Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas - CCET UNIOESTE- CASCAVEL XXV Semana Acadêmica da Matemática - 15 a 19 de Agosto de 2011 Números Primos e o Crivo de Erastótenes Profa. Raquel Lehrer 1. O que é um número primo? Um número p ∈ N é denominado primo, se p > 1 e se seus únicos divisores naturais são p e 1. Indicamos por P = {p ∈ N|p primo} , o conjunto de todos os números primos. Um número n > 1 é dito composto se ele não é primo. Assim, n é composto, se existem r, s ∈ N, 1 < s ≤ r < n com n = rs. Tarefa 1: Quais os números primos que você conhece? 2. Por que o nome primo ? Muitas pessoas acham que a palavra primo - para denotar os números primos - está associada a alguma analogia de parentesco. Como veremos, isso é totalmente falso. Esse ”primo” refere-se à ideia de primeiro, e tem sua origem numa velha concepção numérica dos pitagóricos. A noção de número primo foi, muito provavelmente, introduzida por Pythagoras, 530 a.C., sendo que a mesma desempenhou um papel central tanto na matemática como no misticismo pitagórico. A escola pitagórica dava grande importância ao número um, que era chamada de unidade (em grego: monad). Os demais números inteiros naturais - 2, 3, 4, etc tinham um caráter subalterno, sendo vistos como meras multiplicidades geradas pela unidade e por isso recebiam a denominação número (em grego: 1 arithmós). Era como se tivéssemos uma famı́lia, onde a mãe era a monad ( unidade ) e os filhos os arithmói ( os números ). Entre os pitagóricos, a preocupação com a geração dos números não parava aı́. Já o próprio Pythagoras teria atinado que existem dois tipos de arithmói: a) os protoi arithmói ( números primários ou primos ) que são aqueles que não podem ser gerados - via multiplicação - por outros arithmói, como é o caso de 2, 3, 5, 7, 11, ... b) os deuterói arithmói ( números secundários ) que são os que podem ser gerados por outros arithmói, como é o caso de 4 = 2.2, 6 = 2.3, 8 = 2.4, 9 = 3.3, etc. Assim, os primeiros matemáticos gregos dividiam o que hoje chamamos de números inteiros naturais em três classes: a) a monad ( ou unidade, ou 1 ) b) os protói arithmói ( números primos ) ou asynthetói arithmói ( números incompostos ):2, 3, 5, 7, 11, etc. c) os deuterói arithmói ( números secundários ) ou synthetói arithmói ( números compostos ):4, 6, 8, 9, 10, etc. Entre os gregos, principalmente entre gregos pitagóricos de várias gerações depois de Pythagoras, surgiram outras denominações para os números primos, como: retilı́neos, lineares e eutimétricos. Contudo, elas tiveram uso muito restrito e cairam no desuso. Acima, dissemos que ”a noção de número primo foi, muito provavelmente, introduzida por Pythagoras”. Com efeito, é impossı́vel ter completa segurança nessa atribuição, pois Pythagoras não deixou nenhum escrito e os documentos mais antigos que temos falando de suas ideias resumem-se a pequenos fragmentos de textos escritos várias gerações depois dele. Contudo, esses fragmentos, apesar de conterem muito escassas informações, são unânimes em afirmar que Pythagoras iniciou o estudo dos números primos. O mais antigo livro de matemática que chegou completo aos nossos tempos e que desenvolve sistematicamente o estudo dos números primos é o Elementos de Euclides (300 a.C.). Como é sabido, Euclides seguiu muito de perto a orientação matemática dos pitagóricos. Assim, não é surpreendente que, no capı́tulo em que trata da Teoria dos Números, ele defina número primo de um modo absolutamente compatı́vel com as idéias 2 pitagóricas expostas acima. Com efeito ( Elementos, VII, def.11 , na versão de Heath ): Número primo é todo aquele que só pode ser medido através da unidade. A Arithmetiké do grego Nikomachos,( 100 d.C.), é o mais antigo livro de Teoria dos Números, posterior ao Elementos de Euclides, que chegou até nossos dias. Trata-se de uma visão filosófica e letrada do Elementos, sendo que não há uma única demonstração entre os poucos tópicos abordados. Apesar disso, teve grande repercussão na época e foi a base do primeiro livro em latim que se escreveu sobre Teoria dos Números: o De Institutione Arithmetica, do romano Boethius ( 500 d.C.). No livro de Boethius é onde aparece, pela primeira vez, a denominação numerus primus como tradução da tradicional protós arithmós preservada de Euclides por Nikomachos. Ademais, Boethius, sempre seguindo Nikomachos, usa a velha classificação pitagórica dos números naturais: primos ou incompostos versus secundários ou compostos. O Livro de Boethius foi, durante cerca de seiscentos anos, a única fonte de estudos de Teoria dos Números disponı́vel na Idade Média. Em torno de 1 200 d.C. iniciou-se o renascimento cientı́fico e matemático do Mundo Cristão, com o afluxo das obras árabes e a tradução das obras gregas preservadas no Mundo Islamita. É dessa época um dos mais influentes livros de todos os tempos: o Liber Abacci, de Fibonacci. Esse grande matemático, que havia estudado entre os muçulmanos do Norte da África, dizia que acha melhor dizer primus em vez do incomposto preferido pelos árabes e outras pessoas. Ficou assim, definitivamente, consagrada a denominação número primo na Europa Cristã. 