PAULO CÉSAR DUARTE DE OLIVEIRA
EDUCAÇÃO TEOLÓGICA INDIGENA NO CENTRO OESTE DO BRASIL
Londrina
2006
PAULO CÉSAR DUARTE DE OLIVEIRA
EDUCAÇÃO TEOLÓGICA INDÍGENA NO CENTRO OESTE DO BRASIL
Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do
Curso de Mestrado em Divindade da Faculdade Teológica
Sul Americana, sob a orientação do Prof. Dr. Marcos
Orison.
Londrina
2006
DEDICATÓRIA
À minha querida esposa Quézia e aos meus filhos Jônatas e Míriam,
Pelo amor e carinho que tenho recebido sempre e pelo encorajamento nos momentos mais
difíceis. Sem vocês não conseguiria ter alcançado mais um degrau.
AGRADECIMENTOS
A Deus e ao nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo pelas vitórias e alegrias que nos outorgou
neste tempo de estudos.
Aos meus pais, incentivadores constantes do meu crescimento como estudante, dando-me
conselhos e incentivo para buscar a primazia da sabedoria.
À Faculdade Teológica Sul Americana (FTSA), por sua visão de preparar vidas para servir o
Reino de Deus, entre as quais somos uma.
Aos Professores e funcionários da FTSA que me acompanharam durante todo o meu curso e
que demonstraram compreensão e carinho.
Ao Prof. Dr. Luiz Wesley de Souza, o primeiro a caminhar comigo nessa pesquisa, ajudandome no processo do projeto de pesquisa, tornando-se um suporte para os momentos que precisei de um conselheiro.
Aos amigos Agnaldo Eufrázio Malaguti e Sueli Aparecida Silva que proveram o meu sustento, ajudando-me em toda a caminhada acadêmica. Sem vocês, não conseguiria ter chegado ao
final.
Aos colegas de classe pelo exemplo, amizade e companheirismo em Cristo na luta para
satisfazer as exigências próprias de uma época de estudos e pela solidariedade no processo
acadêmico e espiritual que nos conduziu à vitória.
Aos diretores e professores dos Institutos Bíblicos e colegas missionários da Sociedade
Internacional de Lingüística que contribuiram com preciosas informações. Esse trabalho não
seria o mesmo sem a contribuição de cada um de vocês.
Ao Pr. Henrique Terena, por ter me apoiado desde o início, numa das nossas conversas
informais no encontro do CONPLEI em Dourados – MS, em 2004.
À Associação Lingüística Evangélica Missionária (ALEM), por compreender a necessidade e
importância do preparo para o ministério e por me incentivar a continuar os estudos.
Ao José Carlos Alcântara da Silva por ter, como diretor da ALEM, permitido minha saída da
aldeia do Povo Tembé para continuação dos meus estudos.
A Elisabeth Ferreira Vasconcelos de Andrade, colega de missão e doutoranda em Educação,
que em nossas conversas informais sobre o tema me ajudou a entender um pouco sobre a
pesquisa no campo da educação.
Ao Isaac Costa de Souza pela revisão e correção do texto final e pelas preciosas sugestões.
A Carlos Delmiro de Oliveira, meu pai, por ter me concedido auxílio financeiro necessário
para ir ao Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a fim de realizar pesquisa em alguns Institutos
Bíblicos. Certamente isso não seria possível sem a sua ajuda.
E ao professor Dr. Marcos Orison, que nos últimos meses, mesmo em meio a muitas
mudanças na pós-graduação, ajudou-me com preciosas sugestões.
RESUMO
OLIVEIRA, Paulo César Duarte de. Educação Teológica no Centro Oeste do Brasil.
Londrina, 2006. 79 p. (Dissertação do Mestrado em Divindade – Faculdade Teológica Sul
Americana)
Apresenta a história de aproximadamente três décadas, que diz respeito a dois Institutos Bíblicos e um Centro de Treinamento Bíblico. O Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes e
Cades Barnéia, no estado do Mato Grosso do Sul, localizados nas cidades de Dourados e Aquidauana, e o Centro de Treinamento Ami, no estado do Mato Grosso, localizado na Chapada dos Guimarães. Essas instituições estão voltadas para o preparo de líderes evangélicos
indígenas e possuem indígenas em sua liderança e no quadro de docentes. A história apresentada nessa pesquisa começa em 1978. O caminho percorrido por estas escolas é o mesmo que
os nossos Seminários e Faculdades Teológicas no Brasil, voltados para não indígenas. Expõe
os principais componentes dessas instituições teológicas, sistematizando uma série de informações nesse aspecto. Utiliza-se da pedagogia de Paulo Freire e da teologia da Missão Integral como ferramentas teóricas para uma reflexão acerca da educação teológica indígena.
Analisa os principais componentes tais como: objetivos, currículos, corpo discente e docente,
levantando questões pertinentes a cada um desses tópicos. E finaliza apresentando cinco sugestões, em formas de passos, a fim de ser mais prático, na busca de uma educação teológica
relevante. Reconhece a necessidade de estudos futuros que abarquem outros aspectos não
trabalhos aqui.
Orientador: Dr. Marcos Orison
ABSTRACT
OLIVEIRA, Paulo César Duarte de. Theological Education in Middle-West Brazil. Londrina,
2006. 79 p. (Master Thesis on Divinity – South American Theological School)
This thesis presents the history of approximately three decades concerning two Biblical Institutes and one Bible Training Center. Respectively, the Biblical Institute Reverend Felipe
Landes and Cades Barnéia located in the state of Mato Grosso do Sul in the cities of Dourados and Aquidauana, and the Ami Training Center in the state of Mato Grosso located in the
Guimarães Plateau. These institutions aim at preparing evangelical indigenous leaders, and
have indigenous leaders and docents. The history presented in this research begins in 1978.
The path followed by these schools is the same as the one followed by our Seminars and
Theological Colleges in Brazil, which aim at non-indigenous people. This paper presents the
main components of these theological institutions, systematizing a series of information related to this aspect. The pedagogy of Paulo Freire and the theology of Integral Mission are
used here as theoretical tools for reflection on indigenous theological education. This research also analyses the institution’s main components, such as, goals, curriculums and docent body, raising questions pertinent to each of these topics. To conclude, the paper gives
five suggestions divided into steps, to make it more practical, for the search of a relevant
theological education. The need for further studies, which include other aspects not developed here, is recognized.
Supervisor: Dr. Marcos Orison
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 9
CAPÍTULO I. Educação Teológica Indígena no Centro Oeste do Brasil. .............................
1.1. Um breve histórico....................................................................................................
1.1.1. Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes..............................................................
1.1.2. Instituto Bíblico Cades Barnéia......................................................................
1.1.3. Centro de Treinamento Ami...........................................................................
1.2. Os principais componentes.........................................................................................
1.2.1. Os objetivos iniciais dos Institutos..................................................................
1.2.2. Os currículos....................................................................................................
1.2.3. O corpo discente..............................................................................................
1.2.4. O corpo docente...............................................................................................
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CAPÍTULO II. Educação Teológica Indígena: Necessidade ou Ministério?..........................
2.1. A importância da formação de liderança indígena....................................................
2.1.1. A edificação da Igreja......................................................................................
2.1.2. A expansão do Reino de Deus.........................................................................
2.2. Um modelo pedagógico a partir de Paulo Freire.......................................................
2.2.1. O educando no seu contexto: o ponto de partida da educação........................
2.2.2. O diálogo como eixo principal no espaço pedagógico....................................
2.2.3. Educação “problematizadora” versus educação “bancária”............................
2.2.4. O currículo: um projeto participativo..............................................................
2.3. Missão Integral: parâmetros para uma educação teológica integral..........................
2.3.1. A relevância do contexto.................................................................................
2.3.2. A natureza do ser humano...............................................................................
2.3.3. Igreja, Reino e Mundo.....................................................................................
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CAPÍTULO III. Por uma educação teológica indígena relevante...........................................
3.1. Educação e Missão....................................................................................................
3.1.1. Missão para com Deus....................................................................................
3.1.2. Missão para consigo mesma...........................................................................
3.1.3. Missão para com o mundo..............................................................................
3.1.4. Missão para com o estudante..........................................................................
3.2. Revisão dos principais componentes dos IBIs e do Centro de Treinamento............
3.2.1. Revisando os objetivos iniciais.......................................................................
3.2.2. Revisando os currículos..................................................................................
3.2.3. Revisando o corpo discente............................................................................
3.2.4. Revisando o corpo docente.............................................................................
3.3. Sugestões para uma educação teológica indígena relevante.....................................
3.3.1. Passo 1: Analisar o contexto sócio-cultural e histórico do(a) educando(a)....
3.3.2. Passo 2: Desenvolver uma educação dialógica e problematizadora...............
3.3.3. Passo 3: Conceber o(a) educando(a) como ser integral..................................
3.3.4. Passo 4: Conceber a missão da igreja como integral......................................
3.3.5. Passo 5: Desenvolver uma educação centralizada no Reino de Deus............
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CONCLUSÃO........................................................................................................................ 89
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................... 93
TABELAS
1 Tabela 1: Disciplinas do 1º. Ano do Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes................. 16
2. Tabela 2: Disciplinas do 2º. Ano do Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes................ 17
3. Tabela 3: Disciplinas do 1º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia.................................. 17
4. Tabela 4: Disciplinas do 2º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia.................................. 17
5. Tabela 5: Disciplinas do 3º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia.................................. 18
6. Tabela 6: Disciplinas do 1º. Ano do Centro de Treinamento Ami....................................... 18
7. Tabela 7: Disciplinas do 2º. Ano do Centro de Treinamento Ami....................................... 19
8. Tabela 8: Disciplinas do 3º. Ano do centro de Treinamento Ami........................................ 19
ABREVIAÇÕES
IBRFL: Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes
IBCB: Instituto Bíblico Cades Barnéia
CTA: Centro de Treinamento Ami
MEU: Missão Evangélica Unida
SAIM: South American Indian Mission
UNIEDAS: União das Igrejas Evangélicas da América do Sul
CONPLEI: Conselho Nacional de Pastores e Líderes Indígenas
INTRODUÇÃO
A partir da década de 70, inúmeras instituições teológicas começam a surgir no Brasil.
Entre elas merece destaque as conhecidas como institutos bíblicos. Em alguns casos, os
institutos bíblicos surgiram com o propósito de preparar evangelistas para áreas rurais e para
evangelização de indígenas.
Esta pesquisa focalizará sua atenção em institutos bíblicos que foram estruturados a
partir de 1978, com a finalidade de formar líderes evangélicos indígenas que pudessem dar
continuidade à grande comissão estabelecida por Jesus.
O tema deste trabalho Educação Teológica Indígena no Centro Oeste do Brasil, ainda
que pareça abrangente, compreende um estudo dos principais componentes dos Institutos
Bíblicos Reverendo Felipe Landes e Cades Barnéia e do Centro de Treinamento Ami. Os dois
primeiros ficam localizados no estado do Mato Grosso do Sul, nas cidade de Dourados e
Aquidauana, respectivamente; o terceiro, localiza-se na Chapada dos Guimarães, estado do
Mato Grosso.
O objetivo desta pesquisa é sistematizar algumas informações acerca da história e dos
principais componentes dessas instituições e a partir daí avaliar como se processa a educação
teológica indígena. Como este trabalho abordará apenas um aspecto da educação teológica,
isso aponta para a necessidade de estudos futuros em relação aos aspectos não abordados.
A metodologia utilizada na obtenção dos dados em relação a estas instituições foi a
pesquisa de campo, realizada por meio de um questionário e entrevistas gravadas com
aproximadamente doze líderes ligados a essas escolas e mais cerca de oito missionários que
trabalham com a tradução da bíblia para povos indígenas e que tiveram contato com alunos
desses institutos bíblicos. Outras fontes utilizadas dizem respeito a folders, relatórios, notas
pessoais e regimento interno das referidas instituições. O autor da pesquisa encontrou certas
limitações na obtenção principalmente de informações sobre a fundação desses institutos
10
bíblicos, devido a falta de material escrito e de pessoal que pudesse descrever por meio da
história oral este período inicial da vida da instituição. A dificuldade também é resultado do
momento em que a pesquisa foi feita, que coincidiu com as férias dos líderes mais antigos.
Também foi utilizado levantamento bibliográfico prévio para o desenvolvimento dos
demais aspectos da pesquisa. Esta está organizada em três capítulos.
No primeiro capítulo, será apresentada, de forma não muito extensa, a história das
instiutições alvos desta pesquisa e em seguida os seus prinicipais componentes, tais como: os
objetivos iniciais, os currículos, o corpo discente e docente. Neste capítulo veremos, por
exemplo, quais foram os objetivos iniciais e quais os objetivos hoje; apresentaremos a
proposta de grade curricular de cada uma das instituições; refletiremos acerca da origem do
corpo discente, considerando questões como: Como são sustentados? Como são selecionados?
Qual o percentual dos que retornam para aldeia? Abordaremos também o corpo docente, onde
trataremos sobre questões como: Quem são os docentes? Em que áreas são preparados? E
qual o desafio em relação a docência teológica?
No segundo capítulo, trataremos inicialmente sobre a importância da formação de
líderes indígenas. Veremos principalmente a importância e o papel desses líderes na vida e na
missão da igreja emergente no contexto indígena. Ainda neste capítulo, será apresentado o
referencial teórico a ser utilizado nesta pesquisa, com dois focos: um na pedagogia freireana e
o outro na teologia da Missão Integral. Nesses focos serão buscado subsídios para refletirmos
sobre a educação teológica indígena.
No terceiro e último capítulo, será mostrada a relação entre educação teológia e a
missão da igreja. Em seguida, será feita uma revisão dos principais componentes dessas
instituições, apresentados no Capítulo 1. E, por fim, serão apresentadas, de forma didática,
algumas sugestões com o objetivo de ajudar no desenvolvimento de educação teológica
relevante.
CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO TEOLÓGICA INDÍGENA NO CENTRO OESTE DO BRASIL
Neste capítulo, será feita uma apresentação panorâmica dos Institutos Bíblicos
Reverendo Felipe Landes, Cades Barnéia e do Centro de Treinamento Ami, descrevendo
alguns dos seus principais componentes estruturais. Ver-se-á um pouco da história dessas
instituições, quando foram fundadas e outras particularidades. Serão também descritos quais
foram os objetivos iniciais e quais são os atuais objetivos de cada uma delas. Serão
apresentadas as propostas curriculares de cada um desses institutos bíblicos e por fim será
feita a apresentação dos corpos docente e discente.
1.1 Um breve histórico
Desde 1978 até os dias atuais, várias escolas bíblicas surgiram no cenário brasileiro
com o intuito de preparar liderança indígena evangélica. No site do Conselho Nacional de
Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (CONPLEI)1 é possível encontrar o nome de
algumas dessas instituições de ensino teológico. O presente trabalho destacará, numa visão
panorâmica, apenas três delas: os institutos bíblicos Rev. Felipe Landes, Cades Barnéia e o
Centro de Treinamento Ami. Os dois primeiros localizados no Mato Grosso do Sul e o último
no Mato Grosso.
A educação teológica indígena é resultado do trabalho de organizações missionárias
que atuam junto aos povos indígenas. No caso dos institutos bíblicos Rev. Felipe Landes,
Cades Barnéia e do Centro de Treinamento Ami, pelo menos quatro organizações – SAIM,
MEU, UNIEDAS e Missão Caiuá – ajudaram em sua estruturação. Com exceção da MEU,
que tem desenvolvido educação teológica em Porto Velho, no estado de Rondônia,
percorrendo várias aldeias, essas organizações continuam envolvidas com os referidos
institutos.
1
Ver o site http://www.conplei.org para maiores informações.
12
1.1.1 Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes
Em 1978, exatamente quando a Missão Caiuá completava seus 50 anos de existência e
ministério servindo a população indígena Kaiwá em Dourados, mais um sonho do Rev.
Orlando e da dona Loide se concretizava: organizou-se o Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes,
em Dourados, no Mato Grosso do Sul. E, conforme as palavras do Rev. Gordon, dona Loide2
sempre afirmava: “Temos que ter evangelistas índios, temos que ter um instituto bíblico.”
Um dos primeiros diretores desse instituto bíblico foi o pastor da Igreja Filadélfia3, em
Dourados, e “durante quatro anos foram formados três indígenas: o sr. Guilherme, o sr. Xisto
e o sr. Adalberto.” Em 1984, quando o Rev. Gordon chegou para ajudar no instituto bíblico, à
convite de dona Loide, ele teve em sua primeira turma oito alunos não-indígenas. Então,
conversando com a direção da Missão, ele disse: “Não vim aqui para fazer um instituto
bíblico para “brancos”. Ou vocês arrumam índios ou vou embora.” E, segundo o Rev.
Gordon, “uma campanha foi feita nas aldeias e conseguimos dezoito alunos indígenas.”
Algum tempo depois, a direção da Missão Caiuá nomeou o Rev. Gordon como diretor
do instituto bíblico. E “dois ou três anos depois, começou a ter uma seqüência de diretores
brasileiros, com exceção de Mabel (Irlandesa). Alguns desses diretores foram: Mizael, Heitor,
[...] Rev. Gerson (o último não indígena a desempenhar esse papel). Em 2005 foi nomeado
um indígena como diretor do Felipe Landes: Jayson de Souza Morais (Tato).”
Atualmente, as aulas desse instituto vão de terça até sexta-feira. O curso tem duração
de dois anos, no qual ao final o aluno recebe um diploma de evangelista.
2
Rev. Orlando e Dona Loide foram líderes da Missão Caiuá por mais de 40 anos. No início do ministério, o Rev.
Orlando foi o diretor e dona Loide vice-diretora; mais tarde, ela foi também administradora e chefe do hospital.
(ver: TUCKER, Ruth A. “... E até aos confins da terra” – Uma História Biográfica das Missões Cristãs. Trad.
Neyde Siqueira. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova. 1986, p.521-4).
3
Não há informação quanto ao nome deste primeiro diretor. No período da pesquisa, as pessoas com quem
conversamos não lembravam o seu nome e boa parte da documentação desse instituto bíblico havia sido perdido.
13
1.1.2 Instituto Bíblico Cades Barnéia
Em 1980, sob a inspiração da South America Indian Mission (SAIM), e parceria com a
União das Igrejas Evangélicas da América do Sul (UNIEDAS) e com a Missão Evangélica
Unida (MEU), nasce o Instituto Bíblico Cades Barnéia, que significa “lugar de decisão”.
Atualmente, esse instituto bíblico é conhecido na região de Anastácio como Instituto Bíblico
Água Azul.
Essa instituição nasceu com o propósito de preparar biblica e teologicamente líderes
evangélicos indígenas para o exercício do ministério cristão, seja na igreja local, na Missão
UNIEDAS, no próprio IBCB ou ainda plantando igrejas em outras comunidades indígenas.
Um aspecto dessa instituição que merece ser mencionado é que a mesma é dirigida por
indígenas da etnia Terena.
De fato, somente em 1981 é as aulas tiveram início no Cades Barnéia. A primeira
turma formada era composta de “dezoito a vinte alunos, entre Terenas, Guaranis e alguns não
indígenas da região.” Desde então, esse instituto vem sendo um instrumento para a
capacitação teológica dos próprios indígenas. E, conforme afirma o pastor Josias Terena,
“mais de nove etnias já estudaram no Instituto Bíblico Cades Barnéia. Tivemos aqui
Nambiquara, Gavião, Suruí, Bakairi, Kadiwéu, Guarani, Pariri, Xavante e Terena.” Os alunos
que concluem o curso acabam atendendo as necessidades das igrejas locais, ou vão
desenvolver ministério em outras aldeias.
O curso oferecido pelo Cades Barnéia é o curso médio em missões e tem a duração de
três anos, divididos em dois semestres por ano. Sendo as aulas oferecidas de terça-feira até o
sábado pela manhã.
1.1.3 Centro de Treinamento Ami
Os missionários da South America Indian Mission (SAIM), ainda quando estavam no
Mato Grosso do Sul, já pensavam na organização de um centro de treinamento que oferecesse
14
um curso bíblico de preparo transcultural, no estado do Mato Grosso, com o objetivo de
alcançar a população indígena desta região.
Sendo assim, em 1994 um grupo de pessoas, dentre elas: Daniel e Julia Snyder, Pr.
Paulo e Edina, Reginaldo Sandro, Celso e Aldecir e, por fim, Doracir, dirigiram-se para a
Chapada dos Guimarães. Lá havia uma propriedade comprada desde 1980 que estava à
disposição de igrejas fundadas pela SAIM em Cuiabá. Como esta área não estava sendo
utilizada pelas igrejas, esses missionários começaram os preparativos para o funcionamento
do Centro de Treinamento.
Assim, em março de 1995, na Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, é organizado o
Centro de Treinamento Ami. O nome Ami foi extraído do livro de Oséias, no Antigo
Testamento, e é um vocábulo de origem hebraica que significa “meu povo”.
A primeira turma era composta de alunos indígenas e não-indígenas. Mas, como nos
outros Institutos Bíblicos vistos até aqui, o seu objetivo era principalmente o preparo de
líderes evangélicos indígenas.
O Ami oferece o curso bíblico de preparo transcultural com duração de três anos,
sendo o ano letivo dividido em quatro bimestres, onde cada bimestres tem duração de seis
semanas, tendo, entre um bimestre e outro, um período prático em área indígena. Além do
curso bíblico, é oferecido um supletivo de no máximo dois anos, mas a maioria dos alunos
conclui em um ano. Segundo os diretores do Ami, “Muitos vão passar pelo supletivo para
aprender a ler e escrever em português.”
1.2 Os principais componentes
1.2.1 Os objetivos iniciais dos Institutos
De acordo com depoimentos de líderes desses institutos bíblicos, pode-se constatar
que tais instituições nasceram com o objetivo de preparar líderes (mão-de-obra) autóctones
para o ministério na igreja emergente e para a expansão do evangelho entre os povos
15
indígenas. Um exemplo disso é percebido na afirmação que encontramos em documento do
Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes, da Missão Caiuá, que diz: “O Instituto bíblico foi
fundado com o objetivo de formar evangelistas índios para auxiliar nos trabalhos existentes e
para abertura de novos campos em aldeias onde o ingresso de não indígena é proibido ou
inviável” (grifo nosso).4 E ainda no portal geral da Igreja Presbiteriana do Brasil, encontramos
a seguinte afirmação: “A Missão Evangélica Caiuá, ainda mantém um Instituto Bíblico para
formação de obreiros indígenas, com o intuito de que o próprio índio cumpra a missão da
evangelização entre o seu povo.”5 Tal visão permanece ainda hoje: preparar os próprios
indígenas para a tarefa da evangelização.
