PAULO CÉSAR DUARTE DE OLIVEIRA EDUCAÇÃO TEOLÓGICA INDIGENA NO CENTRO OESTE DO BRASIL Londrina 2006 PAULO CÉSAR DUARTE DE OLIVEIRA EDUCAÇÃO TEOLÓGICA INDÍGENA NO CENTRO OESTE DO BRASIL Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Curso de Mestrado em Divindade da Faculdade Teológica Sul Americana, sob a orientação do Prof. Dr. Marcos Orison. Londrina 2006 DEDICATÓRIA À minha querida esposa Quézia e aos meus filhos Jônatas e Míriam, Pelo amor e carinho que tenho recebido sempre e pelo encorajamento nos momentos mais difíceis. Sem vocês não conseguiria ter alcançado mais um degrau. AGRADECIMENTOS A Deus e ao nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo pelas vitórias e alegrias que nos outorgou neste tempo de estudos. Aos meus pais, incentivadores constantes do meu crescimento como estudante, dando-me conselhos e incentivo para buscar a primazia da sabedoria. À Faculdade Teológica Sul Americana (FTSA), por sua visão de preparar vidas para servir o Reino de Deus, entre as quais somos uma. Aos Professores e funcionários da FTSA que me acompanharam durante todo o meu curso e que demonstraram compreensão e carinho. Ao Prof. Dr. Luiz Wesley de Souza, o primeiro a caminhar comigo nessa pesquisa, ajudandome no processo do projeto de pesquisa, tornando-se um suporte para os momentos que precisei de um conselheiro. Aos amigos Agnaldo Eufrázio Malaguti e Sueli Aparecida Silva que proveram o meu sustento, ajudando-me em toda a caminhada acadêmica. Sem vocês, não conseguiria ter chegado ao final. Aos colegas de classe pelo exemplo, amizade e companheirismo em Cristo na luta para satisfazer as exigências próprias de uma época de estudos e pela solidariedade no processo acadêmico e espiritual que nos conduziu à vitória. Aos diretores e professores dos Institutos Bíblicos e colegas missionários da Sociedade Internacional de Lingüística que contribuiram com preciosas informações. Esse trabalho não seria o mesmo sem a contribuição de cada um de vocês. Ao Pr. Henrique Terena, por ter me apoiado desde o início, numa das nossas conversas informais no encontro do CONPLEI em Dourados – MS, em 2004. À Associação Lingüística Evangélica Missionária (ALEM), por compreender a necessidade e importância do preparo para o ministério e por me incentivar a continuar os estudos. Ao José Carlos Alcântara da Silva por ter, como diretor da ALEM, permitido minha saída da aldeia do Povo Tembé para continuação dos meus estudos. A Elisabeth Ferreira Vasconcelos de Andrade, colega de missão e doutoranda em Educação, que em nossas conversas informais sobre o tema me ajudou a entender um pouco sobre a pesquisa no campo da educação. Ao Isaac Costa de Souza pela revisão e correção do texto final e pelas preciosas sugestões. A Carlos Delmiro de Oliveira, meu pai, por ter me concedido auxílio financeiro necessário para ir ao Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a fim de realizar pesquisa em alguns Institutos Bíblicos. Certamente isso não seria possível sem a sua ajuda. E ao professor Dr. Marcos Orison, que nos últimos meses, mesmo em meio a muitas mudanças na pós-graduação, ajudou-me com preciosas sugestões. RESUMO OLIVEIRA, Paulo César Duarte de. Educação Teológica no Centro Oeste do Brasil. Londrina, 2006. 79 p. (Dissertação do Mestrado em Divindade – Faculdade Teológica Sul Americana) Apresenta a história de aproximadamente três décadas, que diz respeito a dois Institutos Bíblicos e um Centro de Treinamento Bíblico. O Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes e Cades Barnéia, no estado do Mato Grosso do Sul, localizados nas cidades de Dourados e Aquidauana, e o Centro de Treinamento Ami, no estado do Mato Grosso, localizado na Chapada dos Guimarães. Essas instituições estão voltadas para o preparo de líderes evangélicos indígenas e possuem indígenas em sua liderança e no quadro de docentes. A história apresentada nessa pesquisa começa em 1978. O caminho percorrido por estas escolas é o mesmo que os nossos Seminários e Faculdades Teológicas no Brasil, voltados para não indígenas. Expõe os principais componentes dessas instituições teológicas, sistematizando uma série de informações nesse aspecto. Utiliza-se da pedagogia de Paulo Freire e da teologia da Missão Integral como ferramentas teóricas para uma reflexão acerca da educação teológica indígena. Analisa os principais componentes tais como: objetivos, currículos, corpo discente e docente, levantando questões pertinentes a cada um desses tópicos. E finaliza apresentando cinco sugestões, em formas de passos, a fim de ser mais prático, na busca de uma educação teológica relevante. Reconhece a necessidade de estudos futuros que abarquem outros aspectos não trabalhos aqui. Orientador: Dr. Marcos Orison ABSTRACT OLIVEIRA, Paulo César Duarte de. Theological Education in Middle-West Brazil. Londrina, 2006. 79 p. (Master Thesis on Divinity – South American Theological School) This thesis presents the history of approximately three decades concerning two Biblical Institutes and one Bible Training Center. Respectively, the Biblical Institute Reverend Felipe Landes and Cades Barnéia located in the state of Mato Grosso do Sul in the cities of Dourados and Aquidauana, and the Ami Training Center in the state of Mato Grosso located in the Guimarães Plateau. These institutions aim at preparing evangelical indigenous leaders, and have indigenous leaders and docents. The history presented in this research begins in 1978. The path followed by these schools is the same as the one followed by our Seminars and Theological Colleges in Brazil, which aim at non-indigenous people. This paper presents the main components of these theological institutions, systematizing a series of information related to this aspect. The pedagogy of Paulo Freire and the theology of Integral Mission are used here as theoretical tools for reflection on indigenous theological education. This research also analyses the institution’s main components, such as, goals, curriculums and docent body, raising questions pertinent to each of these topics. To conclude, the paper gives five suggestions divided into steps, to make it more practical, for the search of a relevant theological education. The need for further studies, which include other aspects not developed here, is recognized. Supervisor: Dr. Marcos Orison SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 9 CAPÍTULO I. Educação Teológica Indígena no Centro Oeste do Brasil. ............................. 1.1. Um breve histórico.................................................................................................... 1.1.1. Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes.............................................................. 1.1.2. Instituto Bíblico Cades Barnéia...................................................................... 1.1.3. Centro de Treinamento Ami........................................................................... 1.2. Os principais componentes......................................................................................... 1.2.1. Os objetivos iniciais dos Institutos.................................................................. 1.2.2. Os currículos.................................................................................................... 1.2.3. O corpo discente.............................................................................................. 1.2.4. O corpo docente............................................................................................... 11 11 12 13 13 14 14 16 20 24 CAPÍTULO II. Educação Teológica Indígena: Necessidade ou Ministério?.......................... 2.1. A importância da formação de liderança indígena.................................................... 2.1.1. A edificação da Igreja...................................................................................... 2.1.2. A expansão do Reino de Deus......................................................................... 2.2. Um modelo pedagógico a partir de Paulo Freire....................................................... 2.2.1. O educando no seu contexto: o ponto de partida da educação........................ 2.2.2. O diálogo como eixo principal no espaço pedagógico.................................... 2.2.3. Educação “problematizadora” versus educação “bancária”............................ 2.2.4. O currículo: um projeto participativo.............................................................. 2.3. Missão Integral: parâmetros para uma educação teológica integral.......................... 2.3.1. A relevância do contexto................................................................................. 2.3.2. A natureza do ser humano............................................................................... 2.3.3. Igreja, Reino e Mundo..................................................................................... 27 27 29 34 40 41 43 47 49 50 51 54 56 CAPÍTULO III. Por uma educação teológica indígena relevante........................................... 3.1. Educação e Missão.................................................................................................... 3.1.1. Missão para com Deus.................................................................................... 3.1.2. Missão para consigo mesma........................................................................... 3.1.3. Missão para com o mundo.............................................................................. 3.1.4. Missão para com o estudante.......................................................................... 3.2. Revisão dos principais componentes dos IBIs e do Centro de Treinamento............ 3.2.1. Revisando os objetivos iniciais....................................................................... 3.2.2. Revisando os currículos.................................................................................. 3.2.3. Revisando o corpo discente............................................................................ 3.2.4. Revisando o corpo docente............................................................................. 3.3. Sugestões para uma educação teológica indígena relevante..................................... 3.3.1. Passo 1: Analisar o contexto sócio-cultural e histórico do(a) educando(a).... 3.3.2. Passo 2: Desenvolver uma educação dialógica e problematizadora............... 3.3.3. Passo 3: Conceber o(a) educando(a) como ser integral.................................. 3.3.4. Passo 4: Conceber a missão da igreja como integral...................................... 3.3.5. Passo 5: Desenvolver uma educação centralizada no Reino de Deus............ 60 60 62 63 65 66 67 67 70 74 78 79 80 82 84 85 87 CONCLUSÃO........................................................................................................................ 89 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................... 93 TABELAS 1 Tabela 1: Disciplinas do 1º. Ano do Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes................. 16 2. Tabela 2: Disciplinas do 2º. Ano do Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes................ 17 3. Tabela 3: Disciplinas do 1º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia.................................. 17 4. Tabela 4: Disciplinas do 2º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia.................................. 17 5. Tabela 5: Disciplinas do 3º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia.................................. 18 6. Tabela 6: Disciplinas do 1º. Ano do Centro de Treinamento Ami....................................... 18 7. Tabela 7: Disciplinas do 2º. Ano do Centro de Treinamento Ami....................................... 19 8. Tabela 8: Disciplinas do 3º. Ano do centro de Treinamento Ami........................................ 19 ABREVIAÇÕES IBRFL: Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes IBCB: Instituto Bíblico Cades Barnéia CTA: Centro de Treinamento Ami MEU: Missão Evangélica Unida SAIM: South American Indian Mission UNIEDAS: União das Igrejas Evangélicas da América do Sul CONPLEI: Conselho Nacional de Pastores e Líderes Indígenas INTRODUÇÃO A partir da década de 70, inúmeras instituições teológicas começam a surgir no Brasil. Entre elas merece destaque as conhecidas como institutos bíblicos. Em alguns casos, os institutos bíblicos surgiram com o propósito de preparar evangelistas para áreas rurais e para evangelização de indígenas. Esta pesquisa focalizará sua atenção em institutos bíblicos que foram estruturados a partir de 1978, com a finalidade de formar líderes evangélicos indígenas que pudessem dar continuidade à grande comissão estabelecida por Jesus. O tema deste trabalho Educação Teológica Indígena no Centro Oeste do Brasil, ainda que pareça abrangente, compreende um estudo dos principais componentes dos Institutos Bíblicos Reverendo Felipe Landes e Cades Barnéia e do Centro de Treinamento Ami. Os dois primeiros ficam localizados no estado do Mato Grosso do Sul, nas cidade de Dourados e Aquidauana, respectivamente; o terceiro, localiza-se na Chapada dos Guimarães, estado do Mato Grosso. O objetivo desta pesquisa é sistematizar algumas informações acerca da história e dos principais componentes dessas instituições e a partir daí avaliar como se processa a educação teológica indígena. Como este trabalho abordará apenas um aspecto da educação teológica, isso aponta para a necessidade de estudos futuros em relação aos aspectos não abordados. A metodologia utilizada na obtenção dos dados em relação a estas instituições foi a pesquisa de campo, realizada por meio de um questionário e entrevistas gravadas com aproximadamente doze líderes ligados a essas escolas e mais cerca de oito missionários que trabalham com a tradução da bíblia para povos indígenas e que tiveram contato com alunos desses institutos bíblicos. Outras fontes utilizadas dizem respeito a folders, relatórios, notas pessoais e regimento interno das referidas instituições. O autor da pesquisa encontrou certas limitações na obtenção principalmente de informações sobre a fundação desses institutos 10 bíblicos, devido a falta de material escrito e de pessoal que pudesse descrever por meio da história oral este período inicial da vida da instituição. A dificuldade também é resultado do momento em que a pesquisa foi feita, que coincidiu com as férias dos líderes mais antigos. Também foi utilizado levantamento bibliográfico prévio para o desenvolvimento dos demais aspectos da pesquisa. Esta está organizada em três capítulos. No primeiro capítulo, será apresentada, de forma não muito extensa, a história das instiutições alvos desta pesquisa e em seguida os seus prinicipais componentes, tais como: os objetivos iniciais, os currículos, o corpo discente e docente. Neste capítulo veremos, por exemplo, quais foram os objetivos iniciais e quais os objetivos hoje; apresentaremos a proposta de grade curricular de cada uma das instituições; refletiremos acerca da origem do corpo discente, considerando questões como: Como são sustentados? Como são selecionados? Qual o percentual dos que retornam para aldeia? Abordaremos também o corpo docente, onde trataremos sobre questões como: Quem são os docentes? Em que áreas são preparados? E qual o desafio em relação a docência teológica? No segundo capítulo, trataremos inicialmente sobre a importância da formação de líderes indígenas. Veremos principalmente a importância e o papel desses líderes na vida e na missão da igreja emergente no contexto indígena. Ainda neste capítulo, será apresentado o referencial teórico a ser utilizado nesta pesquisa, com dois focos: um na pedagogia freireana e o outro na teologia da Missão Integral. Nesses focos serão buscado subsídios para refletirmos sobre a educação teológica indígena. No terceiro e último capítulo, será mostrada a relação entre educação teológia e a missão da igreja. Em seguida, será feita uma revisão dos principais componentes dessas instituições, apresentados no Capítulo 1. E, por fim, serão apresentadas, de forma didática, algumas sugestões com o objetivo de ajudar no desenvolvimento de educação teológica relevante. CAPÍTULO I EDUCAÇÃO TEOLÓGICA INDÍGENA NO CENTRO OESTE DO BRASIL Neste capítulo, será feita uma apresentação panorâmica dos Institutos Bíblicos Reverendo Felipe Landes, Cades Barnéia e do Centro de Treinamento Ami, descrevendo alguns dos seus principais componentes estruturais. Ver-se-á um pouco da história dessas instituições, quando foram fundadas e outras particularidades. Serão também descritos quais foram os objetivos iniciais e quais são os atuais objetivos de cada uma delas. Serão apresentadas as propostas curriculares de cada um desses institutos bíblicos e por fim será feita a apresentação dos corpos docente e discente. 1.1 Um breve histórico Desde 1978 até os dias atuais, várias escolas bíblicas surgiram no cenário brasileiro com o intuito de preparar liderança indígena evangélica. No site do Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (CONPLEI)1 é possível encontrar o nome de algumas dessas instituições de ensino teológico. O presente trabalho destacará, numa visão panorâmica, apenas três delas: os institutos bíblicos Rev. Felipe Landes, Cades Barnéia e o Centro de Treinamento Ami. Os dois primeiros localizados no Mato Grosso do Sul e o último no Mato Grosso. A educação teológica indígena é resultado do trabalho de organizações missionárias que atuam junto aos povos indígenas. No caso dos institutos bíblicos Rev. Felipe Landes, Cades Barnéia e do Centro de Treinamento Ami, pelo menos quatro organizações – SAIM, MEU, UNIEDAS e Missão Caiuá – ajudaram em sua estruturação. Com exceção da MEU, que tem desenvolvido educação teológica em Porto Velho, no estado de Rondônia, percorrendo várias aldeias, essas organizações continuam envolvidas com os referidos institutos. 1 Ver o site http://www.conplei.org para maiores informações. 12 1.1.1 Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes Em 1978, exatamente quando a Missão Caiuá completava seus 50 anos de existência e ministério servindo a população indígena Kaiwá em Dourados, mais um sonho do Rev. Orlando e da dona Loide se concretizava: organizou-se o Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes, em Dourados, no Mato Grosso do Sul. E, conforme as palavras do Rev. Gordon, dona Loide2 sempre afirmava: “Temos que ter evangelistas índios, temos que ter um instituto bíblico.” Um dos primeiros diretores desse instituto bíblico foi o pastor da Igreja Filadélfia3, em Dourados, e “durante quatro anos foram formados três indígenas: o sr. Guilherme, o sr. Xisto e o sr. Adalberto.” Em 1984, quando o Rev. Gordon chegou para ajudar no instituto bíblico, à convite de dona Loide, ele teve em sua primeira turma oito alunos não-indígenas. Então, conversando com a direção da Missão, ele disse: “Não vim aqui para fazer um instituto bíblico para “brancos”. Ou vocês arrumam índios ou vou embora.” E, segundo o Rev. Gordon, “uma campanha foi feita nas aldeias e conseguimos dezoito alunos indígenas.” Algum tempo depois, a direção da Missão Caiuá nomeou o Rev. Gordon como diretor do instituto bíblico. E “dois ou três anos depois, começou a ter uma seqüência de diretores brasileiros, com exceção de Mabel (Irlandesa). Alguns desses diretores foram: Mizael, Heitor, [...] Rev. Gerson (o último não indígena a desempenhar esse papel). Em 2005 foi nomeado um indígena como diretor do Felipe Landes: Jayson de Souza Morais (Tato).” Atualmente, as aulas desse instituto vão de terça até sexta-feira. O curso tem duração de dois anos, no qual ao final o aluno recebe um diploma de evangelista. 2 Rev. Orlando e Dona Loide foram líderes da Missão Caiuá por mais de 40 anos. No início do ministério, o Rev. Orlando foi o diretor e dona Loide vice-diretora; mais tarde, ela foi também administradora e chefe do hospital. (ver: TUCKER, Ruth A. “... E até aos confins da terra” – Uma História Biográfica das Missões Cristãs. Trad. Neyde Siqueira. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova. 1986, p.521-4). 3 Não há informação quanto ao nome deste primeiro diretor. No período da pesquisa, as pessoas com quem conversamos não lembravam o seu nome e boa parte da documentação desse instituto bíblico havia sido perdido. 13 1.1.2 Instituto Bíblico Cades Barnéia Em 1980, sob a inspiração da South America Indian Mission (SAIM), e parceria com a União das Igrejas Evangélicas da América do Sul (UNIEDAS) e com a Missão Evangélica Unida (MEU), nasce o Instituto Bíblico Cades Barnéia, que significa “lugar de decisão”. Atualmente, esse instituto bíblico é conhecido na região de Anastácio como Instituto Bíblico Água Azul. Essa instituição nasceu com o propósito de preparar biblica e teologicamente líderes evangélicos indígenas para o exercício do ministério cristão, seja na igreja local, na Missão UNIEDAS, no próprio IBCB ou ainda plantando igrejas em outras comunidades indígenas. Um aspecto dessa instituição que merece ser mencionado é que a mesma é dirigida por indígenas da etnia Terena. De fato, somente em 1981 é as aulas tiveram início no Cades Barnéia. A primeira turma formada era composta de “dezoito a vinte alunos, entre Terenas, Guaranis e alguns não indígenas da região.” Desde então, esse instituto vem sendo um instrumento para a capacitação teológica dos próprios indígenas. E, conforme afirma o pastor Josias Terena, “mais de nove etnias já estudaram no Instituto Bíblico Cades Barnéia. Tivemos aqui Nambiquara, Gavião, Suruí, Bakairi, Kadiwéu, Guarani, Pariri, Xavante e Terena.” Os alunos que concluem o curso acabam atendendo as necessidades das igrejas locais, ou vão desenvolver ministério em outras aldeias. O curso oferecido pelo Cades Barnéia é o curso médio em missões e tem a duração de três anos, divididos em dois semestres por ano. Sendo as aulas oferecidas de terça-feira até o sábado pela manhã. 