Relato de Experiência CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA EM CIRURGIA CARDÍACA: UM CAMPO DE TRABALHO PARA O ENFERMEIRO CARDIOPULMONARY BYPASS IN CARDIAC SURGERY: A LABOR AREA FOR NURSES CIRCULACIÓN EXTRACORPÓREA EN CIRUGÍA CARDÍACA: UN CAMPO DE TRABAJO PARA EL ENFERMERO DIENSTMANN, Caroline; CAREGNATO Rita Catalina Aquino . RESUMO: O objetivo deste artigo é refletir sobre a função do perfusionista nas cirurgias cardíacas, desvelando um campo de trabalho para a enfermagem. Trata-se de um relato de experiência, com abordagem qualitativa, sobre a trajetória de perfusionista que atua em equipe de cirurgia cardíaca de um hospital de médio porte, localizado no Vale do Taquari, Rio Grande do Sul. Utilizou-se análise de conteúdo temática para identificar categorias e selecionar unidades de significados para discussão. Dividiu-se o relato em quatro categorias, denominadas: início da trajetória como perfusionista; sistematização da assistência do perfusionista; complicações mais frequentes da circulação extracorpórea; dificuldades e desafios. Vários profissionais da saúde podem atuar nesta área; entretanto, o enfermeiro possui todas as condições e conhecimentos necessários para exercer a função de perfusionista, visto que é o profissional que pode prestar assistência no pré, intra e pós-operatório, desenvolvendo visão holística do processo cirúrgico e beneficiando, desta forma, a assistência ao paciente. Palavras-chave: Cirurgia torácica. Circulação extracorpórea. Enfermagem. ABSTRACT: The objective of this paper is to discuss the role of the perfusionist in cardiac surgery, revealing a niche of work for nursing. It is an experience report, with a qualitative approach, on the trajectory of perfusionist who works in a cardiac surgery team in a medium-sized hospital located in Taquari Valley, Rio Grande do Sul. Thematic content analysis was used to identify categories and select units of meaning for discussion. The report was divided into four categories, called: early career as a perfusionist; systematization of the assistance of a perfusionist; most frequent complications of cardiopulmonary bypass; difficulties and challenges. Various health professionals can act in this field; however, the nurse has all the condition and knowledge necessary to function as a perfusionist, since it is the professional who can assist in pre, intra and post-surgery, developing a holistic view of the surgical process, benefiting patient care. Key words: Thoracic surgery; Extracorporeal circulation; Nursing. RESUMEN: El objetivo de este artículo es reflexionar sobre el papel de la perfusionista en las cirugías cardíacas, revelando un campo de trabajo para la enfermería. Se trata de un relato de experiencia, con enfoque cualitativo, sobre la trayectoria de perfusionista que actúa en grupo de cirugía cardíaca de un hospital de medio porte, localizado en Vale do Taquari, Rio Grande do Sul. Se realizó análisis de contenido temático para identificar categorías y seleccionar unidades de significados para la discusión. Se dividió el Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 35-43. 35 relato en cuatro categorías, denominadas: inicio de la trayectoria como perfusionista; sistematización de la asistencia del perfusionista; complicaciones más frecuentes de la circulación extracorpórea; dificultades y desafíos. Varios profesionales de la salud pueden actuar en esta área; sin embargo, el enfermero posee todas las condiciones y conocimientos necesarios para ejercer la función de perfusionista, una vez que es el profesional que puede prestar asistencia en el pre, intra y pos-operatorio, desarrollando visión holística del proceso quirúrgico, beneficiando la asistencia al paciente. Palabras clave: Cirugía torácica; Circulación extracorpórea; Enfermería. INTRODUÇÃO O surgimento da cirurgia cardíaca, juntamente com a Circulação Extracorpórea (CEC), foi um grande avanço na história da saúde, pois permitiu a manipulação direta do coração, possibilitando a