Departamento de Matemática INTRODUÇÃO À ANÁLISE E FUNÇÃO ZETA DE RIEMANN Aluno: Pietro Ribeiro Pepe Orientador: Luca Scala Introdução à Análise O objetivo principal do projeto foi, durante o primeiro semestre, adquirir base matemática adiantando o curso de Introdução à Análise, que abordou entre outros tópicos: topologia da reta, limites e convergência de sequências e séries numéricas, Teorema de Bolzano-Weierstrass, Teorema do Valor Intermediário e continuidade uniforme. Algumas noções matemáticas, assim como a adaptação ao raciocínio indutivo e dedutivo, são essenciais para qualquer estudo mais aprofundado e melhor compreensão dos problemas de mais alto nível. Um pouco de análise complexa, como representações de números complexos, foi estudado em adição ao conteúdo de introdução à análise. Abaixo serão abordados alguns dos tópicos vistos ao longo do projeto, de forma a elucidar um pouco sua extensão. Estudo da função zeta Como continuação, foi estudada a função zeta de Riemann e sua origem. Tal função é de grande importância na matemática, relacionada à distribuição dos números primos e com dúvidas que perduram até os dias de hoje, como a conjectura denominada hipótese de Riemann. A hipótese de Riemann sobre os números primos é de tal importância que tem intrigado os matemáticos há mais de 150 anos. A hipótese é um dos poucos problemas não resolvidos do programa de Hilbert e é tão difícil que em 2000 o Clay Mathematics Institute ofereceu um prêmio de 1 milhão de dólares a quem prová-lo, juntamente a outros problemas, como a questão “N versus NP”. ∞ 1 ζ(z) = ∑ 𝑧 𝑛 𝑛=1 A função zeta (ζ) de Riemann desempenha um papel muito importante em várias áreas de pesquisa moderna. Na Física Teórica aparece em problemas de regularização de determinantes infinitos que surgem em Teoria de Campos; e, também, em alguns trabalhos teóricos sobre o importante fenômeno da supercondutividade. De relevante importância para o estudo dos números primos, a função zeta de Riemann invariavelmente ocupa amplo espaço em qualquer texto sobre a Teoria dos Números. Sua relação com outras funções especiais também lhe reserva uma posição importante na Teoria das Funções. 𝟏 Convergência da série ∑∞ 𝒏=𝟏 𝒏𝒛 1 1 Tentamos ver se a série ∑ 𝑛𝑧 converge absolutamente, ou seja, se ∑ |𝑛𝑧 | converge, e se sim, para quais valores. Substituindo 𝑛 𝑧 = 𝑒 𝑧.log(𝑛) , podemos escrever nossa série como: Departamento de Matemática ∞ ∞ 𝑛=1 𝑛=1 1 ∑ | 𝑧 | = ∑|𝑒 −𝑧.log(𝑛) | 𝑛 Desenvolvendo |𝑒 𝑧 | temos: |𝑒 𝑧 | = |𝑒 𝑎 . 𝑒 𝑏𝑖 | Pela fórmula de Euler (𝑒 𝑥𝑖 = cos(𝑥) + 𝑖𝑠𝑒𝑛(𝑥), 𝑝𝑎𝑟𝑎𝑥𝑟𝑒𝑎𝑙): |𝑒 𝑧 | = |𝑒 𝑎 (cos(𝑏) + 𝑖𝑠𝑒𝑛(𝑏))| |𝑒 𝑧 | |𝑒 𝑧 | = |𝑒 𝑎 |√cos²(𝑏) + 𝑠𝑒𝑛²(𝑏) = 𝑒 = 𝑒 𝑅𝑒(𝑧) , 𝑠𝑒𝑛𝑑𝑜𝑅𝑒(𝑧)𝑎𝑝𝑎𝑟𝑡𝑒𝑟𝑒𝑎𝑙𝑑𝑒𝑧 Ou seja: 𝑎 ∞ ∑|𝑒 ∞ −𝑧.log(𝑛) | = ∑ 𝑒 −𝑅𝑒(𝑧 log(𝑛)) 𝑛=1 𝑛=1 Desenvolvendo a parte real do expoente temos: 𝑅𝑒(𝑧 log(𝑛)) = 𝑅𝑒((𝑎 + 𝑏𝑖)log(𝑛)) = 𝑅𝑒(𝑎. 