1.1.3 Centro de Treinamento Ami Os missionários da South America Indian Mission (SAIM), ainda quando estavam no Mato Grosso do Sul, já pensavam na organização de um centro de treinamento que oferecesse 14 um curso bíblico de preparo transcultural, no estado do Mato Grosso, com o objetivo de alcançar a população indígena desta região. Sendo assim, em 1994 um grupo de pessoas, dentre elas: Daniel e Julia Snyder, Pr. Paulo e Edina, Reginaldo Sandro, Celso e Aldecir e, por fim, Doracir, dirigiram-se para a Chapada dos Guimarães. Lá havia uma propriedade comprada desde 1980 que estava à disposição de igrejas fundadas pela SAIM em Cuiabá. Como esta área não estava sendo utilizada pelas igrejas, esses missionários começaram os preparativos para o funcionamento do Centro de Treinamento. Assim, em março de 1995, na Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, é organizado o Centro de Treinamento Ami. O nome Ami foi extraído do livro de Oséias, no Antigo Testamento, e é um vocábulo de origem hebraica que significa “meu povo”. A primeira turma era composta de alunos indígenas e não-indígenas. Mas, como nos outros Institutos Bíblicos vistos até aqui, o seu objetivo era principalmente o preparo de líderes evangélicos indígenas. O Ami oferece o curso bíblico de preparo transcultural com duração de três anos, sendo o ano letivo dividido em quatro bimestres, onde cada bimestres tem duração de seis semanas, tendo, entre um bimestre e outro, um período prático em área indígena. Além do curso bíblico, é oferecido um supletivo de no máximo dois anos, mas a maioria dos alunos conclui em um ano. Segundo os diretores do Ami, “Muitos vão passar pelo supletivo para aprender a ler e escrever em português.” 1.2 Os principais componentes 1.2.1 Os objetivos iniciais dos Institutos De acordo com depoimentos de líderes desses institutos bíblicos, pode-se constatar que tais instituições nasceram com o objetivo de preparar líderes (mão-de-obra) autóctones para o ministério na igreja emergente e para a expansão do evangelho entre os povos 15 indígenas. Um exemplo disso é percebido na afirmação que encontramos em documento do Instituto Bíblico Reverendo Felipe Landes, da Missão Caiuá, que diz: “O Instituto bíblico foi fundado com o objetivo de formar evangelistas índios para auxiliar nos trabalhos existentes e para abertura de novos campos em aldeias onde o ingresso de não indígena é proibido ou inviável” (grifo nosso).4 E ainda no portal geral da Igreja Presbiteriana do Brasil, encontramos a seguinte afirmação: “A Missão Evangélica Caiuá, ainda mantém um Instituto Bíblico para formação de obreiros indígenas, com o intuito de que o próprio índio cumpra a missão da evangelização entre o seu povo.”5 Tal visão permanece ainda hoje: preparar os próprios indígenas para a tarefa da evangelização. Quanto ao Instituto Bíblico Cades Barnéia, os objetivos foram os mesmos preconizado pela Missão Caiuá. O pastor Josias Terena, membro da Missão UNIEDAS e atual diretor do dessa instituição, afirma: “O objetivo principal do Instituto Bíblico Cades Barnéia sempre foi preparar o índio para o trabalho missionário e é nosso objetivo ainda hoje preparar o índio para evangelizar o próprio índio.” Além disso, acrescenta: “nossos ex-alunos, que agora são missionários, têm trabalhado em sua própria comunidade ou em outra, e isso é gratificante.” A trajetória do Instituto Bíblico Ami, não difere muito do que vimos até aqui em relação aos outros. Seu objetivo inicial foi expresso por alguns professores da seguinte maneira: Desde o início, o alvo principal era o de fazer discípulos. A educação e o atendimento das necessidades na área de saúde para as tribos nessa região era um forma de fazer isso. O alcance das tribos com o evangelho sempre foi nosso primeiro alvo. O curso bíblico e as atividades na parte da tarde é só uma forma de alcançar o alvo de fazer discípulos. A esperança é que os alunos que saiam daqui façam discípulos em suas aldeias. [...] fortalecendo as igrejas onde eles estiverem (grifo nosso). 4 5 Folder do Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes. Portal da Igreja Presbiteriana do Brasil: http://www.ipb.org.br/missoes/mec.php3, extraído em 25/02/2006. 16 Em outro documento se diz que o Centro de Treinamento Ami foi fundado “visando o preparo de obreiros indígenas e todos aqueles que recebem o chamado específico para o trabalho transcultural” (grifo nosso).6 O que se observa nessas três instituições de ensino teológico, seja preparando evangelistas, missionários ou discípulos, é a preocupação com o preparo de líderes indígenas que possam atender as necessidades da igreja local e ao mesmo tempo contribuir com a expansão do evangelho. A visão comum encontrada no discurso oral ou escrito dos dois desses institutos bíblicos é a de preparar vocacionados para o ministério.7 Já no Ami não há tanto rigor. Uma vez que seu objetivo é formar discípulos, o aluno é aceito mesmo que não seja convertido. O pastor Henrique Terena afirma: “O nosso alvo é fazer discípulos. Muitos alunos que chegam aqui não são convertidos e muitos deles tomam aqui a decisão de seguir a Jesus.”8 1.2.2 Os currículos Como os institutos bíblicos mencionados até aqui foram fundados por organizações missionárias estrangeiras e nacionais9 com a visião de formar liderança autóctone para a igreja local e para o trabalho missionário junto aos povos indígenas do Brasil, o currículo adotado inicialmente acabou sendo basicamente o que já existia em nossos institutos bíblicos ou seminários não indígenas, com pouca ou nenhuma adaptação. No entanto, o mesmo veio a passar gradativamente por mudanças nos anos seguintes. Várias questões na área do currículo podem ser levantadas. Porém, uma questão fundamental que será ressaltada nesse ponto é: quem determina ou elabora o currículo? 6 Folder de divulgação do Instituto Bíblico Ami. Refiro-me ao Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes e ao Cades Barnéia, uma vez que a terceira instituição em apreço é um centro de treinamento. 8 Entrevista com Henrique Dias Terena, professor, membro da diretoria do Ami e atual presidente do Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas (CONPLEI), concedida em 07/06/06. 9 A organização nacional, nesse caso, é a Missão Caiuá, que, mesmo tendo sido organizada por missionários estrangeiros, foi dirigida a partir de 1943 por missionários brasileiros e não há dúvida sobre sua nacionalização. 7 17 No caso do Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes, a grade curricular adotada foi a do Instituto Bíblico Eduardo Lane (IBEL), como é possível observar nas palavras do Rev. Benjamim quando afirma: “inicialmente ele foi estruturado, seguindo o modelo do Instituto Bíblico Eduardo Lane (IBEL), depois, com o passar do tempo, esta estrutura foi se adaptando, especialmente a grade curricular.” Nos primeiros anos, diz o Rev. Gordon: “O nível das disciplinas era muito alto, a cada ano nós procuramos baixar o nível das disciplinas para que os alunos pudessem absolver. Não precisa mudar o currículo, talvez o professor devesse modificar o conteúdo ao nível dos alunos. O currículo está dando o básico para o evangelista sair preparado para servir a igreja.” Em relação ainda ao currículo, o Rev. Matoso acrescenta: “O currículo é definido pelo conselho diretor que o apresenta a Assembléia da Missão Caiuá para aprovação ou não.” O Instituto Bíblico tem em sua grade curricular10 de 37 disciplinas, distribuídas num período de quatro semestres, podendo, assim, ser concluída em dois anos. Tabela 1 Disciplinas do 1º. Ano do Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes 1º. Semestre Doutrina Panorama do VT Educação Cristã Português Música Saúde e Nutrição Hermenêutica História da Igreja Evangelismo e Discipulado 10 2º. Semestre Doutrina Panorama do VT Educação Cristã Português Homilética Levítico e Hebreus História da Igreja Tabernáculo Livros Poéticos Práticas Manuais A grade curricular apresentada se encontra no documento com o título Regimento Interno e Grade Curricular do Instituto. Conforme o Rev. Matoso, já foi feita uma proposta para mudança de algumas disciplinas (22/02/2006). 18 Tabela 2 Disciplinas do 2º. Ano do Institutot Bíblico Rev. Felipe Landes 1º. Semestre Doutrina Panorama do NT Educação Cristã Português Harmonia dos Evangelhos Evangelismo e Discipulado Seitas e Heresias Missões Homilética 2º. Semestre Doutrina Panorama do NT Educação Cristã Português Música Prática de Evangelismo e Discipulado Vida Crsitã e Aconselhamento Administração Eclesiástica Missões Indígenas No Cades Barnéia, o currículo foi elaborado pela missão indígena UNIEDAS e outros missionários que atuavam naquela região. E desde o início de suas aulas em 1981 até hoje, tem sido mantido o mesmo currículo, com poucas mudanças. O pastor Josias Terena afirma que: “Desde o início mantemos o mesmo currículo, tem alguma mudança, mas não é muita coisa, às vezes queremos atualizar um pouco”. A grade curricular apresenta 50 disciplinas distribuídas sistematicamente em seis semestres, ou seja, pode ser concluída em três anos. Tabela 3 Disciplinas do 1º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia 1º. Semestre Visão Geral da Bíblia Doutrina da Bíblia Orientação Cristã Gênesis/Êxodo Áudio Visual Sinóticos Prevenção/Doenças Coral 2º. Semestre Doutrina Homem/pecado/salvação Evangelho de João Lar Cristão Números/Deuteronômio/Josué Metódos de Estudo I Antropologia /Missiologia Primeiros Socorros Música/Regência Tabela 4 Disciplinas do 2º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia 1º. Semestre Doutrina Deus/Cristo/Espírito Santo Juízes/Rute/Samuel/Reis 2º. Semestre Doutrina da Igreja Esdras/ Neemias/ Ester 19 Atos dos Apóstolos Evangelismo João/Pedro/Judas Pedagogia Cristã Métodos de Estudo II Introdução a tradução Coral Romanos/Tiago Efésios/Colossenses História do Cristianismo Homilética I Guerra Espiritual Primeiros Socorros Coral Tabela 5 Disciplinas do 3º. Ano do Instituto Bíblico Cades Barnéia 1º. Semestre Doutrina das Últimas Coisas Isaías/Jeremias I Timóteo/Tito Daniel/Apocalipse Liderança Cristã Bíblia e Cultura Indígena Doutrina dos Anjos Coral 2º. Semestre Profetas Menores I, II Tessalonicenses/ II Timóteo I, II Coríntios Levíticos/Hebreus Missões Aconselhamento Pastoral Princípio de Ensino Doutrina Escatologia No Ami, a experiência não foi diferente. O currículo foi elaborado por “missionários da SAIM com a participação ativa dos professores do Ami, tanto brasileiros como indígenas. E várias adaptações já foram feitas para chegar a atual grade curricular.” A atual proposta curricular que o Ami oferece é composta de 51 disciplinas, que podem ser concluídas dentro de um período de três anos, distribuídas em seis semestres, sendo cada semestre constituído de dois “bimestres com duração de seis semanas cada”. E além das disciplinas oferecidas em sala de aula, os alunos do Ami desenvolvem tarefas nas áreas de: “carpintaria, oficina, horticultura, enfermagem, construção e datilografia”. Tabela 6 Disciplinas do 1º. Ano do Centro de Treinamento Ami 1º. Semestre Português I A Bíblia Lar Cristão Orientação Cristã Áudio Visual Prevenção/Doenças 2º. Semestre Português II Visão da Bíblia Mateus e os Evangelhos Números a Josué Evangelho de João Métodos de Estudo 20 Corpo Humano/Nutrição Gênesis/Êxodo Guerra Espiritual Primeiros Socorros Música Tabela 7 Disciplinas do 2º. Ano do Centro de Treinamento Ami 1º. Semestre Português III Juízes/2Reis Introdução a Tradução Atos Métodos de Estudar a Bíblia I João a Judas Pré-Evangelismo Anatomia/Fisiologia/Patologia 2º. Semestre Português IV Homem/pecado/salvação Homilética I História Cristã Romanos/Tiago Efésios a Colossenses Esdras a Ester Anatomia/Fisiologia/Patologia 2 Oração Tabela 8 Disciplinas do 3º. Ano do Centro de Treinamento Ami 1º. Semestre Português V Doutrina Deus/Cristo/Espírito Santo I Timóteo/Tito Farmacologia Liderança Cristã Antropologia I, II Coríntios Livros Poéticos Daniel/Apocalipse 2º. Semestre Português VI Igreja e Missões Aconselhamento Pastoral Profetas Menores Isaías/Jeremias Levíticos/Hebreus Princípio de Ensino I, II Tessalonicenses/Escatologia É possível constatar os seguintes grupos de disciplinas em comum nas três grades curriculares: doutrinárias, analíticas (estudo de livros e epístolas), históricas e práticas. 1.2.3 O corpo discente Qual a origem dos alunos? Como são selecionados? Como são sustentados? Qual o percentual dos que retornam para as aldeias? Em que língua os alunos estudam? Essas são algumas questões relevantes que trataremos agora, procurando respondê-las. 21 Segundo os líderes desses institutos bíblicos, os alunos procedem de diferentes aldeias. Mas, vale ressaltar que essas instituições já receberam e formaram alunos não-indígenas. No Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes, basicamente os alunos representaram quatro etnias: Terena, Guarani, Kaiwá e Xavante. No Cades Barnéia, o pastor Josias Terena garante que desde o início já passaram o nove etnias: “Nambiquara, Gavião, Suruí, Bakairi, Kadiwéu, Guarani, Pariri, Xavante e Terena”. No Centro de Treinamento Ami, houve um número bem maior de etnias estudando a palavra de Deus, “foram cerca de 25 povos representados, sendo uma média de 12 a 15 por ano”. Algumas das etnias que já passaram por essa escola bíblica são: “Jarawara, Ka’apor, Tikuna, Aikanã, Tupari, Parintintin, Suruí, Parecis, Guajajara, Paumari, Nambiquara, Bakairi, Mamaindé, Karitiana, Xavante, Terena”.11 Os critérios de seleção do aluno são basicamente os mesmos: ser indicado pela igreja local, por missionário ou conselho, preencher um formulário de matrícula e uma avaliação junto ao conselho diretor do instituto. De acrodo com o Rev. Benjamim: Em cada aldeia onde há vocacionado para fazer o instituto e depois atuar como missionário, ele passa por uma avaliação da igreja local ou conselho, para saber se a pessoa está apta, e se realmente é aquilo que ela quer. Depois é preciso preencher vários requisitos do instituto bíblico e isso é feito através de uma avaliação com o conselho diretor do instituto, que é formado pelo diretor, coordenadora pedagógica, um representante dos professores e um representante dos alunos. Nas palavras do pastor Josias Terena, a carta de apresentação traz informação quanto a participação ativa do(a) candidato(a) em sua igreja local e também informa se ele(a) é um vocacionado(a) ou não. No nosso caso Terena, o candidato vem com uma carta de informação assinada pelo pastor de sua igreja local. No caso dos Xavantes, eles precisam trazer uma carta assinada pelo cacique, missionário ou pastor da igreja local. A carta serve para trazer uma informação se ele está sendo um membro ativo em sua igreja e se ele tem essa vocação para ser um missionário. Em relação aos alunos que pretendem ingressar no curso bíblico do Ami, a carta de recomendação pode ser da igreja, se já existe igreja na aldeia, do(a) missionário(a) que trabalha com o povo, da própria comunidade ou mesmo dos pais, que assumem a 11 Ken Lake. Relatório 2003-2004 e 2004-2005. 22 responsabilidade pelo envio do candidato. Snyder declara: “Nós requeremos uma carta do pastor ou da comunidade.” Se não houver igreja pode ser carta: “da comunidade ou do(a) missionário(a).” E ainda foi declarado que “os missionários normalmente indicam. Às vezes tem pastor ou alguém da aldeia que indica. Mas alguns simplesmente chegam”. O que se observa em relação ao sustento dos alunos desses institutos é que suas igrejas ou outras igrejas colaboram financeiramente de alguma maneira para sua manutenção. Segundo o Rev. Benjamim, da Missão Kaiwá: “A Missão tem levantado junto a igrejas e mantenedores o sustento dos alunos, de tal maneira que o próprio aluno não se sinta impedido de vir por causa do sustento. Ao ser aceito um aluno, nós o apresentamos a uma ou mais igrejas para que seja adotado como filho da igreja, para estar orando por ele e o sustentando financeiramente”. Em relação ao sustento dos alunos no Cades Barnéia, o pastor Josias Terena afirma: O IBCB estipulou um valor mensal, mas, infelizmente, nossos alunos que vêm das aldeias não têm condições de pagar suas mensalidades. Nós cobramos R$ 80,00 por alunos solteiros e R$ 150,00 por alunos casados. Mas, infelizmente, eles não têm condições. O que temos feito, então, é que a própria igreja da qual ele é membro é que o mantém aqui com suas contribuições de gênero alimentício. No Ami, o aluno é ensinado a ter responsabilidade quanto ao seu sustento e, portanto, quando deixa de pagar algumas mensalidades, ele retorna para aldeia a fim de levantar o que é necessário para sua manutenção. A mensalidade no Ami é de meio salário mínimo por pessoa. “A escola dá um desconto se o sustento vier da aldeia, mas, todos têm que pagar”. E ainda em um documento, encontramos a seguinte afirmação em relação à mensalidade: “pode ser paga por ele mesmo em dinheiro, em gêneros alimentícios ou em trabalho além do horário de serviço da escola”. Em cada uma dessas escolas bíblicas, é exigido do aluno um período prático, ou seja, um tempo de estágio. Quanto a esse tempo de estágio, o Rev. Benjamim afirma: Aqui, por está perto da aldeia, nós temos, todo final de semana, atividades nos trabalhos locais. Nós temos uma aldeia onde, há quatro anos, eles mesmos (os alunos) abriram um trabalho. Eles vão no domingo pela manhã e retornam à tarde. E 23 há os meses de férias. Além disso, em julho eles têm quinze dias de estágios supervisionados e no final do ano mais um mês de estágio. São um mês e meio de estágio, além dos finais de semana (grifo nosso). No Cades Barnéia, diz o pastor Josias Terena: Nós oferecemos num semestre três ministérios onde os alunos vão colocar em prática o que eles têm aprendido. A própria escola já oferece um treinamento prático para os alunos [...], nas igrejas indígenas da região. [...] Como nós temos esse trabalho em outras tribos, o tempo é de quinze a vinte dias. Quando temos atividade aqui em nossa região é de três dias, geralmente um final de semana, sexta, sábado e domingo. Julho é férias onde os alunos podem retornar para suas aldeias. Os Alunos no Ami também desenvolvem um período de estágio. “O ministério e parte da tarde são áreas em que o aluno pode pôr em prática aquilo que está aprendendo em sala de aula”. Nos meses de férias também é um tempo propício para o aluno desenvolver o que aprendeu na escola bíblica, colocando em prática no convívio em sua aldeia e sua igreja. Um outro ponto crucial em relação aos alunos, diz respeito ao percentual de formandos que não retornam para aldeia ao concluir o curso. Esse percentual é baixo, entre cerca de 10% no Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes e aproximadamente 5% no Centro de Treinamento Ami. Já no Instituto Bíblico Cades Barnéia, o pastor Josias Terena não informou o percentual dos que não retornam, mas sua afirmação indica que mais da metade dos alunos formados estão no ministério, seja na aldeia ou não: “Eu acredito que deve ter 60% que hoje são pastores e missionários. Porque hoje, inclusive, nossa diretoria da Missão Indígena UNIEDAS e mais a diretoria do IBCB foram ex-alunos daqui do IBCB e que hoje estão exercendo função importante dentro da Missão, dentro da obra de Deus”. Porém, ainda que os percentuais dos que retornam para suas aldeias seja alto, isso não significa que estejam desenvolvendo algum ministério na igreja local, principalmente como pastor ou qualquer outro cargo de liderança, pois, em alguns casos, os alunos não estão na idade apropriada para exercerem autoridade sobre os mais velhos. E, por fim, vale ressaltar que geralmente alguns alunos chegam ao instituto bíblico sem nenhum conhecimento da língua portuguesa, no sentido de ler e escrever, mesmo 24 possuindo certo grau de bilingüismo oral. Por esta razão, muitos precisam primeiro aprender a ler e a escrever em português – e isso pode durar de um a dois anos, dependendo do grau de dificuldade que o aluno encontra no aprendizado da língua. Depois de superada esta etapa é que o aluno pode ingressar no curso bíblico. A realidade é diferente entre os institutos bíblicos quanto ao processo de ensinoaprendizagem desenvolver-se em língua portuguesa. No Instituto Bíblico Rev. Felipe Landes, diz o Rev. Benjamim: “No nosso caso aqui, 70% são bilíngües e, portanto, não apresentam problemas com relação a isso (língua portuguesa – observação nossa). Nós percebemos que o homem às vezes é bilíngüe, mas, a esposa tem dificuldade”. No contexto do Cades Barnéia, o pastor Josias Terena afirma: “Para nós Terenas, não temos tido essa dificuldade, mas, para os que vêm de outras etnias, de outras tribos, já tem a dificuldade. Os Xavantes enfrentam uma dificuldade maior, porque falam muito pouco e lêem pouco português”. No Centro de Treinamento Ami, como já mencionado anteriormente, é oferecido um supletivo para atender a essa necessidade do aluno. Este curso tem duração de um a dois anos, porém muitos conseguem concluir dentro do período de um ano. 1.2.4. O corpo docente Quem são os professores(as)? Em que áreas são preparados(as)? E qual o desafio em relação ao corpo docente? A questão que envolve a docência teológica, ainda hoje, é um assunto na pauta das agendas das instituições de ensino teológico no Brasil. Essa temática não deixa de ser relevante em relação às instituições que constituem o universo desta pesquisa. Os professores que compõe o quadro de docentes dessas instituições, que abordamos até aqui, são estrangeiros de várias nacionalidades, brasileiros não-indígenas e indígenas. Normalmente, esses professores são os missionários que pertencem às organizações missionárias que fundaram o instituto bíblico ou o centro de treinamento. Também podem ser 25 pastores ou professores de seminários da região próxima a essas escolas, ou ainda líderes e pastores indígenas. O Rev. Benjamim (Felipe Landes) considera como desafio da educação teológica indígena o preparo de docentes indígenas. E em relação a isso, ele afirma: “Em nosso caso, nós estamos distantes de termos professores capacitados para ministrar, porque a visão que se tem da bíblia [...] é aquilo que foi dado no instituto bíblico [...]. Nós precisamos preparar melhor os professores indígenas. É uma caminhada que vai demorar um bom tempo, mas é um desafio”. O corpo docente desse instituto bíblico sempre foi formado por missionários(as) e pastores, tanto estrangeiros como brasileiros. O pastor Josias Terena (Cades Barnéia) também aponta como desafio da educação teológica indígena a formação de professores indígenas. Em seu discurso, ele afirma: “A falta de professores para [...] o povo indígena, [...] essa tem sido uma grande dificuldade que temos tido aqui. O que nós queremos é aperfeiçoar o ensino teológico do povo indígena, para ser nosso próprio professor aqui no instituto”. No Cades Barnéia, há oito professores, dos quais quatro são índios Terena e os demais são não-indígenas pastores e professores de seminários da região. De acordo com o pastor Josias Terena, esses professores: “Têm formação na área teológica, são bacharéis em teologia em sua grande maioria. Mas alguns têm formação na área de educação, saúde e etc.” No contexto do Ami, o corpo docente é composto de vinte professores, sendo “dez estrangeiros, cinco brasileiros não-indígenas e seis indígenas”. A formação da maioria desses professores compreende as seguintes áreas de formação: “Bacharel em Teologia, Mestrado em Missiologia, Doutorado em Ministério e Pedagogia”. Weidt aponta para a importância de um corpo docente diversificado, tanto em relação à origem cultural quanto ao nível acadêmico. Ele afirma: “Minha sugestão para os cursos de treinamento de líderes é então que diversos professores de diversas culturas e níveis 26 acadêmicos contribuam no ensino. Creio que um corpo docente formado de professores indígenas, brasileiros e estrangeiros tem a maior chance de passar o conteúdo de uma forma integral”.12 12 Friedrich Manfred WEIDT, O povo Guarani-Mbyá no Sul do Brasil: Contextualização e Práxis Evangélica, p.148. CAPÍTULO II EDUCAÇÃO TEOLÓGICA INDÍGENA: NECESSIDADE OU MINISTÉRIO? Nesse segundo capítulo, abordaremos a questão da importância da formação de liderança indígena e apresentaremos o referencial de ação pedagógica baseado nas contribuições de Paulo Freire e da Missão Integral da Igreja. 