual a um outro elemento que estara localizado a uma posic~ao
relativa ao maior dos fatores, igual a posica~o do fator menor relativa ao primeiro termo.
12 1 est
adio 9.600 dedos.
13 Tendo em vista que as esferas s~
ao preenchidas homogeneamente com os gr~aos de areia, o numero de gr~aos numa esfera e proporcional
ao seu volume.
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pot^encias de dez, n~ao e superior14 a 1063 .
N = fnumero de unidades: de 1 ate 10.000 10.000 g f
unidade de uma dada enesima oitava da emesima serieg
Como pode ser facilmente visto na express~ao acima,
esta representac~ao se aplica a qualquer numero independente de sua magnitude, Dessa forma, Arquimedes
conclui seu trabalho apresentando uma maneira de representar os grandes numeros em sua epoca.
Apesar da genialidade de sua criac~ao, o sistema
de representac~ao numerica adotado pela maioria dos
astr^onomos da antiguidades n~ao foi o de Arquimedes,
mas sim aquele proposto por Apol^onio de Perga, como
dito anteriormente. Apol^onio exerceu uma grande inu^encia na Astronomia da epoca pela sua importante
contribuic~ao matematica e pelo fato de ter sido um dos
responsaveis pela introduc~ao dos epiciclos no estudo dos
movimentos dos planetas. Talvez seja esta uma possvel
explicac~ao para a prefer^encia de seu sistema ao inves
daquele proposto por Arquimedes.
III A hipotese dos grandes
numeros de Dirac
P.A.M. Dirac, fsico teorico ingl^es, estudou e desenvolveu seus trabalhos de pesquisa em Cambridge. Sua
contribuic~ao cientca foi toda voltada para o aperfeicoamento formal da Mec^anica Qu^antica. Sua maior
contribuic~ao, e que lhe valeu o pr^emio Nobel em 1933,
foi a previs~ao da exist^encia de uma partcula com massa
e spin iguais aos do eletron porem com carga positiva.
Das suas equac~oes nasceu a primeira antipartcula, detectada experimentalmente mais tarde e que recebeu o
nome de positron15 . As equac~oes descobertas por Dirac foram construdas para descrever o comportamento
do eletron relativista, cujos estados qu^anticos se distribuem em um espectro de energias que surpreendentemente revelou a exist^encia de estados de energia negativa! Dirac associou estes estados de energia negativa
aos estados qu^anticos de uma anti-partcula. Sua genialidade transformou uma enorme diculdade teorica
para a epoca em uma original e espantosa previs~ao.
Armado de sua habilidade para as quest~oes teoricas,
Dirac partiu em busca de uma explicac~ao racional para
a exist^encia de certas relac~oes entre constantes fundamentais da fsica moderna e da construc~ao de novos
numeros admensionais a partir destas. Partindo da
premissa de que n~ao se tratava de mera coincid^encia,
procurou uma interpretac~ao para os valores e as ordens
de grandeza desses numeros.
14 Todos estes n
umeros pertencem ainda a primeira serie.
15 Dirac postulou a exist^
encia do positron em 1928, o qual foi
III.1 N
umeros adimensionais que ocorrem naturalmente na f
sica
As constantes fundamentais da fsica, tais como a
constante de Planck, h, a massa do eletron, m, e a carga
do eletron, e, nos fornece um conjunto de unidades absolutas para medidas de dist^ancia, tempo, massa. No
entanto, existem muito mais dessas constantes do que e
necessario para aquele m, uma vez que ainda e possvel
construir, com a ajuda daqueles, outros numeros adimensionais que cumprem o mesmo proposito [6]. Estes
numeros t^em provocado o interesse de muitos pesquisadores que questionam o signicado da sua exist^encia e
tambem a raz~ao do aparecimento de um valor numerico
bem determinado, como por exemplo:
valor da raz~
ao entre as massas do proton e do
eletron = 1840 ou ainda
2
o inverso da constante de estrutura na, hc=e =
137.