Quanto ao Instituto Bíblico Cades Barnéia, os objetivos foram os mesmos preconizado
pela Missão Caiuá. O pastor Josias Terena, membro da Missão UNIEDAS e atual diretor do
dessa instituição, afirma: “O objetivo principal do Instituto Bíblico Cades Barnéia sempre foi
preparar o índio para o trabalho missionário e é nosso objetivo ainda hoje preparar o índio
para evangelizar o próprio índio.” Além disso, acrescenta: “nossos ex-alunos, que agora são
missionários, têm trabalhado em sua própria comunidade ou em outra, e isso é gratificante.”
A trajetória do Instituto Bíblico Ami, não difere muito do que vimos até aqui em
relação aos outros. Seu objetivo inicial foi expresso por alguns professores da seguinte
maneira:
Desde o início, o alvo principal era o de fazer discípulos. A educação e o
atendimento das necessidades na área de saúde para as tribos nessa região era um
forma de fazer isso. O alcance das tribos com o evangelho sempre foi nosso
primeiro alvo. O curso bíblico e as atividades na parte da tarde é só uma forma de
alcançar o alvo de fazer discípulos. A esperança é que os alunos que saiam daqui
façam discípulos em suas aldeias. [...] fortalecendo as igrejas onde eles estiverem
(grifo nosso).
4
5
Folder do Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes.
Portal da Igreja Presbiteriana do Brasil: http://www.ipb.org.br/missoes/mec.php3, extraído em 25/02/2006.
16
Em outro documento se diz que o Centro de Treinamento Ami foi fundado “visando o
preparo de obreiros indígenas e todos aqueles que recebem o chamado específico para o
trabalho transcultural” (grifo nosso).6
O que se observa nessas três instituições de ensino teológico, seja preparando
evangelistas, missionários ou discípulos, é a preocupação com o preparo de líderes indígenas
que possam atender as necessidades da igreja local e ao mesmo tempo contribuir com a
expansão do evangelho. A visão comum encontrada no discurso oral ou escrito dos dois
desses institutos bíblicos é a de preparar vocacionados para o ministério.7 Já no Ami não há
tanto rigor. Uma vez que seu objetivo é formar discípulos, o aluno é aceito mesmo que não
seja convertido. O pastor Henrique Terena afirma: “O nosso alvo é fazer discípulos. Muitos
alunos que chegam aqui não são convertidos e muitos deles tomam aqui a decisão de seguir a
Jesus.”8
1.2.2 Os currículos
Como os institutos bíblicos mencionados até aqui foram fundados por organizações
missionárias estrangeiras e nacionais9 com a visião de formar liderança autóctone para a igreja
local e para o trabalho missionário junto aos povos indígenas do Brasil, o currículo adotado
inicialmente acabou sendo basicamente o que já existia em nossos institutos bíblicos ou
seminários não indígenas, com pouca ou nenhuma adaptação. No entanto, o mesmo veio a
passar gradativamente por mudanças nos anos seguintes. Várias questões na área do currículo
podem ser levantadas. Porém, uma questão fundamental que será ressaltada nesse ponto é:
quem determina ou elabora o currículo?
6
Folder de divulgação do Instituto Bíblico Ami.
Refiro-me ao Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes e ao Cades Barnéia, uma vez que a terceira instituição em
apreço é um centro de treinamento.
8
Entrevista com Henrique Dias Terena, professor, membro da diretoria do Ami e atual presidente do Conselho
Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (CONPLEI), concedida em 07/06/06.
9
A organização nacional, nesse caso, é a Missão Caiuá, que, mesmo tendo sido organizada por missionários
estrangeiros, foi dirigida a partir de 1943 por missionários brasileiros e não há dúvida sobre sua nacionalização.
7
17
No caso do Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes, a grade curricular adotada foi a do
Instituto Bíblico Eduardo Lane (IBEL), como é possível observar nas palavras do Rev.
Benjamim quando afirma: “inicialmente ele foi estruturado, seguindo o modelo do Instituto
Bíblico Eduardo Lane (IBEL), depois, com o passar do tempo, esta estrutura foi se adaptando,
especialmente a grade curricular.”
Nos primeiros anos, diz o Rev. Gordon: “O nível das disciplinas era muito alto, a cada
ano nós procuramos baixar o nível das disciplinas para que os alunos pudessem absolver. Não
precisa mudar o currículo, talvez o professor devesse modificar o conteúdo ao nível dos
alunos. O currículo está dando o básico para o evangelista sair preparado para servir a igreja.”
Em relação ainda ao currículo, o Rev. Matoso acrescenta: “O currículo é definido pelo
conselho diretor que o apresenta a Assembléia da Missão Caiuá para aprovação ou não.” O
Instituto Bíblico tem em sua grade curricular10 de 37 disciplinas, distribuídas num período de
quatro semestres, podendo, assim, ser concluída em dois anos.
Tabela 1
Disciplinas do 1º. Ano do Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes
1º. Semestre
Doutrina
Panorama do VT
Educação Cristã
Português
Música
Saúde e Nutrição
Hermenêutica
História da Igreja
Evangelismo e Discipulado
10
2º. Semestre
Doutrina
Panorama do VT
Educação Cristã
Português
Homilética
Levítico e Hebreus
História da Igreja
Tabernáculo
Livros Poéticos
Práticas Manuais
A grade curricular apresentada se encontra no documento com o título Regimento Interno e Grade Curricular
do Instituto. Conforme o Rev. Matoso, já foi feita uma proposta para mudança de algumas disciplinas
(22/02/2006).
18
Tabela 2
Disciplinas do 2º. Ano do Institutot Bíblico Rev. Felipe Landes
1º. Semestre
Doutrina
Panorama do NT
Educação Cristã
Português
Harmonia dos Evangelhos
Evangelismo e Discipulado
Seitas e Heresias
Missões
Homilética
2º. Semestre
Doutrina
Panorama do NT
Educação Cristã
Português
Música
Prática de Evangelismo e Discipulado
Vida Crsitã e Aconselhamento
Administração Eclesiástica
Missões Indígenas
No Cades Barnéia, o currículo foi elaborado pela missão indígena UNIEDAS e outros
missionários que atuavam naquela região. E desde o início de suas aulas em 1981 até hoje,
tem sido mantido o mesmo currículo, com poucas mudanças. O pastor Josias Terena afirma
que: “Desde o início mantemos o mesmo currículo, tem alguma mudança, mas não é muita
coisa, às vezes queremos atualizar um pouco”. A grade curricular apresenta 50 disciplinas
distribuídas sistematicamente em seis semestres, ou seja, pode ser concluída em três anos.
Tabela 3
Disciplinas do 1º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia
1º. Semestre
Visão Geral da Bíblia
Doutrina da Bíblia
Orientação Cristã
Gênesis/Êxodo
Áudio Visual
Sinóticos
Prevenção/Doenças
Coral
2º. Semestre
Doutrina Homem/pecado/salvação
Evangelho de João
Lar Cristão
Números/Deuteronômio/Josué
Metódos de Estudo I
Antropologia /Missiologia
Primeiros Socorros
Música/Regência
Tabela 4
Disciplinas do 2º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia
1º. Semestre
Doutrina Deus/Cristo/Espírito Santo
Juízes/Rute/Samuel/Reis
2º. Semestre
Doutrina da Igreja
Esdras/ Neemias/ Ester
19
Atos dos Apóstolos
Evangelismo
João/Pedro/Judas
Pedagogia Cristã
Métodos de Estudo II
Introdução a tradução
Coral
Romanos/Tiago
Efésios/Colossenses
História do Cristianismo
Homilética I
Guerra Espiritual
Primeiros Socorros
Coral
Tabela 5
Disciplinas do 3º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia
1º. Semestre
Doutrina das Últimas Coisas
Isaías/Jeremias
I Timóteo/Tito
Daniel/Apocalipse
Liderança Cristã
Bíblia e Cultura Indígena
Doutrina dos Anjos
Coral
2º. Semestre
Profetas Menores
I, II Tessalonicenses/ II Timóteo
I, II Coríntios
Levíticos/Hebreus
Missões
Aconselhamento Pastoral
Princípio de Ensino
Doutrina Escatologia
No Ami, a experiência não foi diferente. O currículo foi elaborado por “missionários
da SAIM com a participação ativa dos professores do Ami, tanto brasileiros como indígenas.
E várias adaptações já foram feitas para chegar a atual grade curricular.” A atual proposta
curricular que o Ami oferece é composta de 51 disciplinas, que podem ser concluídas dentro
de um período de três anos, distribuídas em seis semestres, sendo cada semestre constituído
de dois “bimestres com duração de seis semanas cada”. E além das disciplinas oferecidas em
sala de aula, os alunos do Ami desenvolvem tarefas nas áreas de: “carpintaria, oficina,
horticultura, enfermagem, construção e datilografia”.
Tabela 6
Disciplinas do 1º. Ano do Centro de Treinamento Ami
1º. Semestre
Português I
A Bíblia
Lar Cristão
Orientação Cristã
Áudio Visual
Prevenção/Doenças
2º. Semestre
Português II
Visão da Bíblia
Mateus e os Evangelhos
Números a Josué
Evangelho de João
Métodos de Estudo
20
Corpo Humano/Nutrição
Gênesis/Êxodo
Guerra Espiritual
Primeiros Socorros
Música
Tabela 7
Disciplinas do 2º. Ano do Centro de Treinamento Ami
1º. Semestre
Português III
Juízes/2Reis
Introdução a Tradução
Atos
Métodos de Estudar a Bíblia
I João a Judas
Pré-Evangelismo
Anatomia/Fisiologia/Patologia
2º. Semestre
Português IV
Homem/pecado/salvação
Homilética I
História Cristã
Romanos/Tiago
Efésios a Colossenses
Esdras a Ester
Anatomia/Fisiologia/Patologia 2
Oração
Tabela 8
Disciplinas do 3º. Ano do Centro de Treinamento Ami
1º. Semestre
Português V
Doutrina Deus/Cristo/Espírito Santo
I Timóteo/Tito
Farmacologia
Liderança Cristã
Antropologia
I, II Coríntios
Livros Poéticos
Daniel/Apocalipse
2º. Semestre
Português VI
Igreja e Missões
Aconselhamento Pastoral
Profetas Menores
Isaías/Jeremias
Levíticos/Hebreus
Princípio de Ensino
I, II Tessalonicenses/Escatologia
É possível constatar os seguintes grupos de disciplinas em comum nas três grades
curriculares: doutrinárias, analíticas (estudo de livros e epístolas), históricas e práticas.
1.2.3 O corpo discente
Qual a origem dos alunos? Como são selecionados? Como são sustentados? Qual o
percentual dos que retornam para as aldeias? Em que língua os alunos estudam? Essas são
algumas questões relevantes que trataremos agora, procurando respondê-las.
21
Segundo os líderes desses institutos bíblicos, os alunos procedem de diferentes aldeias.
Mas, vale ressaltar que essas instituições já receberam e formaram alunos não-indígenas.
No Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes, basicamente os alunos representaram quatro
etnias: Terena, Guarani, Kaiwá e Xavante. No Cades Barnéia, o pastor Josias Terena garante
que desde o início já passaram o nove etnias: “Nambiquara, Gavião, Suruí, Bakairi, Kadiwéu,
Guarani, Pariri, Xavante e Terena”. No Centro de Treinamento Ami, houve um número bem
maior de etnias estudando a palavra de Deus, “foram cerca de 25 povos representados, sendo
uma média de 12 a 15 por ano”. Algumas das etnias que já passaram por essa escola bíblica
são: “Jarawara, Ka’apor, Tikuna, Aikanã, Tupari, Parintintin, Suruí, Parecis, Guajajara,
Paumari, Nambiquara, Bakairi, Mamaindé, Karitiana, Xavante, Terena”.11
Os critérios de seleção do aluno são basicamente os mesmos: ser indicado pela igreja
local, por missionário ou conselho, preencher um formulário de matrícula e uma avaliação
junto ao conselho diretor do instituto. De acrodo com o Rev. Benjamim:
Em cada aldeia onde há vocacionado para fazer o instituto e depois atuar como
missionário, ele passa por uma avaliação da igreja local ou conselho, para saber se a
pessoa está apta, e se realmente é aquilo que ela quer. Depois é preciso preencher
vários requisitos do instituto bíblico e isso é feito através de uma avaliação com o
conselho diretor do instituto, que é formado pelo diretor, coordenadora pedagógica,
um representante dos professores e um representante dos alunos.
Nas palavras do pastor Josias Terena, a carta de apresentação traz informação quanto a
participação ativa do(a) candidato(a) em sua igreja local e também informa se ele(a) é um
vocacionado(a) ou não.
No nosso caso Terena, o candidato vem com uma carta de informação assinada pelo
pastor de sua igreja local. No caso dos Xavantes, eles precisam trazer uma carta
assinada pelo cacique, missionário ou pastor da igreja local. A carta serve para trazer
uma informação se ele está sendo um membro ativo em sua igreja e se ele tem essa
vocação para ser um missionário.
Em relação aos alunos que pretendem ingressar no curso bíblico do Ami, a carta de
recomendação pode ser da igreja, se já existe igreja na aldeia, do(a) missionário(a) que
trabalha com o povo, da própria comunidade ou mesmo dos pais, que assumem a
11
Ken Lake. Relatório 2003-2004 e 2004-2005.
22
responsabilidade pelo envio do candidato. Snyder declara: “Nós requeremos uma carta do
pastor ou da comunidade.” Se não houver igreja pode ser carta: “da comunidade ou do(a)
missionário(a).” E ainda foi declarado que “os missionários normalmente indicam. Às vezes
tem pastor ou alguém da aldeia que indica. Mas alguns simplesmente chegam”.
O que se observa em relação ao sustento dos alunos desses institutos é que suas igrejas
ou outras igrejas colaboram financeiramente de alguma maneira para sua manutenção.
Segundo o Rev. Benjamim, da Missão Kaiwá: “A Missão tem levantado junto a igrejas
e mantenedores o sustento dos alunos, de tal maneira que o próprio aluno não se sinta
impedido de vir por causa do sustento. Ao ser aceito um aluno, nós o apresentamos a uma ou
mais igrejas para que seja adotado como filho da igreja, para estar orando por ele e o
sustentando financeiramente”.
Em relação ao sustento dos alunos no Cades Barnéia, o pastor Josias Terena afirma:
O IBCB estipulou um valor mensal, mas, infelizmente, nossos alunos que vêm das
aldeias não têm condições de pagar suas mensalidades. Nós cobramos R$ 80,00 por
alunos solteiros e R$ 150,00 por alunos casados. Mas, infelizmente, eles não têm
condições. O que temos feito, então, é que a própria igreja da qual ele é membro é
que o mantém aqui com suas contribuições de gênero alimentício.
No Ami, o aluno é ensinado a ter responsabilidade quanto ao seu sustento e, portanto,
quando deixa de pagar algumas mensalidades, ele retorna para aldeia a fim de levantar o que é
necessário para sua manutenção. A mensalidade no Ami é de meio salário mínimo por pessoa.
“A escola dá um desconto se o sustento vier da aldeia, mas, todos têm que pagar”. E ainda em
um documento, encontramos a seguinte afirmação em relação à mensalidade: “pode ser paga
por ele mesmo em dinheiro, em gêneros alimentícios ou em trabalho além do horário de
serviço da escola”.
Em cada uma dessas escolas bíblicas, é exigido do aluno um período prático, ou seja,
um tempo de estágio. Quanto a esse tempo de estágio, o Rev. Benjamim afirma:
Aqui, por está perto da aldeia, nós temos, todo final de semana, atividades nos
trabalhos locais. Nós temos uma aldeia onde, há quatro anos, eles mesmos (os
alunos) abriram um trabalho. Eles vão no domingo pela manhã e retornam à tarde. E
23
há os meses de férias. Além disso, em julho eles têm quinze dias de estágios
supervisionados e no final do ano mais um mês de estágio. São um mês e meio de
estágio, além dos finais de semana (grifo nosso).
No Cades Barnéia, diz o pastor Josias Terena:
Nós oferecemos num semestre três ministérios onde os alunos vão colocar em
prática o que eles têm aprendido. A própria escola já oferece um treinamento prático
para os alunos [...], nas igrejas indígenas da região. [...] Como nós temos esse
trabalho em outras tribos, o tempo é de quinze a vinte dias. Quando temos atividade
aqui em nossa região é de três dias, geralmente um final de semana, sexta, sábado e
domingo. Julho é férias onde os alunos podem retornar para suas aldeias.
Os Alunos no Ami também desenvolvem um período de estágio. “O ministério e parte
da tarde são áreas em que o aluno pode pôr em prática aquilo que está aprendendo em sala de
aula”. Nos meses de férias também é um tempo propício para o aluno desenvolver o que
aprendeu na escola bíblica, colocando em prática no convívio em sua aldeia e sua igreja.
Um outro ponto crucial em relação aos alunos, diz respeito ao percentual de
formandos que não retornam para aldeia ao concluir o curso. Esse percentual é baixo, entre
cerca de 10% no Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes e aproximadamente 5% no Centro de
Treinamento Ami. Já no Instituto Bíblico Cades Barnéia, o pastor Josias Terena não informou
o percentual dos que não retornam, mas sua afirmação indica que mais da metade dos alunos
formados estão no ministério, seja na aldeia ou não: “Eu acredito que deve ter 60% que hoje
são pastores e missionários. Porque hoje, inclusive, nossa diretoria da Missão Indígena
UNIEDAS e mais a diretoria do IBCB foram ex-alunos daqui do IBCB e que hoje estão
exercendo função importante dentro da Missão, dentro da obra de Deus”.
Porém, ainda que os percentuais dos que retornam para suas aldeias seja alto, isso não
significa que estejam desenvolvendo algum ministério na igreja local, principalmente como
pastor ou qualquer outro cargo de liderança, pois, em alguns casos, os alunos não estão na
idade apropriada para exercerem autoridade sobre os mais velhos.
E, por fim, vale ressaltar que geralmente alguns alunos chegam ao instituto bíblico
sem nenhum conhecimento da língua portuguesa, no sentido de ler e escrever, mesmo
24
possuindo certo grau de bilingüismo oral. Por esta razão, muitos precisam primeiro aprender a
ler e a escrever em português – e isso pode durar de um a dois anos, dependendo do grau de
dificuldade que o aluno encontra no aprendizado da língua. Depois de superada esta etapa é
que o aluno pode ingressar no curso bíblico.
A realidade é diferente entre os institutos bíblicos quanto ao processo de ensinoaprendizagem desenvolver-se em língua portuguesa. No Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes,
diz o Rev. Benjamim: “No nosso caso aqui, 70% são bilíngües e, portanto, não apresentam
problemas com relação a isso (língua portuguesa – observação nossa). Nós percebemos que o
homem às vezes é bilíngüe, mas, a esposa tem dificuldade”.
No contexto do Cades Barnéia, o pastor Josias Terena afirma: “Para nós Terenas, não
temos tido essa dificuldade, mas, para os que vêm de outras etnias, de outras tribos, já tem a
dificuldade. Os Xavantes enfrentam uma dificuldade maior, porque falam muito pouco e lêem
pouco português”.
No Centro de Treinamento Ami, como já mencionado anteriormente, é oferecido um
supletivo para atender a essa necessidade do aluno. Este curso tem duração de um a dois anos,
porém muitos conseguem concluir dentro do período de um ano.
1.2.4. O corpo docente
Quem são os professores(as)? Em que áreas são preparados(as)? E qual o desafio em
relação ao corpo docente? A questão que envolve a docência teológica, ainda hoje, é um
assunto na pauta das agendas das instituições de ensino teológico no Brasil. Essa temática não
deixa de ser relevante em relação às instituições que constituem o universo desta pesquisa.
Os professores que compõe o quadro de docentes dessas instituições, que abordamos
até aqui, são estrangeiros de várias nacionalidades, brasileiros não-indígenas e indígenas.
Normalmente, esses professores são os missionários que pertencem às organizações
missionárias que fundaram o instituto bíblico ou o centro de treinamento. Também podem ser
25
pastores ou professores de seminários da região próxima a essas escolas, ou ainda líderes e
pastores indígenas.
O Rev. Benjamim (Felipe Landes) considera como desafio da educação teológica
indígena o preparo de docentes indígenas. E em relação a isso, ele afirma: “Em nosso caso,
nós estamos distantes de termos professores capacitados para ministrar, porque a visão que se
tem da bíblia [...] é aquilo que foi dado no instituto bíblico [...]. Nós precisamos preparar
melhor os professores indígenas. É uma caminhada que vai demorar um bom tempo, mas é
um desafio”. O corpo docente desse instituto bíblico sempre foi formado por missionários(as)
e pastores, tanto estrangeiros como brasileiros.
O pastor Josias Terena (Cades Barnéia) também aponta como desafio da educação
teológica indígena a formação de professores indígenas. Em seu discurso, ele afirma: “A falta
de professores para [...] o povo indígena, [...] essa tem sido uma grande dificuldade que temos
tido aqui. O que nós queremos é aperfeiçoar o ensino teológico do povo indígena, para ser
nosso próprio professor aqui no instituto”. No Cades Barnéia, há oito professores, dos quais
quatro são índios Terena e os demais são não-indígenas pastores e professores de seminários
da região. De acordo com o pastor Josias Terena, esses professores: “Têm formação na área
teológica, são bacharéis em teologia em sua grande maioria. Mas alguns têm formação na área
de educação, saúde e etc.”
No contexto do Ami, o corpo docente é composto de vinte professores, sendo “dez
estrangeiros, cinco brasileiros não-indígenas e seis indígenas”. A formação da maioria desses
professores compreende as seguintes áreas de formação: “Bacharel em Teologia, Mestrado
em Missiologia, Doutorado em Ministério e Pedagogia”.
Weidt aponta para a importância de um corpo docente diversificado, tanto em relação
à origem cultural quanto ao nível acadêmico. Ele afirma: “Minha sugestão para os cursos de
treinamento de líderes é então que diversos professores de diversas culturas e níveis
26
acadêmicos contribuam no ensino. Creio que um corpo docente formado de professores
indígenas, brasileiros e estrangeiros tem a maior chance de passar o conteúdo de uma forma
integral”.12
12
Friedrich Manfred WEIDT, O povo Guarani-Mbyá no Sul do Brasil: Contextualização e Práxis Evangélica,
p.148.
CAPÍTULO II
EDUCAÇÃO TEOLÓGICA INDÍGENA: NECESSIDADE OU MINISTÉRIO?
Nesse segundo capítulo, abordaremos a questão da importância da formação de
liderança indígena e apresentaremos o referencial de ação pedagógica baseado nas
contribuições de Paulo Freire e da Missão Integral da Igreja.