2.1 A importância da formação de liderança indígena Deus confiou à sua Igreja, ou seja, ao seu povo, e isso inclui a igreja evangélica emergente no contexto indígena, a responsabilidade de dar continuidade ao ministério de Cristo. A Igreja é o corpo de Cristo e seus líderes e pastores “devem compreender que o poder que lhes foi dado deve ser usado de forma a dar continuidade à práxis pastoral de Jesus.”1 Esse chamado, como é demonstrado na doutrina do sacerdócio universal de todos os crentes, é responsabilidade de toda igreja, de todo laos Theou (povo de Deus), quer seja clero ou leigo. E segundo Lutero, não cabe distinção entre clero e leigo2. A todo membro do corpo de Cristo, deve ser ensinado sua responsabilidade3 sacerdotal em relação aos demais, pois, afinal, a missão da Igreja é composta de todos. Mas, embora todos sejam considerados sacerdotes, “Jesus deu à Igreja alguns homens para pastoreá-la, para serem guias, homens que deviam ajudar a todos, sendo eles mesmos modelos para o rebanho até a sua volta triunfal.” (grifo nosso)4 Pastores, presbíteros, diáconos e demais líderes da igreja local são constituídos por Deus com o propósito de equipar e capacitar todos os santos (Ef. 4.12) para o cumprimento de sua missão. Costa afirma que: “A eleição feita pela igreja deve ser vista como reconhecimento 1 Cornélio Póvoa de OLIVEIRA, O poder pastoral, p. 66. Timothy GEORGE, Teologia dos Reformadores, p. 96-98. 3 De acordo com Habin, tal responsabilidade: “compreende o seu ministrar mesmo enquanto recebe a ministração de outros. Cada um deve interceder pelo outro e ensinar ao outro, até corrigindo quando for necessário. “ Christopher B. HARBIN, Ecleiologia: O Reinar de Deus na Terra, p. 12. 4 Cornélio Póvoa de OLIVEIRA, op. cit, p. 66. 2 28 público e evidência de que os referidos oficiais foram escolhidos, vocacionados e capacitados por Deus para determinado ofício.”5 E ainda Harbin acrescenta: “A igreja pode convocar indivíduos para funções especiais, mas tal convocação não elimina a responsabilidade dos demais.”6 A esse respeito, o missiólogo Charles Van Engen afirma: “A pessoa ordenada [...] não é mais chamada para o ministério que qualquer outra pessoa; ao contrário, é designada para capacitar cada membro no ministério.”7 A responsabilidade desses líderes é, portanto, capacitar e preparar o povo de Deus para o cumprimento de sua missão no mundo. E em relação a essa missão, diz Harbin: “Existe um duplo enfoque da missão em seu relacionamento com o reinar de Deus: a missão tem aspecto interior – aplicação pessoal do ensino e da vida do reinar de Deus; e o seu aspecto exterior – o levar a mensagem do reinar de Deus aos demais.”8 E quanto a esses dois aspectos9, vale ressaltar que eles não são excludentes, um não existe em detrimento do outro e, sim, são complementares. Assim, observando a vida e o ministério do apóstolo Paulo, constata-se que ele entendia que edificar a igreja significava tanto o fortalecimento dos crentes (Ef. 4.11-12) quanto à expansão do Reino de Deus (Rm 15.20). Portanto, diante de tão grande responsabilidade, cremos que a liderança evangélica indígena precisa ser bem treinada e instruída para que possa fortalecer a Igreja em sua caminhada, enfrentando os desafios próprios de sua situação sócio-cultural e lingüística, com vistas à expansão do Reino de Deus. A seguir refletiremos sobre a ação pastoral ad intra e ad extra, ou seja, respectivamente ação pastoral voltada para dentro e para fora da igreja. 5 Hermisten Maia Pereira da COSTA, Vocação e Ordenação: definições e razões, p. 7-9. Christopher B. HARBIN, op. cit, p. 12. 7 Charles Van. ENGEN, Povo Missionário, Povo de Deus: por uma redefinição do papel da igreja local, p. 202. 8 Christopher B.HARBIN, op. cit, p. 9. 9 O alvo da missão da igreja, seja em sua dimensão interna ou externa é glorificar a Deus e isso aponta para um terceira dimensão da missão da igreja, que é de acordo com alguns estudiosos a missão para com Deus. 6 29 2.1.1 A edificação da Igreja A igreja evangélica indígena é uma realidade no cenário evangélico brasileiro. E, à semelhança da igreja no contexto secular urbano, ela não está isenta de problemas e desafios. O contexto secular indígena, ainda que distinto do urbano, apresenta inúmeros desafios para igreja evangélica emergente. Alguns são os já consagrados nos escritos missiológicos: a pobreza, a violência, a droga, o alcoolismo etc. Outros incluem a identidade cristã do indígena. E diante da grande complexidade de desafios que se abre ao trabalho missionário e ministerial dessas igrejas, é necessário que os seus líderes e pastores se tornem aptos para capacitar o povo de Deus para o serviço cristão, a fim de construir ou edificar o corpo de Cristo. Nessa caminhada, o papel dos pastores e líderes é bem descrito nas Escrituras. Pedro em sua primeira epístola faz a seguinte exortação: “Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles, [...] pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós.”10 Essa clássica exortação do apóstolo Pedro aponta para o cuidado com o rebanho de Deus, como o foco da ação pastoral. O cuidado desse rebanho requer uma supervisão diligente e uma vigilância atenta. Quanto a essa exortação de Pedro, Oliveira afirma: “A idéia de pastorear está ligada ao trabalho do pastor de ovelhas. Isso significa que o apóstolo Pedro está dizendo aos presbíteros que eles deveriam alimentar o rebanho de Deus e protegê-lo dos inimigos que querem destruir sua fé.”11 O rebanho de Deus é alimentado pelo ensino e pela pregação das Escrituras e dessa forma a Igreja é edificada e se expande. E ainda ela é capaz de fazer frente aos seus inimigos e aos falsos ensinamentos. Paulo, além de ter plena convicção de que Deus o chamara para edificar sua Igreja, entendia que a edificação, tanto no sentido de fortalecimento quanto no de expansão, se daria pela proclamação da Palavra de Deus. 10 11 BÍBLIA de Estudo de Genebra. Cornélio Póvoa de OLIVEIRA, op. cit, p. 56. 30 Ao escrever a igreja de Corinto, ele diz: “Eu, irmãos, quando fui ter convosco [...] decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado [...] a minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder.” (1 Co 2.1-4)12 Sendo Paulo, um dos homem mais sábio de sua época, e que poderia ter falado sobre qualquer outra coisa, tomou a redenção em Jesus Cristo como tema de sua proclamação. Isso mostra que, no ministério do apóstolo Paulo, o método usado era sempre o da exposição da palavra de Deus para edificação do corpo de Cristo em suas duas dimensões, tanto no seu fortalecimento quanto na sua expansão. Assim, escrevendo a Timóteo, ele afirma: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para repreensão, para a correção, para educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.” (2 Tm 3.16-17)13 Esses versículos dirigidos a Timóteo, além de apontarem a autoridade divina das Escrituras, revelam igualmente ser o ensino bíblico o método básico para equipar os santos para o seu serviço, visando a edificação do corpo de Cristo. A esse respeito vale destacar as palavras de Robinson, ao sugerir como equipar a igreja por meio do ensino e da pregação: A pregação do púlpito ungida por Deus dá o rumo de direção da Igreja. A proclamação da Palavra produz convicção, conclama ao arrependimento e resulta em entrega de vidas. O Estímulo dado pela exortação feita de púlpito concita e motiva os membros do corpo a obedecerem a Cristo. A direção do ministério de equipar é determinada e toma o seu rumo por meio do ministério pastoral da Palavra e do ensino. Muito do ministério de equipar se realiza quando a Palavra de Deus é ensinada e o Espírito Santo a coloca nos corações e nas mentes dos que a ouvem. [...] Ela (a palavra de Deus – observação nossa) prepara inteiramente a pessoa para praticar boas obras. Equipa a pessoa para a realização da obra de Deus.14 Nas palavras de Robinson, é por meio da pregação e do ensino das Escrituras que as pessoas se convertem e são preparadas para realizarem a obra dada por Deus à sua Igreja. É, portanto, função do pastor, por meio do ensino e da pregação da palavra de Deus, treinar, 12 BÍBLIA, op. cit. Idem. 14 Darrell W. ROBISON, Vida total da igreja: Uma estratégia para o século 21, p. 161 e 163. 13 31 aperfeiçoar e capacitar cada membro do corpo de Cristo para o desenvolvimento dos mais diversos ministérios na igreja local. E ainda que essa seja a função do pastor, Oliveira afirma que esse tipo de líder: Não está afastado da missão da Igreja, assim, como os membros não estão afastados do seu chamado pastoral para com o mundo. O pastor faz a missão junto com a Igreja, porque não se separa os membros do corpo, não se separa o braço da perna, como não se separa o olho do ouvido. O corpo deve agir em unidade, todos os seus membros devem trabalhar juntos para que o todo funcione bem.15 Nessa afirmação, Oliveira nos chama a atenção para o fato de que todos os membros do corpo de Cristo devem agir em unidade, visando um fim proveitoso. Paulo, em sua epístola aos Efésios, nos chama a atenção para unidade no corpo, dizendo: “Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para edificação de si mesmo em amor.” (Ef 4.15-16)16 O que Paulo nos mostra aqui é que nenhuma igreja será edificada se os seus membros trabalharem isoladamente. A própria variedade de dons, afirma Charles Van Engen: Mostra-nos a impossibilidade de uma só pessoa, o “ministro”, ser a única designada para realizar o ministério do corpo de Cristo. Tampouco espera-se que uma pessoa ponha todas as outras a trabalhar. Antes os líderes preparam, organizam, assistem e servem os portadores e executores dos dons do Espírito, mas não controlam, não determinam nem designam esses dons.17 O pastor indígena tem diante de si um grande desafio que lhe exige um preparo adequando, pois além da responsabilidade de cuidar do rebanho, capacitando-o para o exercício do serviço cristão, buscando manter a unidade do corpo, ele deve também ser capaz de mobilizar as “pessoas [...] de seus espaços de comodismo, ansiedade [...] para os espaços da comunhão com Deus e com o próximo, do serviço à comunidade e ao mundo, da vida em livre solidariedade.”18 E não se alcançará os propósitos de Deus, se o pastor ou o líder apenas capacitar, mas não buscar motivá-los ou envolvê-los simultaneamente nos ministérios da 15 Cornélio Póvoa de OLIVEIRA, op. cit, p. 54. BÍBLIA, op. cit. 17 Charles Van ENGEN, op.cit, p. 199. 18 Júlio Paulo Tavares ZABATIEIRO: O Pastor Urbano é um capacitador multidisciplinar, p. 237. 16 32 igreja local. E depois de mobilizá-los, os pastores ou presbíteros devem ainda supervisionar ou coordenar a vida da Igreja. Esse era o modelo de ministério de Paulo, que pode e deve ser seguido. Em sua práxis ministerial, Paulo, após organizar os convertidos em igrejas e estabelecer liderança local, algum tempo depois voltava para supervisioná-las. No livro de Atos, encontramos esse exemplo de cuidado que o apóstolo Paulo tinha para com as igrejas ou comunidades que eram estabelecidas ao longo de suas viagens missionárias. Lucas registra as seguintes palavras: “Alguns dias depois, disse Paulo a Barnabé: voltemos agora, para visitar os irmãos por todas as cidades nas quais anunciamos a palavra do Senhor, para ver como passam.” (At 15.36)19 E ainda lemos: “havendo passado ali algum tempo, saiu, atravessando sucessivamente a região da Galácia e Frígia, confirmando todos os discípulos.” (At 18.23)20 O método de ensino e a pregação bíblica, mencionados acima, apontam para a capacitação ou formação do povo Deus como eixo central do ministério pastoral. Essa ação capacitadora ou formadora tem como um de seus alvos a formação da identidade cristã da igreja local. Quanto a isso, Zabatieiro nos chama a atenção quando levanta a seguinte questão: “Como formar o povo de Deus para a identidade cristã nesta época em que são tantos os modelos de igreja, os modelos de ministério, os modelos de vida cristã, as teologias que nos convocam a sermos desta ou daquela maneira?”21 Atualmente, um dos maiores desafios à igreja evangélica indígena é a formação de sua identidade cristã. Pois o que se observa em muitas igrejas evangélicas no contexto indígena é uma reprodução de nossa práxis evangélica em vários aspectos22. Isso revela a necessidade e a importância da preparação de pastores e líderes capazes de formar uma identidade cristã contextualizada. 19 BÍBLIA, op.cit. Idem. 21 Júlio Paulo Tavares ZABATIEIRO, O Pastor Urbano é um capacitador multidisciplinar, op. cit, p. 239. 22 O que ocorre atualmente na igreja evangélica emergente no contexto indígena é uma reprodução da nossa Teologia e práxis eclesiológica e isso aponta para a falta de uma reflexão teológica e de uma práxis eclesiológica próprias que sejam relevante ao seu contexto. 20 33 O cuidado pastoral com o rebanho de Deus implica também em protegê-lo, como mencionamos anteriormente. O apóstolo Paulo, por exemplo, quando estava para se ausentar de Éfeso, mostrou-se preocupado com os inimigos que se levantariam contra aquela igreja. Por isso, adverte aos presbíteros daquela comunidade dizendo: Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual comprou com seu próprio sangue. Eu sei que, depois de minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho. E que dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles. (At 20.28-30)23 E ainda em uma de suas epístolas pastorais, Paulo escrevendo a Timóteo, seu filho na fé, diz: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Continua nestes deveres; porque fazendo assim, salvarás tanto a ti mesmo como aos teus ouvintes.” (1 Tm 4.16)24 A Escritura é clara quanto ao cuidado que se deve ter com o rebanho de Deus e, inúmeras vezes, nos chama a atenção em relação àqueles que tentam ou que agem com o intuito de remover da fé dos que crêem em Jesus. E no contexto indígena, a igreja evangélica emergente não está isenta de inimigos desta natureza e nem tampouco de seus falsos ensinamentos. Um exemplo de tentativa de remover a fé no contexto indígena parte daqueles que se posicionam contra o evangelho, que em sua grande maioria são não indígenas e que costumam afirmar para os indígenas que o evangelho é “coisa de branco” e que o índio já tem sua religião.25 Por esta razão, a admoestação do apóstolo Paulo é relevante também para os líderes e pastores indígenas. Cuida de ti mesmo, do rebanho de Deus e da doutrina! É essa a advertência bíblica nessas referências para pastores e líderes evangélicos, indígenas ou não. E isso requer preparo em várias áreas da vida. 23 BÍBLIA, op. cit. Idem. 25 O autor desta pesquisa já ouviu muito essa afirmação na reserve indígena onde trabalha. Ela foi feita principalmente por acadêmicos descomprometidos com Deus e que vão para a área indígena desenvolver seus projetos de pesquisa. 24 34 Pastorear ou cuidar do rebanho de Deus exige que os pastores e líderes sejam aptos a capacitar todo corpo de Cristo para expansão do Reino de Deus. Pois sua função principal, afirma Van Engen: “será edificar o corpo de Cristo para que venha a ser o povo missionário.”26 2.1.2 A expansão do Reino de Deus No Novo Testamento, a responsabilidade da Missio Christi passa para a igreja. Essa delegação de responsabilidade é feita pelo próprio Jesus: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo.” (Jo 17.18)27 A este envio, convencionou-se chamar de missão. O chamado para o cumprimento desta missão foi dado por Jesus em duas ocasiões distintas. A primeira foi após sua morte e ressurreição, quando ele aparece aos seus discípulos na Galiléia e diz: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século.” (Mt. 28.18-20)28 A segunda foi quando Jesus se dirigiu aos seus discípulos, pouco antes de sua ascensão, dizendo-lhes: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda Judéia e Samaria e até aos confins da terra.” (At 1.8)29 Essas passagens bíblicas, e poderiam ainda ser acrescentadas outras, evidenciam que a Igreja é, na sua essência, missionária. Ela existe por causa da missão. Kohl, com base nessas passagens bíblicas, afirma: “A missão é, de fato, o ponto focal da Igreja. É o propósito para o qual ela existe.”30 E, portanto, todos que fazem parte do corpo de Cristo têm o compromisso e a responsabilidade de anunciar o evangelho. Cabrial, referindo-se a esse tópico, afirma: “A 26 Charles Van ENGEN, op. cit, p. 203. BÍBLIA, op. cit. 28 Idem. Ver ainda Marcos 16.15, 16. 29 Ibidem. 30 Manfred Waldemar KHOL, Missão: o coração da igreja para o novo milênio, p. 47. 27 35 igreja herdou o compromisso de tornar Deus conhecido em todas as nações da terra, anunciando a redenção da humanidade por meio de Jesus Cristo, o ‘Messias prometido’ para ser o libertador de toda humanidade.”31 A Igreja, sim, herdou a responsabilidade de dar continuidade à práxis de Jesus. Isso não é privilégio de apenas um grupo seleto de pastores e líderes. O livro de Atos e as cartas paulinas mencionam muitas pessoas, que não eram necessariamente pastores ou presbíteros, que foram essenciais à vida da igreja em seus anos iniciais e também na propagação do evangelho. Em Atos, por exemplo, Lucas, referindo-se ao dia de pentecostes, revela que o derramamento do Espírito Santo resultou na participação de todos e não apenas dos apóstolos ou dos líderes no que diz respeito à proclamação das grandezas de Deus: Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; de repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda casa onde estavam assentados. E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem. (At 2.1-4)32 O Silva, em seu livro O Espírito Santo e a Missão da Igreja, comentando esta passagem bíblica, afirma: A partir do derramar do Espírito sobre todo povo de Deus, não haveria mais distinção para o serviço, porém todos, homens e mulheres, jovens e velhos, livres e escravos, seriam vocacionados e capacitados para a missão. Portanto, fica claro, a partir de Atos, que o Espírito Santo usaria a totalidade do povo de Deus, para cumprir seu propósito missionário. (grifo nosso)33 Ainda dentro dessa perspectiva, Paulo, em 1 Tessalonicenses 1.8, indica a participação e a responsabilidade de toda a igreja na proclamação do evangelho. Nesse texto, Paulo afirma: “Porque de vós repercutiu a palavra do Senhor não só na Macedônia e Acaia, mas também por toda parte se divulgou a vossa fé para com Deus, a tal ponto de não termos necessidade de 31 Silvanio Silas Ribeiro CABRIAL, Missio Dei e o crescimento das igrejas históricas, p. 35. BÍBLIA, op. cit. 33 Eder José de Melo SILVA, O Espírito Santo e a Missão da Igreja, p. 70-71. 32 36 acrescentar coisa alguma.”34 O contexto desta passagem nos mostra que certamente todo laos Theou (povo de Deus) e não apenas os líderes dessa comunidade, mesmo em meio a tribulações, esteve envolvido para que por toda parte fosse possível ouvir da sua fé para com Deus. No Pacto de Lausanne, artigo 6º, a ênfase quanto à responsabilidade da propagação do evangelho também recai sobre todo o corpo de Cristo. Afirmamos que Cristo envia o seu povo redimido ao mundo assim como o Pai o enviou, e que isso requer uma penetração de igual modo profunda e sacrificial. [...] A evangelização mundial requer que a igreja inteira leve o evangelho integral ao mundo todo. A igreja ocupa o ponto central do propósito divino para com o mundo, e é o agente que ele promoveu para difundir o evangelho. [...] (grifo nosso).35 Em todas as afirmações vistas até aqui, o que se pode constatar é que Deus tem chamado do mundo um povo para si um povo, como diz Pedro: “[...] de propriedade exclusiva de Deus [...].” (1 Pe 2.9)36 E é esse mesmo povo, sem distinção nenhuma entre clero e leigo, que Ele envia novamente ao mundo, agora como seus servos, suas testemunhas e seus agentes de transformação, com um propósito bem definido: estender o seu Reino. Para o cumprimento dessa missão, os pastores e líderes da igreja local exercem um papel de suma importância que é preparar ou capacitar: “os santos para o desempenho do seu serviço” (Ef 4.12), com vistas à edificação do corpo de Cristo. Essa edificação precisa ser entendida não só como fortalecimento dos membros da igreja, mas, como diz Lopes, “deve ser compreendida como a construção do Corpo de Cristo, do Reino de Deus, fazendo-os se expandir para dentro do mundo, alcançando aqueles que carecem da glória de Deus.”37 Em relação ao papel dos pastores e líderes, e com base em Efésios 4, Lopes ainda afirma: “Não existe outro propósito, não existe outra necessidade de se ter pessoas exercendo 34 BÍBLIA, op. cit. PACTO DE LAUSANNE. A Igreja e a Evangelização, p. 91. 36 BÍBLIA, op.cit. 37 César Marques LOPES, Mobilizando a igreja local para uma missão integral transformadora, p. 138. 35 37 essa função pastoral além do trabalho de converter membros de igrejas em novos missionários do Reino de Deus.” (ênfase do autor)38 No livro Líderes ontem, líderes hoje, Marcondes, falando da responsabilidade dos líderes eclesiais, afirma: “Os líderes têm a grave responsabilidade de despertar a consciência da comunidade cristã para que ela assuma seu papel de sal da terra e luz do mundo, com todas as suas implicações.”39 Em resumo, o propósito de Deus é que pastores e líderes cumpram o seu papel preparando toda igreja para a ação pastoral conjunta em relação ao mundo. Contudo, a existência de pastores e líderes não elimina, de maneira alguma, a responsabilidade da igreja inteira em sua ação missionária. Por outro lado, a participação dos membros do corpo de Cristo não minimiza nem despreza o papel dos pastores e líderes. Portanto, a ação pastoral deve ser entendida como ação de toda igreja, ou seja, como uma responsabilidade coletiva. E ainda é necessário destacar que dentro do propósito de Deus não há espaço para que uns poucos sejam tidos como sujeitos e a grande maioria como objetos da ação pastoral. Todo povo de Deus, clero e leigo, devem ser tidos como sujeitos da missão. Nessa ação pastoral ou missionária, no contexto indígena, a igreja evangélica emergente se depara com muitos desafios. Entretanto, por falta de espaço nesse trabalho, abordaremos apenas o desafio da contextualização teológica. René Padilla, teólogo e missiólogo equatoriano, em seu livro Missão Integral, ao abordar o tema da contextualização do evangelho, dando atenção à relação entre a teologia e a evangelização na América Latina, afirma: “A igreja na América Latina é uma igreja sem teologia própria.”40 E esse mesmo autor, nos chama a atenção para que sejam observados alguns aspectos que justifica sua afirmação. Permitam-nos citá-los: 38 Idem, p. 139. Juarez Marcondes FILHO, Líder ontem, líder hoje, p. 109. 