𝑙𝑜𝑔(𝑛) + 𝑏𝑖. 𝑙𝑜𝑔(𝑛)) = 𝑅𝑒(𝑧). log(𝑛) Logo: ∞ ∑𝑒 ∞ −𝑅𝑒(𝑧 log(𝑛)) 𝑛=1 = ∑𝑒 𝑛=1 ∞ −𝑅𝑒(𝑧) log(𝑛) =∑ 𝑛=1 1 𝑛𝑅𝑒(𝑧) Vemos que para Re(z) > 1, temos uma série sub-harmônica, que por sua vez converge absolutamente. Ora, se a série converge absolutamente, então podemos dizer que ela converge; A função zeta e os números primos Um dos tópicos abordados foi, como dito anteriormente, a relação da função zeta com os números primos, a qual será sucintamente mostrada abaixo. Uma das formas de mostrar tal relação começa com o “crivo de Eratóstenes”. Eratóstenes desenvolveu esse algoritmo para encontrar os números primos. Ele funciona de tal maneira: Em primeiro lugar listamos todos os números inteiros, começando com 2. Percorremos todos os números em ordem crescente, e para cada número encontrado riscamos todos os múltiplos, tirando ele próprio, da lista. Assim os números restantes (aqueles que não foram riscados) da lista são todos primos. Com o algoritmo já conhecido, o aplicaremos, de forma semelhante, à função zeta: ζ(z) = 1 + Multiplicamos 1 2𝑧 1 1 1 1 1 + + + + +⋯ 2𝑧 3𝑧 4𝑧 5𝑧 6𝑧 por ζ(z): 1 1 1 1 1 1 ζ(z) = 𝑧 + 𝑧 + 𝑧 + 𝑧 + 𝑧 + ⋯ 𝑧 2 2 4 6 8 10 Departamento de Matemática Subtraímos a primeira expressão dessa segunda, temos então: (1 − 1 1 1 1 1 1 ) ζ(z) = 1 + 𝑧 + 𝑧 + 𝑧 + 𝑧 + 𝑧 + ⋯ 𝑧 2 3 5 7 9 11 1 Fazendo o mesmo para 3𝑧 temos: (1 − 1 1 1 1 1 1 1 ) (1 − 𝑧 ) ζ(z) = 1 + 𝑧 + 𝑧 + 𝑧 + 𝑧 + 𝑧 + ⋯ 𝑧 3 2 5 7 11 13 17 Se continuarmos fazendo até algum primo bastante grande, como 997, temos: (1 − 1 1 1 1 1 1 1 1 ) (1 − ) … (1 − 𝑧 ) (1 − 𝑧 ) ζ(z) = 1 + + + + +⋯ 997 𝑧 991 𝑧 3 2 1009 𝑧 1013𝑧 1019 𝑧 1021 𝑧 Vemos que o lado direito, se z for qualquer número maior que 1, é apenas pouco maior que o próprio 1. Se z for 3, por exemplo, o valor será 1,0000000673103608134... [1]. Logo não é tão improvável dizer que, se o processo for repetido infinitamente, temos algo como: … (1 − 1 1 1 1 1 1 ) (1 − 𝑧 ) (1 − 𝑧 ) (1 − 𝑧 ) (1 − 𝑧 ) (1 − 𝑧 ) ζ(z) = 1 𝑧 13 11 7 5 3 2 Dividindo cada lado da expressão repetidamente, por cada termo entre parênteses, temos: ζ(z) = ( 1 1 1 − 2𝑧 ).( 1 1 1 − 3𝑧 1 ). ( 1− 1 5𝑧 ). ( 1 1 1 − 7𝑧 ). ( 1 1 1 − 11 𝑧 ). … O que, na verdade, reescrito de uma maneira mais “limpa” é: ζ(z) = ∏(1 − 𝑝−𝑧 )−1 𝑝 Vemos então que a função zeta pode ser escrita como produto de termos relacionados a cada primo existente. Aqui temos uma pequena demonstração de que os primos são infinitos. Caso eles não fossem, o lado direito seria um número finito, logo para qualquer z, teríamos o lado esquerdo resultando também em um número finito, é claro. Contudo, para