Segundo Dirac [7], Arthur Eddington (1882-1944)
chegou a propor uma teoria para obter, por via dedutiva, todos estes numeros. No entanto, segundo ele,
a teoria de Eddington poderia ser, em princpio, correta, mas seus argumentos n~ao eram muito rigorosos.
Mais ainda, Dirac armava que a exist^encia de enormes
numeros adimensionais exigiria uma explicac~ao inteiramente original.
primeira vista este assunto sugere fortemente
A
tratar-se de uma preocupac~ao numerologica pitagorica.
um fato conhecido da historia da ci^encia que entre os
E
pitagoricos, cuja contribuic~ao a ci^encia foi fundamental
e inegavelmente decisiva para a construc~ao deste maravilhoso edifcio que e a ci^encia, os signicados msticos
dos numeros eram levados em alta consideraca~o. Por
exemplo, a tetractys - o numero 4, e a decada - o numero
10, gozavam de uma primordial posic~ao no conjunto dos
valores que, segundo eles, encerravam o conhecimento
dos segredos mais profundos do universo. Portanto, era
imperioso o estudo exaustivo destes numeros por todos
que aspirassem atingir o conhecimento daqueles segredos, e que uma vez conseguido, segundo os pitagoricos,
elevaria o estudioso ao mais sublime estado de felicidade.
Porem, Dirac e os que o seguiram na mesma linha
de raciocnio jamais estiveram motivados pela signicac~ao mstica dos numeros, mas sim decididos a encontrar alguma explicac~ao racional para a exist^encia destes
numeros e tambem pelos valores particulares que eles
apresentam.
Dessa forma, como exemplos de grandes numeros
dignos de nota pode-se citar:
A raz~
ao entre a forca de atrac~ao eletrica entre um
proton e um eletron e a forca de atrac~ao gravitacional
experimentalmente descoberto em 1932 pelo fsico norte-americano Carl
David Anderson (1905-1991), quem tambem conrmou experimentalmente a exist^encia do meson previsto pelo fsico japon^es Yukava
Hideki (1907-1981). Em 1933, Dirac dividiu o Pr^emio Nobel com o fsico austraco Erwin Schrodinger (1887-1961).
137
Jos
e Pl
nio Baptista e La
ercio Ferracioli
entre eles:
Feletrica
= 10
(13)
39
Fgravitacional
A idade atual do universo, quando expressa em
unidades at^omicas:
t 1039
(14)
O n
umero estimado de nucleons no universo atual,
que e dado pelo quociente entre o valor da massa total
do universo e o valor da massa do proton,
Massa.total.do.universo
Nnucleons =
massa.do.proton
'
4
3
R3 (15)
mp
sendo R = 9:10 cm e = 2:10
g/cm e mp =
1; 67:10 24 g, valores fornecidos pelo chamado modelo
cosmologico padr~ao. Obtem-se,
27
29
Nnucleons 3:1079protons
3
(16)
III.2 A hip
otese dos grandes n
umeros
Para Dirac [7] a igualdade das ordens de grandeza
dos numeros expressos em (13) e (14) n~ao se trata de
uma mera coincid^encia, mas tem um signicado especco.
A ideia basica de Dirac e que estes numeros devem estar ligados com o par^ametro t, a idade atual do
universo, e que a raz~ao entre as forcas eletrica e gravitacional tem esta magnitude agora. Em outro momento este valor seria diferente do atual. Ent~ao, segundo o raciocnio de Dirac, a express~ao (13) caracteriza a epoca presente de um modo natural, independente dos padr~oes estabelecidos pelo homem.