40 C. René. PADILLA, Missão Integral, p. 107. 39 38 Então que se constate quanto de nossa literatura cristã é traduzido do inglês [...] e quão pouca é escrita pó nós. Que veja quanto de nossa pregação se reduz a uma mera repetição de fórmulas doutrinais mal-assimiladas, sem inserção em nossa própria realidade histórica. Que observe como nossas igrejas, sem cerimônia, mantém a coloração teológica das missões que as fundaram, e concebem o estudo teológico fundamentalmente como o estudo das peculiaridades doutrinais das igrejas às quais remonta sua origem. Que examine o corpo docente e o programa de nossos seminários e institutos bíblicos teológicos. Que passe em revista nossa hinologia e nossa ‘corinhologia’.41 Uma análise cuidadosa de todos esses aspectos de nossa realidade eclesiástica não fugirá da conclusão que o próprio René Padilla nos aponta: a nossa ‘dependência teológica’. Se a igreja na América Latina, e aqui incluo a igreja evangélica brasileira, sofre a falta de uma reflexão teológica própria não surpreende que o mesmo aconteça com a igreja evangélica emergente em contexto indígena. A verdade é que a igreja evangélica indígena, como qualquer outra igreja evangélica num contexto sócio-cultural específico, carece de uma teologia que responda às suas próprias necessidades. E esse quadro não será revertido enquanto a prática de importação ou imposição (mesmo que involuntária) de teologia continuar. No contexto indígena, inúmeras questões têm continuado sem respostas, pelo fato da teologia sistemática ocidental não oferecer necessariamente respostas bíblicas para questões do dia-a-dia. Por esta razão, muitos novos cristãos continuam buscando ajuda dos pajés para lidar com tais questões. Norval Oliveira, lingüista e tradutor bíblico, em seu artigo O Conceito de salvação num contexto animista, nos ajuda a entender um pouco esta questão, quando afirma: As verdades bíblicas são absolutas e se aplicam a todos os contextos culturais. Porém, cristãos de diferentes épocas e lugares, no afã de aplicar as verdades divinas criaram certas ênfases, ou melhor, aplicaram verdades bíblicas ao seu próprio contexto de acordo com as suas necessidades, deixando de enfatizar outros aspectos dessas mesmas verdades. Assim, no contexto ocidental altamente influenciado por filosofias, a ênfase recaiu sobre aspectos mais filosóficos. Aplicando essas verdades num contexto intelectualizado e filosófico, os irmãos ocidentais estavam apresentando as verdades bíblicas de forma que elas fossem relevantes para o povo 41 Idem, p.107. 39 ocidental. As ênfases filosóficas, contudo, quando aplicadas a outros contextos culturais podem ser inoperantes e irrelevantes. (grifo nosso)42 Esse mesmo autor ainda acrescenta: Povos animistas são muito interessados no aqui e agora. Por isso, precisamos apresentar a eles um conceito de salvação que também dê respostas às questões imanentes. Como lidar com questões espirituais no dia-a-dia, por exemplo. O que Jesus e sua mensagem dizem sobre o mundo dos espíritos e os perigos cotidianos advindos dele? Quando Jesus salva, ele salva aqui e agora ou a salvação é apenas para o futuro após a morte? Esses são assuntos pertinentes num contexto animista. (grifo nosso)43 Ebehart, também lingüista e tradutor bíblico, da Wycliffe Bible Translator, faz uma afirmação semelhante. Diz ele: A teologia sistemática e ocidental não funciona para muitas culturas, incluindo muitas culturas indígenas – eles pensam diferente. Temos que descobrir quais são as perguntas que eles estão fazendo quando pensam em Deus, e depois procurar responder a essas perguntas aplicando a palavra de Deus a essas preocupações. Por exemplo, em vez de perguntar – quais são os atributos de Deus? Muitos querem saber – será que Deus é mais forte do que os espíritos do mato? A teologia indígena terá que responder a esse tipo de pergunta.44 Observa-se nessas afirmações que a teologia sistemática ocidental não oferece necessariamente respostas a questões do cotidiano das pessoas, incluindo aqui os indígenas em seu contexto específico. Talvez, sua inoperância ou irrelevância esteja no âmbito da cosmovisão, que influencia a interpretação das Escrituras. Nesse momento, é importante destacar as diferenças que Hiebert faz entre Bíblia e a teologia e entre duas definições de teologia. Em primeiro lugar, ele afirma que: “A Bíblia é um documento histórico da revelação de Deus aos homens. A teologia é a explicação sistemática e histórica das verdades contidas na Bíblia.”45 Em segundo lugar, ele diz: Algumas vezes, utilizamos o termo (teologia) quando falamos sobre a verdade absoluta. A teologia é uma descrição e explicação sistemática da maneira como as coisas realmente são, a maneira como Deus as vê, e iremos nos referir a isso como “Teologia”, com T maiúsculo. Em outras ocasiões, utilizamos o termo quando falamos de descrições e explicações humanas da realidade, que surgem a partir de 42 Norval Oliveira da. SILVA, O Conceito de salvação num contexto animista. (manuscrito) citado com permissão. 43 Ibid. 44 Davi EBEHART. Notas pessoais. Citado com permissão. 45 Paul G. HIEBERT, op. cit, p. 197. 40 nosso estudo bíblico. Iremos nos referir a isso como “teologia” com um t minúsculo. Freqüentemente, confundimos as duas teologias (acréscimo nosso).46 Essa teologia com T maiúsculo é absoluta e supra-cultural, já a teologia com t minúsculo é desenvolvida pelo ser humano e moldada por seu contexto histórico-cultural específico. E é justamente esta teologia com t minúsculo, resultado do nosso estudo bíblico e condicionada por nossa cultura, que muitas vezes não traz respostas bíblicas e teológicas num dado contexto indígena. Diante desse desafio, um bom preparo bíblico e teológico para os pastores e líderes da igreja evangélica indígena seria um bom começo na busca de uma reflexão teológica própria ou contextual. A seguir, apresentaremos o referencial teórico deste trabalho, em dois focos: o da pedagogia freireana e da missão integral. 2.2 Um modelo pedagógico a partir de Paulo Freire Paulo Freire é talvez o educador brasileiro mais conhecido e reconhecido, tanto a nível nacional como internacional. Sua experiência em vários projetos, direta ou indiretamente relacionados com a educação em diversos contextos sócio-culturais, traz imensa contribuição a diversas áreas do saber. Sua proposta pedagógica é fruto de uma reflexão-ação a partir de um contexto histórico-cultural real e não uma teoria acabada. Sendo assim, ela pode ser reinventada ou recriada em qualquer outro contexto. Mesmo que suas pressuposições ideológicas sejam questionáveis, é possível, encontrar em suas obras subsídios para pensarmos sobre Educação Teológica Indígena. A seguir, então, serão apresentados alguns aspectos principais extraídos do pensamento freireano que servirão de base para o referencial teórico desse trabalho. 46 Idem, p. 198. 41 2.2.1 O educando no seu contexto: o ponto de partida da educação Segundo Freire, o homem não existe fora do mundo, nem fora da realidade, “pois é um ser de raízes espaço-temporal.”47 Ou seja, o homem existe no e com o mundo e vive em constante relação com ele mesmo e com os outros. Por esta razão, a educação deveria ser precedida por uma reflexão sobre a relação homem-mundo, tendo como ponto de partida o educando e a educanda no seu contexto histórico-cultural. Nas palavras de Andrade: A abordagem freireana da educação faz-se com este entendimento da multiplicidade cultural: valoriza-se a cultura do indivíduo, não com a intenção de lhe facilitar o acesso ao saber [...] e, sim, de demonstrar que se parte desta cultura para se compreender outras tão importantes quanto a sua e não ‘superiores’. O processo é de contato, mas não é acrítico. É também de releitura. Valorizar a linguagem e a cultura do outro é reconhecer que não se impõem a alguém valores e conceitos como se fossem os melhores.48 Na concepção “bancária” de educação, há uma dicotomia na relação homem-mundo. A visão que se tem do homem é simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros; e a consciência é vista como alguma seção “dentro” do homem, pronta a receber os “depósitos” ou investimentos. Isso aponta para a inexistência de uma relação homem-mundo, para uma passividade no ato de conhecer e para uma rejeição do saber adquirido, através da experiência sócio-cultural, com que o educando e a educanda chegam à escola. Freire, em sua prática pedagógica, supera essa dicotomia. E na relação homem-mundo, ele concebe os seres humanos como “seres que estão sendo, [...] seres inacabados, inconclusos, em e com uma realidade que, sendo histórica também, é igualmente inacabada.”49 Os seres humanos são, então, nessa perspectiva, seres de busca, seres em construção. 47 Paulo FREIRE. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire, p. 39. 48 Elizabeth Vasconcelos ANDRADE. Quem é Eva e o que é uva. Uma abordagem pragmática e o método Paulo Freire: propostas para um letramento radical, p.52. 49 Paulo FREIRE. Pedagogia do Oprimido, p. 72-73. 42 Sendo assim, é na consciência dessa inconclusão da essência humana e também da realidade que se fundamenta o pensamento freireano sobre educação. É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em que se reconheceram inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade.50 A concepção que Freire tem acerca da consciência, que é oposta a da educação “bancária”, é dos seres humanos como “corpos conscientes”51. Esse é o pressuposto fundamental para o desenvolvimento de seu método conhecido como “conscientização”. A conscientização torna-se, portanto, não só um dos conceitos base do pensamento freireano, mas um instrumento contra a prática “bancária” de educação. E em seu livro Conscientização: teoria e prática da libertação, ele nos apresenta a essência deste vocábulo, afirmando que conscientização é: “Mais que uma simples tomada de consciência. Supõe, por sua vez, o superar a falsa consciência, quer dizer, o estado de consciência semi-intransitiva ou transitivo-ingênuo, e uma melhor inserção crítica da pessoa conscientizada numa realidade desmitificada.”52 (grifo nosso). E para superação desses estágios da consciência53, a educação se torna o elemento indispensável para que o sujeito, por meio da problematização desenvolvida através do diálogo, possa passar de um estágio a outro de consciência. Isso se daria através de um esforço conjunto, participativo, pelo quais educadores e educandos(as) iriam percebendo, de forma crítica, como estão sendo no e com o mundo e com os outros. Nas palavras de Schipani: Freire tem proposto a superação das diversas formas de consciência “mágica” e “ingênua”, e o desenvolvimento de uma consciência crítica, como os objetivos 50 Paulo FREIRE. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, p. 58. Paulo FREIRE, Pedagogia do Oprimido, op. cit., p. 62. 52 Paulo FREIRE, Conscientização: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire, op. cit., p.104. 53 Para um maior entendimento acerca da conscientização e dos estágios da consciência, recomendamos a leitura de três obras do Paulo Freire: Pedagogia do Oprimido, Educação como Prática da Liberdade e Conscientização: teoria e prática da libertação. 51 43 fundamentais de seu enfoque educativo, especialmente na área dos registros cognitivos e lingüísticos do comportamento. (grifo nosso)54 É com base nesses pressupostos que Freire critica de forma incisiva o modelo tradicional de educação, denominado de “bancário”, e propõe uma educação fundamentada na ação conscientizadora. Essa educação caracteriza-se pela negação de fazer educação sem o outro e, por esta razão, seu método está elaborado sob a forma básica de três passos didáticos, onde “os participantes estão comprometidos uns com outros nas distintas fases do ensinoaprendizagem: na investigação, na tematização, e na problematização, [...]” (grifo nosso)55. E isso supõe intercomunicação e interrelação, diálogo e ação conjunta. Para executar essa educação com base na ação conscientizadora, Freire vai instaurar o diálogo como eixo principal ou uma dimensão essencial no espaço pedagógico. 2.2.2 O diálogo como eixo principal no espaço pedagógico Ao criticar a educação “bancária”, Freire apresenta uma pedagogia fundamentada no diálogo. Este diálogo proposto por Freire está baseado na indissociabilidade de três “categorias gnosiológicas”: educador-educando-objeto do conhecimento. Na educação “bancária” essas categorias se encontram em lados opostos, devido a concepções que se tem acerca do homem e do conhecimento: de um lado encontra-se o educador e o conhecimento e do outro o educando ou a educanda, que na sabem. Em relação às categorias educador-educando, Freire afirma que: “Uma análise exata das relações professor-aluno em todos os níveis, na escola ou fora dela, revela seu caráter 54 , Daniel S SCHIPANI. Paulo Freire: educador cristiano. p. 20. A tradução da citação é de minha responsabilidade. O texto original é: “Freire há propuesto la superación de las diversas formas de consciencia ‘mágica’ e ‘ingenua’, y el desarrollo de uma consciencia crítica, como los objetivos fundamentales de su enfoque educativo, especialmente em el área de los registros cognitivos y lingüísticos del comportamiento.” p. 20 55 Daniel S SCHIPANI. Educación Libertad y Creatividad: Encuentro y Diálogo con Paulo Freire, p. 24. A tradução da citação é de minha responsabilidade. O texto original é: “los participantes están comprometidos el uno com el outro em las distintas fases del enseñar y el aprender: la investigaciós, la tematización, y la problematización, [...]”. 44 essencialmente narrativo. Esta relação supõe um sujeito narrador: o professor, e supõe objetos pacientes que escutam: os alunos.”56 Esta afirmação aponta para uma inconciliação ou uma contradição entre educadoreducando, quando supõe o professor como sujeito e o aluno como objeto do ato educativo. Essa contradição também é vista, por exemplo, quando nesta prática se faz uma distinção da ação do educador em dois momentos: “O primeiro, em que ele, na sua biblioteca ou no seu laboratório, exerce um ato cognoscente frente ao objeto cognoscível, enquanto se prepara para suas aulas. O segundo, em que, frente ao educando, narra ou disserta a respeito do objeto sobre o qual exerceu seu ato cognoscente.”57 De acordo com a afirmação acima, na concepção “bancária”, o conhecimento é algo que o professor tem acesso e possue e, na sua generosidade, doa àqueles que ele julga saber pouco ou nada saber. A educação, nesse caso, não passa da transferência de conhecimento. Nessa prática pedagógica, o papel do professor é o de narrar, dissertar, depositar o conhecimento, enquanto que o papel dos educandos é de ouvir, de arquivar a narração e os depósitos que lhe faz o educador(a). Na concepção “bancária”, afirma Freire: O professor ensina, os alunos são ensinados; o professor sabe tudo, os alunos nada sabem; o professor pensa para si e para os estudantes; o professor fala, os alunos escutam; o professor estabelece a disciplina e os alunos são disciplinados; o professor escolhe, impõem sua opção, os alunos submetem-se; o professor atua e os alunos têm a ilusão de atuar graças à ação do professor; o professor escolhe o conteúdo do programa e os alunos – que não foram consultados – adaptam-se; o professor confunde a autoridade do conhecimento com sua própria autoridade profissional, que ele opõe à liberdade dos alunos; o professor é o sujeito do processo de formação enquanto os alunos são simples objetos dele.58 Para o educador “bancário”, o ato de conhecer, de saber, torna-se um ato “discursivo”, de fazer “depósitos”, onde os educandos passivamente vão acumulando informações que lhes serão cobradas mais tarde numa avaliação. 56 Paulo FREIRE, Conscientização: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire, op. cit., p.91-92 Paulo FREIRE, Pedagogia do Oprimido, op. cit., p.69. 58 Paulo FREIRE, Conscientização: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire, op. cit., p.93. 57 45 Na proposta freireana, essa contradição entre educador(a) e educando(a) é superada por meio do diálogo. Esse diálogo que é uma necessidade existencial, e possibilita a comunicação no processo educativo, tem como exigência a horizontalidade na relação entre educador(a) e educando(a). Entretanto, essa relação horizontal: Não os torna iguais, mas marca a posição democrática entre eles ou elas. Os professores não são iguais aos alunos por n razões, entre elas porque a diferença entre eles os faz ser como estão sendo. Se fossem iguais, um se converteria no outro. O diálogo tem significação precisamente porque os sujeitos dialógicos não apenas conservam sua identidade, mas a defendem e assim crescem um com o outro. O diálogo, por isso mesmo, não nivela, não reduz um ao outro. Nem é favor que um faz ao outro.59 Ter o diálogo como eixo principal no espaço pedagógico não significa a redução do papel do professor, pelo contrário. Sobre a educação dialógica, diz Anderola: O papel do professor não é minimizado. Pelo contrário, os/as professores/professoras aceitam um desafio muito maior e assumem uma tarefa muito mais relevante e decisiva do que a de serem meros repassadores ou transmissores de conteúdos prontos. Eles são os responsáveis primeiros [...] de um processo crítico e inovador, onde o conhecimento é continuamente criado ou recriado (mesmo o conhecimento como patrimônio já acumulado), numa dinâmica marcada por uma interação rica e fecunda, onde todos professores e alunos, são sujeitos.60 E essa relação dialógica entre educador e educando começa antes da situação pedagógica em si. Tem início na pesquisa do universo vocabular, da realidade de vida dos alunos e na busca de temas e palavras geradoras, momento esse em que o(a) educador(a) encontra-se inserido(a) na comunidade do(a) educando(a), participando com ele(a) de sua linguagem e de seus problemas. Contudo, para pôr em prática esse diálogo: “O educador não pode se colocar na posição daquele que pretende ser detentor do saber. Isto lhe permite reconhecer que todos têm um determinado acúmulo de experiências de vida e por isso todos são, indistintamente, portadores de um tipo de saber.”61 59 Paulo FREIRE. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido, p. 117-118. Balduino Antonio ANDEROLA. Interdisciplinaridade na obra de Freire: uma pedagogia da simbiogênese e da solidariedade, p. 77. 61 Fábio Manzini CAMARGO. A atualidade de Freire nos cursos de Pedagogia, p.67. 60 46 Tal diálogo, para Freire, é uma relação que se funda no amor, na humildade, na esperança, na fé e na confiança62 no outro e nas suas possibilidades. O diálogo, nessa concepção, sela as relações de compromisso entre educadores e educandos que se encontram para refletir sobre o que sabem e o que não sabem, como sujeitos conscientes e comunicativos que são, a fim de transformar a realidade. Em seu livro Didática e teorias educacionais, Ghiraldelli afirma que, para Freire, esse diálogo: Deveria ser o “diálogo amoroso” – encontro de “homens que se amam e que desejam transformar o mundo”. Este diálogo deveria partir de situações vividas pelo educador e educando, na comunidade deste último. Depois deveria ser aprofundado através do esforço intelectual da “problematização”, colocando, assim, os educandos em condições de alcançarem uma visão crítica de sua realidade.63 Não se deve pensar no diálogo como uma simples estratégia de que o educador lança mão para obter resultados em favor próprio ou para transformar alunos em amigos. Por esta razão, Freire nos chama a atenção para a necessidade de entendermos o diálogo como: “Algo que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos, [...] uma espécie de postura necessária, na medida em que os seres humanos se transformam cada vez mais em seres criticamente comunicativos.”64 Neste sentido é válido ainda, destacar as palavras de Streck, quando afirma que o diálogo é: “Antes de tudo, uma maneira de ser, um modo de se relacionar com o mundo e com os outros [...] é acima de tudo uma atitude – de respeito, de abertura e de amor – para com o outro [...].”65 Não resta dúvida, portanto, que o diálogo, na proposta freireana, tem um lugar central e fundamental para o desenvolvimento de uma educação problematizadora. Tema que iremos abordar no próximo item. 62 Ver mais detalhes em: FREIRE, 2005, op. cit. p. 96-98 e ainda FREIRE, 1987, op. cit, p. 80-83. Paulo GHIRALDELLI Junior. Didática e teorias educacionais, p. 52. 64 Paulo FREIRE e Ira SHOR. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor, p. 122-123. 65 Danilo R. STRECK. In.: Philip John GREENWOOD. Fazedores-de-tendas, fazedores de discípulos, p. 88. 63 47 2.2.3 Educação “problematizadora” versus educação “bancária” A “educação problematizadora”, proposta por Freire, tem caráter reflexivo, propiciando a análise crítica da realidade social e pressupõe ação-reflexão, distinguindo-se da educação “bancária” onde o educador apresenta o conteúdo aos educandos e educandas, impondo-lhes um saber descontextualizado e totalmente desprovido de reflexão. Na concepção “problematizadora” da educação, a dicotomia educador-educando é superada, dando lugar a novas categorias, como educador-educando e educando-educador, e sugerindo uma prática interativa entre ambos, sujeitos de histórias individuais e coletivas. Oposta à educação “bancária”, a educação “problematizadora” é marcada pela educação com o educando e a educanda e não para eles. Essa prática educativa que tem como base a relação dialógico-dialética entre educador e educando, “torna educandos e educadores capazes de, ao se distanciarem do mundo para melhor compreendê-lo, retornar a ele apreendendo-o de maneira diferenciada e reveladora [...].”66 E isso acontece porque ela estimula a criatividade e a criticidade em todos os envolvidos na ação educativa. A “problematização”, na concepção freireana, tem como fundamento principal a idéia de que “ninguém educa ninguém” e também de que “ninguém se educa a si mesmo”, mas “os homens se educam em comunhão”, “mediatizados pelo mundo”.67 Conforme a afirmação acima, fica claro que na educação “problematizadora”: “O educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa [...].”68 E conforme nos sugere Streck, para Freire, nessa concepção, o educador não é: “[...] alguém de fora, que elabora seus princípios e estratégias a serem “aplicados” à realidade, mas 66 Antonio Fernando Gouvêa da SILVA. Pedagogia como currículo da práxis, p. 33. Paulo FREIRE, Pedagogia do Oprimido, op. cit., p. 68. 