3. O Teorema Fundamental da Aritmética Todo número 1 < n ∈ N pode ser escrito de maneira única como o produto finito de primos, isto é, existem p1 , p2 , ..., Pr ∈ P tais que n = p1 p2 ...pr . Exemplos: 6 = 2.3 , 50 = 2.5.5 , 273 = 3.7.13, etc. Tarefa 2: Como você escreveria como decomposição de primos os números 231, 527 e 323 ? 3 4. Estimativas sobre quantidades de primos Teorema(Euclides): O conjunto P dos números primos é infinito. Demonstração: Suponhamos que P = {p1 , p2 , p3 , ..., pr } fosse um conjunto finito. Consideremos o número natural n = p1 · p2 · ... · pr + 1. Pelo Teorema Fundamental da Aritmética, este n > 1 é divisı́vel por algum primo q. Pela suposição, q = pk para algum k ∈ {1, 2, ..., r}. Mas daı́ segue que q divide 1, o que é um absurdo. Logo, nenhum conjunto finito pode abranger todos os primos. Teorema(Tchebychef ): Para 2 ≤ m ∈ N temos que sempre existe um primo p com m < p < 2m. Definição: Um par de números (p, p + 2) é denominado um gêmeo de primos se ambos p e p + 2 são primos. Exemplos: (3, 5), (5, 7), (11, 13), (17, 19), (29, 31)... Observação: É desconhecido se existe uma quantidade infinita de gêmeos primos. 5. Por que números primos são tão importantes? Você sabe para que servem os números primos ? Por que estudamos e às vezes damos tanta ênfase a esse assunto ? Será que a sua aplicação está apenas no âmbito da própria matemática ? Quando você manda uma mensagem ou coloca uma senha de banco na Internet, você sabia que são os números primos que garantem a sua segurança ? Não ? Então vamos por partes. A criptografia trata-se do sistema que protege transações pela internet. Criptografia (kriptós= escondido, oculto, grápho= grafia) : é a arte ou ciência de escrever em cifra ou em códigos, de forma a permitir que somente o destinatário a decifre e compreenda. A codificação é feita usando números primos grandes que, mesmo com os computadores atuais, levariam séculos para serem descobertos. Então, só quem tem a chave pode decodificá-lo. Números compostos por primos razoavelmente grandes podem proteger sistemas de senhas, pois a tarefa de decompô-los empregando métodos braçais e mesmo computacionais é quase impossı́vel. É de longa data o fascı́nio pelos números primos. O tema sempre instigou os matemáticos, como vimos. Temos uma proposição célebre, a Conjectura de Goldbach de 1742: 4 Todo número par n > 4 é a soma de dois primos ı́mpares. Vamos pensar sobre isso, então: 20 = 13+7 e 100 = 53+47 . Tarefa 3: Que outros números pares você é capaz de encontrar que podem ser escritos como soma de dois números primos ı́mpares ? Para facilitar um pouco sua tarefa, vamos utilizar o Crivo de Eratóstenes. Eratóstenes (285 a.C. 194 a.C)foi um matemático, gramático, poeta, bibliotecário e astrônomo da Grécia Antiga. Nasceu em Cirene, Grécia, e morreu em Alexandria. Estudou em Cirene, em Atenas e em Alexandria. Os contemporâneos chamavam-no de ”Beta”porque o consideravam o segundo melhor do mundo em vários aspectos. O Crivo de Eratóteles é um algoritmo e um método simples e prático para encontrar números primos até um certo valor limite. Para exemplificálo, vamos determinar a lista de números primos entre 1 e 200. Inicialmente, determina-se o maior número primo a ser checado. Ele corresponde à raiz quadrada do valor limite, arredondado para baixo. No √ caso, 200 ∼ = 14, 14, arredondada para baixo, é 13. O primeiro primo número primo da lista 2, portanto, circule-o. Risque todos os números pares até o final da lista. O próximo número da lista é 3, que é primo. Circule-o, e risque todos os seus múltiplos até o final da lista. O próximo número, 5, também é primo; circule-o e risque todos os seus múltiplos. Continue assim até chegar no número 13, o último primo a ser checado. 5 1 11 21 31 41 51 61 71 81 91 101 111 121 131 141 151 161 171 181 191 2 12 22 32 42 52 62 72 82 92 102 112 122 132 142 152 162 172 182 192 3 13 23 33 43 53 63 73 83 93 103 113 123 133 143 153 163 173 183 193 4 14 24 34 44 54 64 74 84 94 104 114 124 134 144 154 164 174 184 194 5 15 25 35 45 55 65 75 85 95 105 115 125 135 145 155 165 175 185 195 6 16 26 36 46 56 66 76 86 96 106 116 126 136 146 156 166 176 186 196 7 17 27 37 47 57 67 77 87 97 107 117 127 137 147 157 167 177 187 197 Números primos entre 1 e 200: 6 8 18 28 38 48 58 68 78 88 98 108 118 128 138 148 158 168 178 188 198 9 19 29 39 49 59 69 79 89 99 109 119 129 139 149 159 169 179 189 199 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130 140 150 160 170 180 190 200 Tarefa 4: Agora, encontre como seriam escritos os números pares entre 5 e 200 como soma de dois números primos ı́mpares. Fontes: - Programa Gestão da Aprendizagem Escolar - Gestar II, Matemática: Caderno do Formador. Brası́lia: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008. - Teoria dos Números - Texto de Aula, Professor Rudolf R. Maier - Universidade de Brası́lia - Departamento de Matemática - IE - 2001. - http://athena.mat.ufrgs.br/ portosil/histo2.html 7