cura de várias patologias cardíacas, até então consideradas incuráveis1-2. No Brasil, um dos pioneiros destas pesquisas foi o Professor Hugo João Felipozzi, responsável pela primeira máquina de CEC e pela realização das primeiras cirurgias cardíacas, efetuando, em outubro de 1955, a primeira operação aberta com uso de CEC1-3. A cirurgia cardíaca caracteriza-se pela atuação de uma equipe numerosa e multidisciplinar; entretanto, o trio que influencia diretamente no resultado da cirurgia é o cirurgião, o anestesista e o perfusionista4. Deve existir um entrosamento constante entre estes profissionais, com a participação do perfusionista na segurança do paciente, permanecendo em constante atenção e fazendo uma monitorização consciente, de modo a evitar falhas. Caso contrário, deverá estar apto a resolvê-las de forma rápida e segura, preservando a vida do paciente. Todos envolvidos no procedimento são responsáveis, mas a atuação 36 Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 35-43. do perfusionista é de grande responsabilidade4. A profissão de perfusionista ainda não é regulamentada e não existe um órgão regulador como Conselho Federal ou Estadual. Entretanto, há um Projeto de Lei nº 1.587, de 2007, que propõe a regulamentação do exercício da profissão do perfusionista5. Atualmente, a Sociedade Brasileira de Circulação Extracorpórea (SBCEC) representa os perfusionistas na luta pela regulamentação do exercício profissional, e recomenda que apenas profissionais graduados tenham acesso a treinamentos para a referida profissão, por possuírem preparo científico qualificado6. Portanto, para iniciar a atuar nesta área, o pré-requisito essencial é ter conhecimento na área de ciências biológicas e da saúde6. A cirurgia cardíaca, assim como as demais, é dividida em três períodos: pré-operatório imediato, que compreende as 24 horas antes do procedimento anestésico-cirúrgico; transoperatório, desde o momento da entrada do paciente no Centro Cirúrgico até a saída da sala de operações; e pós-operatório, que se estende da recuperação anestésica à alta hospitalar7. É no período transoperatório que o perfusionista desempenha sua função. O período intraoperatório (que se estende do início ao final do procedimento anestésico-cirúrgico) de um paciente submetido a uma cirurgia cardíaca é considerado o mais crítico, por exigir uma complexidade de cuidados e por ocorrer variações nas condições de saúde a cada minuto, sendo necessária, portanto, experiência profissional de todos envolvidos8-10. A enfermagem desempenha um papel importante na assistência transoperatória, com seu domínio técnico e científico, exercendo funções de cuidado, visando o bem-estar físico e mental, interagindo com o paciente e a equipe, assegurando confiabilidade, credibilidade dos atos e ações direcionados ao atendimento qualificado ao paciente10. Os cuidados necessários aos pacientes submetidos a cirurgias cardíacas devem ser planejados pela enfermagem, visto que este tipo de paciente apresenta vários diagnósticos de enfermagem que irão influenciar diretamente o pós-operatório11, tais como: risco para infecção; risco para desequilíbrio no volume de líquidos; risco de aspiração; proteção alterada relacionada a terapias com drogas da CEC; troca de gases ineficaz; risco de alteração da temperatura corporal; risco de disfunção neurovascular periférica; e integridade da pele e tissular prejudicada pelo posicionamento e pelo procedimento8-9. A enfermagem, identificando com habilidade os problemas do paciente, pode elaborar e planejar um cuidado individualizado, qualificado ao paciente para o período transoperatório8-9. O interesse em desenvolver um estudo com enfoque no perfusionista de CEC nas cirurgias cardíacas surgiu pela experiência da primeira autora em atuar nesta área como perfusionista. Percebe-se a existência de um campo de trabalho vasto no mercado para o perfusionista; contudo, verifica-se escassez de referencial e trabalhos desenvolvidos pela enfermagem nesta área. MÉTODO