68 Idem, p. 68. 67 48 aquele que empresta seus sentidos, seus conhecimentos e instrumentos para a elaboração e sistematização dessa pedagogia.”69 É necessário destacar também que, na educação “problematizadora”, a postura dos educandos e educandas não é a de um ser passivo, que vai sendo cheio do conhecimento que o professor ou professora lhes transfere. Pelo contrário, a problematização lhes confere um espaço onde eles vão: “desenvolvendo o seu poder de captação e de compreensão do mundo que lhes aparece, em suas relações com ele, não mais como uma realidade estática, mas como uma realidade em transformação, em processo.”70 Nessa perspectiva de prática educativa, o “saber” também é concebido de forma diferente do que o proposto na prática “bancária” da educação. Aqui só existe saber “na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros.”71 Neste contexto, Silva faz a seguinte observação: “Na base dessa ‘educação problematizadora’ está a compreensão radicalmente diferente do que significa ‘conhecer’.”72 Isso exige do educador(a) a capacidade e a sensibilidade para desenvolver um ambiente propício a perguntas, debates e interações que vão contribuir para o desenvolvimento de uma visão crítica e de um aprendizado que estimule a criatividade do educando(a). Nessa perspectiva de educação, diz Silva: “Todos os sujeitos estão ativamente envolvidos no ato do conhecimento, [...] educador e educando criam, dialogicamente, um conhecimento do mundo.”73 Ao acompanhar a proposta de Freire, ainda que apresentada aqui de forma lacônica, não podemos aceitar a idéia do currículo como algo imposto, só podemos entendê-lo como 69 Danilo R STRECK. Uma Pedagogia do (outro) descobrimento, p.54. Paulo FREIRE, Pedagogia do Oprimido, op. cit., p.71. 71 Freire, Idem, p. 58. 72 Tomaz Tadeu da SILVA. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo, p. 59. 73 Idem, p. 60. 70 49 uma ação conjunta entre todos os atores envolvidos no ato educativo. O currículo como ação conjunta será o tema que abordaremos a seguir. 2.2.4 O currículo: um projeto participativo No livro Pedagogia da Esperança, Ana Maria Araújo Freire74 assinala a importância que Freire dava aos conteúdos programáticos, que deveriam ser democraticamente elaborados com a colaboração dos alunos, numa espécie de ação conjunta. Na concepção freireana, é a própria: “[...] experiência dos educandos que se torna a fonte primária de busca dos ‘temas significativos’ ou ‘temas geradores’ que vão constituir o ‘conteúdo programático’ do currículo dos programas de educação [...].”75 Freire não apenas critica o currículo implícito no conceito de educação “bancária”, mas, em sua obra Pedagogia do Oprimido, ele dá diretrizes que nos mostram como desenvolver um currículo relevante para uma prática educativa libertadora, partindo da investigação dos temas geradores e dos vários momentos desta investigação. E, ao falar acerca do conteúdo programático, ele nos adverte afirmando que: “[...] para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição, [...] mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada.”76 Na prática, isso quer dizer que a tarefa do educador(a) dialógico(a), problematizador(a) é desenvolver uma investigação a partir da convivência com os educandos e educandas em sua situação existencial concreta e daí extrair os temas “geradores”. Depois deve trabalhar com uma equipe interdisciplinar neste universo temático recolhido e “devolvêlo, como problema, não como dissertação, aos homens de quem os recebeu.”77 Os temas geradores, na verdade, diz Freire: “[...] existem nos homens, em suas relações com o mundo, 74 Ver nota 46, p.241 da mencionada obra. Tomaz tadeu da SILVA, Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo, p. 60. 76 Paulo FREIRE, Pedagogia do Oprimido, op. cit., p.83-84. 77 Idem, p. 102. 75 50 referidos a fatos concretos.”78 E o que precisa, além de serem identificados, é serem desenvolvidos em vários códigos, como: textos, fotografias, cartazes, áudios etc. E em relação à investigação temática, que é o primeiro passo proposto por Freire na elaboração do conteúdo programático dos programas de educação, ele nos chama a atenção ao fato que: “Assim como não é possível [...] elaborar um programa a ser doado ao povo, também não o é elaborar roteiros de pesquisa do universo temático a partir de pontos prefixados pelos investigadores que se julgam a si mesmo, os sujeitos exclusivos da investigação.”79 Na perspectiva freireana, a prática da educação libertadora, ao contrário da “bancária” – que é marcada pela imposição, pela rejeição aos conhecimentos dos educandos(as) adquiridos através experiência sócio-cultural e pela passividade desses frente ao objeto do conhecimento –, é caracterizada pela ação conjunta de todos os sujeitos envolvidos no ato educativo. A interação implícita na proposta de Freire começa com a construção do currículo e se expande para todas as demais etapas do processo ensino-aprendizagem. 2.3. Missão Integral: parâmetros para uma educação teológica integral René Padilla, uma das vozes mais influentes no 1º. Congresso Internacional sobre Evangelização Mundial em Lausanne, Suíça, em 1974, é considerado por muitos como um dos pais, na América Latina Contemporânea, da teologia da Missão Integral. Sua reflexão, teológica e missiológica, transmitida por meio de suas palestras, pregações, artigos e livros, expressa “a sua busca por uma missão da igreja que seja, ao mesmo tempo, bíblica e contextual”,80 refletindo, também, seu compromisso com Deus. Suas obras têm trazido uma contribuição significativa no que diz respeito à reflexão e análise da missão da igreja no e com 78 Ibidem, p. 99. Ibidem, p.100. 80 C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit, p. 8. 79 51 o mundo. Sendo assim, é possível encontrar, em seus escritos, parâmetros que possam delinear uma Educação Teológica Integral. A seguir destacaremos alguns aspectos fundamentais abordados pela teologia da Missão Integral, que servirão de base para esse segundo foco do referencial teórico desta pesquisa. 2.3.1 A relevância do contexto Ao apresentar o primeiro foco do referencial teórico deste trabalho, na perspectiva da pedagogia freireana, tratei da questão do educando no seu contexto como ponto de partida da educação. E ao abordar a relevância do contexto neste segundo foco, faço-o sem a preocupação de estar estendendo demais o assunto, pois a perspectiva em que Paulo Freire e René Padilla abordam o contexto é diferente. Valdir Steuernagel, na apresentação do livro Missão Integral,81 destaca a ênfase que Padilla dá em relação ao contexto: Conforme Cris Sugden, do Oxford Center for Mission Studies, a apresentação de René em Lausanne 74 mudou o curso da história. E isto simples e basicamente porque este se levantou e disse: ‘O contexto no qual se evangeliza é tão importante quanto qualquer outra coisa, ao se decidir acerca do significado do evangelho para aquele mesmo contexto’. (grifo nosso)82 O ponto destacado na afirmação acima nos reporta a uma velha história na caminhada cristã: a tensão entre Igreja e contexto e Teologia e contexto. A esse respeito, Zabatieiro afirma: “Durante a história da Igreja encontramos essa tensão entre Igrejas e contexto manifesta de formas distintas em cada tempo histórico e espaços político-culturais.”83 Essa tensão é conseqüência natural da proclamação do evangelho transculturalmente. O problema surge quando não há uma contextualização crítica e o evangelho torna-se algo à margem de dada cultura. 81 Refiro-me ao livro do René Padilla, Missão Integral, p. 7. C. René PADILLA, Missão Integral, op.cit, p. 7. 83 Júlio Paulo Tavares ZABATIEIRO, O Desafio da contextualização crítica, p. 55. 82 52 Ao abordar o tema da falta de contextualização do evangelho nas culturas do Terceiro Mundo, Padilla afirma: Tanto na Ásia como na África, o cristianismo é uma religião étnica: a religião do homem branco. Na América Latina, por outro lado, ela cumpre a função de adorno cultural, do qual se pode prescindir sem maiores conseqüências. Tal como expressa Míguez Bonino: “Nem o Catolicismo Romano e nem o Protestantismo, como igrejas, tiveram arraigamento necessário na realidade latino-americana para iluminar o pensamento criativo. Em outros termos, ambas as igrejas permaneceram marginais à história de nossos povos.”84 Paul Hiebert, ao tratar sobre a Teologia no Contexto, mostra que nem todas as tentativas de contextualização da teologia, ao longo da história do cristianismo, foram igualmente bem-sucedidas: A história da igreja não pode ser entendida fora de seu ambiente cultural e histórico. A igreja primitiva buscava tornar o evangelho entendido e preservar sua mensagem autêntica no contexto da cultura grega que, de muitas maneiras, era estranha à Bíblia. No processo, ela precisou combater as heresias que emanavam da cosmovisão dualista grega que tornou Cristo homem ou Deus, mas não ambos. A ortodoxia protestante do século XVII e XVIII se opôs à natureza degenerada da igreja de seus dias e formulou uma teologia com significado para as pessoas do Iluminismo. Desde, então, o pietismo, o evangelicalismo, o liberalismo, a neoortodoxia e outras teologias surgiram como tentativas de tornar a mensagem cristã relevante e significante para os homens seculares modernos. No entanto, nem todas essas tentativas de contextualizar a teologia foram igualmente bem-sucedidas em preservar a mensagem autêntica das Escrituras. (ênfase do autor)85 Numa breve análise da história da evangelização na América Latina até os nossos dias, é possível observar que a contextualização do evangelho, em muitos casos, não foi bemsucedida, ficando a margem da cultura e história de vários povos. Pode-se também constatar que a tendência foi e ainda continua a ser, via opção de muitos pastores e líderes evangélicos, a mera reprodução de teologias e modelos eclesiais dos Estados Unidos e da Europa. Não é possível deixar de reconhecer que há muitos teólogos e missiólogos, na América Latina, que estão labutando na busca de uma reflexão teológica encarnada e de uma igreja contextualizada. Entretanto, essa importação de modelos estrangeiros reflete ainda hoje certo grau de desconexão da teologia e da igreja com o contexto, como uma espécie de divórcio da reflexão 84 85 C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit., p.112. Paul G. HIEBERT, op. cit., p. 208. 53 teológica e práxis eclesial com a realidade do cotidiano das pessoas. A falta dessa conexão da teologia e da igreja com o contexto, na história da evangelização na América Latina, aponta para a incapacidade da igreja de se contextualizar, ou seja, de “elaborar uma liturgia com gosto e cheiro autóctones, construir uma reflexão teológica encarnada, desenvolver formas organizacionais e eclesiais relevantes e anunciar efetivamente o Evangelho ao seu povo.”86 Nas palavras de René Padilla, vemos que: A contextualização do evangelho é possível pela ação do Espírito Santo no povo de Deus. À medida que a Palavra se encarna na igreja, o evangelho toma forma na cultura. E isto reflete o propósito de Deus: sua intenção não é que o evangelho se reduza a uma mensagem verbal, mas que se encarne na igreja e, através dela, na história. [...] A contextualização do evangelho pode ser levada a cabo independentemente da contextualização da igreja na história. [...] Mais do que um milagre natural, a encarnação é um milagre da graça de Deus.87 A história não é diferente quando pensamos na Educação Teológica em nosso continente, e aqui incluímos o Brasil: a reprodução dos modelos e programas das instituições de ensino teológico da Europa e dos Estados Unidos foi o que configurou nossos Seminários e Faculdades Teológicas. Martins, referindo-se às instituições teológicas no Brasil, afirma: “O modelo que formatou as instituições teológicas foi importado.”88 Barro, ao tratar deste tema, acrescenta: “Infelizmente em nossa educação teológica ainda reproduzimos os velhos conceitos da teologia que vem dos Estados Unidos e Europa.”89 Assim como a vida e missão da igreja não acontecem num vazio – pelo contrário, se realizam dentro de uma situação histórico-cultural concreta –, da mesma forma não é possível pensar em Educação Teológica divorciada da realidade cultural do aluno ou da aluna. Isso porque o ser humano é um ser historicamente situado. Por esta razão, a educação teológica só será relevante quando ela apresentar respostas às questões do cotidiano das pessoas. Parafraseando René Padilla, é possível afirmar que: “O contexto no qual se educa 86 Júlio Paulo Tavares ZABATIEIRO, O desafio da contextualização crítica, op. cit., p. 58. C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit., p. 117-118-119. 88 Edson MARTINS. Instituição teológica: uma visão dos seus principais componentes, p. 61. 89 Antonio Carlos BARRO. Educação teológica e os desafios para uma sociedade em transformação, p. 174. 87 54 teologicamente é tão importante quanto qualquer outra coisa, ao se decidir acerca do modelo educacional relevante para aquele mesmo contexto.” 2.3.2 A natureza do ser humano A igreja ocidental herdou da filosofia platônica,90 ao longo da história do cristianismo, um pensamento dicotômico ou dualista que divide a realidade em dois mundos antagônicos, como, por exemplo, a dicotomia entre o físico e o espiritual e entre o corpo e a alma. No Novo Dicionário da Bíblia, em seu verbete Homem, lemos a seguinte afirmação: No desenvolvimento da doutrina do homem, a Igreja ficou debaixo da influência do pensamento grego, com seu contraste dualista entre a matéria e o espírito. Colocavase ênfase sobre a alma, com sua ‘faísca divina’, e havia a tendência de o homem ser considerado como uma entidade individual autocontida, cuja verdadeira natureza podia ser entendida pelo exame dos elementos separados constituintes de seu ser. (grifo nosso)91 Normam L. Geisler, em seu livro, Ética Cristã, faz um observação semelhante a esta. Ele afirma: “Parte do descuido do ‘homem total’ tem sua origem na ênfase platônica nãocristã sobre a dualidade do ser humano. Esta ênfase foi digerida pelos cristãos na Idade Média e tem sido transmitida para o presente.”92 Essa influência platônica é nociva à missão integral da igreja porque sua ênfase recai sobre a dimensão espiritual em detrimento do físico ou material. Assim sendo, a missão da igreja é reduzida à idéia de salvar almas, deixando de lado as necessidades físicas e sociais que o ser humano tem. Portanto, essa herança platônica precisa ser cotejada e contestada à luz da Palavra de Deus. Em Gênesis, lemos: “Então, formou o SENHOR Deus ao homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente.” (Gn 2.7)93 Este texto, afirma Israel Azevedo: 90 Em síntese, o platonismo argumenta que o ser humano é essencialmente um ser espiritual e que apenas tem conexão funcional com o corpo que, na melhor das hipóteses, é um impedimento e, na pior, um grande mal. A correção desta erro está no ensino Bíblico acerca da unidade essencial do ser humano. Ver mais detalhes em Norman L. Geisler. Ética Cristã: alternativas e questões contemporâneas. 1a. ed. São Paulo: Edições Vida Nova. 1984, p. 154. 91 J. D. DOUGLAS. (editor) Novo Dicionário da Bíblia. Artigo “Homem”, item (e), p. 720-722. 92 Norman L. GEISLER. Ética Cristã: alternativas e questões contemporâneas, p. 154. 93 BÍBLIA, op. cit. 55 Tem sido interpretado como a indicação de que o ser humano tem um corpo e uma alma, esta recebida em algum momento entre a concepção e o nascimento. Somos, no entanto, desafiados pela revelação bíblica a pensar holisticamente. O dualismo corpo/alma, encontrado na teologia e na prática dos cristãos, não está na Bíblia. Na revelação bíblica, o ser humano pensa, sente, deseja e age. A idéia da natureza humana implica unidade, não dualidade. Não há um contraste entre corpo e alma. [...] Antes, ele é uma unidade, em que alma, corpo, carne, mente e etc. estão juntos para constituir um ser completo. [...] O ser humano é uma unidade bio-psíquicoespiritual que põe em marcha nossas marcas de seres criados, formados e nutridos à imagem e semelhança de Deus. (grifo nosso)94 A teologia da Missão Integral procura eliminar esse dualismo, dando ênfase ao ensino bíblico de que o homem é uma unidade95 de corpo, alma, e espírito inseparáveis entre si. O próprio conceito de missão integral expressa essa verdade: A Missão Integral da igreja quer expressar duas coisas básicas: a) O compromisso com todo Conselho de Deus [...] a Bíblia quer e precisa ser considerada em sua totalidade; b) A missão da igreja leva em conta a pessoa em sua totalidade, bem como o contexto no qual a pessoa vive. A missão veste a roupa da encarnação. (grifo nosso)96 Em relação a esta visão do ser humano em sua totalidade, ou seja, como um ser integral, René Padilla, em seu artigo Misión Integral y Evangelización, afirma: “Porque o ser humano é uma unidade, não se pode pretender ajudar a pessoa dando atenção a suas necessidades em um só aspecto [...] (por exemplo, sua necessidade de perdão de Deus, uma necessidade espiritual) [...] deixando de lado suas necessidades em outros aspectos (por exemplo, o corporal e o material).”97 Essa afirmação é coerente com o que lemos no Novo Testamento, na epístola de Tiago: “Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhe disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o vosso proveito disso? Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta.” (Tg 2.15-17)98 94 Israel Belo de AZEVEDO. O que é o ser humano?, p. 28-29. Para alguns teólogos, o ser humano é uma unidade de corpo, alma e espírito (esses são os chamados tricotomistas). Para outros, o ser humano é uma unidade de corpo e alma (esses são chamados de dicotomistas). 96 C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit., p. 8. 97 C. René PADILLA. Misión Integral y evangelización. http:\\www.kairós.org.ar/articuloderevista.php/id=242. Capturado em 13. 05. 2006. 98 BÍBLIA, op. cit. 95 56 Neste texto, Tiago apresenta uma visão do ser humano como um ser integral e, portanto, assevera que a fé que não reconhece as necessidades do corpo e se limita a manifestar bons desejos “está morta”. Também, ao estudar os evangelhos, observando a práxis ministerial de Jesus, percebese o seu anseio de ver as necessidades dos seres humanos supridas em todas as suas dimensões. Ricardo Barbosa, referindo-se à missão de Jesus, afirma: “O propósito da missão de Jesus não era somente dar pão ao faminto como se o homem fosse apenas corpo, ou salvar sua alma do inferno como se fosse apenas um ser espiritual; seu propósito era redimi-lo integralmente.”99 Em outras palavras, é possível afirma que o ensino bíblico é holístico, apresenta o ser humano com um ser integral, não dicotômico. 2.3.3 Igreja, Reino e Mundo É fundamental procurar entender a missão da igreja à luz do Reino de Deus, pois esta compreensão certamente irá influenciar todo processo educativo. Partindo de um estudo do Novo Testamento, a igreja é apresentada como a comunidade do Reino. Nas palavras de Padilla, a igreja é: “[...] a comunidade que reconhece a Jesus como Senhor do universo e por meio da qual, numa antecipação do fim, o Reino se manifesta concretamente na história.”100 No evangelho de Mateus, Jesus se refere a esta comunidade como “minha igreja” (Mt 16.18)101. Essas palavras sugerem a relação entre a igreja e o seu Reino. Entretanto, para se ter uma compreensão correta da relação entre a igreja e o Reino de Deus, é necessário entender primeiro a relação entre o Espírito Santo e a igreja. No Novo Testamento, o ensino bíblico deixa evidente que a igreja é resultado da ação de Deus por meio do Espírito Santo. “Ela é o corpo de Cristo e, como tal, a esfera na qual opera a vida da nova era iniciada por Jesus Cristo; o Espírito Santo é o agente por meio do 99 Ricardo Barbosa SOUZA. O Caminho do Coração: Ensaios sobre a Trindade e a Espiritualidade Cristã, p. 75. C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit., p. 204. 101 BÍBLIA, op. cit. 100 57 qual esta vida é impartida aos crentes [...]. Da mesma forma, o Espírito dá à igreja dons (charismata) que tornam possível sua existência como uma comunidade missionária [...].”102 Em outras palavras, a igreja depende do Espírito Santo tanto para sua existência como para o cumprimento da sua missão. Em relação a isso, Emil Brunner afirma: “A comunidade de Jesus vive sob a inspiração do Espírito Santo. Este é o segredo de sua vida, da sua comunhão e do seu poder. Usando uma palavra moderna, o Espírito supre o dinamismo da Ecclesia [...].”103 Ela é, portanto, o instrumento de Deus para manifestação do seu Reino aqui na terra e não um fim em si mesma, pois a igreja não é o objetivo final da missão. E de acordo com Padilla: “Ela leva as marcas de sua existência histórica, do “ainda não” que caracteriza o tempo presente. Mas aqui e agora, ela participa do “já” do Reino que Jesus iniciou [...] Ela não deve ser equiparada com o Reino, mas tampouco separada dele. Seu propósito é refletir os valores do Reino, aqui e agora, pelo poder do Espírito Santo.”104 Van Engen, tratando acerca da relação entre o Reino de Deus e a igreja, afirma que: O reino de Deus e a Igreja estão inter-relacionados exatamente na pessoa de Jesus Cristo, que é ao mesmo tempo Rei do reino e cabeça da Igreja. [...] Assim, a Igreja, a missão e o reino de Deus devem construir um ao outro. Não são idênticos, mas intimamente entrelaçados na missão de Deus por meio do povo de Deus no mundo de Deus.105 De acordo com a afirmação acima, Jesus é o ponto central na relação Reino de Deus e Igreja. A ênfase central no ensino neotestamentário é que Jesus veio cumprir as profecias do Antigo Testamento e que em sua pessoa e ministério tornou o Reino de Deus uma realidade presente entre os seres humanos e ao mesmo tempo uma esperança futura, de que o reino virá. Padilla explicita isso, dizendo: “O mesmo Deus que interveio na história para iniciar o drama está atuando ainda e continuará agindo a fim de levar o drama até a sua conclusão. O 102 C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit., p. 205-206. Emil BRUNNER apud Samuel ESCOBAR, Desafios da igreja na América Latina, p. 41. 