2.1 A importância da formação de liderança indígena
Deus confiou à sua Igreja, ou seja, ao seu povo, e isso inclui a igreja evangélica
emergente no contexto indígena, a responsabilidade de dar continuidade ao ministério de
Cristo. A Igreja é o corpo de Cristo e seus líderes e pastores “devem compreender que o poder
que lhes foi dado deve ser usado de forma a dar continuidade à práxis pastoral de Jesus.”1
Esse chamado, como é demonstrado na doutrina do sacerdócio universal de todos os
crentes, é responsabilidade de toda igreja, de todo laos Theou (povo de Deus), quer seja clero
ou leigo. E segundo Lutero, não cabe distinção entre clero e leigo2. A todo membro do corpo
de Cristo, deve ser ensinado sua responsabilidade3 sacerdotal em relação aos demais, pois,
afinal, a missão da Igreja é composta de todos. Mas, embora todos sejam considerados
sacerdotes, “Jesus deu à Igreja alguns homens para pastoreá-la, para serem guias, homens que
deviam ajudar a todos, sendo eles mesmos modelos para o rebanho até a sua volta triunfal.”
(grifo nosso)4
Pastores, presbíteros, diáconos e demais líderes da igreja local são constituídos por
Deus com o propósito de equipar e capacitar todos os santos (Ef. 4.12) para o cumprimento de
sua missão. Costa afirma que: “A eleição feita pela igreja deve ser vista como reconhecimento
1
Cornélio Póvoa de OLIVEIRA, O poder pastoral, p. 66.
Timothy GEORGE, Teologia dos Reformadores, p. 96-98.
3
De acordo com Habin, tal responsabilidade: “compreende o seu ministrar mesmo enquanto recebe a
ministração de outros. Cada um deve interceder pelo outro e ensinar ao outro, até corrigindo quando for
necessário. “ Christopher B. HARBIN, Ecleiologia: O Reinar de Deus na Terra, p. 12.
4
Cornélio Póvoa de OLIVEIRA, op. cit, p. 66.
2
28
público e evidência de que os referidos oficiais foram escolhidos, vocacionados e capacitados
por Deus para determinado ofício.”5 E ainda Harbin acrescenta: “A igreja pode convocar
indivíduos para funções especiais, mas tal convocação não elimina a responsabilidade dos
demais.”6 A esse respeito, o missiólogo Charles Van Engen afirma: “A pessoa ordenada [...]
não é mais chamada para o ministério que qualquer outra pessoa; ao contrário, é designada
para capacitar cada membro no ministério.”7
A responsabilidade desses líderes é, portanto, capacitar e preparar o povo de Deus para
o cumprimento de sua missão no mundo. E em relação a essa missão, diz Harbin: “Existe um
duplo enfoque da missão em seu relacionamento com o reinar de Deus: a missão tem aspecto
interior – aplicação pessoal do ensino e da vida do reinar de Deus; e o seu aspecto exterior – o
levar a mensagem do reinar de Deus aos demais.”8 E quanto a esses dois aspectos9, vale
ressaltar que eles não são excludentes, um não existe em detrimento do outro e, sim, são
complementares. Assim, observando a vida e o ministério do apóstolo Paulo, constata-se que
ele entendia que edificar a igreja significava tanto o fortalecimento dos crentes (Ef. 4.11-12)
quanto à expansão do Reino de Deus (Rm 15.20).
Portanto, diante de tão grande responsabilidade, cremos que a liderança evangélica
indígena precisa ser bem treinada e instruída para que possa fortalecer a Igreja em sua
caminhada, enfrentando os desafios próprios de sua situação sócio-cultural e lingüística, com
vistas à expansão do Reino de Deus.
A seguir refletiremos sobre a ação pastoral ad intra e ad extra, ou seja,
respectivamente ação pastoral voltada para dentro e para fora da igreja.
5
Hermisten Maia Pereira da COSTA, Vocação e Ordenação: definições e razões, p. 7-9.
Christopher B. HARBIN, op. cit, p. 12.
7
Charles Van. ENGEN, Povo Missionário, Povo de Deus: por uma redefinição do papel da igreja local, p. 202.
8
Christopher B.HARBIN, op. cit, p. 9.
9
O alvo da missão da igreja, seja em sua dimensão interna ou externa é glorificar a Deus e isso aponta para um
terceira dimensão da missão da igreja, que é de acordo com alguns estudiosos a missão para com Deus.
6
29
2.1.1 A edificação da Igreja
A igreja evangélica indígena é uma realidade no cenário evangélico brasileiro. E, à
semelhança da igreja no contexto secular urbano, ela não está isenta de problemas e desafios.
O contexto secular indígena, ainda que distinto do urbano, apresenta inúmeros desafios para
igreja evangélica emergente. Alguns são os já consagrados nos escritos missiológicos: a
pobreza, a violência, a droga, o alcoolismo etc. Outros incluem a identidade cristã do
indígena. E diante da grande complexidade de desafios que se abre ao trabalho missionário e
ministerial dessas igrejas, é necessário que os seus líderes e pastores se tornem aptos para
capacitar o povo de Deus para o serviço cristão, a fim de construir ou edificar o corpo de
Cristo.
Nessa caminhada, o papel dos pastores e líderes é bem descrito nas Escrituras. Pedro
em sua primeira epístola faz a seguinte exortação: “Rogo, pois, aos presbíteros que há entre
vós, eu, presbítero como eles, [...] pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós.”10 Essa
clássica exortação do apóstolo Pedro aponta para o cuidado com o rebanho de Deus, como o
foco da ação pastoral. O cuidado desse rebanho requer uma supervisão diligente e uma
vigilância atenta. Quanto a essa exortação de Pedro, Oliveira afirma: “A idéia de pastorear
está ligada ao trabalho do pastor de ovelhas. Isso significa que o apóstolo Pedro está dizendo
aos presbíteros que eles deveriam alimentar o rebanho de Deus e protegê-lo dos inimigos que
querem destruir sua fé.”11
O rebanho de Deus é alimentado pelo ensino e pela pregação das Escrituras e dessa
forma a Igreja é edificada e se expande. E ainda ela é capaz de fazer frente aos seus inimigos
e aos falsos ensinamentos. Paulo, além de ter plena convicção de que Deus o chamara para
edificar sua Igreja, entendia que a edificação, tanto no sentido de fortalecimento quanto no de
expansão, se daria pela proclamação da Palavra de Deus.
10
11
BÍBLIA de Estudo de Genebra.
Cornélio Póvoa de OLIVEIRA, op. cit, p. 56.
30
Ao escrever a igreja de Corinto, ele diz: “Eu, irmãos, quando fui ter convosco [...]
decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado [...] a minha palavra e a
minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em
demonstração do Espírito e de poder.” (1 Co 2.1-4)12 Sendo Paulo, um dos homem mais sábio
de sua época, e que poderia ter falado sobre qualquer outra coisa, tomou a redenção em Jesus
Cristo como tema de sua proclamação. Isso mostra que, no ministério do apóstolo Paulo, o
método usado era sempre o da exposição da palavra de Deus para edificação do corpo de
Cristo em suas duas dimensões, tanto no seu fortalecimento quanto na sua expansão.
Assim, escrevendo a Timóteo, ele afirma: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino, para repreensão, para a correção, para educação na justiça, a fim de que o
homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.” (2 Tm 3.16-17)13
Esses versículos dirigidos a Timóteo, além de apontarem a autoridade divina das Escrituras,
revelam igualmente ser o ensino bíblico o método básico para equipar os santos para o seu
serviço, visando a edificação do corpo de Cristo.
A esse respeito vale destacar as palavras de Robinson, ao sugerir como equipar a igreja
por meio do ensino e da pregação:
A pregação do púlpito ungida por Deus dá o rumo de direção da Igreja. A
proclamação da Palavra produz convicção, conclama ao arrependimento e resulta
em entrega de vidas. O Estímulo dado pela exortação feita de púlpito concita e
motiva os membros do corpo a obedecerem a Cristo. A direção do ministério de
equipar é determinada e toma o seu rumo por meio do ministério pastoral da Palavra
e do ensino. Muito do ministério de equipar se realiza quando a Palavra de Deus é
ensinada e o Espírito Santo a coloca nos corações e nas mentes dos que a ouvem.
[...] Ela (a palavra de Deus – observação nossa) prepara inteiramente a pessoa para
praticar boas obras. Equipa a pessoa para a realização da obra de Deus.14
Nas palavras de Robinson, é por meio da pregação e do ensino das Escrituras que as
pessoas se convertem e são preparadas para realizarem a obra dada por Deus à sua Igreja. É,
portanto, função do pastor, por meio do ensino e da pregação da palavra de Deus, treinar,
12
BÍBLIA, op. cit.
Idem.
14
Darrell W. ROBISON, Vida total da igreja: Uma estratégia para o século 21, p. 161 e 163.
13
31
aperfeiçoar e capacitar cada membro do corpo de Cristo para o desenvolvimento dos mais
diversos ministérios na igreja local. E ainda que essa seja a função do pastor, Oliveira afirma
que esse tipo de líder:
Não está afastado da missão da Igreja, assim, como os membros não estão afastados
do seu chamado pastoral para com o mundo. O pastor faz a missão junto com a
Igreja, porque não se separa os membros do corpo, não se separa o braço da perna,
como não se separa o olho do ouvido. O corpo deve agir em unidade, todos os seus
membros devem trabalhar juntos para que o todo funcione bem.15
Nessa afirmação, Oliveira nos chama a atenção para o fato de que todos os membros
do corpo de Cristo devem agir em unidade, visando um fim proveitoso. Paulo, em sua epístola
aos Efésios, nos chama a atenção para unidade no corpo, dizendo: “Mas, seguindo a verdade
em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo corpo, bem
ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte,
efetua o seu próprio aumento para edificação de si mesmo em amor.” (Ef 4.15-16)16 O que
Paulo nos mostra aqui é que nenhuma igreja será edificada se os seus membros trabalharem
isoladamente. A própria variedade de dons, afirma Charles Van Engen:
Mostra-nos a impossibilidade de uma só pessoa, o “ministro”, ser a única designada
para realizar o ministério do corpo de Cristo. Tampouco espera-se que uma pessoa
ponha todas as outras a trabalhar. Antes os líderes preparam, organizam, assistem e
servem os portadores e executores dos dons do Espírito, mas não controlam, não
determinam nem designam esses dons.17
O pastor indígena tem diante de si um grande desafio que lhe exige um preparo
adequando, pois além da responsabilidade de cuidar do rebanho, capacitando-o para o
exercício do serviço cristão, buscando manter a unidade do corpo, ele deve também ser capaz
de mobilizar as “pessoas [...] de seus espaços de comodismo, ansiedade [...] para os espaços
da comunhão com Deus e com o próximo, do serviço à comunidade e ao mundo, da vida em
livre solidariedade.”18 E não se alcançará os propósitos de Deus, se o pastor ou o líder apenas
capacitar, mas não buscar motivá-los ou envolvê-los simultaneamente nos ministérios da
15
Cornélio Póvoa de OLIVEIRA, op. cit, p. 54.
BÍBLIA, op. cit.
17
Charles Van ENGEN, op.cit, p. 199.
18
Júlio Paulo Tavares ZABATIEIRO: O Pastor Urbano é um capacitador multidisciplinar, p. 237.
16
32
igreja local. E depois de mobilizá-los, os pastores ou presbíteros devem ainda supervisionar
ou coordenar a vida da Igreja. Esse era o modelo de ministério de Paulo, que pode e deve ser
seguido.
Em sua práxis ministerial, Paulo, após organizar os convertidos em igrejas e
estabelecer liderança local, algum tempo depois voltava para supervisioná-las. No livro de
Atos, encontramos esse exemplo de cuidado que o apóstolo Paulo tinha para com as igrejas ou
comunidades que eram estabelecidas ao longo de suas viagens missionárias. Lucas registra as
seguintes palavras: “Alguns dias depois, disse Paulo a Barnabé: voltemos agora, para visitar
os irmãos por todas as cidades nas quais anunciamos a palavra do Senhor, para ver como
passam.” (At 15.36)19 E ainda lemos: “havendo passado ali algum tempo, saiu, atravessando
sucessivamente a região da Galácia e Frígia, confirmando todos os discípulos.” (At 18.23)20
O método de ensino e a pregação bíblica, mencionados acima, apontam para a
capacitação ou formação do povo Deus como eixo central do ministério pastoral. Essa ação
capacitadora ou formadora tem como um de seus alvos a formação da identidade cristã da
igreja local. Quanto a isso, Zabatieiro nos chama a atenção quando levanta a seguinte questão:
“Como formar o povo de Deus para a identidade cristã nesta época em que são tantos os
modelos de igreja, os modelos de ministério, os modelos de vida cristã, as teologias que nos
convocam a sermos desta ou daquela maneira?”21 Atualmente, um dos maiores desafios à
igreja evangélica indígena é a formação de sua identidade cristã. Pois o que se observa em
muitas igrejas evangélicas no contexto indígena é uma reprodução de nossa práxis evangélica
em vários aspectos22. Isso revela a necessidade e a importância da preparação de pastores e
líderes capazes de formar uma identidade cristã contextualizada.
19
BÍBLIA, op.cit.
Idem.
21
Júlio Paulo Tavares ZABATIEIRO, O Pastor Urbano é um capacitador multidisciplinar, op. cit, p. 239.
22
O que ocorre atualmente na igreja evangélica emergente no contexto indígena é uma reprodução da nossa
Teologia e práxis eclesiológica e isso aponta para a falta de uma reflexão teológica e de uma práxis eclesiológica
próprias que sejam relevante ao seu contexto.
20
33
O cuidado pastoral com o rebanho de Deus implica também em protegê-lo, como
mencionamos anteriormente. O apóstolo Paulo, por exemplo, quando estava para se ausentar
de Éfeso, mostrou-se preocupado com os inimigos que se levantariam contra aquela igreja.
Por isso, adverte aos presbíteros daquela comunidade dizendo:
Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu
bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual comprou com seu próprio sangue.
Eu sei que, depois de minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não
pouparão o rebanho. E que dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas
pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles. (At 20.28-30)23
E ainda em uma de suas epístolas pastorais, Paulo escrevendo a Timóteo, seu filho na
fé, diz: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Continua nestes deveres; porque fazendo
assim, salvarás tanto a ti mesmo como aos teus ouvintes.” (1 Tm 4.16)24
A Escritura é clara quanto ao cuidado que se deve ter com o rebanho de Deus e,
inúmeras vezes, nos chama a atenção em relação àqueles que tentam ou que agem com o
intuito de remover da fé dos que crêem em Jesus. E no contexto indígena, a igreja evangélica
emergente não está isenta de inimigos desta natureza e nem tampouco de seus falsos
ensinamentos. Um exemplo de tentativa de remover a fé no contexto indígena parte daqueles
que se posicionam contra o evangelho, que em sua grande maioria são não indígenas e que
costumam afirmar para os indígenas que o evangelho é “coisa de branco” e que o índio já tem
sua religião.25
Por esta razão, a admoestação do apóstolo Paulo é relevante também para os líderes e
pastores indígenas. Cuida de ti mesmo, do rebanho de Deus e da doutrina! É essa a
advertência bíblica nessas referências para pastores e líderes evangélicos, indígenas ou não. E
isso requer preparo em várias áreas da vida.
23
BÍBLIA, op. cit.
Idem.
25
O autor desta pesquisa já ouviu muito essa afirmação na reserve indígena onde trabalha. Ela foi feita
principalmente por acadêmicos descomprometidos com Deus e que vão para a área indígena desenvolver seus
projetos de pesquisa.
24
34
Pastorear ou cuidar do rebanho de Deus exige que os pastores e líderes sejam aptos a
capacitar todo corpo de Cristo para expansão do Reino de Deus. Pois sua função principal,
afirma Van Engen: “será edificar o corpo de Cristo para que venha a ser o povo
missionário.”26
2.1.2 A expansão do Reino de Deus
No Novo Testamento, a responsabilidade da Missio Christi passa para a igreja. Essa
delegação de responsabilidade é feita pelo próprio Jesus: “Assim como tu me enviaste ao
mundo, também eu os enviei ao mundo.” (Jo 17.18)27 A este envio, convencionou-se chamar
de missão.
O chamado para o cumprimento desta missão foi dado por Jesus em duas ocasiões
distintas. A primeira foi após sua morte e ressurreição, quando ele aparece aos seus discípulos
na Galiléia e diz: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei
discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo;
ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco
todos os dias até a consumação do século.” (Mt. 28.18-20)28 A segunda foi quando Jesus se
dirigiu aos seus discípulos, pouco antes de sua ascensão, dizendo-lhes: “Mas recebereis poder,
ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como
em toda Judéia e Samaria e até aos confins da terra.” (At 1.8)29
Essas passagens bíblicas, e poderiam ainda ser acrescentadas outras, evidenciam que a
Igreja é, na sua essência, missionária. Ela existe por causa da missão. Kohl, com base nessas
passagens bíblicas, afirma: “A missão é, de fato, o ponto focal da Igreja. É o propósito para o
qual ela existe.”30 E, portanto, todos que fazem parte do corpo de Cristo têm o compromisso e
a responsabilidade de anunciar o evangelho. Cabrial, referindo-se a esse tópico, afirma: “A
26
Charles Van ENGEN, op. cit, p. 203.
BÍBLIA, op. cit.
28
Idem. Ver ainda Marcos 16.15, 16.
29
Ibidem.
30
Manfred Waldemar KHOL, Missão: o coração da igreja para o novo milênio, p. 47.
27
35
igreja herdou o compromisso de tornar Deus conhecido em todas as nações da terra,
anunciando a redenção da humanidade por meio de Jesus Cristo, o ‘Messias prometido’ para
ser o libertador de toda humanidade.”31
A Igreja, sim, herdou a responsabilidade de dar continuidade à práxis de Jesus. Isso
não é privilégio de apenas um grupo seleto de pastores e líderes. O livro de Atos e as cartas
paulinas mencionam muitas pessoas, que não eram necessariamente pastores ou presbíteros,
que foram essenciais à vida da igreja em seus anos iniciais e também na propagação do
evangelho.
Em Atos, por exemplo, Lucas, referindo-se ao dia de pentecostes, revela que o
derramamento do Espírito Santo resultou na participação de todos e não apenas dos apóstolos
ou dos líderes no que diz respeito à proclamação das grandezas de Deus:
Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; de
repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda casa
onde estavam assentados. E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de
fogo, e pousou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e
passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem.
(At 2.1-4)32
O Silva, em seu livro O Espírito Santo e a Missão da Igreja, comentando esta
passagem bíblica, afirma:
A partir do derramar do Espírito sobre todo povo de Deus, não haveria mais
distinção para o serviço, porém todos, homens e mulheres, jovens e velhos, livres e
escravos, seriam vocacionados e capacitados para a missão. Portanto, fica claro, a
partir de Atos, que o Espírito Santo usaria a totalidade do povo de Deus, para
cumprir seu propósito missionário. (grifo nosso)33
Ainda dentro dessa perspectiva, Paulo, em 1 Tessalonicenses 1.8, indica a participação
e a responsabilidade de toda a igreja na proclamação do evangelho. Nesse texto, Paulo afirma:
“Porque de vós repercutiu a palavra do Senhor não só na Macedônia e Acaia, mas também por
toda parte se divulgou a vossa fé para com Deus, a tal ponto de não termos necessidade de
31
Silvanio Silas Ribeiro CABRIAL, Missio Dei e o crescimento das igrejas históricas, p. 35.
BÍBLIA, op. cit.
33
Eder José de Melo SILVA, O Espírito Santo e a Missão da Igreja, p. 70-71.
32
36
acrescentar coisa alguma.”34 O contexto desta passagem nos mostra que certamente todo laos
Theou (povo de Deus) e não apenas os líderes dessa comunidade, mesmo em meio a
tribulações, esteve envolvido para que por toda parte fosse possível ouvir da sua fé para com
Deus.
No Pacto de Lausanne, artigo 6º, a ênfase quanto à responsabilidade da propagação do
evangelho também recai sobre todo o corpo de Cristo.
Afirmamos que Cristo envia o seu povo redimido ao mundo assim como o Pai o
enviou, e que isso requer uma penetração de igual modo profunda e sacrificial. [...]
A evangelização mundial requer que a igreja inteira leve o evangelho integral ao
mundo todo. A igreja ocupa o ponto central do propósito divino para com o mundo,
e é o agente que ele promoveu para difundir o evangelho. [...] (grifo nosso).35
Em todas as afirmações vistas até aqui, o que se pode constatar é que Deus tem
chamado do mundo um povo para si um povo, como diz Pedro: “[...] de propriedade exclusiva
de Deus [...].” (1 Pe 2.9)36 E é esse mesmo povo, sem distinção nenhuma entre clero e leigo,
que Ele envia novamente ao mundo, agora como seus servos, suas testemunhas e seus agentes
de transformação, com um propósito bem definido: estender o seu Reino.
Para o cumprimento dessa missão, os pastores e líderes da igreja local exercem um
papel de suma importância que é preparar ou capacitar: “os santos para o desempenho do seu
serviço” (Ef 4.12), com vistas à edificação do corpo de Cristo. Essa edificação precisa ser
entendida não só como fortalecimento dos membros da igreja, mas, como diz Lopes, “deve
ser compreendida como a construção do Corpo de Cristo, do Reino de Deus, fazendo-os se
expandir para dentro do mundo, alcançando aqueles que carecem da glória de Deus.”37
Em relação ao papel dos pastores e líderes, e com base em Efésios 4, Lopes ainda
afirma: “Não existe outro propósito, não existe outra necessidade de se ter pessoas exercendo
34
BÍBLIA, op. cit.
PACTO DE LAUSANNE. A Igreja e a Evangelização, p. 91.
36
BÍBLIA, op.cit.
37
César Marques LOPES, Mobilizando a igreja local para uma missão integral transformadora, p. 138.
35
37
essa função pastoral além do trabalho de converter membros de igrejas em novos missionários
do Reino de Deus.” (ênfase do autor)38
No livro Líderes ontem, líderes hoje, Marcondes, falando da responsabilidade dos
líderes eclesiais, afirma: “Os líderes têm a grave responsabilidade de despertar a consciência
da comunidade cristã para que ela assuma seu papel de sal da terra e luz do mundo, com todas
as suas implicações.”39
Em resumo, o propósito de Deus é que pastores e líderes cumpram o seu papel
preparando toda igreja para a ação pastoral conjunta em relação ao mundo. Contudo, a
existência de pastores e líderes não elimina, de maneira alguma, a responsabilidade da igreja
inteira em sua ação missionária. Por outro lado, a participação dos membros do corpo de
Cristo não minimiza nem despreza o papel dos pastores e líderes. Portanto, a ação pastoral
deve ser entendida como ação de toda igreja, ou seja, como uma responsabilidade coletiva. E
ainda é necessário destacar que dentro do propósito de Deus não há espaço para que uns
poucos sejam tidos como sujeitos e a grande maioria como objetos da ação pastoral. Todo
povo de Deus, clero e leigo, devem ser tidos como sujeitos da missão.