Trata-se de um relato de experiência, com abordagem qualitativa, sobre a trajetória de uma perfusionista que atua em uma equipe de cirurgia cardíaca, de um hospital de médio porte, com 193 leitos, localizado no Vale do Taquari, interior do Rio Grande do Sul. O Centro Cirúrgico (CC) deste hospital tem oito salas operatórias, sendo duas destinadas à realização de cirurgias cardíacas e uma para hemodinâmica. Realizam-se, em média, cinco cirurgias cardíacas por semana, tendo sido realizadas aproximadamente 1.920 cirurgias desde o início do serviço, no ano 2000. Neste hospital existe apenas uma equipe de cirurgia cardíaca, composta por quatro cirurgiões cardiovasculares, três anestesistas, quatro instrumentadores cirúrgicos, quatro circulantes de sala (todos técnicos de enfermagem) e dois perfusionistas. Este quantitativo de pessoal permite trabalhar em esquema de rodízio, sendo esta equipe fechada, não aceitando outros profissionais fora deste grupo. Diante do cenário apresentado, selecionaram-se alguns questionamentos para nortear este estudo: a) Qual é a importância da atuação do perfusionista na CEC nas cirurgias cardíacas? b) Quais são as atribuições do perfusionista? c) Qual é a capacitação necessária para atuar como perfusionista? d) Qual é o profissional da saúde habilitado para exercer a função de perfusionista? Apresenta-se o relato de experiência dividido em quatro categorias, assim denominadas: Início da trajetória como perfusionista: Sistematização da assistência do perfusionista; Intercorrências mais frequentes da CEC e Dificuldades e desafios. O tratamento das categorias fundamentou-se na análise de conteúdo de Bardin, identificando-se as unidades de significados importantes para descrever as responsabilidades, as atribuições, as dificuldades e as experiências vivenciadas pela perfusionista, que atua na equipe há oito anos, permitindo fazer uma reflexão entre a prática e a teoria desta temática. OBJETIVO RELATO DE EXPERIÊNCIA Este artigo tem como objetivo refletir sobre o papel do perfusionista nas cirurgias cardíacas, desvelando um campo de atuação para a enfermagem. Início da trajetória como perfusionista O convite para a primeira pesquisadora entrar na Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 35-43. 37 equipe de cirurgias cardíacas ocorreu em março de 2004, e concomitante emergiram muitas dúvidas, pois a mesma atuava como técnica de enfermagem, desconhecendo o que era circulação extracorpórea (CEC) e o papel do perfusionista; entretanto, o convite foi aceito, após entender do que se tratava. Já na primeira cirurgia cardíaca e primeira montagem da máquina de CEC assistida, foi possível perceber o quanto era complexo, exigindo muita informação, estudo e empenho. A capacitação desta pesquisadora ocorreu no período de dois meses e meio, até a mesma iniciar a perfusão sozinha. O treinamento prático realizou-se de segunda a quarta-feira, em um hospital de ensino de Porto Alegre (RS), com a perfusionista que atuava nesta instituição, e às quintas e sextas–feiras, acompanhada por uma perfusionista do hospital onde iria atuar. Ao começar a conduzir a máquina de CEC, a pesquisadora conhecia todo o funcionamento; entretanto, a cada perfusão realizada, ela percebia a necessidade de maior aperfeiçoamento e de aprofundar os conhecimentos. Portanto, era necessário estudar, pois percebeu-se não bastar apenas saber conduzir a máquina de CEC; era necessário dominar conhecimentos específicos em relação à anatomia e fisiologia humana, interpretar uma gasometria, para poder executar a perfusão com total segurança, por ter a vida do paciente nas mãos. Foi a partir deste momento que a mesma decidiu iniciar o curso de graduação em enfermagem. Sistematização da Assistência do Perfusionista Para conduzir uma perfusão com segurança, é necessária uma programação detalhada, a fim de evitar erros. Inicialmente as máquinas devem estar em perfeito funcionamento; por isso, elas devem 38 Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 35-43. ser