Dessa forma, os grandes numeros adimensionais da
fsica estariam intimamente conectados com a idade do
universo expressa em unidades at^omicas16 , e, por conseguinte, variam conforme a variac~ao de t. De um modo
geral, de acordo com Dirac [7], pode-se escrever,
(1039 )n
tn
(17)
V^e-se que o numero adimensional expresso por (16),
isto e, o numero total de nucleons do universo atual, satisfaz a relaca~o (17) para n = 2;
1079 t2
(18)
Todavia, nem todos os grandes numeros satisfazem ao que arma esta hipotese. Por exemplo, o raio
maximo do universo fornecido por um modelo cosmologico pulsante independe da epoca atual e, portanto, n~ao esta includo na Hipotese dos Grandes
Numeros de Dirac. Por outro lado, uma vez adotada
a Hipotese dos Grandes Numeros, este modelo, por
ser incompatvel com a hipotese, deve ser desconsiderado como um modelo possvel. Em outras palavras, a
Hipotese dos Grandes Numeros imp~oe severas restric~oes
aos modelos de universos permitidos.
III.3 Conseq
u^
encias f
sicas da hip
otese
dos grandes n
umeros - HGN [7]
III.3.1 Criac~ao de materia
Tendo-se em conta a express~ao (18), deve-se concluir
que a HGN aponta para o fato de que o numero de nucleons no universo cresce com o quadrado do tempo,
colocando em 'cheque' o princpio da Conservaca~o da
Materia, condic~ao comum a quase todas as teorias
fsicas. A unica teoria compatvel com esta imposic~ao
do HGN e a chamada Teoria do Estado Estacionario
proposta por Hoyle & Narlikar17 , a qual revelou-se posteriormente em desacordo com a observac~ao.
Dirac [7], [8], especulando sobre as consequ^encias
destas conclus~oes, conclui pela exist^encia de dois tipos
de criac~ao de materia:
cria
c~ao aditiva: os nucleons seriam criados uniformemente pelo espaco, principalmente no espaco intergalactico;
cria
c~ao multiplicativa: atraves de algum processo
semelhante a radioactividade onde a taxa de criaca~o de
nucleons seria proporcional a quantidade de nucleons ja
existentes 18 ,19 .
III.3.2. A constante de gravitac~ao Newtoniana G
A raz~ao entre as forcas eletrica e gravitacional entre
um proton e um eletron, como foi visto, e um numero
adimensional da ordem de 1039 , o qual, de acordo com
a HGN,
e2
GMp me
t
(19)
Portanto, admitindo-se que tanto a carga elementar
e quanto as massas do proton e do eletron s~ao verdadeiramente constantes20 , a HGN prev^e que:
16 A express~
ao dada por 137 2mhe c3 tem a dimens~ao de tempo. Nesta, h e a constante de Planck, me e a massa do eletron e c
e a velocidade da luz. Como s~ao constantes at^omicas, o valor desta express~ao e tomado como unidade at^omica de tempo. O valor
aproximado deste tempo e ta 10 20 segundos.
17 Ver refer^
encias e discuss~ao detalhada desta teoria em Weinberg [10].
18 Mesmo para grandes cientistas a especula
c~ao exagerada conduz a situac~oes bizarras. Dirac, com o intuito de tornar a sua teoria
criacionista compatvel com o princpio da conservac~ao da materia ja incorporado em todas as teorias fsicas modernas, sup^os que a
criac~ao de nucleons prevista pela HGN, provocaria criaca~o simult^anea, e a mesma taxa, de antimateria, inobservavel.
19 A cria
c~ao multiplicativa sugere, segundo alguns interpretes das ideias de Dirac, uma possvel alterac~ao na proporc~ao de isotopos
entre os elementos naturais. Vide [9].
20 Sobre possveis varia
co~es das constantes fundamentais ver tambem [9] mais adiante.
138
Revista Brasileira de Ensino de F
sica, vol. 23, no. 1, Mar
co, 2001
Gt
(20)
Ou seja, de acordo com a HGN, a constante da gravitac~ao universal n~ao e uma verdadeira constante mas
uma quantidade que varia com o tempo.