Nessa ação pastoral ou missionária, no contexto indígena, a igreja evangélica
emergente se depara com muitos desafios. Entretanto, por falta de espaço nesse trabalho,
abordaremos apenas o desafio da contextualização teológica.
René Padilla, teólogo e missiólogo equatoriano, em seu livro Missão Integral, ao
abordar o tema da contextualização do evangelho, dando atenção à relação entre a teologia e a
evangelização na América Latina, afirma: “A igreja na América Latina é uma igreja sem
teologia própria.”40 E esse mesmo autor, nos chama a atenção para que sejam observados
alguns aspectos que justifica sua afirmação. Permitam-nos citá-los:
38
Idem, p. 139.
Juarez Marcondes FILHO, Líder ontem, líder hoje, p. 109.
40
C. René. PADILLA, Missão Integral, p. 107.
39
38
Então que se constate quanto de nossa literatura cristã é traduzido do inglês [...] e
quão pouca é escrita pó nós. Que veja quanto de nossa pregação se reduz a uma
mera repetição de fórmulas doutrinais mal-assimiladas, sem inserção em nossa
própria realidade histórica. Que observe como nossas igrejas, sem cerimônia,
mantém a coloração teológica das missões que as fundaram, e concebem o estudo
teológico fundamentalmente como o estudo das peculiaridades doutrinais das igrejas
às quais remonta sua origem. Que examine o corpo docente e o programa de nossos
seminários e institutos bíblicos teológicos. Que passe em revista nossa hinologia e
nossa ‘corinhologia’.41
Uma análise cuidadosa de todos esses aspectos de nossa realidade eclesiástica não
fugirá da conclusão que o próprio René Padilla nos aponta: a nossa ‘dependência teológica’.
Se a igreja na América Latina, e aqui incluo a igreja evangélica brasileira, sofre a falta de uma
reflexão teológica própria não surpreende que o mesmo aconteça com a igreja evangélica
emergente em contexto indígena. A verdade é que a igreja evangélica indígena, como
qualquer outra igreja evangélica num contexto sócio-cultural específico, carece de uma
teologia que responda às suas próprias necessidades. E esse quadro não será revertido
enquanto a prática de importação ou imposição (mesmo que involuntária) de teologia
continuar.
No contexto indígena, inúmeras questões têm continuado sem respostas, pelo fato da
teologia sistemática ocidental não oferecer necessariamente respostas bíblicas para questões
do dia-a-dia. Por esta razão, muitos novos cristãos continuam buscando ajuda dos pajés para
lidar com tais questões. Norval Oliveira, lingüista e tradutor bíblico, em seu artigo O Conceito
de salvação num contexto animista, nos ajuda a entender um pouco esta questão, quando
afirma:
As verdades bíblicas são absolutas e se aplicam a todos os contextos culturais.
Porém, cristãos de diferentes épocas e lugares, no afã de aplicar as verdades divinas
criaram certas ênfases, ou melhor, aplicaram verdades bíblicas ao seu próprio
contexto de acordo com as suas necessidades, deixando de enfatizar outros aspectos
dessas mesmas verdades. Assim, no contexto ocidental altamente influenciado por
filosofias, a ênfase recaiu sobre aspectos mais filosóficos. Aplicando essas verdades
num contexto intelectualizado e filosófico, os irmãos ocidentais estavam
apresentando as verdades bíblicas de forma que elas fossem relevantes para o povo
41
Idem, p.107.
39
ocidental. As ênfases filosóficas, contudo, quando aplicadas a outros contextos
culturais podem ser inoperantes e irrelevantes. (grifo nosso)42
Esse mesmo autor ainda acrescenta:
Povos animistas são muito interessados no aqui e agora. Por isso, precisamos
apresentar a eles um conceito de salvação que também dê respostas às questões
imanentes. Como lidar com questões espirituais no dia-a-dia, por exemplo. O que
Jesus e sua mensagem dizem sobre o mundo dos espíritos e os perigos cotidianos
advindos dele? Quando Jesus salva, ele salva aqui e agora ou a salvação é apenas
para o futuro após a morte? Esses são assuntos pertinentes num contexto animista.
(grifo nosso)43
Ebehart, também lingüista e tradutor bíblico, da Wycliffe Bible Translator, faz uma
afirmação semelhante. Diz ele:
A teologia sistemática e ocidental não funciona para muitas culturas, incluindo
muitas culturas indígenas – eles pensam diferente. Temos que descobrir quais são as
perguntas que eles estão fazendo quando pensam em Deus, e depois procurar
responder a essas perguntas aplicando a palavra de Deus a essas preocupações. Por
exemplo, em vez de perguntar – quais são os atributos de Deus? Muitos querem
saber – será que Deus é mais forte do que os espíritos do mato? A teologia indígena
terá que responder a esse tipo de pergunta.44
Observa-se nessas afirmações que a teologia sistemática ocidental não oferece
necessariamente respostas a questões do cotidiano das pessoas, incluindo aqui os indígenas
em seu contexto específico. Talvez, sua inoperância ou irrelevância esteja no âmbito da
cosmovisão, que influencia a interpretação das Escrituras.
Nesse momento, é importante destacar as diferenças que Hiebert faz entre Bíblia e a
teologia e entre duas definições de teologia. Em primeiro lugar, ele afirma que: “A Bíblia é
um documento histórico da revelação de Deus aos homens. A teologia é a explicação
sistemática e histórica das verdades contidas na Bíblia.”45 Em segundo lugar, ele diz:
Algumas vezes, utilizamos o termo (teologia) quando falamos sobre a verdade
absoluta. A teologia é uma descrição e explicação sistemática da maneira como as
coisas realmente são, a maneira como Deus as vê, e iremos nos referir a isso como
“Teologia”, com T maiúsculo. Em outras ocasiões, utilizamos o termo quando
falamos de descrições e explicações humanas da realidade, que surgem a partir de
42
Norval Oliveira da. SILVA, O Conceito de salvação num contexto animista. (manuscrito) citado com
permissão.
43
Ibid.
44
Davi EBEHART. Notas pessoais. Citado com permissão.
45
Paul G. HIEBERT, op. cit, p. 197.
40
nosso estudo bíblico. Iremos nos referir a isso como “teologia” com um t minúsculo.
Freqüentemente, confundimos as duas teologias (acréscimo nosso).46
Essa teologia com T maiúsculo é absoluta e supra-cultural, já a teologia com t
minúsculo é desenvolvida pelo ser humano e moldada por seu contexto histórico-cultural
específico. E é justamente esta teologia com t minúsculo, resultado do nosso estudo bíblico e
condicionada por nossa cultura, que muitas vezes não traz respostas bíblicas e teológicas num
dado contexto indígena.
Diante desse desafio, um bom preparo bíblico e teológico para os pastores e líderes da
igreja evangélica indígena seria um bom começo na busca de uma reflexão teológica própria
ou contextual.
A seguir, apresentaremos o referencial teórico deste trabalho, em dois focos: o da
pedagogia freireana e da missão integral.
2.2 Um modelo pedagógico a partir de Paulo Freire
Paulo Freire é talvez o educador brasileiro mais conhecido e reconhecido, tanto a nível
nacional como internacional. Sua experiência em vários projetos, direta ou indiretamente
relacionados com a educação em diversos contextos sócio-culturais, traz imensa contribuição
a diversas áreas do saber. Sua proposta pedagógica é fruto de uma reflexão-ação a partir de
um contexto histórico-cultural real e não uma teoria acabada. Sendo assim, ela pode ser
reinventada ou recriada em qualquer outro contexto. Mesmo que suas pressuposições
ideológicas sejam questionáveis, é possível, encontrar em suas obras subsídios para
pensarmos sobre Educação Teológica Indígena.
A seguir, então, serão apresentados alguns aspectos principais extraídos do
pensamento freireano que servirão de base para o referencial teórico desse trabalho.
46
Idem, p. 198.
41
2.2.1 O educando no seu contexto: o ponto de partida da educação
Segundo Freire, o homem não existe fora do mundo, nem fora da realidade, “pois é um
ser de raízes espaço-temporal.”47 Ou seja, o homem existe no e com o mundo e vive em
constante relação com ele mesmo e com os outros. Por esta razão, a educação deveria ser
precedida por uma reflexão sobre a relação homem-mundo, tendo como ponto de partida o
educando e a educanda no seu contexto histórico-cultural.
Nas palavras de Andrade:
A abordagem freireana da educação faz-se com este entendimento da multiplicidade
cultural: valoriza-se a cultura do indivíduo, não com a intenção de lhe facilitar o
acesso ao saber [...] e, sim, de demonstrar que se parte desta cultura para se
compreender outras tão importantes quanto a sua e não ‘superiores’. O processo é de
contato, mas não é acrítico. É também de releitura. Valorizar a linguagem e a cultura
do outro é reconhecer que não se impõem a alguém valores e conceitos como se
fossem os melhores.48
Na concepção “bancária” de educação, há uma dicotomia na relação homem-mundo.
A visão que se tem do homem é simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros;
e a consciência é vista como alguma seção “dentro” do homem, pronta a receber os
“depósitos” ou investimentos. Isso aponta para a inexistência de uma relação homem-mundo,
para uma passividade no ato de conhecer e para uma rejeição do saber adquirido, através da
experiência sócio-cultural, com que o educando e a educanda chegam à escola.
Freire, em sua prática pedagógica, supera essa dicotomia. E na relação homem-mundo,
ele concebe os seres humanos como “seres que estão sendo, [...] seres inacabados,
inconclusos, em e com uma realidade que, sendo histórica também, é igualmente
inacabada.”49 Os seres humanos são, então, nessa perspectiva, seres de busca, seres em
construção.
47
Paulo FREIRE. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo
Freire, p. 39.
48
Elizabeth Vasconcelos ANDRADE. Quem é Eva e o que é uva. Uma abordagem pragmática e o método
Paulo Freire: propostas para um letramento radical, p.52.
49
Paulo FREIRE. Pedagogia do Oprimido, p. 72-73.
42
Sendo assim, é na consciência dessa inconclusão da essência humana e também da
realidade que se fundamenta o pensamento freireano sobre educação.
É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como
processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em que
se reconheceram inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e homens
educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade.50
A concepção que Freire tem acerca da consciência, que é oposta a da educação
“bancária”, é dos seres humanos como “corpos conscientes”51. Esse é o pressuposto
fundamental para o desenvolvimento de seu método conhecido como “conscientização”. A
conscientização torna-se, portanto, não só um dos conceitos base do pensamento freireano,
mas um instrumento contra a prática “bancária” de educação. E em seu livro Conscientização:
teoria e prática da libertação, ele nos apresenta a essência deste vocábulo, afirmando que
conscientização é: “Mais que uma simples tomada de consciência. Supõe, por sua vez, o
superar a falsa consciência, quer dizer, o estado de consciência semi-intransitiva ou
transitivo-ingênuo, e uma melhor inserção crítica da pessoa conscientizada numa realidade
desmitificada.”52 (grifo nosso).
E para superação desses estágios da consciência53, a educação se torna o elemento
indispensável para que o sujeito, por meio da problematização desenvolvida através do
diálogo, possa passar de um estágio a outro de consciência. Isso se daria através de um
esforço conjunto, participativo, pelo quais educadores e educandos(as) iriam percebendo, de
forma crítica, como estão sendo no e com o mundo e com os outros. Nas palavras de Schipani:
Freire tem proposto a superação das diversas formas de consciência “mágica” e
“ingênua”, e o desenvolvimento de uma consciência crítica, como os objetivos
50
Paulo FREIRE. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, p. 58.
Paulo FREIRE, Pedagogia do Oprimido, op. cit., p. 62.
52
Paulo FREIRE, Conscientização: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire, op. cit., p.104.
53
Para um maior entendimento acerca da conscientização e dos estágios da consciência, recomendamos a leitura
de três obras do Paulo Freire: Pedagogia do Oprimido, Educação como Prática da Liberdade e Conscientização:
teoria e prática da libertação.
51
43
fundamentais de seu enfoque educativo, especialmente na área dos registros
cognitivos e lingüísticos do comportamento. (grifo nosso)54
É com base nesses pressupostos que Freire critica de forma incisiva o modelo
tradicional de educação, denominado de “bancário”, e propõe uma educação fundamentada na
ação conscientizadora. Essa educação caracteriza-se pela negação de fazer educação sem o
outro e, por esta razão, seu método está elaborado sob a forma básica de três passos didáticos,
onde “os participantes estão comprometidos uns com outros nas distintas fases do ensinoaprendizagem: na investigação, na tematização, e na problematização, [...]” (grifo nosso)55. E
isso supõe intercomunicação e interrelação, diálogo e ação conjunta.
Para executar essa educação com base na ação conscientizadora, Freire vai instaurar o
diálogo como eixo principal ou uma dimensão essencial no espaço pedagógico.
2.2.2 O diálogo como eixo principal no espaço pedagógico
Ao criticar a educação “bancária”, Freire apresenta uma pedagogia fundamentada no
diálogo. Este diálogo proposto por Freire está baseado na indissociabilidade de três
“categorias gnosiológicas”: educador-educando-objeto do conhecimento.
Na educação “bancária” essas categorias se encontram em lados opostos, devido a
concepções que se tem acerca do homem e do conhecimento: de um lado encontra-se o
educador e o conhecimento e do outro o educando ou a educanda, que na sabem.
Em relação às categorias educador-educando, Freire afirma que: “Uma análise exata
das relações professor-aluno em todos os níveis, na escola ou fora dela, revela seu caráter
54
, Daniel S SCHIPANI. Paulo Freire: educador cristiano. p. 20. A tradução da citação é de minha
responsabilidade. O texto original é: “Freire há propuesto la superación de las diversas formas de consciencia
‘mágica’ e ‘ingenua’, y el desarrollo de uma consciencia crítica, como los objetivos fundamentales de su enfoque
educativo, especialmente em el área de los registros cognitivos y lingüísticos del comportamiento.” p. 20
55
Daniel S SCHIPANI. Educación Libertad y Creatividad: Encuentro y Diálogo con Paulo Freire, p. 24. A
tradução da citação é de minha responsabilidade. O texto original é: “los participantes están comprometidos el
uno com el outro em las distintas fases del enseñar y el aprender: la investigaciós, la tematización, y la
problematización, [...]”.
44
essencialmente narrativo. Esta relação supõe um sujeito narrador: o professor, e supõe objetos
pacientes que escutam: os alunos.”56
Esta afirmação aponta para uma inconciliação ou uma contradição entre educadoreducando, quando supõe o professor como sujeito e o aluno como objeto do ato educativo.
Essa contradição também é vista, por exemplo, quando nesta prática se faz uma distinção da
ação do educador em dois momentos: “O primeiro, em que ele, na sua biblioteca ou no seu
laboratório, exerce um ato cognoscente frente ao objeto cognoscível, enquanto se prepara para
suas aulas. O segundo, em que, frente ao educando, narra ou disserta a respeito do objeto
sobre o qual exerceu seu ato cognoscente.”57
De acordo com a afirmação acima, na concepção “bancária”, o conhecimento é algo
que o professor tem acesso e possue e, na sua generosidade, doa àqueles que ele julga saber
pouco ou nada saber. A educação, nesse caso, não passa da transferência de conhecimento.
Nessa prática pedagógica, o papel do professor é o de narrar, dissertar, depositar o
conhecimento, enquanto que o papel dos educandos é de ouvir, de arquivar a narração e os
depósitos que lhe faz o educador(a).
Na concepção “bancária”, afirma Freire:
O professor ensina, os alunos são ensinados; o professor sabe tudo, os alunos nada
sabem; o professor pensa para si e para os estudantes; o professor fala, os alunos
escutam; o professor estabelece a disciplina e os alunos são disciplinados; o
professor escolhe, impõem sua opção, os alunos submetem-se; o professor atua e os
alunos têm a ilusão de atuar graças à ação do professor; o professor escolhe o
conteúdo do programa e os alunos – que não foram consultados – adaptam-se; o
professor confunde a autoridade do conhecimento com sua própria autoridade
profissional, que ele opõe à liberdade dos alunos; o professor é o sujeito do processo
de formação enquanto os alunos são simples objetos dele.58
Para o educador “bancário”, o ato de conhecer, de saber, torna-se um ato “discursivo”,
de fazer “depósitos”, onde os educandos passivamente vão acumulando informações que lhes
serão cobradas mais tarde numa avaliação.
56
Paulo FREIRE, Conscientização: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire, op. cit., p.91-92
Paulo FREIRE, Pedagogia do Oprimido, op. cit., p.69.
58
Paulo FREIRE, Conscientização: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire, op. cit., p.93.
57
45
Na proposta freireana, essa contradição entre educador(a) e educando(a) é superada
por meio do diálogo. Esse diálogo que é uma necessidade existencial, e possibilita a
comunicação no processo educativo, tem como exigência a horizontalidade na relação entre
educador(a) e educando(a). Entretanto, essa relação horizontal:
Não os torna iguais, mas marca a posição democrática entre eles ou elas. Os
professores não são iguais aos alunos por n razões, entre elas porque a diferença
entre eles os faz ser como estão sendo. Se fossem iguais, um se converteria no outro.
O diálogo tem significação precisamente porque os sujeitos dialógicos não apenas
conservam sua identidade, mas a defendem e assim crescem um com o outro. O
diálogo, por isso mesmo, não nivela, não reduz um ao outro. Nem é favor que um
faz ao outro.59
Ter o diálogo como eixo principal no espaço pedagógico não significa a redução do
papel do professor, pelo contrário. Sobre a educação dialógica, diz Anderola:
O papel do professor não é minimizado. Pelo contrário, os/as
professores/professoras aceitam um desafio muito maior e assumem uma tarefa
muito mais relevante e decisiva do que a de serem meros repassadores ou
transmissores de conteúdos prontos. Eles são os responsáveis primeiros [...] de um
processo crítico e inovador, onde o conhecimento é continuamente criado ou
recriado (mesmo o conhecimento como patrimônio já acumulado), numa dinâmica
marcada por uma interação rica e fecunda, onde todos professores e alunos, são
sujeitos.60
E essa relação dialógica entre educador e educando começa antes da situação
pedagógica em si. Tem início na pesquisa do universo vocabular, da realidade de vida dos
alunos e na busca de temas e palavras geradoras, momento esse em que o(a) educador(a)
encontra-se inserido(a) na comunidade do(a) educando(a), participando com ele(a) de sua
linguagem e de seus problemas. Contudo, para pôr em prática esse diálogo: “O educador não
pode se colocar na posição daquele que pretende ser detentor do saber. Isto lhe permite
reconhecer que todos têm um determinado acúmulo de experiências de vida e por isso todos
são, indistintamente, portadores de um tipo de saber.”61
59
Paulo FREIRE. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido, p. 117-118.
Balduino Antonio ANDEROLA. Interdisciplinaridade na obra de Freire: uma pedagogia da simbiogênese e
da solidariedade, p. 77.
61
Fábio Manzini CAMARGO. A atualidade de Freire nos cursos de Pedagogia, p.67.
60
46
Tal diálogo, para Freire, é uma relação que se funda no amor, na humildade, na
esperança, na fé e na confiança62 no outro e nas suas possibilidades. O diálogo, nessa
concepção, sela as relações de compromisso entre educadores e educandos que se encontram
para refletir sobre o que sabem e o que não sabem, como sujeitos conscientes e comunicativos
que são, a fim de transformar a realidade.
Em seu livro Didática e teorias educacionais, Ghiraldelli afirma que, para Freire, esse
diálogo:
Deveria ser o “diálogo amoroso” – encontro de “homens que se amam e que
desejam transformar o mundo”. Este diálogo deveria partir de situações vividas pelo
educador e educando, na comunidade deste último. Depois deveria ser aprofundado
através do esforço intelectual da “problematização”, colocando, assim, os educandos
em condições de alcançarem uma visão crítica de sua realidade.63
Não se deve pensar no diálogo como uma simples estratégia de que o educador lança
mão para obter resultados em favor próprio ou para transformar alunos em amigos. Por esta
razão, Freire nos chama a atenção para a necessidade de entendermos o diálogo como: “Algo
que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos, [...] uma espécie de postura
necessária, na medida em que os seres humanos se transformam cada vez mais em seres
criticamente comunicativos.”64
Neste sentido é válido ainda, destacar as palavras de Streck, quando afirma que o
diálogo é: “Antes de tudo, uma maneira de ser, um modo de se relacionar com o mundo e com
os outros [...] é acima de tudo uma atitude – de respeito, de abertura e de amor – para com o
outro [...].”65
Não resta dúvida, portanto, que o diálogo, na proposta freireana, tem um lugar central
e fundamental para o desenvolvimento de uma educação problematizadora. Tema que iremos
abordar no próximo item.
62
Ver mais detalhes em: FREIRE, 2005, op. cit. p. 96-98 e ainda FREIRE, 1987, op. cit, p. 80-83.
Paulo GHIRALDELLI Junior. Didática e teorias educacionais, p. 52.
64
Paulo FREIRE e Ira SHOR. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor, p. 122-123.
65
Danilo R. STRECK. In.: Philip John GREENWOOD. Fazedores-de-tendas, fazedores de discípulos, p. 88.
63
47
2.2.3 Educação “problematizadora” versus educação “bancária”
A “educação problematizadora”, proposta por Freire, tem caráter reflexivo,
propiciando a análise crítica da realidade social e pressupõe ação-reflexão, distinguindo-se da
educação “bancária” onde o educador apresenta o conteúdo aos educandos e educandas,
impondo-lhes um saber descontextualizado e totalmente desprovido de reflexão.
Na concepção “problematizadora” da educação, a dicotomia educador-educando é
superada, dando lugar a novas categorias, como educador-educando e educando-educador, e
sugerindo uma prática interativa entre ambos, sujeitos de histórias individuais e coletivas.
Oposta à educação “bancária”, a educação “problematizadora” é marcada pela educação com
o educando e a educanda e não para eles.
Essa prática educativa que tem como base a relação dialógico-dialética entre educador
e educando, “torna educandos e educadores capazes de, ao se distanciarem do mundo para
melhor compreendê-lo, retornar a ele apreendendo-o de maneira diferenciada e reveladora
[...].”66 E isso acontece porque ela estimula a criatividade e a criticidade em todos os
envolvidos na ação educativa.