104 C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit., p. 206. 105 Charles Van ENGEN, op. cit., p.138. 103 58 Reino de Deus é, portanto, uma realidade presente e ao mesmo tempo uma promessa que será cumprida no futuro: ele veio (e está presente entre nós) e virá (de modo que esperamos seu advento).”106 Essa tensão escatológica entre o “já” e o “ainda não” é uma verdade bíblica que permeia todo o Novo Testamento. E enquanto vive esta tensão entre o “já” e o “ainda não”, entre a “ascensão” e a “parúsia”, a igreja cumpre sua missão como sinal do Reino de Deus. Essa missão tem como base o senhorio universal de Jesus Cristo, que como tal comissiona todo seu povo a fazer discípulos de todas as nações. E por meio desta missão, a igreja expressa o senhorio universal de Jesus Cristo. O termo “senhorio universal de Jesus” expressa o Seu “governo em ação” e esse governo se estende sobre a totalidade de sua criação. É um governo sobre todo o universo. Sendo seu governo universal, pode-se afirmar que Sua missão é cósmica em sua abrangência. Por esta razão, a missão da igreja é melhor compreendida quando vista no contexto do propósito universal de Deus em Jesus Cristo. E o propósito de Deus inclui a redenção de toda criação. Nas Escrituras, pode-se perceber que o ensino acerca da salvação culmina com o anúncio de “novos céus e nova terra”. (Ap. 21.1) Juan Stam, em seu livro Las buenas nuevas de la creación, faz a seguinte afirmação: “No pensamento bíblico [...] a criação não se contempla aparte da salvação, nem a salvação aparte da criação. Por isso, a teologia bíblica da criação é absolutamente indispensável para nossa fiel compreensão tanto do evangelho como da missão da igreja. Jamais poderemos entender biblicamente a salvação e a missão se as desvinculamos da criação.”107 Isso quer dizer que o propósito da missão da igreja não é meramente a salvação de almas, mas também a transformação da pessoa inteira, de maneira que esta glorifique a Deus em todas as dimensões da vida humana: em sua relação com Deus, mas também em suas 106 107 C. René PADILLA, Missão Integral, op. cit., p. 202. Juan B STAM. Las buenas nuevas de la creación, p. 101. 59 relações interpessoais e em sua relação com a criação de Deus. Em outras palavras, isso quer dizer que a missão da igreja é integral e cósmica em sua abrangência. CAPÍTULO III POR UMA EDUCAÇÃO TEOLÓGICA INDÍGENA RELEVANTE Nesse último capítulo, trataremos da relação entre educação e missão. Logo a seguir, será feita uma abordagem dos principais componentes dos Institutos Bíblicos apresentados no capítulo I e, por fim, serão sugeridos alguns parâmetros para uma educação teológica indígena relevante. 3.1 Educação e Missão A pergunta principal nesse tópico é: Qual a relação entre educação teológica e a missão integral da igreja? A resposta que vários estudiosos sustentam é que a educação teológica existe para servir à igreja, no cumprimento de sua missão integral e, como resultado, sua missão está intrinsecamente relacionada com a missão da igreja. A Dra. Sherron Kay George, ao tratar sobre a Educação Teológica, destaca que a função da mesma é realmente servir a igreja. Ela afirma: “Educamos a fim de praticarmos os ministérios e vivermos a fé cristã. A finalidade última do seminário não se cumpre dentro de suas quatro paredes, mas dentro das igrejas locais com a edificação dos membros e do corpo e dentro da sociedade com a evangelização e ação social.”1 Esse pressuposto de que a educação teológica existe para servir à igreja constituirá a base em nossa reflexão. Na resposta acima, fica evidente que a função da educação teológica é beneficiar a missão da igreja. Sendo assim, é necessário que se tenha uma compreensão clara do que vem a ser essa missão. Por exemplo, se entendermos a missão da igreja apenas como evangelização do mundo perdido, estaremos reduzindo a missão a apenas uma de suas dimensões e, conseqüentemente, se desenvolverá uma proposta de educação teológica com este perfil. 1 Sherron Kay GEORGE, FundamentosBíblicos e Pedagógicos da Educação Teológica, p.8. 61 Para uma compreensão bíblica da missão da igreja é preciso entender qual o objetivo de nossa criação e da nossa salvação. Rega explicita isso dizendo: “Nesse caso nossa busca é teleológica. Para que existimos? Para que somos salvos? Só para possuirmos a segurança do céu?” (grifo do autor)2 A busca por resposta nos remete ao momento da criação e da queda do ser humano no jardim do Éden. Fomos criados, dizem as Escrituras, para glorificar a Deus (Is 43.7), vivendo sob sua dependência e lhe sendo fiéis. Este sempre foi o propósito de Deus para o ser humano. Esse era o nosso papel. Entretanto a Bíblia nos ensina que o homem caiu, desobedeceu a Deus e, como resultado de sua rebeldia, se distanciou dele, bem como do propósito original para o qual havia sido criado, ou seja, o homem deixou de glorificar a Deus (Rm 3.23) e isso trouxe graves conseqüências para toda humanidade e também para toda criação. Na nota teológica do capítulo 3 de Gênesis, encontrada na Bíblia de Estudo de Genebra, lemos a seguinte afirmação: “Como conseqüência, [...] a disposição mental que se opõe a Deus e se engrandece a si mesmo, expresso no pecado de Adão, tornou-se parte dele e da natureza moral que ele transferiu aos seus descendentes (Gn 6.5; Rm 3.9, 19; 5.12).”3 Também, é possível observar nas Escrituras que o relacionamento natural do homem com a terra, com a natureza, dominando sobre a mesma (Gn 1.28), cultivando-a e guardando-a (Gn 2.15), é afetado. E a terra, frustrada por ter sido designada por Deus à desarmonia (Gn 3.17), aguarda por sua restauração (Rm 8.22, 23). Pode-se inferir dessas afirmações que tanto a descendência de Adão como toda a criação são alvos o propósito salvífico de Deus. Assim, a partir do relato da criação e da queda do homem, ainda que resumido, será abordado o objetivo da educação teológica em relação a três dimensões da missão da igreja, ou seja, a missão da igreja em relação: a Deus, a si mesma, ao mundo. A essas dimensões 2 3 Lourenço Stelio REGA, Revendo paradigmas para a formação teológica e ministerial, p. 112. BÍBLIA, p.13. 62 Rega denomina de Missão Tridimensional da Igreja.4 Contudo, será acrescentada mais uma dimensão sugerida por Silva, que, além de trabalhar com as três dimensões já mencionadas, trata ainda da missão da educação teológica em relação ao estudante5. 3.1.1 Missão em relação a Deus E em Gênesis (3.15, 21), a Bíblia ensina que Deus, no momento da queda do gênero humano, mostra-lhe sua graça salvadora, fazendo para o homem e a mulher vestimenta a fim de cobrir sua nudez e prometendo-lhes que, um dia, a Semente da mulher esmagaria a cabeça da serpente. Essa promessa apontou para o seu plano salvífico em Cristo Jesus, onde encontra o seu cumprimento cabal. Esta salvação, em Cristo, nos coloca novamente no estado original do qual fomos desviados em Adão. Rega, a esse respeito, afirma: “Se é vontade de Deus que vivamos neste estado renovado de vida, é vontade de Deus também que ele se concretize coletivamente em nossas comunidades eclesiásticas e, assim, podemos concluir que a comunidade dos salvos – a igreja – existe também para glorificar a Deus.”6 Esse propósito de Deus é estabelecido para todo seu povo. A palavra de Deus, na primeira epístola de Paulo aos coríntios, declara: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para glória de Deus.” (1 Co 10.31)7 O ensino bíblico, nessa passagem, mostra que a finalidade última da vida é a glória de Deus. Morris afirma: “O cristão não está preocupado com a afirmação de seus direitos, mas com a glória de Deus. Comer, beber, ou qualquer outra coisa mais, devem estar subordinados a esta consideração mais importante.”8 Ainda no que diz respeito a uma vida que glorifique a Deus, as Escrituras9 nos dão em alguns momentos ordenanças e em outros nos fazem exortações. Assim, lemos, por exemplo: 4 Op. cit., p.114. Izes Calheiros B. SILVA, Educação Teológica e Missão Integral, p.67. 6 Lourenço Stelio REGA, op. cit., p. 113. 7 BÍBLIA, op. cit. 8 Leon MORRIS, 1 Coríntios: introdução e comentário, p.120. 9 BÍBLIA, op. cit. 5 63 “Adorai ao Senhor na beleza da sua santidade [...].” (Sl 96.9a); “Todo ser que respira louve ao Senhor. Aleluia!” (Sl 150.6); “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo teu coração, de toda tua alma, de todo o teu entendimento e de toda tua força.” (Mc 12.30); e em Oséias a exortação é: “Conheçamos e prossigamos em conhecer ao SENHOR [...].” (Os 6.3) Dessa forma, a missão da educação teológica envolve o compromisso de levar seus alunos e alunas a adorar, louvar, amar, conhecer e glorificar a Deus com todas as suas implicações. Silva a esse respeito afirma: Em um programa educacional isto significa que uma vida de adoração, de submissão, de serviço e de conhecimento do próprio Deus devem fazer parte do propósito maior que a instituição teológica quer alcançar na vida dos estudantes. Deve ser o coração de todo o programa da escola, o qual irá fornecer vida para todos os demais objetivos, para a metodologia, para o conteúdo curricular, para a seleção do corpo docente e para os critérios de avaliação do programa.10 E, finalmente, pode-se concluir que o objetivo maior da instituição teológica deve ser a glória de Deus. 3.1.2 Missão em relação a si mesma Glorificar a Deus inclui muito mais do que adorar, louvar, amar e conhecer, ou seja, vai além do culto e da liturgia. Inclui também obediência irrestrita à vontade de Deus e uma vida de serviço que acaba envolvendo toda comunidade, todo corpo de Cristo. E, sendo assim, é possível deduzir que a missão da igreja em relação a si mesma envolve a capacitação e o fortalecimento dos seus membros para o cumprimento do serviço cristão. Quanto a essa dimensão da missão, afirma Rega: É a igreja promovendo a sua própria manutenção e fortalecimento para que seus membros tenham uma vida dedicada à comunidade, ao seu trabalho e desenvolvimento, ao treinamento para serviço e testemunho ao mundo. Aqui está incluído o treinamento operacional dos crentes, a administração, a admoestação, o ensino da Palavra, a assistência espiritual e material aos “domésticos da fé” (Gl 6.10), a manutenção da própria convivência ou comunhão na igreja [...].11 Isso exige que a igreja local tenha líderes bem preparados, que sejam capazes de preparar, motivar e envolver cada membro do corpo de Cristo no ministério cristão. O 10 11 Izes Calheiros B. SILVA, op. cit., p. 70. Lourenço Stelio REGA, op. cit., p. 113. 64 treinamento ou o preparo de líderes, em parte12, fica sob a responsabilidade das instituições teológicas e, portanto, deve haver uma boa interação entre igrejas locais e instituições teológicas para evitar que as reflexões sejam descontextualizadas. Sendo que a razão da existência da educação teológica é servir a igreja, o programa educacional deve objetivar o desenvolvimento e o fortalecimento da mesma e não ser um fim em si mesmo. Na década de 90, Silva já denunciava justamente a existência de uma incoerência entre o discurso e a práxis de grande parte das instituições teológicas na América Latina, visitada por ela. Ela asseverava que os programas educacionais existentes deveriam atender as necessidades das igrejas locais. Tenho verificado que este ponto de incoerência é comum a grande parte das escolas. Em sua declaração de objetivos, muitas admitem que existem para servir à igreja; na sua prática educacional, no entanto, elas existem com um fim em si mesmas. Por isto, precisamos revisar este ponto. Não basta declararmos que a educação teológica existe para servir à igreja. Se ela é serva da Igreja não pode existir com um fim em si mesma. A educação teológica precisa de novo servir à igreja, precisa voltar a envolver-se com a igreja e a harmonizar-se com os interesses e necessidades desta.13 Na argumentação de Dusilek, ao tratar acerca da relação entre teologia e igreja, há a seguinte afirmação: “Quando lemos o Novo Testamento, especialmente as epístolas Paulinas, podemos sentir, sem sombra de dúvida, que a teologia cristã nasceu das necessidades práticas da igreja. As epístolas surgiram motivadas por problemas concretos surgidos no campo missionário. As igrejas foram o habitat natural e a motivação para a teologia.”14 Esse mesmo autor ainda acrescenta: Teologia e igreja devem andar juntas. Sempre que houver separação entre uma dessas partes o desastre do desvio da finalidade está perto. Quando a teologia perde a igreja do seu horizonte, corre o perigo de um desvio para especulações puramente metafísica em detrimento das necessidades do povo de Deus. Quando a igreja não se preocupa com a teologia, perde a sua capacidade de reflexão crítica podendo descambar num institucionalismo legalista.15 12 Esta afirmação parte do pressuposto de que existem várias etapas na formação de um líder e o Seminário ou Faculdade Teológica é apenas uma delas, no preparo formal do aluno ou aluna. 13 Izes Calheiros B. SILVA, op. cit., p. 70. 14 Darci DUSILEK, Teologia ao alcance de todos (inclusive você): uma introdução, p. 51. 15 Idem, p. 52. 65 Diante dessas afirmações, é possível concluir que a reflexão teológica não deve está separada da vida prática da comunidade dos crentes. 3.1.3 Missão em relação ao mundo A missão da igreja em relação ao mundo é, como destacamos no capítulo anterior, muito ampla. Silva, quando aborda esta dimensão da missão da igreja, declara que a mesma é muito abrangente e afirma: Inclui “fazer discípulos de todas as nações (Mt 28.18-20)”, “pregar o evangelho a toda criatura (Mc 16.15)”, “proclamar as virtudes de Cristo (1 Pe 2.9,10)”, reconciliar os homens com Deus na qualidade de embaixadores em nome de Cristo (2 Co 5.18-20), ser sal da terra e luz do mundo (Mt 5.14-16), exercer autoridade sobre demônios, curar enfermos e pregar o reino de Deus (Lc 9.1-2).16 De acordo com essas palavras, é possível afirmar que a missão da igreja é integral, por abranger todos os aspectos da vida. Se a missão da igreja é integral, deve-se incluir a proclamação do amor de Deus em Cristo Jesus e a manifestação desse amor em termos de boas obras. A fé sem obras é morta. Tetsunao Yamamori, no livro Servindo com os pobres na América Latina, afirma: “Tanto no Antigo como no Novo Testamentos a Bíblia ordena à igreja que ministre à pessoa como um todo. Isto quer dizer que se deve atender tanto às necessidades físicas como às espirituais, que estão inseparavelmente relacionadas, ainda que sejam separadas em termos funcionais.”17 O Pacto de Lausanne, em seu artigo 5º., também destaca este aspecto integral da missão da igreja em relação ao mundo. Assim lemos: Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos algumas vezes considerado a evangelização e a atividade social mutuamente excludente. Embora a reconciliação com o homem não seja reconciliação com Deus, nem ação social evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são ambos parte do dever cristão. Pois ambos são expressões de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, de nosso amor por nosso próximo e de nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão 16 17 Izes Calheiros B. SILVA, op. cit., p. 74. Tetsunao YAMAMORI, Servindo com os pobres na América Latina: modelos de ministério integral, p. 15. 66 e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam.18 Uma vez que a missão da igreja é integral, um programa de educação teológica que pretenda ser relevante deve ter o tema da missão integral permeando a filosofia da educação teológica, todo o currículo, conteúdo programático e a prática da instituição teológica. 3.1.4 Missão em relação ao estudante No capítulo II, ao tratar da natureza do ser humano, concluímos que o mesmo é um ser integral. Sendo assim, ao considerar a missão da educação teológica em relação ao estudante, deve-se levar em conta o desenvolvimento integral do aluno ou da aluna. Ao se referir ao desenvolvimento do aluno, Rega afirma: Quando pensamos no estudo teológico apenas focando o seu lado acadêmico para conduzir o estudante à compreensão da fé e sua reflexão, sem contudo considerarmos o seu desenvolvimento como pessoa, estaremos focando apenas as suas funções mentais e cognitivas. Se o aluno é um todo, não podemos pensar em apenas parte dele.19 Quanto ao desenvolvimento integral do estudante, Silva sugere quatro orientações básicas: o desenvolvimento espiritual, ministerial, intelectual/acadêmico e a relevância pessoal e contextual. E acrescenta: Se uma orientação for enfatizada em prejuízo das demais, então terá sido estabelecida uma parcialidade no treinamento. O resultado final do ministério da instituição teológica deve ser preparar ministros com instrumentação espiritual, social, ministerial, intelectual e acadêmica, qualificados para continuarem pesquisando e estudando a Palavra de Deus, avaliando o contexto onde trabalham, as necessidades e os desafios que as igrejas enfrentam, e, como estudiosos da Bíblia, retirarem dela tesouros e verdades que podem trazer respostas às perguntas que estiverem sendo feitas.20 Atualmente, diante da crise de liderança cristã pela qual passamos, é possível perceber que o modelo de programa de educação teológica com uma visão de formação integral do estudante é uma necessidade de suma importância. 18 PACTO DE LAUSANNE, a Igreja e a Evangelização, 2003, p. 91. Lourenço Stelio REGA, op. cit., p. 121. 20 Izes Calheiros B. SILVA, op. cit., p. 77. 19 67 O produto final da instituição teológica deve ser líderes bem qualificados e preparados nas áreas espiritual (ser), ministerial (fazer), intelectual/acadêmica (conhecer) para capacitar a igreja no cumprimento de sua missão integral. 3.2 Revisão dos principais componentes dos IBI e do Centro de Treinamento O objetivo principal neste tópico é fazer uma revisão dos principais componentes dos institutos bíblicos indígenas e do centro de treinamento apresentados no capítulo I. 3.2.1 Revisando os objetivos iniciais Em pesquisa realizada por Martins sobre os principais componentes de algumas instituições teológicas protestantes no Brasil, pertencentes aos Presbiterianos, Metodistas, Batistas e Luteranos, ele afirma: “Analisando os documentos históricos, pode-se constatar que quase todas as instituições teológicas pertencentes aos protestantes nasceram com o objetivo de preparar mão-de-obra para manutenção da estrutura eclesiástica de cada confissão.” (grifo nosso)21 A expressão em destaque acima aponta para formação, via de regra, de pastores e pastoras, que normalmente se enquadram entre os vocacionados para o ministério ordenado e que atenderiam as demandas das igrejas locais e da denominação. Por um longo período, essas instituições teológicas mantiveram esse preparo de mão de obra direcionada às pessoas vocacionadas. A história se repete quando observamos os objetivos iniciais dos institutos bíblicos Reverendo Felipe Landes, Cades Barnéia e do Centro de Treinamento Ami. Resumindo, pode-se dizer que o objetivo principal dessas instituições é preparar líderes (mão de obra) autóctones para atender a demanda da igreja evangélica indígena. E em alguns momentos do discurso oral ou escrito dessas instituições, observa-se que o preparo dessa mão de obra é direcionado a vocacionados, ou seja, àqueles que são chamados para o ministério. Vale 21 Edson MARTINS, op. cit., p.45. 68 mencionar que no Ami, na prática, não há tanta exigência quanto a ser vocacionado, uma vez que seu propósito principal é formar discípulos de Jesus, por esta razão aceitam alunos mesmo que não sejam convertidos. O problema aqui reside na finalidade última da educação teológica, ou seja, qual é o seu objetivo? Preparar apenas vocacionados ou preparar o povo de Deus? O resultado de uma pesquisa realizada pela Fraternidade Teológica Latinoamericana, em Quito, Equador, em 1985, concluiu que: “O objetivo da educação teológica é a capacitação do povo de Deus para o serviço do Reino.”22 Essa afirmação traz grandes implicações para o desenvolvimento de um programa de educação teológica, porque quebra um paradigma de longos anos. Cabe aqui um destaque às palavras de Daniel Schipani, ao afirmar que: “A educação teológica deve estar inspirada por um ‘paradigma eclésio-comunitário’ antes que por um ‘paradigma clerical’.”23 A sustentação de um “paradigma clerical” começou desde quando a Igreja Católica Romana passou “a conceber o ministério cristão de forma fundamentalmente clerical”.24 Com essa concepção de ministério, “o ministério da Igreja, o conjunto de atividades que visa o cumprimento de sua missão passa a ser, literalmente, monopólio do clero.”25 E daí surge a distinção entre o clero e leigo. Com os Reformadores, surge um discurso radicalmente diferente, que passa a ser conhecido com a formulação ou desenvolvimento da Doutrina do Sacerdócio Universal de todos os Crentes, que resgata a compreensão neotestamentário de que cada crente é um sacerdote de Deus para o mundo, não havendo, nesse sentido, distinção entre clero e leigo na práxis eclesial. Contudo, não se pode deixar de considerar que, mesmo os herdeiros da 22 C. René PADILLA, Nuevas alternatives de educación teológicas, p. 119. Daniel S. SCHIPANI, Teologia del Ministerio Educativo: perspectives latino Americanas, p.228 (nota d). 24 César Marques LOPES, op. cit., p.143. 25 César Marques LOPES, op. cit, p.143. 23 69 Reforma, mantiveram um certo status ao clero. De acordo com Lopes, já naquele momento havia esse privilegiamento. Ele afirma: “Nas igrejas protestantes daquela época [...] existia uma grande separação e destaque para o clero”26 Essa distinção entre clero e laicato passou a ser alimentada pelas instituições teológicas ao longo dos anos da história do cristianismo, ao centralizar seus esforços na formação exclusivamente dos vocacionados para o ministério cristão ordenado, ou seja, o clero. Essa visão permanece ainda em alguns Seminários, Faculdades e Institutos Bíblicos no Brasil. Entretanto, muitas instituições teológicas contemporâneas, em nosso país, têm entendido o ministério cristão como responsabilidade não só dos ministros ordenados, mas de todo povo de Deus, incluindo os não ordenados. Isso é coerente com o paradigma eclésiocomunitário que procura eliminar o perigo ou o risco da “profissionalização” e da concepção individualista de ministério ou mesmo o dualismo entre clérigos e leigos. Quando se diz que o objetivo da educação teológica é preparar homens e mulheres para serviço no Reino, não se pretende com isso menosprezar aqueles que são vocacionados por Deus para o ministério ordenado. O que se objetiva é abrir as portas das instituições teológicas para o preparo do leigo também, promovendo o papel do não-ordenado na ação eclesial. E isso requer das instituições teológicas mudanças significativas. Como, por exemplo, a diversificação nos cursos para que atendam as necessidades ministeriais das igrejas. Sustentar um ‘paradigma clerical’ em detrimento de um ‘paradigma eclesiocomunitário’, ou sustentar a idéia de ministério como fundamentalmente clerical ao invés de uma responsabilidade conjunta de clérigos e leigos, não apontaria isso para uma relação de poder implícita na educação teológica? Parece que sim. 26 César Marques LOPES, op. cit, p.144. 