1
III.3.2.1 Conseq
u^encias da variac~ao da constante
de gravitac~ao G
O fato de que G varia como t 1 aponta para a
exist^encia de um efeito `acelerativo' na expans~ao do
universo descrita sob a perspectiva de uma teoria de
gravitac~ao newtoniana. Isto se deve ao fato de que G
teria um valor extremamente alto nos instantes iniciais do Big-Bang para em seguida diminuir rapidamente
com o tempo.
Ora, a ac~ao gravitacional que normalmente atua
como um freio a expans~ao seria intensamente atuante
no comeco e fracamente no futuro; este fato produz um
efeito dela se processar cada vez mais livre a medida que
mesma epoca, a expans~ao do universo
o tempo ui. A
descrita pelas teorias tradicionais seria diferente: a expans~ao se processaria com menos rapidez, enquanto que
no presente caso, com G variavel, a expans~ao se daria a
uma taxa comparativamente maior, causando o efeito
acima denominado de acelerativo.
Outra consequ^encia notavel e a tend^encia que teria
o universo de se dissipar em poeira com o `desmanchar'
de todos os aglomerados de materia, pois a velocidade
de escape,
Vescape =
r
2GM
r
(21)
importante par^ametro associado ao processo de evaporac~ao nos aglomerados, tenderia para zero! Mais
ainda, alem da variac~ao da velocidade de escape, as
dimens~oes das orbitas planetarias e lunares, por ac~ao
do mesmo fator, sofreriam alterac~oes.
Como pode ser visto, as consequ^encias que decorrem da HGN s~ao muito importantes e de grande impacto, principalmente a que toca a n~ao-conservaca~o da
materia. O Princpio da Conservac~ao da Energia e uma
das pecas mestras da fsica e so um pesquisador genial como Dirac, com sua autoridade, poderia especular sobre uma possvel violac~ao deste princpio. As teorias subsequentes, elaboradas nesta linha de G variavel,
mantem-se estritamente dentro da ortodoxia, como veremos mais adiante.
III.4 Teorias propostas com a variabilidade de G
Segundo o proprio Dirac [7], [8], a HGN imp~oe um
severo e rigoroso criterio de selec~ao de modelos cosmologicos possveis. Mas os modelos que sobrevivem a
restric~ao imposta pela hipotese s~ao essencialmente modelos estaticos. Isto vai de encontro a interpretac~ao
21 Notar
que
GE
1
na Eq. (20).
moderna, e geralmente aceita, do deslocamento para
o vermelho das galaxias, segundo a qual elas estariam
animadas de grandes velocidades de recess~ao.
Todavia, uma consequ^encia direta das reex~oes de
Dirac a respeito dos grandes numeros foi o surgimento
de outros enfoques relativos a mesma quest~ao. Assim,
pode-se obter a massa do meson pion, a partir das constantes at^omicas e cosmologicas G; h; c e H0 , a constante
de Hubble:
h2 H 1=3
Gc
0
'
m (m e a massa do meson pion)
(22)
possvel mostrar que a express~ao acima e equiE
valente a express~ao (19) substituindo h por e2 =c e
m2e=3 m1p=3 em lugar de m . Ou seja, a hipotese de
que estas relac~oes ocorram n~ao somente devido a microfsica mas, tambem, devido a interfer^encia cosmica
e ainda aqui resguardada, admitindo, no entanto, outra
interpretac~ao, distinta da apresentada por Dirac:
as massas inerciais das partculas elementares n~ao s~ao mais constantes, porem, variam
em func~ao de ac~oes cosmicas! 21 [10]
Ou seja, esta nova maneira de ver estas relac~oes
envolvendo constantes at^omicas fundamentais e o
par^ametro de Hubble conduz, de uma maneira quase
natural, a uma explicac~ao machiana [11] para a massa
inercial das partculas elementares!