A “problematização”, na concepção freireana, tem como fundamento principal a idéia
de que “ninguém educa ninguém” e também de que “ninguém se educa a si mesmo”, mas “os
homens se educam em comunhão”, “mediatizados pelo mundo”.67
Conforme a afirmação acima, fica claro que na educação “problematizadora”: “O
educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com
o educando que, ao ser educado, também educa [...].”68
E conforme nos sugere Streck, para Freire, nessa concepção, o educador não é: “[...]
alguém de fora, que elabora seus princípios e estratégias a serem “aplicados” à realidade, mas
66
Antonio Fernando Gouvêa da SILVA. Pedagogia como currículo da práxis, p. 33.
Paulo FREIRE, Pedagogia do Oprimido, op. cit., p. 68.
68
Idem, p. 68.
67
48
aquele que empresta seus sentidos, seus conhecimentos e instrumentos para a elaboração e
sistematização dessa pedagogia.”69
É necessário destacar também que, na educação “problematizadora”, a postura dos
educandos e educandas não é a de um ser passivo, que vai sendo cheio do conhecimento que o
professor ou professora lhes transfere. Pelo contrário, a problematização lhes confere um
espaço onde eles vão: “desenvolvendo o seu poder de captação e de compreensão do mundo
que lhes aparece, em suas relações com ele, não mais como uma realidade estática, mas como
uma realidade em transformação, em processo.”70
Nessa perspectiva de prática educativa, o “saber” também é concebido de forma
diferente do que o proposto na prática “bancária” da educação. Aqui só existe saber “na
invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no
mundo, com o mundo e com os outros.”71 Neste contexto, Silva faz a seguinte observação:
“Na base dessa ‘educação problematizadora’ está a compreensão radicalmente diferente do
que significa ‘conhecer’.”72
Isso exige do educador(a) a capacidade e a sensibilidade para desenvolver um
ambiente propício a perguntas, debates e interações que vão contribuir para o
desenvolvimento de uma visão crítica e de um aprendizado que estimule a criatividade do
educando(a).
Nessa perspectiva de educação, diz Silva: “Todos os sujeitos estão ativamente
envolvidos no ato do conhecimento, [...] educador e educando criam, dialogicamente, um
conhecimento do mundo.”73
Ao acompanhar a proposta de Freire, ainda que apresentada aqui de forma lacônica,
não podemos aceitar a idéia do currículo como algo imposto, só podemos entendê-lo como
69
Danilo R STRECK. Uma Pedagogia do (outro) descobrimento, p.54.
Paulo FREIRE, Pedagogia do Oprimido, op. cit., p.71.
71
Freire, Idem, p. 58.
72
Tomaz Tadeu da SILVA. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo, p. 59.
73
Idem, p. 60.
70
49
uma ação conjunta entre todos os atores envolvidos no ato educativo. O currículo como ação
conjunta será o tema que abordaremos a seguir.
2.2.4 O currículo: um projeto participativo
No livro Pedagogia da Esperança, Ana Maria Araújo Freire74 assinala a importância
que Freire dava aos conteúdos programáticos, que deveriam ser democraticamente elaborados
com a colaboração dos alunos, numa espécie de ação conjunta.
Na concepção freireana, é a própria: “[...] experiência dos educandos que se torna a
fonte primária de busca dos ‘temas significativos’ ou ‘temas geradores’ que vão constituir o
‘conteúdo programático’ do currículo dos programas de educação [...].”75
Freire não apenas critica o currículo implícito no conceito de educação “bancária”,
mas, em sua obra Pedagogia do Oprimido, ele dá diretrizes que nos mostram como
desenvolver um currículo relevante para uma prática educativa libertadora, partindo da
investigação dos temas geradores e dos vários momentos desta investigação.
E, ao falar acerca do conteúdo programático, ele nos adverte afirmando que: “[...] para
o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não
é uma doação ou uma imposição, [...] mas a devolução organizada, sistematizada e
acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada.”76
Na
prática,
isso
quer
dizer
que
a
tarefa
do
educador(a)
dialógico(a),
problematizador(a) é desenvolver uma investigação a partir da convivência com os educandos
e educandas em sua situação existencial concreta e daí extrair os temas “geradores”. Depois
deve trabalhar com uma equipe interdisciplinar neste universo temático recolhido e “devolvêlo, como problema, não como dissertação, aos homens de quem os recebeu.”77 Os temas
geradores, na verdade, diz Freire: “[...] existem nos homens, em suas relações com o mundo,
74
Ver nota 46, p.241 da mencionada obra.
Tomaz tadeu da SILVA, Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo, p. 60.
76
Paulo FREIRE, Pedagogia do Oprimido, op. cit., p.83-84.
77
Idem, p. 102.
75
50
referidos a fatos concretos.”78 E o que precisa, além de serem identificados, é serem
desenvolvidos em vários códigos, como: textos, fotografias, cartazes, áudios etc.
E em relação à investigação temática, que é o primeiro passo proposto por Freire na
elaboração do conteúdo programático dos programas de educação, ele nos chama a atenção ao
fato que: “Assim como não é possível [...] elaborar um programa a ser doado ao povo,
também não o é elaborar roteiros de pesquisa do universo temático a partir de pontos
prefixados pelos investigadores que se julgam a si mesmo, os sujeitos exclusivos da
investigação.”79
Na perspectiva freireana, a prática da educação libertadora, ao contrário da “bancária”
– que é marcada pela imposição, pela rejeição aos conhecimentos dos educandos(as)
adquiridos através experiência sócio-cultural e pela passividade desses frente ao objeto do
conhecimento –, é caracterizada pela ação conjunta de todos os sujeitos envolvidos no ato
educativo. A interação implícita na proposta de Freire começa com a construção do currículo
e se expande para todas as demais etapas do processo ensino-aprendizagem.
2.3. Missão Integral: parâmetros para uma educação teológica integral
René Padilla, uma das vozes mais influentes no 1º. Congresso Internacional sobre
Evangelização Mundial em Lausanne, Suíça, em 1974, é considerado por muitos como um
dos pais, na América Latina Contemporânea, da teologia da Missão Integral. Sua reflexão,
teológica e missiológica, transmitida por meio de suas palestras, pregações, artigos e livros,
expressa “a sua busca por uma missão da igreja que seja, ao mesmo tempo, bíblica e
contextual”,80 refletindo, também, seu compromisso com Deus. Suas obras têm trazido uma
contribuição significativa no que diz respeito à reflexão e análise da missão da igreja no e com
78
Ibidem, p. 99.
Ibidem, p.100.
80
C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit, p. 8.
79
51
o mundo. Sendo assim, é possível encontrar, em seus escritos, parâmetros que possam
delinear uma Educação Teológica Integral.
A seguir destacaremos alguns aspectos fundamentais abordados pela teologia da
Missão Integral, que servirão de base para esse segundo foco do referencial teórico desta
pesquisa.
2.3.1 A relevância do contexto
Ao apresentar o primeiro foco do referencial teórico deste trabalho, na perspectiva da
pedagogia freireana, tratei da questão do educando no seu contexto como ponto de partida da
educação. E ao abordar a relevância do contexto neste segundo foco, faço-o sem a
preocupação de estar estendendo demais o assunto, pois a perspectiva em que Paulo Freire e
René Padilla abordam o contexto é diferente.
Valdir Steuernagel, na apresentação do livro Missão Integral,81 destaca a ênfase que
Padilla dá em relação ao contexto:
Conforme Cris Sugden, do Oxford Center for Mission Studies, a apresentação de
René em Lausanne 74 mudou o curso da história. E isto simples e basicamente
porque este se levantou e disse: ‘O contexto no qual se evangeliza é tão importante
quanto qualquer outra coisa, ao se decidir acerca do significado do evangelho para
aquele mesmo contexto’. (grifo nosso)82
O ponto destacado na afirmação acima nos reporta a uma velha história na caminhada
cristã: a tensão entre Igreja e contexto e Teologia e contexto. A esse respeito, Zabatieiro
afirma: “Durante a história da Igreja encontramos essa tensão entre Igrejas e contexto
manifesta de formas distintas em cada tempo histórico e espaços político-culturais.”83 Essa
tensão é conseqüência natural da proclamação do evangelho transculturalmente. O problema
surge quando não há uma contextualização crítica e o evangelho torna-se algo à margem de
dada cultura.
81
Refiro-me ao livro do René Padilla, Missão Integral, p. 7.
C. René PADILLA, Missão Integral, op.cit, p. 7.
83
Júlio Paulo Tavares ZABATIEIRO, O Desafio da contextualização crítica, p. 55.
82
52
Ao abordar o tema da falta de contextualização do evangelho nas culturas do Terceiro
Mundo, Padilla afirma:
Tanto na Ásia como na África, o cristianismo é uma religião étnica: a religião do
homem branco. Na América Latina, por outro lado, ela cumpre a função de adorno
cultural, do qual se pode prescindir sem maiores conseqüências. Tal como expressa
Míguez Bonino: “Nem o Catolicismo Romano e nem o Protestantismo, como
igrejas, tiveram arraigamento necessário na realidade latino-americana para iluminar
o pensamento criativo. Em outros termos, ambas as igrejas permaneceram marginais
à história de nossos povos.”84
Paul Hiebert, ao tratar sobre a Teologia no Contexto, mostra que nem todas as
tentativas de contextualização da teologia, ao longo da história do cristianismo, foram
igualmente bem-sucedidas:
A história da igreja não pode ser entendida fora de seu ambiente cultural e histórico.
A igreja primitiva buscava tornar o evangelho entendido e preservar sua mensagem
autêntica no contexto da cultura grega que, de muitas maneiras, era estranha à
Bíblia. No processo, ela precisou combater as heresias que emanavam da
cosmovisão dualista grega que tornou Cristo homem ou Deus, mas não ambos. A
ortodoxia protestante do século XVII e XVIII se opôs à natureza degenerada da
igreja de seus dias e formulou uma teologia com significado para as pessoas do
Iluminismo. Desde, então, o pietismo, o evangelicalismo, o liberalismo, a neoortodoxia e outras teologias surgiram como tentativas de tornar a mensagem cristã
relevante e significante para os homens seculares modernos. No entanto, nem todas
essas tentativas de contextualizar a teologia foram igualmente bem-sucedidas em
preservar a mensagem autêntica das Escrituras. (ênfase do autor)85
Numa breve análise da história da evangelização na América Latina até os nossos dias,
é possível observar que a contextualização do evangelho, em muitos casos, não foi bemsucedida, ficando a margem da cultura e história de vários povos. Pode-se também constatar
que a tendência foi e ainda continua a ser, via opção de muitos pastores e líderes evangélicos,
a mera reprodução de teologias e modelos eclesiais dos Estados Unidos e da Europa. Não é
possível deixar de reconhecer que há muitos teólogos e missiólogos, na América Latina, que
estão labutando na busca de uma reflexão teológica encarnada e de uma igreja
contextualizada.
Entretanto, essa importação de modelos estrangeiros reflete ainda hoje certo grau de
desconexão da teologia e da igreja com o contexto, como uma espécie de divórcio da reflexão
84
85
C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit., p.112.
Paul G. HIEBERT, op. cit., p. 208.
53
teológica e práxis eclesial com a realidade do cotidiano das pessoas. A falta dessa conexão da
teologia e da igreja com o contexto, na história da evangelização na América Latina, aponta
para a incapacidade da igreja de se contextualizar, ou seja, de “elaborar uma liturgia com
gosto e cheiro autóctones, construir uma reflexão teológica encarnada, desenvolver formas
organizacionais e eclesiais relevantes e anunciar efetivamente o Evangelho ao seu povo.”86
Nas palavras de René Padilla, vemos que:
A contextualização do evangelho é possível pela ação do Espírito Santo no povo de
Deus. À medida que a Palavra se encarna na igreja, o evangelho toma forma na
cultura. E isto reflete o propósito de Deus: sua intenção não é que o evangelho se
reduza a uma mensagem verbal, mas que se encarne na igreja e, através dela, na
história. [...] A contextualização do evangelho pode ser levada a cabo
independentemente da contextualização da igreja na história. [...] Mais do que um
milagre natural, a encarnação é um milagre da graça de Deus.87
A história não é diferente quando pensamos na Educação Teológica em nosso
continente, e aqui incluímos o Brasil: a reprodução dos modelos e programas das instituições
de ensino teológico da Europa e dos Estados Unidos foi o que configurou nossos Seminários e
Faculdades Teológicas. Martins, referindo-se às instituições teológicas no Brasil, afirma: “O
modelo que formatou as instituições teológicas foi importado.”88 Barro, ao tratar deste tema,
acrescenta: “Infelizmente em nossa educação teológica ainda reproduzimos os velhos
conceitos da teologia que vem dos Estados Unidos e Europa.”89
Assim como a vida e missão da igreja não acontecem num vazio – pelo contrário, se
realizam dentro de uma situação histórico-cultural concreta –, da mesma forma não é possível
pensar em Educação Teológica divorciada da realidade cultural do aluno ou da aluna. Isso
porque o ser humano é um ser historicamente situado. Por esta razão, a educação teológica só
será relevante quando ela apresentar respostas às questões do cotidiano das pessoas.
Parafraseando René Padilla, é possível afirmar que: “O contexto no qual se educa
86
Júlio Paulo Tavares ZABATIEIRO, O desafio da contextualização crítica, op. cit., p. 58.
C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit., p. 117-118-119.
88
Edson MARTINS. Instituição teológica: uma visão dos seus principais componentes, p. 61.
89
Antonio Carlos BARRO. Educação teológica e os desafios para uma sociedade em transformação, p. 174.
87
54
teologicamente é tão importante quanto qualquer outra coisa, ao se decidir acerca do modelo
educacional relevante para aquele mesmo contexto.”
2.3.2 A natureza do ser humano
A igreja ocidental herdou da filosofia platônica,90 ao longo da história do cristianismo,
um pensamento dicotômico ou dualista que divide a realidade em dois mundos antagônicos,
como, por exemplo, a dicotomia entre o físico e o espiritual e entre o corpo e a alma.
No Novo Dicionário da Bíblia, em seu verbete Homem, lemos a seguinte afirmação:
No desenvolvimento da doutrina do homem, a Igreja ficou debaixo da influência do
pensamento grego, com seu contraste dualista entre a matéria e o espírito. Colocavase ênfase sobre a alma, com sua ‘faísca divina’, e havia a tendência de o homem ser
considerado como uma entidade individual autocontida, cuja verdadeira natureza
podia ser entendida pelo exame dos elementos separados constituintes de seu ser.
(grifo nosso)91
Normam L. Geisler, em seu livro, Ética Cristã, faz um observação semelhante a esta.
Ele afirma: “Parte do descuido do ‘homem total’ tem sua origem na ênfase platônica nãocristã sobre a dualidade do ser humano. Esta ênfase foi digerida pelos cristãos na Idade Média
e tem sido transmitida para o presente.”92 Essa influência platônica é nociva à missão integral
da igreja porque sua ênfase recai sobre a dimensão espiritual em detrimento do físico ou
material. Assim sendo, a missão da igreja é reduzida à idéia de salvar almas, deixando de lado
as necessidades físicas e sociais que o ser humano tem. Portanto, essa herança platônica
precisa ser cotejada e contestada à luz da Palavra de Deus.
Em Gênesis, lemos: “Então, formou o SENHOR Deus ao homem do pó da terra, e lhe
soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente.” (Gn 2.7)93 Este
texto, afirma Israel Azevedo:
90
Em síntese, o platonismo argumenta que o ser humano é essencialmente um ser espiritual e que apenas tem
conexão funcional com o corpo que, na melhor das hipóteses, é um impedimento e, na pior, um grande mal. A
correção desta erro está no ensino Bíblico acerca da unidade essencial do ser humano. Ver mais detalhes em
Norman L. Geisler. Ética Cristã: alternativas e questões contemporâneas. 1a. ed. São Paulo: Edições Vida Nova.
1984, p. 154.
91
J. D. DOUGLAS. (editor) Novo Dicionário da Bíblia. Artigo “Homem”, item (e), p. 720-722.
92
Norman L. GEISLER. Ética Cristã: alternativas e questões contemporâneas, p. 154.
93
BÍBLIA, op. cit.
55
Tem sido interpretado como a indicação de que o ser humano tem um corpo e uma
alma, esta recebida em algum momento entre a concepção e o nascimento. Somos,
no entanto, desafiados pela revelação bíblica a pensar holisticamente. O dualismo
corpo/alma, encontrado na teologia e na prática dos cristãos, não está na Bíblia. Na
revelação bíblica, o ser humano pensa, sente, deseja e age. A idéia da natureza
humana implica unidade, não dualidade. Não há um contraste entre corpo e alma.
[...] Antes, ele é uma unidade, em que alma, corpo, carne, mente e etc. estão juntos
para constituir um ser completo. [...] O ser humano é uma unidade bio-psíquicoespiritual que põe em marcha nossas marcas de seres criados, formados e nutridos à
imagem e semelhança de Deus. (grifo nosso)94
A teologia da Missão Integral procura eliminar esse dualismo, dando ênfase ao ensino
bíblico de que o homem é uma unidade95 de corpo, alma, e espírito inseparáveis entre si. O
próprio conceito de missão integral expressa essa verdade:
A Missão Integral da igreja quer expressar duas coisas básicas: a) O compromisso
com todo Conselho de Deus [...] a Bíblia quer e precisa ser considerada em sua
totalidade; b) A missão da igreja leva em conta a pessoa em sua totalidade, bem
como o contexto no qual a pessoa vive. A missão veste a roupa da encarnação. (grifo
nosso)96
Em relação a esta visão do ser humano em sua totalidade, ou seja, como um ser
integral, René Padilla, em seu artigo Misión Integral y Evangelización, afirma: “Porque o ser
humano é uma unidade, não se pode pretender ajudar a pessoa dando atenção a suas
necessidades em um só aspecto [...] (por exemplo, sua necessidade de perdão de Deus, uma
necessidade espiritual) [...] deixando de lado suas necessidades em outros aspectos (por
exemplo, o corporal e o material).”97
Essa afirmação é coerente com o que lemos no Novo Testamento, na epístola de
Tiago: “Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento
cotidiano, e qualquer dentre vós lhe disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem,
contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o vosso proveito disso? Assim, também a
fé, se não tiver obras, por si só está morta.” (Tg 2.15-17)98
94
Israel Belo de AZEVEDO. O que é o ser humano?, p. 28-29.
Para alguns teólogos, o ser humano é uma unidade de corpo, alma e espírito (esses são os chamados
tricotomistas). Para outros, o ser humano é uma unidade de corpo e alma (esses são chamados de dicotomistas).
96
C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit., p. 8.
97
C. René PADILLA. Misión Integral y evangelización. http:\\www.kairós.org.ar/articuloderevista.php/id=242.
Capturado em 13. 05. 2006.
98
BÍBLIA, op. cit.
95
56
Neste texto, Tiago apresenta uma visão do ser humano como um ser integral e,
portanto, assevera que a fé que não reconhece as necessidades do corpo e se limita a
manifestar bons desejos “está morta”.
Também, ao estudar os evangelhos, observando a práxis ministerial de Jesus, percebese o seu anseio de ver as necessidades dos seres humanos supridas em todas as suas
dimensões. Ricardo Barbosa, referindo-se à missão de Jesus, afirma: “O propósito da missão
de Jesus não era somente dar pão ao faminto como se o homem fosse apenas corpo, ou salvar
sua alma do inferno como se fosse apenas um ser espiritual; seu propósito era redimi-lo
integralmente.”99 Em outras palavras, é possível afirma que o ensino bíblico é holístico,
apresenta o ser humano com um ser integral, não dicotômico.
2.3.3 Igreja, Reino e Mundo
É fundamental procurar entender a missão da igreja à luz do Reino de Deus, pois esta
compreensão certamente irá influenciar todo processo educativo.
Partindo de um estudo do Novo Testamento, a igreja é apresentada como a
comunidade do Reino. Nas palavras de Padilla, a igreja é: “[...] a comunidade que reconhece a
Jesus como Senhor do universo e por meio da qual, numa antecipação do fim, o Reino se
manifesta concretamente na história.”100 No evangelho de Mateus, Jesus se refere a esta
comunidade como “minha igreja” (Mt 16.18)101. Essas palavras sugerem a relação entre a
igreja e o seu Reino. Entretanto, para se ter uma compreensão correta da relação entre a igreja
e o Reino de Deus, é necessário entender primeiro a relação entre o Espírito Santo e a igreja.
No Novo Testamento, o ensino bíblico deixa evidente que a igreja é resultado da ação
de Deus por meio do Espírito Santo. “Ela é o corpo de Cristo e, como tal, a esfera na qual
opera a vida da nova era iniciada por Jesus Cristo; o Espírito Santo é o agente por meio do
99
Ricardo Barbosa SOUZA. O Caminho do Coração: Ensaios sobre a Trindade e a Espiritualidade Cristã, p. 75.
C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit., p. 204.
101
BÍBLIA, op. cit.
100
57
qual esta vida é impartida aos crentes [...]. Da mesma forma, o Espírito dá à igreja dons
(charismata) que tornam possível sua existência como uma comunidade missionária [...].”102
Em outras palavras, a igreja depende do Espírito Santo tanto para sua existência como para o
cumprimento da sua missão. Em relação a isso, Emil Brunner afirma: “A comunidade de
Jesus vive sob a inspiração do Espírito Santo. Este é o segredo de sua vida, da sua comunhão
e do seu poder. Usando uma palavra moderna, o Espírito supre o dinamismo da Ecclesia
[...].”103
Ela é, portanto, o instrumento de Deus para manifestação do seu Reino aqui na terra e
não um fim em si mesma, pois a igreja não é o objetivo final da missão. E de acordo com
Padilla: “Ela leva as marcas de sua existência histórica, do “ainda não” que caracteriza o
tempo presente. Mas aqui e agora, ela participa do “já” do Reino que Jesus iniciou [...] Ela
não deve ser equiparada com o Reino, mas tampouco separada dele. Seu propósito é refletir os
valores do Reino, aqui e agora, pelo poder do Espírito Santo.”104
Van Engen, tratando acerca da relação entre o Reino de Deus e a igreja, afirma que:
O reino de Deus e a Igreja estão inter-relacionados exatamente na pessoa de Jesus
Cristo, que é ao mesmo tempo Rei do reino e cabeça da Igreja. [...] Assim, a Igreja,
a missão e o reino de Deus devem construir um ao outro. Não são idênticos, mas
intimamente entrelaçados na missão de Deus por meio do povo de Deus no mundo
de Deus.105
De acordo com a afirmação acima, Jesus é o ponto central na relação Reino de Deus e
Igreja. A ênfase central no ensino neotestamentário é que Jesus veio cumprir as profecias do
Antigo Testamento e que em sua pessoa e ministério tornou o Reino de Deus uma realidade
presente entre os seres humanos e ao mesmo tempo uma esperança futura, de que o reino virá.