testadas durante a semana, nos dias que não há cirurgias; os materiais também devem ser controlados, se foram repostos pela empresa de forma correta, conferir prazos de validade, verificando se tudo está correto. Para planejar uma perfusão, segue-se uma sistemática de assistência: a) conversar com o paciente, quando este chega à sala cirúrgica, para obter todas as informações necessárias, como peso, altura, idade, realizar os cálculos de fluxos de sangue, como também definir a composição e o volume de líquidos do circuito, e definir o oxigenador a ser usado; b) revisar se todos os exames estão no prontuário; checar os resultados e, caso seja identificada alguma alteração significativa, comunicar ao anestesiologista; e c) identificar, no prontuário, se o paciente é diabético, se tem algum problema renal, pois estas comorbidades influenciarão no planejamento da CEC. Após ter certeza que o paciente tem condições de se submeter à cirurgia e que todos os materiais necessários estão disponíveis, inicia-se a montagem da máquina, diluindo as medicações previamente combinadas com o anestesiologista e o cirurgião, bem como se realizam todos os cálculos necessários para condução da CEC, iniciando-se a cirurgia. Após ligar os circuitos da máquina no coração do paciente, inicia-se a CEC, controlando-se, por meio dos fluxos sanguíneos, as pressões arterial e venosa, induzindo à hipotermia determinada pelo cirurgião, administrando medicações pré-estabelecidas pelo anestesiologista; prepara-se e administra-se a solução de cardioplegia, para proteção do miocárdio; realiza-se coleta de sangue para fazer controle de gasometria, hematócrito, hemoglobina, sódio, potássio, controle de níveis de anticoagulacão, permitindo, assim, realizar as correções necessárias. Durante a CEC, é preenchida uma ficha de perfusão, onde se registra todos os controles realizados, bem como todos os dados do paciente. Quando a cirurgia enca- minha-se para o final, o paciente é reaquecido, após restabelecer as funções do coração e dos pulmões, e encerra-se a CEC. Complicações mais frequentes da CEC metimento e estudo foi possível alcançar os objetivos traçados. A CEC exige constante aprimoramento, pois sempre estão surgindo novas técnicas e novas máquinas. Portanto, os desafios são constantes na trajetória de um perfusionista. São várias as complicações que podem ocorrer durante a CEC. As mais comuns relacionam-se à falta de volemia do paciente, implicando na reposição de líquidos durante a CEC e, dependendo dos exames, há necessidade de reposição com sangue, conforme decisão do anestesista. Esse tipo de problema demanda atenção redobrada, visto que se deve cuidar para não deixar entrar ar no circuito. DISCUSSÃO Outra variação que pode existir está relacionada à oxigenação do paciente, controlada por meio de gasometrias. Caso existam alterações respiratórias ou metabólicas, as correções necessárias devem ser efetuadas rapidamente. A CEC consiste em um sistema de máquinas, aparelhos e circuitos ligados ao coração do paciente para substituir as funções do coração e do pulmão, denominando-se na prática “máquina coração-pulmão”12. Muitas vezes acontecem problemas no funcionamento das máquinas ou até mesmo no circuito da CEC. Nestes casos, as decisões devem ser rápidas e eficazes, pois podem implicar na vida do paciente. Por este motivo, toda equipe deve ter interação constante e entrosamento, para quando ocorrerem situações que exijam decisões rápidas, os membros consigam resolver em conjunto e com sucesso. Dificuldades e desafios As dificuldades surgiram quando a pesquisadora iniciou sozinha a perfusão, percebendo a necessidade de aprimorar e aprofundar seus conhecimentos; foi este o impulso que a conduziu à realização do curso de graduação em enfermagem. A cada semestre que cursava na faculdade, cada treinamento e congresso que participava, foi aprimorando o conhecimento e adquirindo maior segurança. Foi um grande desafio, mas com bastante compro- Na categoria denominada “Início