Com respeito a Eq. (22), as palavras de Weinberg
[10] s~ao esclarecedoras:
Considerando possveis interpretac~oes da
Eq. (22), devemos ser cuidadosos de
distingui-la de outras `coincid^encias'. A
Eq. (22) relaciona um unico par^ametro
cosmologico H0 com as constantes fundamentais G; h; c e m e isto e inexplicavel!
E claro que nos somos perfeitamente livres
de ver a Eq. (22) como uma coincid^encia
numerica sem signicado, mas devemos notar que esta combinac~ao peculiar fornece um
valor muito proximo do valor da massa de
uma partcula elementar tpica, fato que n~ao
ocorre com outras combinac~oes aleatorias
destas constantes.
Este novo enfoque favoreceu o aparecimento de novas teorias de gravitaca~o e modelos cosmologicos generalizando a teoria da gravitac~ao einsteniana, sem o inconveniente da violac~ao do princpio da conservac~ao da
materia. Alem do mais, como decorre das considerac~oes
acima, este g^enero de teoria se revelou compatvel com
139
Jos
e Pl
nio Baptista e La
ercio Ferracioli
o conhecido Princpio de Mach que atribui a inercia da
materia a interac~ao com a materia cosmica [11].
A teoria que teve maior sucesso nesta direc~ao foi a
teoria de gravitac~ao de Brans-Dicke, na qual G e assimilado a um campo escalar que seria o intermediario
da interac~ao cosmica [10]. Esta teoria adota, alem dos
potenciais de gravitac~ao previstos pela relatividade geral, e que em casos de alta simetria se restringem a
dois, mais um potencial de gravitac~ao representado pelo
campo , controlado por equac~oes propostas pela teoria. Estas equac~oes se comp~oem de equac~oes classicas
para os potenciais de gravitac~ao einsteinianos e de uma
equac~ao especca para o potencial escalar .
A inu^encia da variabilidade de G na expans~ao cosmologica mencionada acima e preservada e aqui representada pela intensidade do campo escalar : quanto
mais intenso for este campo em dada epoca, menor e
a ac~ao freiadora da gravitac~ao, ocorrendo, assim, o tal
efeito acelerativo.
Uma teoria de gravitac~ao ainda caracterizada como
newtoniana, mas com G variavel, foi proposta por McVittie [12] e o estudo da estabilidade de um modelo
cosmologico original baseado nesta teoria foi elaborado
por Baptista et al. [13]. Entretanto, estas tentativas
se revelaram apenas como bons exerccios teoricos, pois
o desempenho das mesmas e, na melhor das hipoteses,
igual ao das teorias a G variavel, ou a potencial escalar,
ja propostas.
Pode-se dizer, dessa forma, que a curiosa interpretac~ao dada por Dirac a exist^encia dos grandes
numeros se revelou, em ultima analise, extremamente
fecunda. Alem de ter induzido a elaborac~ao de teorias que generalizam a propria teoria da relatividade
geral, permitiu ainda generalizac~oes destas ultimas sob
forma de propostas de teorias multidimensionais que se
revelaram muito promissoras para solucionar o grande
problema do momento: a quanticac~ao do campo de
gravitac~ao.
IV Uma comparac~ao nal
interessante registrar um espantoso resultado nesE
tes calculos. As ordens de grandeza do numero total
de gr~aos de areia na esfera de Aristarco (RA ) e do
numero total de nucleons no universo visvel (R) s~ao
muito proximas, o que e bastante curioso. Haveria algum signicado profundo para este fato?
Para que se possa ter uma ideia mais precisa de
qu~ao espantoso e este fato, sera necessario expressar
estes resultados sob formas que permitam a sua comparac~ao. Em outras palavras, os resultados nais dos
calculos poder~ao ser expressos em gr~aos de areia ou
em numero de nucleons. Por outro lado, para se tentar compreender as raz~oes para este curioso resultado
e necessario examinar e analisar o desenvolvimento dos
calculos. Inicialmente poder~ao ser comparadas as densidades numericas de gr~aos de areia e de nucleons.