Padilla explicita isso, dizendo: “O mesmo Deus que interveio na história para iniciar o
drama está atuando ainda e continuará agindo a fim de levar o drama até a sua conclusão. O
102
C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit., p. 205-206.
Emil BRUNNER apud Samuel ESCOBAR, Desafios da igreja na América Latina, p. 41.
104
C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit., p. 206.
105
Charles Van ENGEN, op. cit., p.138.
103
58
Reino de Deus é, portanto, uma realidade presente e ao mesmo tempo uma promessa que será
cumprida no futuro: ele veio (e está presente entre nós) e virá (de modo que esperamos seu
advento).”106
Essa tensão escatológica entre o “já” e o “ainda não” é uma verdade bíblica que
permeia todo o Novo Testamento. E enquanto vive esta tensão entre o “já” e o “ainda não”,
entre a “ascensão” e a “parúsia”, a igreja cumpre sua missão como sinal do Reino de Deus.
Essa missão tem como base o senhorio universal de Jesus Cristo, que como tal comissiona
todo seu povo a fazer discípulos de todas as nações. E por meio desta missão, a igreja
expressa o senhorio universal de Jesus Cristo.
O termo “senhorio universal de Jesus” expressa o Seu “governo em ação” e esse
governo se estende sobre a totalidade de sua criação. É um governo sobre todo o universo.
Sendo seu governo universal, pode-se afirmar que Sua missão é cósmica em sua abrangência.
Por esta razão, a missão da igreja é melhor compreendida quando vista no contexto do
propósito universal de Deus em Jesus Cristo. E o propósito de Deus inclui a redenção de toda
criação. Nas Escrituras, pode-se perceber que o ensino acerca da salvação culmina com o
anúncio de “novos céus e nova terra”. (Ap. 21.1)
Juan Stam, em seu livro Las buenas nuevas de la creación, faz a seguinte afirmação:
“No pensamento bíblico [...] a criação não se contempla aparte da salvação, nem a salvação
aparte da criação. Por isso, a teologia bíblica da criação é absolutamente indispensável para
nossa fiel compreensão tanto do evangelho como da missão da igreja. Jamais poderemos
entender biblicamente a salvação e a missão se as desvinculamos da criação.”107
Isso quer dizer que o propósito da missão da igreja não é meramente a salvação de
almas, mas também a transformação da pessoa inteira, de maneira que esta glorifique a Deus
em todas as dimensões da vida humana: em sua relação com Deus, mas também em suas
106
107
C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit., p. 202.
Juan B STAM. Las buenas nuevas de la creación, p. 101.
59
relações interpessoais e em sua relação com a criação de Deus. Em outras palavras, isso quer
dizer que a missão da igreja é integral e cósmica em sua abrangência.
CAPÍTULO III
POR UMA EDUCAÇÃO TEOLÓGICA INDÍGENA RELEVANTE
Nesse último capítulo, trataremos da relação entre educação e missão. Logo a seguir,
será feita uma abordagem dos principais componentes dos Institutos Bíblicos apresentados no
capítulo I e, por fim, serão sugeridos alguns parâmetros para uma educação teológica indígena
relevante.
3.1 Educação e Missão
A pergunta principal nesse tópico é: Qual a relação entre educação teológica e a
missão integral da igreja? A resposta que vários estudiosos sustentam é que a educação
teológica existe para servir à igreja, no cumprimento de sua missão integral e, como
resultado, sua missão está intrinsecamente relacionada com a missão da igreja. A Dra.
Sherron Kay George, ao tratar sobre a Educação Teológica, destaca que a função da mesma é
realmente servir a igreja. Ela afirma: “Educamos a fim de praticarmos os ministérios e
vivermos a fé cristã. A finalidade última do seminário não se cumpre dentro de suas quatro
paredes, mas dentro das igrejas locais com a edificação dos membros e do corpo e dentro da
sociedade com a evangelização e ação social.”1 Esse pressuposto de que a educação teológica
existe para servir à igreja constituirá a base em nossa reflexão.
Na resposta acima, fica evidente que a função da educação teológica é beneficiar a
missão da igreja. Sendo assim, é necessário que se tenha uma compreensão clara do que vem
a ser essa missão. Por exemplo, se entendermos a missão da igreja apenas como
evangelização do mundo perdido, estaremos reduzindo a missão a apenas uma de suas
dimensões e, conseqüentemente, se desenvolverá uma proposta de educação teológica com
este perfil.
1
Sherron Kay GEORGE, FundamentosBíblicos e Pedagógicos da Educação Teológica, p.8.
61
Para uma compreensão bíblica da missão da igreja é preciso entender qual o objetivo
de nossa criação e da nossa salvação. Rega explicita isso dizendo: “Nesse caso nossa busca é
teleológica. Para que existimos? Para que somos salvos? Só para possuirmos a segurança do
céu?” (grifo do autor)2
A busca por resposta nos remete ao momento da criação e da queda do ser humano no
jardim do Éden. Fomos criados, dizem as Escrituras, para glorificar a Deus (Is 43.7), vivendo
sob sua dependência e lhe sendo fiéis. Este sempre foi o propósito de Deus para o ser humano.
Esse era o nosso papel.
Entretanto a Bíblia nos ensina que o homem caiu, desobedeceu a Deus e, como
resultado de sua rebeldia, se distanciou dele, bem como do propósito original para o qual
havia sido criado, ou seja, o homem deixou de glorificar a Deus (Rm 3.23) e isso trouxe
graves conseqüências para toda humanidade e também para toda criação. Na nota teológica do
capítulo 3 de Gênesis, encontrada na Bíblia de Estudo de Genebra, lemos a seguinte
afirmação: “Como conseqüência, [...] a disposição mental que se opõe a Deus e se engrandece
a si mesmo, expresso no pecado de Adão, tornou-se parte dele e da natureza moral que ele
transferiu aos seus descendentes (Gn 6.5; Rm 3.9, 19; 5.12).”3 Também, é possível observar
nas Escrituras que o relacionamento natural do homem com a terra, com a natureza,
dominando sobre a mesma (Gn 1.28), cultivando-a e guardando-a (Gn 2.15), é afetado. E a
terra, frustrada por ter sido designada por Deus à desarmonia (Gn 3.17), aguarda por sua
restauração (Rm 8.22, 23). Pode-se inferir dessas afirmações que tanto a descendência de
Adão como toda a criação são alvos o propósito salvífico de Deus.
Assim, a partir do relato da criação e da queda do homem, ainda que resumido, será
abordado o objetivo da educação teológica em relação a três dimensões da missão da igreja,
ou seja, a missão da igreja em relação: a Deus, a si mesma, ao mundo. A essas dimensões
2
3
Lourenço Stelio REGA, Revendo paradigmas para a formação teológica e ministerial, p. 112.
BÍBLIA, p.13.
62
Rega denomina de Missão Tridimensional da Igreja.4 Contudo, será acrescentada mais uma
dimensão sugerida por Silva, que, além de trabalhar com as três dimensões já mencionadas,
trata ainda da missão da educação teológica em relação ao estudante5.
3.1.1 Missão em relação a Deus
E em Gênesis (3.15, 21), a Bíblia ensina que Deus, no momento da queda do gênero
humano, mostra-lhe sua graça salvadora, fazendo para o homem e a mulher vestimenta a fim
de cobrir sua nudez e prometendo-lhes que, um dia, a Semente da mulher esmagaria a cabeça
da serpente. Essa promessa apontou para o seu plano salvífico em Cristo Jesus, onde encontra
o seu cumprimento cabal. Esta salvação, em Cristo, nos coloca novamente no estado original
do qual fomos desviados em Adão. Rega, a esse respeito, afirma: “Se é vontade de Deus que
vivamos neste estado renovado de vida, é vontade de Deus também que ele se concretize
coletivamente em nossas comunidades eclesiásticas e, assim, podemos concluir que a
comunidade dos salvos – a igreja – existe também para glorificar a Deus.”6 Esse propósito de
Deus é estabelecido para todo seu povo.
A palavra de Deus, na primeira epístola de Paulo aos coríntios, declara: “Portanto,
quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para glória de Deus.” (1
Co 10.31)7 O ensino bíblico, nessa passagem, mostra que a finalidade última da vida é a glória
de Deus. Morris afirma: “O cristão não está preocupado com a afirmação de seus direitos, mas
com a glória de Deus. Comer, beber, ou qualquer outra coisa mais, devem estar subordinados
a esta consideração mais importante.”8
Ainda no que diz respeito a uma vida que glorifique a Deus, as Escrituras9 nos dão em
alguns momentos ordenanças e em outros nos fazem exortações. Assim, lemos, por exemplo:
4
Op. cit., p.114.
Izes Calheiros B. SILVA, Educação Teológica e Missão Integral, p.67.
6
Lourenço Stelio REGA, op. cit., p. 113.
7
BÍBLIA, op. cit.
8
Leon MORRIS, 1 Coríntios: introdução e comentário, p.120.
9
BÍBLIA, op. cit.
5
63
“Adorai ao Senhor na beleza da sua santidade [...].” (Sl 96.9a); “Todo ser que respira louve ao
Senhor. Aleluia!” (Sl 150.6); “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo teu coração, de toda
tua alma, de todo o teu entendimento e de toda tua força.” (Mc 12.30); e em Oséias a
exortação é: “Conheçamos e prossigamos em conhecer ao SENHOR [...].” (Os 6.3)
Dessa forma, a missão da educação teológica envolve o compromisso de levar seus
alunos e alunas a adorar, louvar, amar, conhecer e glorificar a Deus com todas as suas
implicações. Silva a esse respeito afirma:
Em um programa educacional isto significa que uma vida de adoração, de
submissão, de serviço e de conhecimento do próprio Deus devem fazer parte do
propósito maior que a instituição teológica quer alcançar na vida dos estudantes.
Deve ser o coração de todo o programa da escola, o qual irá fornecer vida para todos
os demais objetivos, para a metodologia, para o conteúdo curricular, para a seleção
do corpo docente e para os critérios de avaliação do programa.10
E, finalmente, pode-se concluir que o objetivo maior da instituição teológica deve ser a
glória de Deus.
3.1.2 Missão em relação a si mesma
Glorificar a Deus inclui muito mais do que adorar, louvar, amar e conhecer, ou seja,
vai além do culto e da liturgia. Inclui também obediência irrestrita à vontade de Deus e uma
vida de serviço que acaba envolvendo toda comunidade, todo corpo de Cristo. E, sendo assim,
é possível deduzir que a missão da igreja em relação a si mesma envolve a capacitação e o
fortalecimento dos seus membros para o cumprimento do serviço cristão. Quanto a essa
dimensão da missão, afirma Rega:
É a igreja promovendo a sua própria manutenção e fortalecimento para que seus
membros tenham uma vida dedicada à comunidade, ao seu trabalho e
desenvolvimento, ao treinamento para serviço e testemunho ao mundo. Aqui está
incluído o treinamento operacional dos crentes, a administração, a admoestação, o
ensino da Palavra, a assistência espiritual e material aos “domésticos da fé” (Gl
6.10), a manutenção da própria convivência ou comunhão na igreja [...].11
Isso exige que a igreja local tenha líderes bem preparados, que sejam capazes de
preparar, motivar e envolver cada membro do corpo de Cristo no ministério cristão. O
10
11
Izes Calheiros B. SILVA, op. cit., p. 70.
Lourenço Stelio REGA, op. cit., p. 113.
64
treinamento ou o preparo de líderes, em parte12, fica sob a responsabilidade das instituições
teológicas e, portanto, deve haver uma boa interação entre igrejas locais e instituições
teológicas para evitar que as reflexões sejam descontextualizadas.
Sendo que a razão da existência da educação teológica é servir a igreja, o programa
educacional deve objetivar o desenvolvimento e o fortalecimento da mesma e não ser um fim
em si mesmo. Na década de 90, Silva já denunciava justamente a existência de uma
incoerência entre o discurso e a práxis de grande parte das instituições teológicas na América
Latina, visitada por ela. Ela asseverava que os programas educacionais existentes deveriam
atender as necessidades das igrejas locais.
Tenho verificado que este ponto de incoerência é comum a grande parte das escolas.
Em sua declaração de objetivos, muitas admitem que existem para servir à igreja; na
sua prática educacional, no entanto, elas existem com um fim em si mesmas. Por
isto, precisamos revisar este ponto. Não basta declararmos que a educação teológica
existe para servir à igreja. Se ela é serva da Igreja não pode existir com um fim em si
mesma. A educação teológica precisa de novo servir à igreja, precisa voltar a
envolver-se com a igreja e a harmonizar-se com os interesses e necessidades desta.13
Na argumentação de Dusilek, ao tratar acerca da relação entre teologia e igreja, há a
seguinte afirmação: “Quando lemos o Novo Testamento, especialmente as epístolas Paulinas,
podemos sentir, sem sombra de dúvida, que a teologia cristã nasceu das necessidades práticas
da igreja. As epístolas surgiram motivadas por problemas concretos surgidos no campo
missionário. As igrejas foram o habitat natural e a motivação para a teologia.”14
Esse mesmo autor ainda acrescenta:
Teologia e igreja devem andar juntas. Sempre que houver separação entre uma
dessas partes o desastre do desvio da finalidade está perto. Quando a teologia perde
a igreja do seu horizonte, corre o perigo de um desvio para especulações puramente
metafísica em detrimento das necessidades do povo de Deus. Quando a igreja não se
preocupa com a teologia, perde a sua capacidade de reflexão crítica podendo
descambar num institucionalismo legalista.15
12
Esta afirmação parte do pressuposto de que existem várias etapas na formação de um líder e o Seminário ou
Faculdade Teológica é apenas uma delas, no preparo formal do aluno ou aluna.
13
Izes Calheiros B. SILVA, op. cit., p. 70.
14
Darci DUSILEK, Teologia ao alcance de todos (inclusive você): uma introdução, p. 51.
15
Idem, p. 52.
65
Diante dessas afirmações, é possível concluir que a reflexão teológica não deve está
separada da vida prática da comunidade dos crentes.
3.1.3 Missão em relação ao mundo
A missão da igreja em relação ao mundo é, como destacamos no capítulo anterior,
muito ampla. Silva, quando aborda esta dimensão da missão da igreja, declara que a mesma é
muito abrangente e afirma:
Inclui “fazer discípulos de todas as nações (Mt 28.18-20)”, “pregar o evangelho a
toda criatura (Mc 16.15)”, “proclamar as virtudes de Cristo (1 Pe 2.9,10)”,
reconciliar os homens com Deus na qualidade de embaixadores em nome de Cristo
(2 Co 5.18-20), ser sal da terra e luz do mundo (Mt 5.14-16), exercer autoridade
sobre demônios, curar enfermos e pregar o reino de Deus (Lc 9.1-2).16
De acordo com essas palavras, é possível afirmar que a missão da igreja é integral, por
abranger todos os aspectos da vida. Se a missão da igreja é integral, deve-se incluir a
proclamação do amor de Deus em Cristo Jesus e a manifestação desse amor em termos de
boas obras. A fé sem obras é morta.
Tetsunao Yamamori, no livro Servindo com os pobres na América Latina, afirma:
“Tanto no Antigo como no Novo Testamentos a Bíblia ordena à igreja que ministre à pessoa
como um todo. Isto quer dizer que se deve atender tanto às necessidades físicas como às
espirituais, que estão inseparavelmente relacionadas, ainda que sejam separadas em termos
funcionais.”17
O Pacto de Lausanne, em seu artigo 5º., também destaca este aspecto integral da
missão da igreja em relação ao mundo. Assim lemos:
Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos algumas vezes
considerado a evangelização e a atividade social mutuamente excludente. Embora a
reconciliação com o homem não seja reconciliação com Deus, nem ação social
evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e
o envolvimento sócio-político são ambos parte do dever cristão. Pois ambos são
expressões de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, de nosso amor por
nosso próximo e de nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação
implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão
16
17
Izes Calheiros B. SILVA, op. cit., p. 74.
Tetsunao YAMAMORI, Servindo com os pobres na América Latina: modelos de ministério integral, p. 15.
66
e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde
quer que existam.18
Uma vez que a missão da igreja é integral, um programa de educação teológica que
pretenda ser relevante deve ter o tema da missão integral permeando a filosofia da educação
teológica, todo o currículo, conteúdo programático e a prática da instituição teológica.
3.1.4 Missão em relação ao estudante
No capítulo II, ao tratar da natureza do ser humano, concluímos que o mesmo é um
ser integral. Sendo assim, ao considerar a missão da educação teológica em relação ao
estudante, deve-se levar em conta o desenvolvimento integral do aluno ou da aluna.
Ao se referir ao desenvolvimento do aluno, Rega afirma:
Quando pensamos no estudo teológico apenas focando o seu lado acadêmico para
conduzir o estudante à compreensão da fé e sua reflexão, sem contudo
considerarmos o seu desenvolvimento como pessoa, estaremos focando apenas as
suas funções mentais e cognitivas. Se o aluno é um todo, não podemos pensar em
apenas parte dele.19
Quanto ao desenvolvimento integral do estudante, Silva sugere quatro orientações
básicas: o desenvolvimento espiritual, ministerial, intelectual/acadêmico e a relevância
pessoal e contextual. E acrescenta:
Se uma orientação for enfatizada em prejuízo das demais, então terá sido
estabelecida uma parcialidade no treinamento. O resultado final do ministério da
instituição teológica deve ser preparar ministros com instrumentação espiritual,
social, ministerial, intelectual e acadêmica, qualificados para continuarem
pesquisando e estudando a Palavra de Deus, avaliando o contexto onde trabalham,
as necessidades e os desafios que as igrejas enfrentam, e, como estudiosos da Bíblia,
retirarem dela tesouros e verdades que podem trazer respostas às perguntas que
estiverem sendo feitas.20
Atualmente, diante da crise de liderança cristã pela qual passamos, é possível perceber
que o modelo de programa de educação teológica com uma visão de formação integral do
estudante é uma necessidade de suma importância.
18
PACTO DE LAUSANNE, a Igreja e a Evangelização, 2003, p. 91.
Lourenço Stelio REGA, op. cit., p. 121.
20
Izes Calheiros B. SILVA, op. cit., p. 77.
19
67
O produto final da instituição teológica deve ser líderes bem qualificados e preparados
nas áreas espiritual (ser), ministerial (fazer), intelectual/acadêmica (conhecer) para capacitar a
igreja no cumprimento de sua missão integral.
3.2 Revisão dos principais componentes dos IBI e do Centro de Treinamento
O objetivo principal neste tópico é fazer uma revisão dos principais componentes dos
institutos bíblicos indígenas e do centro de treinamento apresentados no capítulo I.
3.2.1 Revisando os objetivos iniciais
Em pesquisa realizada por Martins sobre os principais componentes de algumas
instituições teológicas protestantes no Brasil, pertencentes aos Presbiterianos, Metodistas,
Batistas e Luteranos, ele afirma: “Analisando os documentos históricos, pode-se constatar que
quase todas as instituições teológicas pertencentes aos protestantes nasceram com o objetivo
de preparar mão-de-obra para manutenção da estrutura eclesiástica de cada confissão.” (grifo
nosso)21
A expressão em destaque acima aponta para formação, via de regra, de pastores e
pastoras, que normalmente se enquadram entre os vocacionados para o ministério ordenado e
que atenderiam as demandas das igrejas locais e da denominação. Por um longo período,
essas instituições teológicas mantiveram esse preparo de mão de obra direcionada às pessoas
vocacionadas.
A história se repete quando observamos os objetivos iniciais dos institutos bíblicos
Reverendo Felipe Landes, Cades Barnéia e do Centro de Treinamento Ami. Resumindo,
pode-se dizer que o objetivo principal dessas instituições é preparar líderes (mão de obra)
autóctones para atender a demanda da igreja evangélica indígena. E em alguns momentos do
discurso oral ou escrito dessas instituições, observa-se que o preparo dessa mão de obra é
direcionado a vocacionados, ou seja, àqueles que são chamados para o ministério. Vale
21
Edson MARTINS, op. cit., p.45.
68
mencionar que no Ami, na prática, não há tanta exigência quanto a ser vocacionado, uma vez
que seu propósito principal é formar discípulos de Jesus, por esta razão aceitam alunos mesmo
que não sejam convertidos. O problema aqui reside na finalidade última da educação
teológica, ou seja, qual é o seu objetivo? Preparar apenas vocacionados ou preparar o povo de
Deus?
O resultado de uma pesquisa realizada pela Fraternidade Teológica Latinoamericana,
em Quito, Equador, em 1985, concluiu que: “O objetivo da educação teológica é a
capacitação do povo de Deus para o serviço do Reino.”22 Essa afirmação traz grandes
implicações para o desenvolvimento de um programa de educação teológica, porque quebra
um paradigma de longos anos.
Cabe aqui um destaque às palavras de Daniel Schipani, ao afirmar que: “A educação
teológica deve estar inspirada por um ‘paradigma eclésio-comunitário’ antes que por um
‘paradigma clerical’.”23
A sustentação de um “paradigma clerical” começou desde quando a Igreja Católica
Romana passou “a conceber o ministério cristão de forma fundamentalmente clerical”.24 Com
essa concepção de ministério, “o ministério da Igreja, o conjunto de atividades que visa o
cumprimento de sua missão passa a ser, literalmente, monopólio do clero.”25 E daí surge a
distinção entre o clero e leigo.
Com os Reformadores, surge um discurso radicalmente diferente, que passa a ser
conhecido com a formulação ou desenvolvimento da Doutrina do Sacerdócio Universal de
todos os Crentes, que resgata a compreensão neotestamentário de que cada crente é um
sacerdote de Deus para o mundo, não havendo, nesse sentido, distinção entre clero e leigo na
práxis eclesial. Contudo, não se pode deixar de considerar que, mesmo os herdeiros da
22
C. René PADILLA, Nuevas alternatives de educación teológicas, p. 119.
Daniel S. SCHIPANI, Teologia del Ministerio Educativo: perspectives latino Americanas, p.228 (nota d).
24
César Marques LOPES, op. cit., p.143.
25
César Marques LOPES, op. cit, p.143.
23
69
Reforma, mantiveram um certo status ao clero. De acordo com Lopes, já naquele momento
havia esse privilegiamento. Ele afirma: “Nas igrejas protestantes daquela época [...] existia
uma grande separação e destaque para o clero”26
Essa distinção entre clero e laicato passou a ser alimentada pelas instituições
teológicas ao longo dos anos da história do cristianismo, ao centralizar seus esforços na
formação exclusivamente dos vocacionados para o ministério cristão ordenado, ou seja, o
clero. Essa visão permanece ainda em alguns Seminários, Faculdades e Institutos Bíblicos no
Brasil.