70 3.2.2 Revisando os currículos Em palestra proferida no 5o. Congresso Nacional do CONPLEI (Porto Velho, setembro de 2006), Jânio Souza, usando idéias de Jean Piaget, assevera que por trás do exercício de ensino, há dois conceitos subjacentes : o ensino enquanto método de construção do conhecimento e o ensino enquanto resultado ou produto do processo de construção de conhecimento. Aí, conclui, dizendo: De acordo com o primeiro conceito, ensinar implica em construção de conhecimento; de acordo com o segundo, ensinar implica em repassar idéias prontas e acabadas. Em termos gerais, não só na educação teológica, há necessidade de superar a estrutura educacional que oferece conhecimento como conteúdo pronto, previamente construído. Esse tipo de prática de educação gera dependência. E dependência implica em fragilidade espiritual. O dependente não sabe buscar respostas junto a Deus, espera sempre que alguém lhe indique o caminho.27 A questão de repasse de idéias prontas versus construção de conhecimento tem a ver com a elaboração curricular. No tópico Os Currículos, apresentado no capítulo I, percebeu-se que, no discurso escrito ou oral de alguns líderes das instituições pesquisadas, o currículo está relacionado a disciplinas, a conteúdos, à carga horária, à sala de aula; foi transplantado e adaptado de outra instituição teológica; e é definido e estabelecido por um grupo de pessoas, como, por exemplo, um conselho diretor, que analisa e aprova ou analisa e encaminha para uma instância maior para ser aprovado ou não. Diante disso, algumas questões precisam ser consideradas aqui: O que é currículo? O que ele abrange? O que está explícito e implícito nele? O que deve orientar um currículo e sua elaboração? A seguir, refletiremos sobre essas indagações com o propósito de responder a essas questões. Conforme Menegolla e Sant’Anna, o currículo não é: [...] simplesmente a relação e distribuição das disciplinas com suas respectivas cargas horárias. Não é também o número de horas-aula e dos dias letivos. Ele não se constitui apenas por uma seriação de estudos, que chamamos de base curricular [...] ou uma listagem de conhecimentos e conteúdos das diferentes disciplinas para serem estudados de forma sistemática, na sala de aula. [...] não deve ser concebido apenas como relação de conteúdos ou conhecimentos delimitados ou isolados. [...] não é um plano padronizado, onde estão relacionados alguns princípios e normas para o 27 In: Isaac Souza, 2006, p.8. 71 funcionamento da escola, como se fosse um manual de instruções para poder acionar uma máquina. [...] O currículo não é algo restrito somente ao âmbito da escola ou da sala de aula.28 E de acordo Tomaz Tadeu da Silva, em seu livro Documentos de Identidade: “Depois das teorias críticas e pós-críticas de educação, torna-se impossível pensar currículo simplesmente através de conceitos técnicos como os de ensino ou de categorias psicológicas como as de aprendizagem e desenvolvimento ou ainda de imagens estáticas como as de grade curricular e listagem de conteúdos.”29 A questão crucial para toda e qualquer teoria do currículo é, sem dúvida alguma, saber qual conhecimento deve ser ensinado. A pergunta chave então é: O que ensinar? Essa pergunta naturalmente indica escolha, seleção. Faz-nos pensar também em quem e com quais critérios se executa essa seleção. Silva torna isso mais claro, quando afirma que: “O currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo.”30 Nas palavras de Michael W. Apple, em relação ao currículo, temos: “O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos [...]. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e concessões, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo.” (grifo do autor)31 A respeito dessa seleção e especificamente em relação ao currículo de nossos seminários, Rega afirma: “[...] saibamos ou não, estejamos conscientes ou não, o sistema educacional de cada seminário é produto de um conjunto de forças que o modelam. Portanto 28 Maximiliano MENEGOLLA e Ilza Soares SANT’ANNA, Por Que Planejar? Como Planejar? Curriculoárea-aula. 1993, p.213-214. 29 Tomaz Tadeu da SILVA, op. cit., p.147. 30 Idem, p.15. 31 Michael W. APPLE, “A política do conhecimento oficial: faz sentido a idéia de currículo nacional?” , p.59. 72 nada de ingenuidade neste ponto.”32 Em outras palavras, um currículo não é neutro! Essa escolha ou seleção aponta para uma relação de poder. Nas teorias de currículo, observa-se também uma interrelação entre duas questões importantes: O que ensinar? E o que os alunos e alunas devem ser ou se tornar? Para Tomaz Tadeu da Silva, em toda concepção de currículo, o conhecimento a ser transmitido está estreitamente interrelacionado com o tipo de ser humano que se quer formar, podendo até a segunda questão preceder à primeira. Ele afirma: “Afinal, um currículo busca precisamente modificar as pessoas que vão ‘seguir’ aquele currículo.”33 E ainda acrescenta: No fundo das teorias do currículo está, pois, uma questão de ‘identidade’ ou de ‘subjetividade’. Se quisermos recorrer à etimologia da palavra ‘currículo’, que vem do latim ‘curriculum’, ‘pista de corrida’, podemos dizer que no curso dessa corrida que é o currículo acabamos por nos tornar o que somos. Nas discussões cotidianas, quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está inextrincavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade.34 De acordo com este autor, o currículo, além de ser uma questão de conhecimento, é também uma questão de identidade e envolve ainda uma relação de poder. Ele afirma: Da perspectiva pós-estruturalista, podemos dizer que currículo é também uma questão de poder e que as teorias de currículo, na medida em que buscam dizer o que o currículo deve ser, não podem deixar de estar envolvidas em questões de poder. [...] Privilegiar um tipo de conhecimento é uma operação de poder. [...] As teorias do currículo estão situadas num campo epistemológico social. [...] É precisamente a questão do poder que vai separar as teorias tradicionais das teorias críticas e pós-críticas do currículo. As teorias tradicionais pretendem ser apenas isso, ‘teorias’ neutras, científicas, desinteressadas. As teorias críticas e pós-críticas, em contraste, argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica e desinteressada, mas que está, inevitavelmente, implicada em relações de poder.35 Sendo que no currículo encontra-se esta interrelação entre saber, identidade e poder, deve-se considerar a advertência que nos faz Rossi, ao escrever sobre Relações de poder na educação teológica. Ele diz: “Àqueles que trabalham com educação teológica uma advertência se faz necessária: toda teologia e/ou educação teológica tem a tendência de se 32 Lourenço Stelio REGA, op. cit., p.103. Tomaz Tadeu da SILVA, op. cit., p.15. 34 Idem, p.15. 35 Ibidem, p.16. 33 73 ontocratizar, ou seja, de se transformar em sistema de poder e de repressão contra toda a criatividade e a crítica.”36 Quanto a esta relação de poder, Rega expressa uma preocupação pertinente em relação ao risco de se transformar a educação teológica num instrumento de dominação ideológica. Ele diz: Outro ponto alvo de preocupação é quando pensamos na educação teológica como um sistema de indução e manutenção de hegemonia, de modo a transformá-la numa ação adestradora e domesticadora dos espíritos. [...] Não seria uma educação reprodutivista desconsiderando o aluno como sujeito histórico e participante da construção social?37 Essas afirmações mostram que não estamos isentos deste tipo de relação, seja em nossos programas de educação teológica, seja no nível de instituto bíblico ou seminário. Em relação ao que deve orientar um currículo e sua elaboração, o mesmo Rega38 afirma: “Essa tarefa demanda um conjunto de medidas integradas e simetrizadas que deverão seguir procedimentos próprios.”39 Este autor entende ser necessário antes de se elaborar um currículo, definir qual será o modelo educacional adotado pela instituição e estabelecer uma declaração de valores e objetivos educacionais. Ele ainda deixa claro que existem duas alternativas que orientam o sistema educacional de uma maneira em geral: por conteúdos e por objetivos educacionais e valores. E em relação às instituições teológicas do Brasil, afirma: “O sistema educacional dos seminários evangélicos no Brasil geralmente é um sistema orientado por conteúdos (conteudista) em vez de ser orientado por objetivos educacionais.”40 Segundo este autor, um sistema orientado por conteúdos segue: “um currículo e conteúdo emprestado ou imposto de fora.”41 É o que ainda ocorre em várias instituições teológicas. E em relação a um sistema educacional direcionado por objetivos educacionais e 36 Luiz Alexandre Solano ROSSI, Relações de poder na educação teológica, p.195. Lourenço Stelio REGA, op. cit., p.104. 38 Rega, entende que antes mesmo de se estabelecer os objetivos educacionais e os valores que direcionarão o sistema educacional, deve-se decidir qual será o modelo educacional adotado pela instituição. Este autor também apresenta dois tipos de currículos Entrópicos e Sinérgicos. 39 Op. cit, p.103. 40 Idem, p. 103. 41 Ibidem, p.126. 37 74 valores cristãos, ele diz: “Os objetivos indicam onde devemos chegar, que fins devemos atingir; os valores indicam nossas prioridades e o que valorizamos.”42 Finalmente, a respeito do currículo pode-se dizer que atualmente o que se constata em muitas instituições teológicas, e aqui incluímos os institutos bíblicos alvos desta pesquisa, é uma preocupação por uma renovação na proposta curricular. E quanto a isso, Edson Martins afirma: “A conclusão a que têm chegado os líderes das instituições é que o currículo não pode ser uma mera cópia estrangeira, nem inflexível ou imutável. Ele deve mudar à medida que muda a realidade em que a instituição vive.”43 3.2.3 Revisando o corpo discente A partir da descrição feita no início desta pesquisa acerca do corpo discente, constatamos que os alunos: procedem de várias etnias; são sustentados por suas igrejas locais ou adotados e sustentados por outras igrejas evangélicas; cumprem um período de estágio; exige-se deles que sejam chamados ou vocacionados para o ministério; que saibam ler e escrever na língua portuguesa – caso não saibam, é oferecido aos alunos a oportunidade de aprender antes de ingressar no curso bíblico; os alunos, em muitos casos, possuem algum grau de bilingüismo oral e; finalmente, observa-se que o número dos que retornam para aldeia e que estão envolvidos no ministério (mesmo fora da aldeia) é maior do que os que desistem, não retornam ou não estão no ministério. Entretanto, diante deste quadro outras questões surgem e devem ser consideradas agora. A questão da vocação para o ministério já tratamos acima e não é necessário abordarmos novamente aqui. Assim, refletiremos acerca do treinamento formal fora da aldeia e suas implicações, bem como acerca da questão lingüística e da cosmovisão. Em relação ao treinamento bíblico e teológico formal, observa-se que na maioria das vezes o mesmo é realizado fora da aldeia. E um dos grandes problemas apontado nessa forma 42 43 Ibidem, p.126. Edson MARTINS, op. cit., p. 53. 75 de treinamento, pelo missionário Robert A. Dooley, ao tratar sobre A formação de líderes, foi à questão das descontinuidades que o aluno enfrenta ao retornar para o seu contexto ao término do curso. Algumas dessas descontinuidades são: Descontinuidade de língua e cultura. Se ensinamos em português, seria razoável esperar que os alunos consigam adaptar o ensino para sua própria língua? Porque o trabalho de tradução é custoso; e, se tiver coisas para adaptar para outra cultura – exemplos ilustrativos, métodos, aplicações específicas, etc – fica bem mais custoso ainda. Porque a nossa mente tende a reter material na forma que ouvimos, na forma que estávamos então. É bem difícil traduzir ou adaptar. Descontinuidade de lugar e rotina. O treinamento se acostuma com um certo lugar; depois do treinamento, o mero fato de ir para outro lugar para por tudo em prática, constitui uma descontinuidade. Se o treinamento foi num curso fora da aldeia, depois do curso você sai de uma sala de aula e se encontra numa casa indígena. A sua rotina muda também: em vez de estudar, você é desafiado a pôr as coisas em prática, e tem que trabalhar outra vez para ganhar seu pão. Aquela rotina gostosa de curso não existe mais. Descontinuidade social. Treinamento junto com outras pessoas forma um grupo de apoio mútuo (a turma), mas terminando o treinamento, a turma como grupo se desfaz. O profeta chega na sua própria terra, sem seus companheiros do treinamento, e fica sozinho no meio das pessoas indiferentes ou até hostis. Os companheiros de aula já ficam longe. Descontinuidade de motivação. Os motivos pelos quais uma determinada pessoa ingressa num programa de treinamento são vários, e geralmente mistos: querer saber, querer comer. A motivação exigida para servir de líder na igreja pode ser bem outra. A motivação que foi suficiente para o treinamento, não serve mais. Quando uma pessoa termina um treinamento intensivo ou realizado num período de tempo extenso, deixa atrás as coisas pertencentes a ele, e, devido as descontinuidades, ela pode bem sentir um choque desorientador, semelhante ao choque cultural.44 Num questionário enviado a vários missionários45 que trabalham com a tradução da Bíblia para povos indígenas, ao serem perguntados sobre as vantagens e desvantagens de um curso teológico fora da aldeia e sobre o uso da língua portuguesa no processo de ensinoaprendizagem, algumas questões foram destacadas. Porém, apenas duas serão mencionadas: a dificuldade de transmitir, em sua própria língua para o seu próprio povo, os conceitos bíblicos e teológicos aprendidos em língua portuguesa; e a tendência de diminuir a importância da 44 Robert A. DOOLEY, A formação de líderes: Questões e modelos, p.2 (citado com permissão). Os missionários que responderam ao questionário foram: Robert e Kathie Dooley (Guarani Mbyá); Bill Bontkes (Surui – RO); Helena Pease (Tenharim); Bete Muriel Ekdahl (Terena); Meinke Salzer (Paumari), Alan Vogel (Jarawara) e Davi Ebehart (Mamaindé). 45 76 língua materna na espiritualidade e vida da igreja. Essas dificuldades lingüísticas estão relacionadas a questões nas áreas da semântica, morfologia, gramática, fonética e fonologia. Murphy afirma: “Para o indígena que fala seu próprio idioma, se o ensino lhe for ministrado na língua nacional, é provável que ele não consiga trabalhar as idéias na sua língua materna e, por conseguinte, ser impossível para ele a comunicação do que lhe foi ensinado, dos novos conceitos, quando volta às aldeias, no seu idioma de origem.”46 As questões levantadas por Robert Dooley sobre descontinuidades e também as preocupações destacas pelos vários missionário(a)-tradutores(as) acima devem ser consideradas quando se está desenvolvendo um programa de educação teológica para indígenas, porque são cruciais na vida e na missão da igreja no contexto indígena. Porém, vale mencionar ainda que muitos indígenas preferem estudar em língua portuguesa, por que acham que o português traz mais prestígio e respeito e isso se relaciona a uma questão sociolingüística que merece atenção. Kathie Dooley, concernente a isso, afirma: “Muitas vezes a pessoa que chega à escola bíblica não tem interesse espiritual, mas está procurando qualquer curso que pode render em termos de posição, lucro ou honra, ou está procurando amigos beneficientes, ou está atrás de meios de aculturar na sociedade maior.”47 Não estaria esta postura relacionada a uma relação de poder? Outro aspecto a ser considerado em relação ao corpo discente, e que está relacionado igualmente ao corpo docente, é a questão da cosmovisão. Nos institutos bíblicos indígenas, observa-se uma diversidade cultural em relação ao corpo discente entre si e também entre o discente e o docente. Essa pluralidade cultural aponta para um conflito de cosmovisões e para as suas implicações práticas para educação teológica. 46 47 Isabel I. MURPHY, Conflitos de cosmovisão no ensino: educação escolar indígena, p.59. Kathie DOOLEY, Questionário (citado com permissão). 77 A cosmovisão48 é “a interpretação que um povo faz da realidade ao seu redor e do papel do ser humano dentro desta realidade.”49 Assim sendo, a cosmovisão apenas faz sentido dentro de uma comunidade que compartilha as mesmas idéias. Para membros externos, ela parece completamente arbitrária, por que se encontra no nível do inconsciente. Murphy, ao escrever sobre Conflito de cosmovisões no ensino: educação escolar indígena, deixa claro que: “a cosmovisão gera crenças; crenças geram valores e são os valores que geram o comportamento.”50 Com esse breve resumo acerca do que é uma cosmovisão, pode-se perceber o grande desafio que a diferença de cosmovisão traz para o campo educacional. No contexto dos institutos bíblicos Reverendo Felipe Landes, Cades Barnéia e Centro de Treinamento Ami, encontramos um corpo docente que em sua grande maioria compartilha de uma cosmovisão ocidental (de origem grega) e conseqüentemente uma visão de mundo dicotomista, que separa o espiritual do natural, o sagrado do secular; e um corpo discente que compartilha de uma cosmovisão, que mesmo com as particularidades de cada etnia, são basicamente sobrenaturalistas, ou seja, não há separação entre o espiritual e o natural. Essa divergência entre a cosmovisão do educador e do educando acaba influenciando no programa de educação teológica. Na prática, pode-se constatar que a tendência no mundo ocidental, e do educador de cosmovisão ocidental, é começar o ensino teológico respondendo a perguntas abstratas acerca do caráter de Deus, sua onipotência, onisciência etc. Em outras palavras a tendência desse educador é focalizar no aspecto filosófico. Mas geralmente, afirma Ebehart, “essas não são as primeiras perguntas que as culturas indígenas querem fazer. Eles querem saber sobre o poder de Deus contra os espíritos, querem saber se Deus tem respostas e se preocupa com a doença, com as crianças que morrem, com a 48 Frances Popovich afirma que a cosmovisão inclui: “Idéias de causa e efeito, um mapa cognitivo complexo, um sistema de comunicação verbal e não-verbal, categorias, axiomas, crenças, regras e valores, as opções e as expectativas dos comportamentos e a interpretação das experiências dos membros da sociedade.” 49 Frances B. POPOVICH, Antropologia, p.62. 50 Isabel I. MURPHY, op. cit, p.54. 78 falta de comida [...], em fim, querem respostas às perguntas que eles mesmos estão fazendo.”51 Ou seja, a preocupação indígena é primeiramente com as questões do dia-a-dia. Ainda dentro do aspecto da cosmovisão, Murphy chama nossa atenção, dizendo: “No sistema indígena, o aprendiz busca o conhecimento, por isso é necessário reconhecer que a imposição de conceitos dificilmente é acatada tranqüilamente por não deixá-lo exercer a capacidade de pensar e praticar o pensamento lógico, tirando suas próprias conclusões.”52 Resumindo, pode-se afirmar que é necessário considerar o modo em que os povos indígenas ensinam e aprendem. 3.2.4 Revisando o corpo docente O que se observa em relação ao corpo docente, como visto nos institutos bíblicos em apreço, é que em sua grande maioria são estrangeiros e brasileiros não-indígenas, havendo um número pequeno de professores indígenas. Esses docentes são geralmente graduados em teologia, alguns em pedagogia e ainda outros possuem Mestrado em Missiologia e Doutorado em Ministério. Constata-se também que esta realidade é refletida no material didático, que por sua vez refletirá a cosmovisão ocidental. Já tratamos acerca do conflito de cosmovisão entre o corpo discente e docente e, portanto, será considerado nesse item apenas a questão da formação de docentes indígenas. E uma pergunta que surge é: Porque, nessas quase três décadas de caminhada na educação teológica voltada para o preparo teológico de indígenas, não houve um preparo para docentes indígenas? Certamente, a resposta não é tão simples e a questão exige uma reflexão mais profunda. Contudo, serão apresentados pelo menos dois fatores percebidos como agravantes no preparo de indígenas para docência teológica. Antes, porém, vale dizer que é fato incontestável que a igreja emergente no contexto indígena precisa de líderes bem preparados, sejam eles ordenados ou não. Por outro lado, é 51 52 Davi EBEHART, Notas pessoais (citado com permissão). Isabel I. MURPHY, op. cit, p.59. 79 preciso reconhecer que ela necessita igualmente de teólogos “profissionais” que vão servir aos teólogos no contexto da igreja local, ajudando a refletir bíblica e teologicamente sobre a práxis eclesiástica e missiológica do povo de Deus no contexto indígena. Atualmente, em nossos Seminários e Faculdades Teológicas, aqueles que querem se dedicar ao ensino teológico e que querem fazer da reflexão teológica o fulcro do seu labor vão certamente se deparar com a falta de sustento tanto para obtenção do preparo adequado como para o sustento pessoal e familiar. Não é diferente quando se pensa na docência teológica indígena. Os grandes desafios continuam, dentre outros, nas áreas do sustento e da formação teológica adequada para o docente indígena. Não seria a formação de docentes indígenas um caminho para a quebra da hegemonia da teologia e eclesiologia ocidental e o início de uma caminhada no desenvolvimento de uma teologia mais contextual? 3.3 Sugestões para uma educação teológica relevante A educação teológica indígena precisa caminhar na direção da autoctonia, da mesma forma que a educação teológica no Brasil. E pensar em educação teológica autóctone, diz Longuini Neto, significa: “valorizar o contextual; incorporar os valores da nossa cultura; propor uma revisão no currículo; e, sobretudo rever as matérias teológicas que teriam uma relação direta com as expressões culturais do nosso povo (ou do povo indígena), como por exemplo, a liturgia.” (acréscimo meu)53 O que se pôde observar, ao fazer uma revisão dos principais componentes das instituições teológicas que constituem o universo desta pesquisa, é que tais componentes apontam para um modelo educacional tradicional, que se caracteriza, no caso da educação teológica, pela manutenção do status quo da teologia e da práxis eclesiástica dominante. Um currículo e conteúdos emprestados ou impostos (mesmo que involuntariamente) de fora, a ênfase na formação apenas de vocacionados, próprio de um paradigma clerical, e a ausência 53 Luiz Longuini NETO, Educação Teológica Contextualizada: Análise e Interpretação da Presença da ASTE no Brasil, p.126. 