da trajetória como perfusionista”, se destacam para discussão as unidades de significados: o que é CEC; montagem da máquina de CEC; funcionamento da CEC; papel do perfusionista; capacitação, aperfeiçoamento e conhecimento. Esta também preserva a integralidade celular, a estrutura, a função e o metabolismo dos órgãos e sistemas do paciente1,12-13. É utilizada principalmente em cirurgias cardíacas, na correção de inúmeras lesões e de grandes vasos torácicos, como, por exemplo, em correções intra-atriais, intraventriculares, trocas ou plastias de válvulas, revascularização do miocárdio e aneurismas; contudo, alguns procedimentos cardíacos não utilizam CEC, como nos casos de coaptação de aorta1. Além das cirurgias cardíacas, a CEC pode ser utilizada em outras áreas cirúrgicas, como em neurocirurgias, em cirurgias de tumores renais, em tumores de traqueia, em transplantes de fígado e, em países de extremo frio, utiliza-se para o reaquecimento lento, dando suporte circulatório aos pacientes com hipotermia severa1. Na CEC, colocam-se cânulas nas veias cavas superior e inferior do paciente, sendo o sangue venoso desviado do átrio direito para um reservatório de cardiotomia, onde o sangue passa por circuitos para ser oxigenado e filtrado; após, o sangue arterializado é bombeado de volta ao paciente, através de um sisRev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 35-43. 39 tema arterial, geralmente na aorta ascendente1,12-14. Para a propulsão extracorpórea do sangue, usam-se bombas propulsoras de roletes ou bombas centrífugas, responsáveis por movimentar o sangue através de todo o circuito. A bomba rolete gera um fluxo linear, não pulsátil, com a desvantagem de exercer uma pressão negativa elevada. Por esse motivo, a calibração é de suma importância, pois pode ocorrer hemólise15-16. Nas cirurgias de longa duração, geralmente utiliza-se a bomba centrífuga, onde o fluxo gerado também é linear, não pulsátil e a “ação de propulsão do sangue é realizada pela adição de energia cinética produzida pelos giros de um elemento rotor”1, causando menos hemólise. Ambas as bombas são utilizadas com freqüência, sendo que a opção é de escolha da equipe, segundo a disponibilidade e a experiência do perfusionista1,14-16. “As trocas gasosas no sangue ocorrem na CEC nos oxigenadores”1. Há no circuito as bombas aspiradoras, que coletam perdas sanguíneas no campo operatório e também um permutador de calor, mantendo a temperatura dos pacientes nos níveis determinados pela equipe cirúrgica. Geralmente, durante o procedimento, se induz o paciente a uma hipotermia forçada, com o objetivo de reduzir as reações químicas do metabolismo e, com isso, diminuir as necessidades de oxigênio pelo organismo17. O perfusionista é um profissional que faz parte da equipe da cirurgia cardíaca, geralmente selecionado pelo cirurgião chefe da equipe, e deve ter “pré-requisitos definidos nas áreas das ciências biológicas e da saúde”1. Este é responsável em planejar e conduzir os procedimentos de CEC; por isso, deve ter conhecimentos sobre anatomia e fisiologia circulatória, respiratória, neurológica, renal e sanguínea2. É de suma importância que o perfusionista tenha clara a anatomia e a fisiologia do coração, para poder conduzir a CEC com segurança. O enfermeiro, com sua formação, tem plenas condições para executar 40 Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 35-43. a CEC. O conhecimento é fundamental, devendo o profissional estar em constante aperfeiçoamento; isto porque, quanto mais qualificado e atualizado, melhor será o desempenho no planejamento, na execução e na avaliação das funções exigidas pela profissão18. Na categoria denominada “Sistematização da Assistência do Perfusionista” as unidades de significados selecionadas para discussão foram: perfusão com segurança; sistemática da perfusão; e controles. Para realizar uma perfusão com segurança, o perfusionista deverá seguir a sistemática da perfusão, que envolve os passos apresentados no Quadro 1. É de suma importância