Da Eq. (9) tem-se que o numero de gr~aos de areia
por cm3 sera da ordem de:
nga = Ngr~aos de areia/cm3 108
(23)
e da Eq. (15), juntamente com os dados subsequentes,
v^e-se que o numero de nucleons por cm3 sera da ordem
de:
nn = Nnucleons/cm3
10
5
(24)
Da Eq. (8) pode-se calcular o raio da esfera de Aristarco em centmetros,
RA 1018 cm
(15)
e dos dados fornecidos pelo modelo padr~ao a ordem de
grandeza do raio do universo visvel e
R 1028 cm
(26)
Portanto, o numero total de gr~aos de areia fornecido
pela formula (12) pode ser expresso agora em func~ao da
densidade numerica,
nga :RA3 1062
(27)
e, semelhantemente para o numero total de nucleons
nn R3 1079
(28)
Ou seja, as ordens de grandezas anteriormente escritas s~ao expressas agora em func~ao das densidades
numericas. Este resultado mostra que a proximidade
das ordens de grandezas mostradas em (27) e (28) decorre do fato de que a grande diferenca entre as densidades e compensada pela grande diferenca entre os
raios R e RA , o que signica que tudo n~ao passa de
uma simples coincid^encia!
Por outro lado, adotando-se o valor de 10 7 g para
a massa de um gr~ao de areia [14], o numero de nucleons
contidos num gr~ao de areia pode ser estimado como
c
Nnucleons/gr~ao de areia massa de um gr~ao de areia
10
=
massa de um proton
10
7
24
= 1017
(29)
140
Revista Brasileira de Ensino de F
sica, vol. 23, no. 1, Mar
co, 2001
Assim e possvel expressar a Eq. (27) usando a densidade numerica equivalente em nucleons
Nga :RA3 1079 nucleons
(30)
Ent~ao, o numero de nucleons na esfera de Aristarco
e da mesma ordem de grandeza que a ordem do numero
de nucleons na esfera do universo atual. A coincid^encia
neste caso e ainda mais espantosa!
V
Conclus~ao
Foi visto o tratamento dado a quest~ao dos grandes
numeros por dois pensadores de grande express~ao cientca: Arquimedes e Dirac. O que se encontra de comum nos dois trabalhos n~ao e somente o fato de ambos
terem abordado o mesmo tema, mas tambem a grande
e fecunda criatividade demonstrada nos trabalhos.
De um lado Arquimedes, que, alem de demonstrar
seu talento, apresenta seu testemunho a respeito do sistema helioc^entrico, proposto primeiramente por Aristarco e n~ao referenciado por Copernico em sua obra
maxima. No trabalho O Contador de Areia, no qual
e baseado parte deste artigo, verica-se que seu talento e mais amplo do que se julga a princpio, pois
a encontra-se a descric~ao de dispositivos mec^anicos
concebidos e construdos especicamente por ele para
extraordinaria esta haobservac~oes astron^omicas. E
bilidade de um matematico grego, herdeiro de uma
tradic~ao plat^onica que abominava qualquer dispositivo
mec^anico na soluc~ao de problemas matematicos.
De outro lado tem-se o g^enio do cientista ingl^es
que ousa propor hipoteses revolucionarias e delas tira
grande proveito no sentido de provocar o aparecimento
de novssimas teorias de gravitac~ao, abrindo possibilidades para soluc~oes de problemas que desaam os cientistas contempor^aneos, que e a unicac~ao dos campos
e a quanticac~ao do campo de gravitac~ao.
Agradecimentos
Este trabalho foi nanciado parcialmente pelo
CNPq, CAPES e pelo FACITEC/CMT/PMV - Fundo
de Apoio a Ci^encia e Tecnologia do Conselho Municipal
de Ci^encia e Tecnologia do Municpio de Vitoria, ES.
Gostaramos de agradecer ao bolsista Fernando Sonegheti De Mingo pela construc~ao dos caracteres gregos da
antiguidade.
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Relativity
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