80 de um número maior de docentes indígenas não estariam contribuindo para manutenção da teologia e da estrutura eclesiástica ocidental? O objetivo central nesse tópico é buscar, na pedagogia freireana e na Teologia da Missão Integral, subsídios para uma educação teológica indígena relevante. Sendo assim, a seguir serão propostos alguns passos nessa direção. 3.3.1 Passo 1: Analisar o contexto sócio-cultural e histórico do(a) educando(a) O pressuposto deste primeiro passo é que o ser humano é um ser historicamente situado. Essa afirmação indica que o ser humano possui uma história real, concreta, uma história que é resultado de sua relação com o mundo, consigo mesmo e com os outros. E, ao longo da vida, o ser humano vai formulando respostas aos desafios que enfrenta e daí surge à cultura própria de cada povo. É da experiência de vida do(a) educando(a), no e com o mundo referido a fatos concretos que Freire propõe que se busque os elementos essenciais do processo de ensino-aprendizagem. Em outras palavras, é no contexto sócio-cultural e histórico do(a) educando(a) que encontramos subsídios para uma educação relevante. O contexto sócio-cultural e histórico de um determinado povo também é ponto central na Teologia da Missão Integral. Na busca por uma missão da igreja que seja bíblica e contextual, a Teologia da Missão Integral enfatiza a necessidade do evangelho se encarnar na cultura. E a encarnação como aproximação do outro, diz Samuel Escobar: “implica na valorização da língua e cultura do ‘outro’, [...].”54 Na prática, isso quer dizer que o(a) educador(a) deve desenvolver, a partir da convivência com os(as) educandos(as) no seu contexto concreto, uma investigação para conhecer a realidade desses(as) educandos(as) a fim de extrair os temas geradores e depois devolver de forma organiza, sistematizada, os elementos que o povo lhes entregou. 54 Samuel ESCOBAR, Desafios da Igreja na América Latina: história, estratégia e Teologia de missões, p.75. 81 Em relação às instituições teológicas dedicadas ao preparo de liderança evangélica indígena, seria uma análise dos vários aspectos culturais dos povos representados na instituição, focalizando a vida e a missão da igreja naquele contexto. Nessa análise, poderia-se detectar temas teológicos e outras questões que dizem respeito à práxis eclesiástica e ao cotidiano do(a) educando(a), que posteriormente seriam desenvolvidos sistematizados a eles. O propósito desta investigação é também ajudar o(a) educando(a) na análise de sua própria realidade à luz da reflexão bíblica e teológica. Possíveis contribuições da análise sócio-cultural e histórica são: • Possibilidade de conhecer a cosmovisão do(a) educando(a) e conseqüentemente de entender as dificuldades decorrentes do conflito de cosmovisões; • Possibilidade de respeitar o sistema de ensino-aprendizagem particular de cada povo; • Possibilidade de elaborar um programa educacional relevante para a igreja evangélica indígena; • Possibilidade de elaborar um material didático e uma proposta de currículo adequado à realidade indígena; • Possibilidade de refletir bíblica e teologicamente sobre temas pertinentes ao contexto indígena; • Possibilidade de valorizar a reflexão bíblica e teológica por parte dos irmãos e líderes evangélicos indígenas; • Possibilidade de contribuir para o desenvolvimento de uma teologia indígena; • Possibilidade de ensino-aprendizagem mútuo. Para isso é necessário: • Conhecimento na área de antropologia cultural e um treinamento transcultural; • Disponibilidade para pesquisa bibliográfica e de campo; 82 • Uma interação maior entre educadores e os missionários que trabalham com o grupo indígena; • Organizar e realizar consultas e seminários sobre educação teológica, antropologia e comunicação transcultural, os quais orientem para um trabalho contextualizado; • Buscar orientação com educadores, antropólogos e missiólogos sobre novos modelos, estratégias e metodologias para o trabalho; • Fazer uma auto-avaliação do programa desenvolvido. Os desafios são: • Superar as barreiras, geográficas, culturais, lingüísticas e financeiras; • Desenvolver novos modelos que valorizem o contexto; • Revisar a proposta pedagógica e a grade curricular; • Criar novas escolas teológicas que possam atender a outras regiões do país; • Ampliar a proposta para além de preparar vocacionados, incluir a formação de liderança leiga e a formação de professores(as) indígenas para docência teológica. 3.3.2 Passo 2: Desenvolver uma educação dialógica e problematizadora É possível afirmar que a crítica que Freire faz a educação “bancária”, marcada por um processo de ensino-aprendizagem que reduz o ato de conhecer, ou de saber, a nada mais que uma transferência de conhecimento do(a) professor(a) para o(a) aluno(a), aplica-se, igualmente, a um programa de educação teológica, com exceção de algumas instituições teológicas que desenvolvem um programa de ensino aprendizagem onde educadores(as) e educandos(as) são sujeitos na construção do conhecimento. O que acontece em algumas instituições teológicas, muitas vezes, é a apresentação de um programa educacional com posições impostas, fixas, invariáveis e dogmáticas, como aquele que pretende ser detentor único da verdade revelada por Deus aos homens. Essa 83 rigidez, no sentido de entender determinada posição teológica como superior a qualquer outra, pode inibir a capacidade criativa e crítica a ser desenvolvida no(a) educando(a) em relação ao seu contexto e em relação a vida e missão da igreja dentro deste mesmo contexto. Em relação ao desenvolvimento de uma consciência crítica nos(as) educandos(as), alvo de uma educação dialógica problematizadora, Carvalho faz a seguinte afirmação: “Esta consciência crítica é extremamente importante na inserção do crente (ou da igreja) no mundo como sal e luz do mundo (Mateus 5.13-16). (Acréscimo meu).”55 A educação dialógica problematizadora possui as seguintes características básicas: • Considera o diálogo como eixo central na relação educador(a) e educando(a), bem como em todo processo de ensino-aprendizagem; • Considera o diálogo como uma atitude de respeito, de abertura e de amor para com o outro; • Considera o(a) educando(a) como sujeito do ato educativo, capaz de pensar e raciocinar criticamente no processo de aquisição do conhecimento; • Considera importante a horizontalidade na relação educador(a) e educando(a); • Considera o ato de conhecer não como um ato discursivo e sim como uma construção conjunta entre educador(a) e educando(a); • Considera importante o caráter reflexivo e criativo de todos aqueles que estão envolvidos no ato educativo e, portanto, estimula o exame acurado das coisas e a ação fundada na realidade; • Considera relevante uma educação com o(a) educando(a) e não para o(a) educando(a); • Considera que o(a) educador(a) não é alguém de fora que elabora seus princípios e estratégias a serem aplicadas à realidade, mas aquele que empresta 55 Antonio Vieira de CARVALHO. Teologia da Educação Cristã, p.86. 84 seus sentidos, seus conhecimentos e instrumentos para colaboração na elaboração e sistematização do conhecimento. No que diz respeito às instituições voltadas ao ensino bíblico e teológico de líderes evangélicos indígenas, o desafio, na prática, consiste no seguinte: • Eliminar a contradição entre educador(a) como sujeito e educando(a) como objeto do ato educativo e conceber o(a) educando(a) também como sujeito no processo de construção do conhecimento; • Estabelecer um diálogo contínuo em lugar de manter um monólogo nos programas de educação teológica; • Desenvolver espaço propício para interações, debates e perguntas que estimulem a visão crítica e a criatividade de todos envolvidos no ato educativo, contribuindo para que a reflexão bíblica e teológica dos indígenas possa, sob a direção do Espírito Santo, ser contextual. Para isso, é necessário reconhecer a capacidade do(a) educando(a) e valorizar o conhecimento que ele(a) já adquiriu pela experiência sócio-cultural. 3.3.3 Passo 3: Conceber o(a) educando(a) como um ser integral O ponto de partida nesse item é a visão bíblica do ser humano como ser integral, evitando a sua fragmentação. Esta visão do(a) educando(a) como ser integral aponta para a necessidade de se pensar num preparo ou qualificação do líder que compreenda as diversas dimensões de sua vida. Dessa forma, se uma instituição teológica em seu programa focaliza apenas o desenvolvimento acadêmico ou intelectual do(a) educando(a) estará enfatizando apenas um aspecto de sua vida e seu preparo não será integral. Se o(a) educando(a) é um ser integral, não se pode enfatizar somente uma dimensão em detrimento das outras. 85 É necessário entender que não se deve enfatizar apenas um aspecto do indivíduo em seu preparo e sim desenvolver um programa que busque a formação integral do(a) aluno(a), propiciando o amadurecimento de vida do ponto de vista intelectual, social, espiritual, pessoal e afetivo. Na prática, o desafio é basicamente o seguinte: • Desenvolver um preparo que possibilite a(o) educando(a) um relacionamento saudável com Deus, com os outros e consigo mesmo(a); • Desenvolver no(a) educando(a) a capacidade de refletir e pensar bíblica e teologicamente; • Levar o(a) educando(a) a conhecer e desenvolver habilidades e dons que o Espírito Santo lhe deu para o exercício do ministério e para capacitação da igreja no cumprimento de sua missão no mundo. Em outras palavras, na prática o programa de educação teológica deve focalizar basicamente três áreas: espiritual, ministerial e intelectual. Para isso, é necessário: “rever todo projeto educacional da instituição, seja o estabelecimento dos objetivos educacionais, seja o planejamento da grade curricular, do conteúdo programático, do conteúdo das aulas, enfim, a didática adotada pelo professor, a visão do aluno etc.”56 3.3.4 Passo 4: Conceber a missão da igreja como integral Como vimos anteriormente, a educação teológica existe para servir a igreja. Sendo a missão da igreja holística ou integral, um programa de educação teológica que pretenda ser relevante deve considerar essa realidade. 56 Lourenço Stelio REGA, op. cit., p. 133. 86 Assim sendo, a filosofia da educação teológica, a proposta de grade curricular, o conteúdo programático das disciplinas e a práxis da instituição teológica devem ter uma orientação integral. Ou seja, tudo e todos na instituição devem apontar para esta visão. Afirmar que a missão da igreja é integral quer dizer que essa missão possui várias dimensões e não apenas uma como, por exemplo, a dimensão em relação ao mundo, expressa na evangelização. Ela tem pelo menos três dimensões, como vimos anteriormente: em relação a Deus, a si mesma e ao mundo. E isso aponta para uma diversidade de ministérios e atividades que são necessárias para que a igreja cresça e desenvolva sua missão de forma integral. Algumas das atividades contínuas na igreja local são: pregação, adoração, ensino, admoestação, aconselhamento, assistência social, disciplina, serviço, administração etc. Por esta razão, um programa educacional de uma instituição teológica deverá capacitar o(a) aluno(a) de maneira que atenda as necessidades da igreja local no cumprimento de sua missão. Cabe mencionar aqui as palavras de Brepohl, quando afirma: Essa formação deveria, no entanto, ser contextual e pertinente, conseqüência de uma prática ministerial e em resposta a inquietudes, e necessidades de formação percebidas nesse mesmo ministério. Deveria ser a busca de uma formação a partir de perguntas formuladas no calor do ministério, ou a busca de sistematização de uma experiência ministerial.57 Na prática, isso quer dizer que: • Deve haver uma maior interação entre a instituição teológica e a igreja local; • Deve haver um corpo docente preparado nas mais diversas áreas e que tenha, na medida do possível, experiência num ministério prático; • Deve haver uma proposta que contemple uma ampla variedade de cursos, como, por exemplo, cursos regulares, cursos seqüenciais, pós-graduação latu sensu, mestrado, doutorado etc. 57 Dieter BREPOHL, A missão da igreja e a formação de líderes, p.161. 87 Em relação às instituições teológicas que compreendem o universo desta pesquisa (os institutos bíblicos indígenas), é necessário que: • Os educadores ou educadoras desenvolvam uma interação com as igrejas nas aldeias para que percebam suas necessidades ministeriais; • Os dirigentes dessas instituições reforcem os cursos que já oferecem e estejam dispostos a ampliar sua oferta de acordo com os desafios pelos quais as igrejas emergentes vão passando. 3.3.5 Passo 5: Desenvolver uma educação centralizada no Reino de Deus Barro nos ensina muito sobre isso, quando declara: O seminário, como parte da igreja, caminha em direção à consumação dos séculos, quando o reino de Deus será plenamente implantado. O conhecimento desse fato nos dá coragem para não tornar absoluto aquilo que é apenas temporal, neste caso, a própria educação teológica. Deus não exclui os seminários de serem portadores dos sinais do reino em seu próprio contexto, ou seja, o espaço onde a educação acontece.58 Essa declaração aponta para a instituição teológica como portadora dos sinais do reino de Deus e, por esta razão, seu programa educacional deve expressar os princípios e valores deste reino. Uma de educação teológica, diz Barro: “Guiada pelos princípios do Reino de Deus deve ser centralizada ao redor da vida, ministério, morte e ressurreição de Cristo.”59 Essa afirmação chama atenção para que o programa educacional enfatize, por exemplo, o cuidado de Jesus com os pobres, os oprimidos, os marginalizado e os excluídos da sociedade. E, fazendo assim, a instituição estará instrumentalizando seus estudantes para quando a circunstância ou a situação exigir uma tomada de decisão em favor dos menos privilegiados da sociedade. Ao olhar o exemplo de Cristo, o que se percebe é um ministério que buscava restaurar o ser humano indistintamente, restaurando seu direito à dignidade. E a construção dessa 58 59 Antonio Carlos BARRO, op. cit., p. 171. Ibid, p.172. 88 dignidade está interrelacionada a outros valores do Reino de Deus, tais como: autonomia, fraternidade, solidariedade etc. A educação teológica, em alguns casos, principalmente quando se torna instrumento de manipulação, opressão e manutenção da hegemonia, acaba por violar o outro (próximo) em seus valores e em sua dignidade. Na prática, o desafio é: • Deixar que valores como dignidade, autonomia, tolerância, solidariedade e fraternidade possam permear a filosofia, grade curricular, conteúdo programático e toda prática da instituição teológica; • Evitar uma postura paternalista em relação aos povos indígenas representados no corpo discente, caso contrário, ao invés de adquirirem “certa” autonomia no que diz respeito a refletirem bíblica e teologicamente em relação a sua igreja e ao seu contexto, eles não se sentirão estimulados a uma reflexão própria. Para isso, é preciso: “estudar e compreender a teologia do reino, porém mais importante ainda é crer que os valores do reino de Deus devem ser os valores da nossa educação teológica [...].”60 60 Ibid, p.171. CONCLUSÃO Ao longo desta pesquisa, apresentamos um breve histórico de fundação dos Institutos Bíblicos Reverendo Felipe Landes e Cades Barnéia e do Centro de Treinamento Ami, bem como uma visão panorâmica dos principais componentes dessas escolas, como: objetivos iniciais, os currículos, o corpo discente e docente, entre outros. Assim, vimos que essas instituições de educação teológica, no que diz respeito aos objetivos iniciais, enfatizam a formação do vocacionado, objetivando que o mesmo possa atender as necessidades de sua igreja local. Nesse esforço, correm o risco de alimentar a distinção entre clero e laicato, como também a concepção individualista de ministério. Aqui apresentamos a necessidade de superar o paradigma ‘clerical’, adotando o paradigma ‘eclésio comunitário’. Quanto aos currículos, constatamos que o discurso oral ou escrito dos líderes dessas instituições expressa uma compreensão de currículo que está relacionada a: disciplina, conteúdo programático, carga horária, sala de aula. Observamos que esssas concepções foram transplantadas e adaptadas de outras instituições teológicas e estabelecidas por um grupo de pessoas que analisa e aprova ou encaminha para serem aprovadas por outros. Aqui, refletimos sobre algumas questões importantes, tais como: O que é currículo? O que ele abrange? O que está implícito e explicito nele? O que deve orientar um currículo e sua elaboração? E ainda destacamos as duas questões pertinentes a toda e qualquer teoria do currículo, que são: O que ensinar? E o que os(as) alunos(as) devem ser ou se tornar? Vimos também que o currículo, além de ser uma questão de conhecimento, é também uma questão de identidade e envolve uma relação de poder. E, finalmente, mostramos que o currículo não pode ser mera cópia estrangeira, inflexível e imutável, mas que deve se modificar à medida que muda a realidade em que a instituição teológica vive. 90 Em relação ao corpo discente, a pesquisa apontou para diversidade étnica que nos fez considerar algumas questões importantes. Assim, refletimos sobre o preparo formal realizado fora do contexto do(a) aluno(a), juntamente com suas implicações. A esse respeito, destacamos a questão do ensino ser realizado em língua portuguesa. Desta forma, é exigido do(a) candidato(a) um conhecimento deste idioma, no sentido de ler e escrever para, então, poder ingressar no curso bíblico. Tratamos também de duas conseqüências desta prática, que mereciam ser observadas. A primeira está relacionada à dificuldade de transmitir em sua língua materna os conceitos bíblicos e teológicos aprendidos em língua portuguesa; a segunda diz respeito a tendência que há, muitas vezes, de diminuir a importância da língua materna na espiritualidade e na vida da igreja. Outro aspecto que consideramos está relacionado ao conflito de cosmovisões, conseqüência natural da diversidade cultural do corpo discente entre si e deste com o docente. Consideramos principalmente a diferença de cosmovisão entre o corpo discente (basicamente sobrenaturalista) e o docente (ocidental), apontando algumas implicações. E no que diz respeito ao corpo docente, constatamos que em sua grande maioria é formado por estrangeiros e brasileiros não-indígenas e apenas uma parcela pequena de indígenas. Mencionei que uma das conseqüências desta realidade pode ser vista no material didático que reflete a cosmovisão ocidental. Levantamos a questão da necessidade de se formar docentes indígenas para o exercício da docência teológica nessas instituições. Reconhecemos, portanto, que os desafios para isso estão, dentre outros, relacionados com a falta de sustento para obtenção de um preparo adequado, como também para o sustento pessoal e familiar. Neste caso, entendemos que há uma necessidade de se estudar uma solução a curto, médio e longo prazo para esta questão. 91 Diante disso, buscamos subsídios para uma educação teológica indígena relevante num referencial teórico de dois focos: um a partir da pedagogia freireana e outro baseado na teologia da missão integral. Em Freire, mesmo que suas pressuposições ideológicas possam ser questionáveis, consideramos alguns aspectos fundamentais de sua pedagogia. Primeiro, vimos a importância do contexto como ponto de partida da educação. Aqui, a tese principal está relacionada à leitura do mundo antes da leitura da palavra. Segundo, refletimos sobre a questão do diálogo como eixo principal no espaço educativo, apontando para uma interação entre educador(a) e educando(a), necessária na construção do conhecimento. Terceiro, abordamos o aspecto da problematização como superação de uma educação ‘bancária’, como contribuição para o desenvolvimento de uma consciência crítica e como promotora da criatividade de todos os envolvidos no ato educativo. E em quarto e último lugar, tratamos do currículo como uma ação que deve ser conjunta e em contra posição ao currículo imposto. Na teologia da Missão Integral, destacamos o que consideramos alguns de seus principais pilares. Em primeiro lugar, consideramos a relevância do contexto, ponto central nesta teologia, destacando que uma educação teológica que pretenda ser relevante deverá apresentar respostas às questões do cotidiano das pessoas. Em segundo lugar, abordamos o aspecto da natureza do ser humano. Vimos que, biblicamente, o ser humano é um ser integral e apresentamos suas implicações no campo educacional. Em terceiro e último lugar, destacamos a relação igreja, reino e mundo. Se partirmos do pressuposto que a educação teológica existe para servir a igreja no cumprimento de sua missão, concluiremos ser de suma importância ter uma compreensão clara acerca da igreja, sua missão e sua abrangência. E isso afetará o programa educacional a ser desenvolvido. Assim, de acordo com o que constatamos ao longo da pesquisa em relação às instituições teológicas aqui consideradas, e com base no referencial teórico utilizado, 92 apresentamos algumas sugestões para uma educação teológica relevante. Essas sugestões foram apresentadas em formas de cinco passos, a fim de serem mais didáticas. Observamos no decorrer desta pesquisa a necessidade de estudos futuros que contribuam para uma descrição mais detalhada dessas instituições em relação aos aspectos aqui considerados e outros que não foram aqui abordados. Finalmente, concluo lembrando as palavras do Paul Hiebert em relação à formação de líderes: É mais fácil treinar seguidores que simplesmente acreditem no que dizemos e nos imitem. Uma vez que temos posição de honra, há pouca discordância. Mas seguidores são espiritualmente imaturos e quando vamos embora são facilmente desviados por qualquer falsa doutrina que apareça. É muito mais difícil treinar líderes porque devemos ensiná-los a pensar por si mesmos, a discordar de nós e a defender suas próprias convicções.1 1 Paul G. HIEBERT, op. cit, p. 217. BIBLIOGRAFIA ANDEROLA, Balduino Antonio. “Interdisciplinaridade na obra de Freire: uma pedagogia da simbiogênese e da solidariedade”. In.: STRECK, Danilo R. (org.). Paulo Freire: ética, utopia e educação. 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