z=1, sabemos que o lado esquerdo é a série harmônica, cuja soma total diverge. Logo, por ser impossível o caso de um infinito à esquerda ser igual a um número finito à direita, o número de primos deve ser infinito. A hipótese de Riemann A famosa conjectura ou hipótese de Riemann está relacionada com os zeros da função ζ. Os zeros da função ζ localizados em zn = −2n, n = 1, 2, . . . são chamados zeros triviais. Sobre esses não há mistério, uma vez que a função zeta obedece a equação funcional: onde 𝜋𝑠 ζ(1 − z) = 2(2𝜋)−𝑧 𝑐𝑜𝑠 ( ) 𝛤(𝑧)ζ(𝑧)[2] 2 ∞ 𝛤(𝑧) ≔ ∫ 𝑥𝑧−1 𝑒−𝑥 𝑑𝑥 0 Departamento de Matemática 𝜋𝑧 Já que aqui vemos que cos( 2 ) é zero quando z é um inteiro ímpar maior ou igual a 3. Dessa forma, ζ(1 − z) é zero para todos os inteiros ímpares maiores que 3, logo: ζ(z) = 0𝑒𝑅𝑒(𝑧) < 0 → 𝑧 = −2, −4, −6, −8, … Riemann afirmou que a função ζ tem infinitos zeros na faixa 0 ≤ Re(z) ≤ 1, conhecida por faixa crítica. J. Hadamard foi o primeiro a provar esta afirmação, em 1893. A hipótese de Riemann estabelece que todos os infinitos zeros da função ζ, pertencentes à faixa crítica 0 ≤ Re(z) ≤ 1, estão sobre a reta Re(z) =1/2, que é chamada de reta crítica. Esta hipótese, que trata dos zeros não triviais da função ζ, pode ser escrita, em contraste com o que foi falado sobre os zeros trivais logo acima, como: ζ(z) = 0𝑒0 ≤ 𝑅𝑒(𝑧) ≤ 1 → 𝑅𝑒(𝑧) = 1 2 Desta forma, os zeros não triviais da função ζ, de acordo com a conjectura de Riemann, são infinitos e da forma z = 1/2+iσ, com σ real. Sabe-se que até o momento, nenhuma prova foi apresentada para esta conjectura. Vale ressaltar que este problema não é do tipo que pode ser abordado por métodos elementares. Já deu origem a uma extensa e complicada bibliografia: G. H. Hardy, em 1914 provou que existe uma infinidade de zeros sobre a reta Re(z) =1/2. (Mas, uma infinidade não significa que são todos). E. C. Titchmarsh mostrou, em 1935/1936, que há 1041 zeros na região 0 ≤ Re(z) ≤ 1 e 0 < Im(z) < 1468. Todos estes zeros estão sobre a reta crítica Re(z) =1/2 [3]. Com o notável auxílio dos computadores, já se sabe que o primeiro bilhão e meio de zeros não triviais encontram-se sobre a reta crítica, mas ainda não se pode dizer com certeza, enquanto não houver uma prova rigorosa, se a hipótese é de fato verdadeira ou senão falsa. Referências 1 – DERBYSHIRE, J. Obsessão prima. 1.ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2012. 447p. 2 – CARL ERICKSON. Prime Numbers and the Riemann Hypothesis. Disponível em: < http://people.brandeis.edu/~cwe/pdfs/primes_and_riemann.pdf> Acesso em: 20 jul. 2014. 3 - AGUILERA-NAVARRO, Maria Cecília K; AGUILERA-NAVARRO, Valdir C. A função zeta de Riemann. Revista Ciências Exatas e Naturais, v. 1, n. 1, 1999.