Entretanto, muitas instituições teológicas contemporâneas, em nosso país, têm
entendido o ministério cristão como responsabilidade não só dos ministros ordenados, mas de
todo povo de Deus, incluindo os não ordenados. Isso é coerente com o paradigma eclésiocomunitário que procura eliminar o perigo ou o risco da “profissionalização” e da concepção
individualista de ministério ou mesmo o dualismo entre clérigos e leigos.
Quando se diz que o objetivo da educação teológica é preparar homens e mulheres
para serviço no Reino, não se pretende com isso menosprezar aqueles que são vocacionados
por Deus para o ministério ordenado. O que se objetiva é abrir as portas das instituições
teológicas para o preparo do leigo também, promovendo o papel do não-ordenado na ação
eclesial. E isso requer das instituições teológicas mudanças significativas. Como, por
exemplo, a diversificação nos cursos para que atendam as necessidades ministeriais das
igrejas.
Sustentar um ‘paradigma clerical’ em detrimento de um ‘paradigma eclesiocomunitário’, ou sustentar a idéia de ministério como fundamentalmente clerical ao invés de
uma responsabilidade conjunta de clérigos e leigos, não apontaria isso para uma relação de
poder implícita na educação teológica? Parece que sim.
26
César Marques LOPES, op. cit, p.144.
70
3.2.2 Revisando os currículos
Em palestra proferida no 5o. Congresso Nacional do CONPLEI (Porto Velho,
setembro de 2006), Jânio Souza, usando idéias de Jean Piaget, assevera que por trás do
exercício de ensino, há dois conceitos subjacentes : o ensino enquanto método de construção
do conhecimento e o ensino enquanto resultado ou produto do processo de construção de
conhecimento. Aí, conclui, dizendo:
De acordo com o primeiro conceito, ensinar implica em construção de
conhecimento; de acordo com o segundo, ensinar implica em repassar idéias prontas
e acabadas. Em termos gerais, não só na educação teológica, há necessidade de
superar a estrutura educacional que oferece conhecimento como conteúdo pronto,
previamente construído. Esse tipo de prática de educação gera dependência. E
dependência implica em fragilidade espiritual. O dependente não sabe buscar
respostas junto a Deus, espera sempre que alguém lhe indique o caminho.27
A questão de repasse de idéias prontas versus construção de conhecimento tem a ver
com a elaboração curricular. No tópico Os Currículos, apresentado no capítulo I, percebeu-se
que, no discurso escrito ou oral de alguns líderes das instituições pesquisadas, o currículo está
relacionado a disciplinas, a conteúdos, à carga horária, à sala de aula; foi transplantado e
adaptado de outra instituição teológica; e é definido e estabelecido por um grupo de pessoas,
como, por exemplo, um conselho diretor, que analisa e aprova ou analisa e encaminha para
uma instância maior para ser aprovado ou não.
Diante disso, algumas questões precisam ser consideradas aqui: O que é currículo? O
que ele abrange? O que está explícito e implícito nele? O que deve orientar um currículo e
sua elaboração? A seguir, refletiremos sobre essas indagações com o propósito de responder
a essas questões.
Conforme Menegolla e Sant’Anna, o currículo não é:
[...] simplesmente a relação e distribuição das disciplinas com suas respectivas
cargas horárias. Não é também o número de horas-aula e dos dias letivos. Ele não se
constitui apenas por uma seriação de estudos, que chamamos de base curricular [...]
ou uma listagem de conhecimentos e conteúdos das diferentes disciplinas para serem
estudados de forma sistemática, na sala de aula. [...] não deve ser concebido apenas
como relação de conteúdos ou conhecimentos delimitados ou isolados. [...] não é um
plano padronizado, onde estão relacionados alguns princípios e normas para o
27
In: Isaac Souza, 2006, p.8.
71
funcionamento da escola, como se fosse um manual de instruções para poder acionar
uma máquina. [...] O currículo não é algo restrito somente ao âmbito da escola ou da
sala de aula.28
E de acordo Tomaz Tadeu da Silva, em seu livro Documentos de Identidade: “Depois
das teorias críticas e pós-críticas de educação, torna-se impossível pensar currículo
simplesmente através de conceitos técnicos como os de ensino ou de categorias psicológicas
como as de aprendizagem e desenvolvimento ou ainda de imagens estáticas como as de grade
curricular e listagem de conteúdos.”29
A questão crucial para toda e qualquer teoria do currículo é, sem dúvida alguma, saber
qual conhecimento deve ser ensinado. A pergunta chave então é: O que ensinar? Essa
pergunta naturalmente indica escolha, seleção. Faz-nos pensar também em quem e com quais
critérios se executa essa seleção. Silva torna isso mais claro, quando afirma que: “O currículo
é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes
seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo.”30
Nas palavras de Michael W. Apple, em relação ao currículo, temos: “O currículo
nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos [...]. Ele é sempre parte de uma
tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja
conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e concessões, políticas e econômicas
que organizam e desorganizam um povo.” (grifo do autor)31
A respeito dessa seleção e especificamente em relação ao currículo de nossos
seminários, Rega afirma: “[...] saibamos ou não, estejamos conscientes ou não, o sistema
educacional de cada seminário é produto de um conjunto de forças que o modelam. Portanto
28
Maximiliano MENEGOLLA e Ilza Soares SANT’ANNA, Por Que Planejar? Como Planejar? Curriculoárea-aula. 1993, p.213-214.
29
Tomaz Tadeu da SILVA, op. cit., p.147.
30
Idem, p.15.
31
Michael W. APPLE, “A política do conhecimento oficial: faz sentido a idéia de currículo nacional?” , p.59.
72
nada de ingenuidade neste ponto.”32 Em outras palavras, um currículo não é neutro! Essa
escolha ou seleção aponta para uma relação de poder.
Nas teorias de currículo, observa-se também uma interrelação entre duas questões
importantes: O que ensinar? E o que os alunos e alunas devem ser ou se tornar? Para Tomaz
Tadeu da Silva, em toda concepção de currículo, o conhecimento a ser transmitido está
estreitamente interrelacionado com o tipo de ser humano que se quer formar, podendo até a
segunda questão preceder à primeira. Ele afirma: “Afinal, um currículo busca precisamente
modificar as pessoas que vão ‘seguir’ aquele currículo.”33 E ainda acrescenta:
No fundo das teorias do currículo está, pois, uma questão de ‘identidade’ ou de
‘subjetividade’. Se quisermos recorrer à etimologia da palavra ‘currículo’, que vem
do latim ‘curriculum’, ‘pista de corrida’, podemos dizer que no curso dessa corrida
que é o currículo acabamos por nos tornar o que somos. Nas discussões cotidianas,
quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos
de que o conhecimento que constitui o currículo está inextrincavelmente,
centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos:
na nossa identidade, na nossa subjetividade.34
De acordo com este autor, o currículo, além de ser uma questão de conhecimento, é
também uma questão de identidade e envolve ainda uma relação de poder. Ele afirma:
Da perspectiva pós-estruturalista, podemos dizer que currículo é também uma
questão de poder e que as teorias de currículo, na medida em que buscam dizer o
que o currículo deve ser, não podem deixar de estar envolvidas em questões de
poder. [...] Privilegiar um tipo de conhecimento é uma operação de poder. [...] As
teorias do currículo estão situadas num campo epistemológico social. [...] É
precisamente a questão do poder que vai separar as teorias tradicionais das teorias
críticas e pós-críticas do currículo. As teorias tradicionais pretendem ser apenas isso,
‘teorias’ neutras, científicas, desinteressadas. As teorias críticas e pós-críticas, em
contraste, argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica e desinteressada, mas
que está, inevitavelmente, implicada em relações de poder.35
Sendo que no currículo encontra-se esta interrelação entre saber, identidade e poder,
deve-se considerar a advertência que nos faz Rossi, ao escrever sobre Relações de poder na
educação teológica. Ele diz: “Àqueles que trabalham com educação teológica uma
advertência se faz necessária: toda teologia e/ou educação teológica tem a tendência de se
32
Lourenço Stelio REGA, op. cit., p.103.
Tomaz Tadeu da SILVA, op. cit., p.15.
34
Idem, p.15.
35
Ibidem, p.16.
33
73
ontocratizar, ou seja, de se transformar em sistema de poder e de repressão contra toda a
criatividade e a crítica.”36
Quanto a esta relação de poder, Rega expressa uma preocupação pertinente em relação
ao risco de se transformar a educação teológica num instrumento de dominação ideológica.
Ele diz:
Outro ponto alvo de preocupação é quando pensamos na educação teológica como
um sistema de indução e manutenção de hegemonia, de modo a transformá-la numa
ação adestradora e domesticadora dos espíritos. [...] Não seria uma educação
reprodutivista desconsiderando o aluno como sujeito histórico e participante da
construção social?37
Essas afirmações mostram que não estamos isentos deste tipo de relação, seja em
nossos programas de educação teológica, seja no nível de instituto bíblico ou seminário.
Em relação ao que deve orientar um currículo e sua elaboração, o mesmo Rega38
afirma: “Essa tarefa demanda um conjunto de medidas integradas e simetrizadas que deverão
seguir procedimentos próprios.”39 Este autor entende ser necessário antes de se elaborar um
currículo, definir qual será o modelo educacional adotado pela instituição e estabelecer uma
declaração de valores e objetivos educacionais. Ele ainda deixa claro que existem duas
alternativas que orientam o sistema educacional de uma maneira em geral: por conteúdos e
por objetivos educacionais e valores. E em relação às instituições teológicas do Brasil, afirma:
“O sistema educacional dos seminários evangélicos no Brasil geralmente é um sistema
orientado por conteúdos (conteudista) em vez de ser orientado por objetivos educacionais.”40
Segundo este autor, um sistema orientado por conteúdos segue: “um currículo e
conteúdo emprestado ou imposto de fora.”41 É o que ainda ocorre em várias instituições
teológicas. E em relação a um sistema educacional direcionado por objetivos educacionais e
36
Luiz Alexandre Solano ROSSI, Relações de poder na educação teológica, p.195.
Lourenço Stelio REGA, op. cit., p.104.
38
Rega, entende que antes mesmo de se estabelecer os objetivos educacionais e os valores que direcionarão o
sistema educacional, deve-se decidir qual será o modelo educacional adotado pela instituição. Este autor também
apresenta dois tipos de currículos Entrópicos e Sinérgicos.
39
Op. cit, p.103.
40
Idem, p. 103.
41
Ibidem, p.126.
37
74
valores cristãos, ele diz: “Os objetivos indicam onde devemos chegar, que fins devemos
atingir; os valores indicam nossas prioridades e o que valorizamos.”42
Finalmente, a respeito do currículo pode-se dizer que atualmente o que se constata em
muitas instituições teológicas, e aqui incluímos os institutos bíblicos alvos desta pesquisa, é
uma preocupação por uma renovação na proposta curricular. E quanto a isso, Edson Martins
afirma: “A conclusão a que têm chegado os líderes das instituições é que o currículo não pode
ser uma mera cópia estrangeira, nem inflexível ou imutável. Ele deve mudar à medida que
muda a realidade em que a instituição vive.”43
3.2.3 Revisando o corpo discente
A partir da descrição feita no início desta pesquisa acerca do corpo discente,
constatamos que os alunos: procedem de várias etnias; são sustentados por suas igrejas locais
ou adotados e sustentados por outras igrejas evangélicas; cumprem um período de estágio;
exige-se deles que sejam chamados ou vocacionados para o ministério; que saibam ler e
escrever na língua portuguesa – caso não saibam, é oferecido aos alunos a oportunidade de
aprender antes de ingressar no curso bíblico; os alunos, em muitos casos, possuem algum grau
de bilingüismo oral e; finalmente, observa-se que o número dos que retornam para aldeia e
que estão envolvidos no ministério (mesmo fora da aldeia) é maior do que os que desistem,
não retornam ou não estão no ministério.
Entretanto, diante deste quadro outras questões surgem e devem ser consideradas
agora. A questão da vocação para o ministério já tratamos acima e não é necessário
abordarmos novamente aqui. Assim, refletiremos acerca do treinamento formal fora da aldeia
e suas implicações, bem como acerca da questão lingüística e da cosmovisão.
Em relação ao treinamento bíblico e teológico formal, observa-se que na maioria das
vezes o mesmo é realizado fora da aldeia. E um dos grandes problemas apontado nessa forma
42
43
Ibidem, p.126.
Edson MARTINS, op. cit., p. 53.
75
de treinamento, pelo missionário Robert A. Dooley, ao tratar sobre A formação de líderes, foi
à questão das descontinuidades que o aluno enfrenta ao retornar para o seu contexto ao
término do curso. Algumas dessas descontinuidades são:
Descontinuidade de língua e cultura. Se ensinamos em português, seria razoável
esperar que os alunos consigam adaptar o ensino para sua própria língua? Porque o
trabalho de tradução é custoso; e, se tiver coisas para adaptar para outra cultura –
exemplos ilustrativos, métodos, aplicações específicas, etc – fica bem mais custoso
ainda. Porque a nossa mente tende a reter material na forma que ouvimos, na forma
que estávamos então. É bem difícil traduzir ou adaptar.
Descontinuidade de lugar e rotina. O treinamento se acostuma com um certo
lugar; depois do treinamento, o mero fato de ir para outro lugar para por tudo em
prática, constitui uma descontinuidade. Se o treinamento foi num curso fora da
aldeia, depois do curso você sai de uma sala de aula e se encontra numa casa
indígena. A sua rotina muda também: em vez de estudar, você é desafiado a pôr as
coisas em prática, e tem que trabalhar outra vez para ganhar seu pão. Aquela rotina
gostosa de curso não existe mais.
Descontinuidade social. Treinamento junto com outras pessoas forma um grupo de
apoio mútuo (a turma), mas terminando o treinamento, a turma como grupo se
desfaz. O profeta chega na sua própria terra, sem seus companheiros do treinamento,
e fica sozinho no meio das pessoas indiferentes ou até hostis. Os companheiros de
aula já ficam longe.
Descontinuidade de motivação. Os motivos pelos quais uma determinada pessoa
ingressa num programa de treinamento são vários, e geralmente mistos: querer
saber, querer comer. A motivação exigida para servir de líder na igreja pode ser bem
outra. A motivação que foi suficiente para o treinamento, não serve mais.
Quando uma pessoa termina um treinamento intensivo ou realizado num período de
tempo extenso, deixa atrás as coisas pertencentes a ele, e, devido as
descontinuidades, ela pode bem sentir um choque desorientador, semelhante ao
choque cultural.44
Num questionário enviado a vários missionários45 que trabalham com a tradução da
Bíblia para povos indígenas, ao serem perguntados sobre as vantagens e desvantagens de um
curso teológico fora da aldeia e sobre o uso da língua portuguesa no processo de ensinoaprendizagem, algumas questões foram destacadas. Porém, apenas duas serão mencionadas: a
dificuldade de transmitir, em sua própria língua para o seu próprio povo, os conceitos bíblicos
e teológicos aprendidos em língua portuguesa; e a tendência de diminuir a importância da
44
Robert A. DOOLEY, A formação de líderes: Questões e modelos, p.2 (citado com permissão).
Os missionários que responderam ao questionário foram: Robert e Kathie Dooley (Guarani Mbyá); Bill
Bontkes (Surui – RO); Helena Pease (Tenharim); Bete Muriel Ekdahl (Terena); Meinke Salzer (Paumari), Alan
Vogel (Jarawara) e Davi Ebehart (Mamaindé).
45
76
língua materna na espiritualidade e vida da igreja. Essas dificuldades lingüísticas estão
relacionadas a questões nas áreas da semântica, morfologia, gramática, fonética e fonologia.
Murphy afirma: “Para o indígena que fala seu próprio idioma, se o ensino lhe for ministrado
na língua nacional, é provável que ele não consiga trabalhar as idéias na sua língua materna e,
por conseguinte, ser impossível para ele a comunicação do que lhe foi ensinado, dos novos
conceitos, quando volta às aldeias, no seu idioma de origem.”46
As questões levantadas por Robert Dooley sobre descontinuidades e também as
preocupações destacas pelos vários missionário(a)-tradutores(as) acima devem ser
consideradas quando se está desenvolvendo um programa de educação teológica para
indígenas, porque são cruciais na vida e na missão da igreja no contexto indígena.
Porém, vale mencionar ainda que muitos indígenas preferem estudar em língua
portuguesa, por que acham que o português traz mais prestígio e respeito e isso se relaciona a
uma questão sociolingüística que merece atenção. Kathie Dooley, concernente a isso, afirma:
“Muitas vezes a pessoa que chega à escola bíblica não tem interesse espiritual, mas está
procurando qualquer curso que pode render em termos de posição, lucro ou honra, ou está
procurando amigos beneficientes, ou está atrás de meios de aculturar na sociedade maior.”47
Não estaria esta postura relacionada a uma relação de poder?
Outro aspecto a ser considerado em relação ao corpo discente, e que está relacionado
igualmente ao corpo docente, é a questão da cosmovisão. Nos institutos bíblicos indígenas,
observa-se uma diversidade cultural em relação ao corpo discente entre si e também entre o
discente e o docente. Essa pluralidade cultural aponta para um conflito de cosmovisões e para
as suas implicações práticas para educação teológica.
46
47
Isabel I. MURPHY, Conflitos de cosmovisão no ensino: educação escolar indígena, p.59.
Kathie DOOLEY, Questionário (citado com permissão).
77
A cosmovisão48 é “a interpretação que um povo faz da realidade ao seu redor e do
papel do ser humano dentro desta realidade.”49 Assim sendo, a cosmovisão apenas faz sentido
dentro de uma comunidade que compartilha as mesmas idéias. Para membros externos, ela
parece completamente arbitrária, por que se encontra no nível do inconsciente. Murphy, ao
escrever sobre Conflito de cosmovisões no ensino: educação escolar indígena, deixa claro
que: “a cosmovisão gera crenças; crenças geram valores e são os valores que geram o
comportamento.”50
Com esse breve resumo acerca do que é uma cosmovisão, pode-se perceber o grande
desafio que a diferença de cosmovisão traz para o campo educacional.
No contexto dos institutos bíblicos Reverendo Felipe Landes, Cades Barnéia e Centro
de Treinamento Ami, encontramos um corpo docente que em sua grande maioria compartilha
de uma cosmovisão ocidental (de origem grega) e conseqüentemente uma visão de mundo
dicotomista, que separa o espiritual do natural, o sagrado do secular; e um corpo discente que
compartilha de uma cosmovisão, que mesmo com as particularidades de cada etnia, são
basicamente sobrenaturalistas, ou seja, não há separação entre o espiritual e o natural.
Essa divergência entre a cosmovisão do educador e do educando acaba influenciando
no programa de educação teológica. Na prática, pode-se constatar que a tendência no mundo
ocidental, e do educador de cosmovisão ocidental, é começar o ensino teológico respondendo
a perguntas abstratas acerca do caráter de Deus, sua onipotência, onisciência etc. Em outras
palavras a tendência desse educador é focalizar no aspecto filosófico.
Mas geralmente, afirma Ebehart, “essas não são as primeiras perguntas que as culturas
indígenas querem fazer. Eles querem saber sobre o poder de Deus contra os espíritos, querem
saber se Deus tem respostas e se preocupa com a doença, com as crianças que morrem, com a
48
Frances Popovich afirma que a cosmovisão inclui: “Idéias de causa e efeito, um mapa cognitivo complexo, um
sistema de comunicação verbal e não-verbal, categorias, axiomas, crenças, regras e valores, as opções e as
expectativas dos comportamentos e a interpretação das experiências dos membros da sociedade.”
49
Frances B. POPOVICH, Antropologia, p.62.
50
Isabel I. MURPHY, op. cit, p.54.
78
falta de comida [...], em fim, querem respostas às perguntas que eles mesmos estão
fazendo.”51 Ou seja, a preocupação indígena é primeiramente com as questões do dia-a-dia.
Ainda dentro do aspecto da cosmovisão, Murphy chama nossa atenção, dizendo: “No
sistema indígena, o aprendiz busca o conhecimento, por isso é necessário reconhecer que a
imposição de conceitos dificilmente é acatada tranqüilamente por não deixá-lo exercer a
capacidade de pensar e praticar o pensamento lógico, tirando suas próprias conclusões.”52
Resumindo, pode-se afirmar que é necessário considerar o modo em que os povos
indígenas ensinam e aprendem.
3.2.4 Revisando o corpo docente
O que se observa em relação ao corpo docente, como visto nos institutos bíblicos em
apreço, é que em sua grande maioria são estrangeiros e brasileiros não-indígenas, havendo um
número pequeno de professores indígenas. Esses docentes são geralmente graduados em
teologia, alguns em pedagogia e ainda outros possuem Mestrado em Missiologia e Doutorado
em Ministério. Constata-se também que esta realidade é refletida no material didático, que por
sua vez refletirá a cosmovisão ocidental.
Já tratamos acerca do conflito de cosmovisão entre o corpo discente e docente e,
portanto, será considerado nesse item apenas a questão da formação de docentes indígenas. E
uma pergunta que surge é: Porque, nessas quase três décadas de caminhada na educação
teológica voltada para o preparo teológico de indígenas, não houve um preparo para docentes
indígenas? Certamente, a resposta não é tão simples e a questão exige uma reflexão mais
profunda. Contudo, serão apresentados pelo menos dois fatores percebidos como agravantes
no preparo de indígenas para docência teológica.
Antes, porém, vale dizer que é fato incontestável que a igreja emergente no contexto
indígena precisa de líderes bem preparados, sejam eles ordenados ou não. Por outro lado, é
51
52
Davi EBEHART, Notas pessoais (citado com permissão).
Isabel I. MURPHY, op. cit, p.59.
79
preciso reconhecer que ela necessita igualmente de teólogos “profissionais” que vão servir aos
teólogos no contexto da igreja local, ajudando a refletir bíblica e teologicamente sobre a
práxis eclesiástica e missiológica do povo de Deus no contexto indígena.
Atualmente, em nossos Seminários e Faculdades Teológicas, aqueles que querem se
dedicar ao ensino teológico e que querem fazer da reflexão teológica o fulcro do seu labor vão
certamente se deparar com a falta de sustento tanto para obtenção do preparo adequado como
para o sustento pessoal e familiar. Não é diferente quando se pensa na docência teológica
indígena. Os grandes desafios continuam, dentre outros, nas áreas do sustento e da formação
teológica adequada para o docente indígena. Não seria a formação de docentes indígenas um
caminho para a quebra da hegemonia da teologia e eclesiologia ocidental e o início de uma
caminhada no desenvolvimento de uma teologia mais contextual?
3.3 Sugestões para uma educação teológica relevante
A educação teológica indígena precisa caminhar na direção da autoctonia, da mesma
forma que a educação teológica no Brasil. E pensar em educação teológica autóctone, diz
Longuini Neto, significa: “valorizar o contextual; incorporar os valores da nossa cultura;
propor uma revisão no currículo; e, sobretudo rever as matérias teológicas que teriam uma
relação direta com as expressões culturais do nosso povo (ou do povo indígena), como por
exemplo, a liturgia.” (acréscimo meu)53
O que se pôde observar, ao fazer uma revisão dos principais componentes das
instituições teológicas que constituem o universo desta pesquisa, é que tais componentes
apontam para um modelo educacional tradicional, que se caracteriza, no caso da educação
teológica, pela manutenção do status quo da teologia e da práxis eclesiástica dominante. Um
currículo e conteúdos emprestados ou impostos (mesmo que involuntariamente) de fora, a
ênfase na formação apenas de vocacionados, próprio de um paradigma clerical, e a ausência
53
Luiz Longuini NETO, Educação Teológica Contextualizada: Análise e Interpretação da Presença da ASTE no
Brasil, p.126.
80
de um número maior de docentes indígenas não estariam contribuindo para manutenção da
teologia e da estrutura eclesiástica ocidental?
O objetivo central nesse tópico é buscar, na pedagogia freireana e na Teologia da
Missão Integral, subsídios para uma educação teológica indígena relevante. Sendo assim, a
seguir serão propostos alguns passos nessa direção.
3.3.1 Passo 1: Analisar o contexto sócio-cultural e histórico do(a) educando(a)
O pressuposto deste primeiro passo é que o ser humano é um ser historicamente
situado. Essa afirmação indica que o ser humano possui uma história real, concreta, uma
história que é resultado de sua relação com o mundo, consigo mesmo e com os outros. E, ao
longo da vida, o ser humano vai formulando respostas aos desafios que enfrenta e daí surge à
cultura própria de cada povo. É da experiência de vida do(a) educando(a), no e com o mundo
referido a fatos concretos que Freire propõe que se busque os elementos essenciais do
processo de ensino-aprendizagem. Em outras palavras, é no contexto sócio-cultural e histórico
do(a) educando(a) que encontramos subsídios para uma educação relevante.
O contexto sócio-cultural e histórico de um determinado povo também é ponto central
na Teologia da Missão Integral. Na busca por uma missão da igreja que seja bíblica e
contextual, a Teologia da Missão Integral enfatiza a necessidade do evangelho se encarnar na
cultura. E a encarnação como aproximação do outro, diz Samuel Escobar: “implica na
valorização da língua e cultura do ‘outro’, [...].”54
Na prática, isso quer dizer que o(a) educador(a) deve desenvolver, a partir da
convivência com os(as) educandos(as) no seu contexto concreto, uma investigação para
conhecer a realidade desses(as) educandos(as) a fim de extrair os temas geradores e depois
devolver de forma organiza, sistematizada, os elementos que o povo lhes entregou.
54
Samuel ESCOBAR, Desafios da Igreja na América Latina: história, estratégia e Teologia de missões, p.75.
81
Em relação às instituições teológicas dedicadas ao preparo de liderança evangélica
indígena, seria uma análise dos vários aspectos culturais dos povos representados na
instituição, focalizando a vida e a missão da igreja naquele contexto. Nessa análise, poderia-se
detectar temas teológicos e outras questões que dizem respeito à práxis eclesiástica e ao
cotidiano do(a) educando(a), que posteriormente seriam desenvolvidos sistematizados a eles.
O propósito desta investigação é também ajudar o(a) educando(a) na análise de sua própria
realidade à luz da reflexão bíblica e teológica.
Possíveis contribuições da análise sócio-cultural e histórica são:
•
Possibilidade de conhecer a cosmovisão do(a) educando(a) e conseqüentemente de
entender as dificuldades decorrentes do conflito de cosmovisões;
•
Possibilidade de respeitar o sistema de ensino-aprendizagem particular de cada
povo;
•
Possibilidade de elaborar um programa educacional relevante para a igreja
evangélica indígena;
•
Possibilidade de elaborar um material didático e uma proposta de currículo
adequado à realidade indígena;
•
Possibilidade de refletir bíblica e teologicamente sobre temas pertinentes ao
contexto indígena;
•
Possibilidade de valorizar a reflexão bíblica e teológica por parte dos irmãos e
líderes evangélicos indígenas;
•
Possibilidade de contribuir para o desenvolvimento de uma teologia indígena;
•
Possibilidade de ensino-aprendizagem mútuo.
Para isso é necessário:
•
Conhecimento na área de antropologia cultural e um treinamento transcultural;
•
Disponibilidade para pesquisa bibliográfica e de campo;
82
•
Uma interação maior entre educadores e os missionários que trabalham com o
grupo indígena;
•
Organizar e realizar consultas e seminários sobre educação teológica, antropologia
e comunicação transcultural, os quais orientem para um trabalho contextualizado;
•
Buscar orientação com educadores, antropólogos e missiólogos sobre novos
modelos, estratégias e metodologias para o trabalho;
•
Fazer uma auto-avaliação do programa desenvolvido.
Os desafios são:
•
Superar as barreiras, geográficas, culturais, lingüísticas e financeiras;
•
Desenvolver novos modelos que valorizem o contexto;
•
Revisar a proposta pedagógica e a grade curricular;
•
Criar novas escolas teológicas que possam atender a outras regiões do país;
•
Ampliar a proposta para além de preparar vocacionados, incluir a formação de
liderança leiga e a formação de professores(as) indígenas para docência teológica.
3.3.2 Passo 2: Desenvolver uma educação dialógica e problematizadora
É possível afirmar que a crítica que Freire faz a educação “bancária”, marcada por um
processo de ensino-aprendizagem que reduz o ato de conhecer, ou de saber, a nada mais que
uma transferência de conhecimento do(a) professor(a) para o(a) aluno(a), aplica-se,
igualmente, a um programa de educação teológica, com exceção de algumas instituições
teológicas que desenvolvem um programa de ensino aprendizagem onde educadores(as) e
educandos(as) são sujeitos na construção do conhecimento.
O que acontece em algumas instituições teológicas, muitas vezes, é a apresentação de
um programa educacional com posições impostas, fixas, invariáveis e dogmáticas, como
aquele que pretende ser detentor único da verdade revelada por Deus aos homens. Essa
83
rigidez, no sentido de entender determinada posição teológica como superior a qualquer outra,
pode inibir a capacidade criativa e crítica a ser desenvolvida no(a) educando(a) em relação ao
seu contexto e em relação a vida e missão da igreja dentro deste mesmo contexto.
Em relação ao desenvolvimento de uma consciência crítica nos(as) educandos(as),
alvo de uma educação dialógica problematizadora, Carvalho faz a seguinte afirmação: “Esta
consciência crítica é extremamente importante na inserção do crente (ou da igreja) no mundo
como sal e luz do mundo (Mateus 5.13-16). (Acréscimo meu).”55
A educação dialógica problematizadora possui as seguintes características básicas:
•
Considera o diálogo como eixo central na relação educador(a) e educando(a),
bem como em todo processo de ensino-aprendizagem;
•
Considera o diálogo como uma atitude de respeito, de abertura e de amor para
com o outro;
•
Considera o(a) educando(a) como sujeito do ato educativo, capaz de pensar e
raciocinar criticamente no processo de aquisição do conhecimento;
•
Considera importante a horizontalidade na relação educador(a) e educando(a);
•
Considera o ato de conhecer não como um ato discursivo e sim como uma
construção conjunta entre educador(a) e educando(a);
•
Considera importante o caráter reflexivo e criativo de todos aqueles que estão
envolvidos no ato educativo e, portanto, estimula o exame acurado das coisas e
a ação fundada na realidade;
•
Considera relevante uma educação com o(a) educando(a) e não para o(a)
educando(a);
•
Considera que o(a) educador(a) não é alguém de fora que elabora seus
princípios e estratégias a serem aplicadas à realidade, mas aquele que empresta
55
Antonio Vieira de CARVALHO. Teologia da Educação Cristã, p.86.
84
seus sentidos, seus conhecimentos e instrumentos para colaboração na
elaboração e sistematização do conhecimento.
No que diz respeito às instituições voltadas ao ensino bíblico e teológico de líderes
evangélicos indígenas, o desafio, na prática, consiste no seguinte:
•
Eliminar a contradição entre educador(a) como sujeito e educando(a) como
objeto do ato educativo e conceber o(a) educando(a) também como sujeito no
processo de construção do conhecimento;
•
Estabelecer um diálogo contínuo em lugar de manter um monólogo nos
programas de educação teológica;
•
Desenvolver espaço propício para interações, debates e perguntas que
estimulem a visão crítica e a criatividade de todos envolvidos no ato educativo,
contribuindo para que a reflexão bíblica e teológica dos indígenas possa, sob a
direção do Espírito Santo, ser contextual.
Para isso, é necessário reconhecer a capacidade do(a) educando(a) e valorizar o
conhecimento que ele(a) já adquiriu pela experiência sócio-cultural.
3.3.3 Passo 3: Conceber o(a) educando(a) como um ser integral
O ponto de partida nesse item é a visão bíblica do ser humano como ser integral,
evitando a sua fragmentação. Esta visão do(a) educando(a) como ser integral aponta para a
necessidade de se pensar num preparo ou qualificação do líder que compreenda as diversas
dimensões de sua vida.
Dessa forma, se uma instituição teológica em seu programa focaliza apenas o
desenvolvimento acadêmico ou intelectual do(a) educando(a) estará enfatizando apenas um
aspecto de sua vida e seu preparo não será integral. Se o(a) educando(a) é um ser integral, não
se pode enfatizar somente uma dimensão em detrimento das outras.
85
É necessário entender que não se deve enfatizar apenas um aspecto do indivíduo em
seu preparo e sim desenvolver um programa que busque a formação integral do(a) aluno(a),
propiciando o amadurecimento de vida do ponto de vista intelectual, social, espiritual, pessoal
e afetivo.
Na prática, o desafio é basicamente o seguinte:
•
Desenvolver um preparo que possibilite a(o) educando(a) um relacionamento
saudável com Deus, com os outros e consigo mesmo(a);
•
Desenvolver no(a) educando(a) a capacidade de refletir e pensar bíblica e
teologicamente;
•
Levar o(a) educando(a) a conhecer e desenvolver habilidades e dons que o
Espírito Santo lhe deu para o exercício do ministério e para capacitação da
igreja no cumprimento de sua missão no mundo.
Em outras palavras, na prática o programa de educação teológica deve focalizar
basicamente três áreas: espiritual, ministerial e intelectual.
Para isso, é necessário: “rever todo projeto educacional da instituição, seja o
estabelecimento dos objetivos educacionais, seja o planejamento da grade curricular, do
conteúdo programático, do conteúdo das aulas, enfim, a didática adotada pelo professor, a
visão do aluno etc.”56
3.3.4 Passo 4: Conceber a missão da igreja como integral
Como vimos anteriormente, a educação teológica existe para servir a igreja. Sendo a
missão da igreja holística ou integral, um programa de educação teológica que pretenda ser
relevante deve considerar essa realidade.
56
Lourenço Stelio REGA, op. cit., p. 133.
86
Assim sendo, a filosofia da educação teológica, a proposta de grade curricular, o
conteúdo programático das disciplinas e a práxis da instituição teológica devem ter uma
orientação integral. Ou seja, tudo e todos na instituição devem apontar para esta visão.
Afirmar que a missão da igreja é integral quer dizer que essa missão possui várias
dimensões e não apenas uma como, por exemplo, a dimensão em relação ao mundo, expressa
na evangelização. Ela tem pelo menos três dimensões, como vimos anteriormente: em relação
a Deus, a si mesma e ao mundo. E isso aponta para uma diversidade de ministérios e
atividades que são necessárias para que a igreja cresça e desenvolva sua missão de forma
integral. Algumas das atividades contínuas na igreja local são: pregação, adoração, ensino,
admoestação, aconselhamento, assistência social, disciplina, serviço, administração etc. Por
esta razão, um programa educacional de uma instituição teológica deverá capacitar o(a)
aluno(a) de maneira que atenda as necessidades da igreja local no cumprimento de sua
missão.
Cabe mencionar aqui as palavras de Brepohl, quando afirma:
Essa formação deveria, no entanto, ser contextual e pertinente, conseqüência de uma
prática ministerial e em resposta a inquietudes, e necessidades de formação
percebidas nesse mesmo ministério. Deveria ser a busca de uma formação a partir de
perguntas formuladas no calor do ministério, ou a busca de sistematização de uma
experiência ministerial.57
Na prática, isso quer dizer que:
•
Deve haver uma maior interação entre a instituição teológica e a igreja local;
•
Deve haver um corpo docente preparado nas mais diversas áreas e que tenha, na
medida do possível, experiência num ministério prático;
•
Deve haver uma proposta que contemple uma ampla variedade de cursos, como, por
exemplo, cursos regulares, cursos seqüenciais, pós-graduação latu sensu, mestrado,
doutorado etc.
57
Dieter BREPOHL, A missão da igreja e a formação de líderes, p.161.
87
Em relação às instituições teológicas que compreendem o universo desta pesquisa (os
institutos bíblicos indígenas), é necessário que:
•
Os educadores ou educadoras desenvolvam uma interação com as igrejas nas
aldeias para que percebam suas necessidades ministeriais;
•
Os dirigentes dessas instituições reforcem os cursos que já oferecem e estejam
dispostos a ampliar sua oferta de acordo com os desafios pelos quais as igrejas
emergentes vão passando.
3.3.5 Passo 5: Desenvolver uma educação centralizada no Reino de Deus
Barro nos ensina muito sobre isso, quando declara:
O seminário, como parte da igreja, caminha em direção à consumação dos séculos,
quando o reino de Deus será plenamente implantado. O conhecimento desse fato nos
dá coragem para não tornar absoluto aquilo que é apenas temporal, neste caso, a
própria educação teológica. Deus não exclui os seminários de serem portadores dos
sinais do reino em seu próprio contexto, ou seja, o espaço onde a educação
acontece.58
Essa declaração aponta para a instituição teológica como portadora dos sinais do reino
de Deus e, por esta razão, seu programa educacional deve expressar os princípios e valores
deste reino.
Uma de educação teológica, diz Barro: “Guiada pelos princípios do Reino de Deus
deve ser centralizada ao redor da vida, ministério, morte e ressurreição de Cristo.”59 Essa
afirmação chama atenção para que o programa educacional enfatize, por exemplo, o cuidado
de Jesus com os pobres, os oprimidos, os marginalizado e os excluídos da sociedade. E,
fazendo assim, a instituição estará instrumentalizando seus estudantes para quando a
circunstância ou a situação exigir uma tomada de decisão em favor dos menos privilegiados
da sociedade.
Ao olhar o exemplo de Cristo, o que se percebe é um ministério que buscava restaurar
o ser humano indistintamente, restaurando seu direito à dignidade. E a construção dessa
58
59
Antonio Carlos BARRO, op. cit., p. 171.
Ibid, p.172.
88
dignidade está interrelacionada a outros valores do Reino de Deus, tais como: autonomia,
fraternidade, solidariedade etc.
A educação teológica, em alguns casos, principalmente quando se torna instrumento
de manipulação, opressão e manutenção da hegemonia, acaba por violar o outro (próximo) em
seus valores e em sua dignidade.
Na prática, o desafio é:
•
Deixar que valores como dignidade, autonomia, tolerância, solidariedade e
fraternidade possam permear a filosofia, grade curricular, conteúdo programático e
toda prática da instituição teológica;
•
Evitar uma postura paternalista em relação aos povos indígenas representados no
corpo discente, caso contrário, ao invés de adquirirem “certa” autonomia no que diz
respeito a refletirem bíblica e teologicamente em relação a sua igreja e ao seu
contexto, eles não se sentirão estimulados a uma reflexão própria.
Para isso, é preciso: “estudar e compreender a teologia do reino, porém mais
importante ainda é crer que os valores do reino de Deus devem ser os valores da nossa
educação teológica [...].”60
60
Ibid, p.171.
CONCLUSÃO
Ao longo desta pesquisa, apresentamos um breve histórico de fundação dos Institutos
Bíblicos Reverendo Felipe Landes e Cades Barnéia e do Centro de Treinamento Ami, bem
como uma visão panorâmica dos principais componentes dessas escolas, como: objetivos
iniciais, os currículos, o corpo discente e docente, entre outros.
Assim, vimos que essas instituições de educação teológica, no que diz respeito aos
objetivos iniciais, enfatizam a formação do vocacionado, objetivando que o mesmo possa
atender as necessidades de sua igreja local. Nesse esforço, correm o risco de alimentar a
distinção entre clero e laicato, como também a concepção individualista de ministério. Aqui
apresentamos a necessidade de superar o paradigma ‘clerical’, adotando o paradigma ‘eclésio
comunitário’.
Quanto aos currículos, constatamos que o discurso oral ou escrito dos líderes dessas
instituições expressa uma compreensão de currículo que está relacionada a: disciplina,
conteúdo programático, carga horária, sala de aula. Observamos que esssas concepções foram
transplantadas e adaptadas de outras instituições teológicas e estabelecidas por um grupo de
pessoas que analisa e aprova ou encaminha para serem aprovadas por outros. Aqui, refletimos
sobre algumas questões importantes, tais como: O que é currículo? O que ele abrange? O que
está implícito e explicito nele? O que deve orientar um currículo e sua elaboração? E ainda
destacamos as duas questões pertinentes a toda e qualquer teoria do currículo, que são: O que
ensinar? E o que os(as) alunos(as) devem ser ou se tornar? Vimos também que o currículo,
além de ser uma questão de conhecimento, é também uma questão de identidade e envolve
uma relação de poder. E, finalmente, mostramos que o currículo não pode ser mera cópia
estrangeira, inflexível e imutável, mas que deve se modificar à medida que muda a realidade
em que a instituição teológica vive.
90
Em relação ao corpo discente, a pesquisa apontou para diversidade étnica que nos fez
considerar algumas questões importantes. Assim, refletimos sobre o preparo formal realizado
fora do contexto do(a) aluno(a), juntamente com suas implicações. A esse respeito,
destacamos a questão do ensino ser realizado em língua portuguesa. Desta forma, é exigido
do(a) candidato(a) um conhecimento deste idioma, no sentido de ler e escrever para, então,
poder ingressar no curso bíblico. Tratamos também de duas conseqüências desta prática, que
mereciam ser observadas. A primeira está relacionada à dificuldade de transmitir em sua
língua materna os conceitos bíblicos e teológicos aprendidos em língua portuguesa; a segunda
diz respeito a tendência que há, muitas vezes, de diminuir a importância da língua materna na
espiritualidade e na vida da igreja.
Outro aspecto que consideramos está relacionado ao conflito de cosmovisões,
conseqüência natural da diversidade cultural do corpo discente entre si e deste com o docente.
Consideramos principalmente a diferença de cosmovisão entre o corpo discente (basicamente
sobrenaturalista) e o docente (ocidental), apontando algumas implicações.
E no que diz respeito ao corpo docente, constatamos que em sua grande maioria é
formado por estrangeiros e brasileiros não-indígenas e apenas uma parcela pequena de
indígenas. Mencionei que uma das conseqüências desta realidade pode ser vista no material
didático que reflete a cosmovisão ocidental. Levantamos a questão da necessidade de se
formar docentes indígenas para o exercício da docência teológica nessas instituições.
Reconhecemos, portanto, que os desafios para isso estão, dentre outros, relacionados com a
falta de sustento para obtenção de um preparo adequado, como também para o sustento
pessoal e familiar. Neste caso, entendemos que há uma necessidade de se estudar uma solução
a curto, médio e longo prazo para esta questão.
91
Diante disso, buscamos subsídios para uma educação teológica indígena relevante
num referencial teórico de dois focos: um a partir da pedagogia freireana e outro baseado na
teologia da missão integral.
Em Freire, mesmo que suas pressuposições ideológicas possam ser questionáveis,
consideramos alguns aspectos fundamentais de sua pedagogia. Primeiro, vimos a importância
do contexto como ponto de partida da educação. Aqui, a tese principal está relacionada à
leitura do mundo antes da leitura da palavra. Segundo, refletimos sobre a questão do diálogo
como eixo principal no espaço educativo, apontando para uma interação entre educador(a) e
educando(a), necessária na construção do conhecimento. Terceiro, abordamos o aspecto da
problematização como superação de uma educação ‘bancária’, como contribuição para o
desenvolvimento de uma consciência crítica e como promotora da criatividade de todos os
envolvidos no ato educativo. E em quarto e último lugar, tratamos do currículo como uma
ação que deve ser conjunta e em contra posição ao currículo imposto.
Na teologia da Missão Integral, destacamos o que consideramos alguns de seus
principais pilares. Em primeiro lugar, consideramos a relevância do contexto, ponto central
nesta teologia, destacando que uma educação teológica que pretenda ser relevante deverá
apresentar respostas às questões do cotidiano das pessoas. Em segundo lugar, abordamos o
aspecto da natureza do ser humano. Vimos que, biblicamente, o ser humano é um ser integral
e apresentamos suas implicações no campo educacional. Em terceiro e último lugar,
destacamos a relação igreja, reino e mundo. Se partirmos do pressuposto que a educação
teológica existe para servir a igreja no cumprimento de sua missão, concluiremos ser de suma
importância ter uma compreensão clara acerca da igreja, sua missão e sua abrangência. E isso
afetará o programa educacional a ser desenvolvido.
Assim, de acordo com o que constatamos ao longo da pesquisa em relação às
instituições teológicas aqui consideradas, e com base no referencial teórico utilizado,
92
apresentamos algumas sugestões para uma educação teológica relevante. Essas sugestões
foram apresentadas em formas de cinco passos, a fim de serem mais didáticas.
Observamos no decorrer desta pesquisa a necessidade de estudos futuros que
contribuam para uma descrição mais detalhada dessas instituições em relação aos aspectos
aqui considerados e outros que não foram aqui abordados.
Finalmente, concluo lembrando as palavras do Paul Hiebert em relação à formação de
líderes:
É mais fácil treinar seguidores que simplesmente acreditem no que dizemos e nos
imitem. Uma vez que temos posição de honra, há pouca discordância. Mas
seguidores são espiritualmente imaturos e quando vamos embora são facilmente
desviados por qualquer falsa doutrina que apareça. É muito mais difícil treinar
líderes porque devemos ensiná-los a pensar por si mesmos, a discordar de nós e a
defender suas próprias convicções.1
1
Paul G. HIEBERT, op. cit, p. 217.
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PAULO CÉSAR DUARTE DE OLIVEIRA EDUCAÇÃO TEOLÓGICA