para desenvolver uma perfusão segura, realizar os controles de fluxos sanguíneos, de oxigenação e de temperatura1-2. Durante a CEC, o perfusionista, juntamente com o anestesiologista, deve fazer o controle do tempo de coagulação, pois durante a cirurgia utiliza-se anticoagulante (heparina), porque o sangue entra em contato com diversas matérias que, embora biocompatíveis, estimulam a coagulação1. Entretanto, no final do procedimento, a heparina é neutralizada com a protamina8,14. Durante a cirurgia, utilizam-se dois métodos para impedir lesões do miocárdio1, a hipotermia e as soluções cardioplégicas, ricas em potássio, injetadas na circulação coronariana, levando à parada total do coração, sem consumo de energia8. Durante a cirurgia, é fundamental proteger o miocárdio contra injúria isquêmica, para que ocorra imediata recuperação funcional do coração1. Na categoria denominada “Complicações mais frequentes”, discutem-se as complicações. São várias as complicações que podem ocorrer nos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com uso de CEC, podendo ser relacionadas ao manuseio anestésico, à cirurgia ou à própria CEC; devido à Quadro 1. Etapas da Sistematização da Assistência do Perfusionista. 1. Coordenar e administrar as atividades do serviço de CEC1-2. 8. Executar a circulação do sangue e sua oxigenação extracorpórea, sob o comando do cirurgião1. 2. Examinar e testar os componentes da máquina 9. Monitorizar pressões arteriais e venosas, diurese, e controlar sua manutenção preventiva e corretiva, tensão dos gases sanguíneos, hematócrito, nível de anticoagulação e promover as correções conservando-a em condições de uso1-2. necessárias1-2. 3. Planejar a montagem da máquina de CEC1-2. 10. Induzir o grau de hipotermia sistêmica determinado pelo cirurgião, para preservação metabólica do sistema nervoso central e demais sistemas orgânicos1-2,19. 4. Coletar informações no prontuário do paciente1- 11. Administrar medicamentos necessários ao 2 . paciente no circuito extracorpóreo, solicitados pelo cirurgião ou pelo anestesiologista1. 5. Verificar a existência de doenças ou condições 12. Preparar e administrar as soluções destinadas à que possam interferir na execução, ou requerer proteção do miocárdio1. cuidados especiais para a condução da CEC1. 6. Obter dados do paciente (idade, peso, altura e superfície corpórea) para cálculo dos fluxos de sangue, gases, composição e volume dos líquidos do circuito1-2. 13. Encerrar o procedimento, retornando a ventilação ao anestesista, após o coração reassumir as suas funções, mantendo a volemia do paciente e as condições hemodinâmicas necessárias ao bom funcionamento cardiorrespiratório1. 7. Obter do anestesiologista os parâmetros hemodinâmicos do paciente, desde a indução anestésica, para a sua manutenção durante a perfusão1. Fonte: Souza, Elias1; Braile2; Zerbini, et al19. inter-relação de vários fatores contribuintes para aparecimento da complicação, torna-se difícil relacioná-la ao procedimento específico, entre todos os envolvidos1. As complicações mais frequentes são: hemorragias, baixo débito cardíaco, disfunções respiratórias, disfunções renais, alterações neurológicas e infecções, sendo as duas últimas constatadas no pós-operatório14,19. Na categoria “Dificuldades e desafios”, as unidades de significado foram: comprometimento e constante aprimoramento. Deve haver entre todos envolvidos da equipe, comprometimento e entrosamento, pois estes influenciarão diretamente no andamento da cirurgia, alcançando o resultado esperado, com sucesso1-2,10. As mudanças ocorrem constantemente na área da saúde; por este motivo, o aperfeiçoamento profis- Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 35-43. 41 sional deve ser contínuo, por meio de treinamentos, cursos, palestras, simpósios e congressos, de modo a garantir qualidade no serviço prestado1-2,18. CONSIDERAÇOES FINAIS Este relato de experiência permitiu fazer uma reflexão sobre a atuação do perfusionista nas cirurgias cardíacas, desvelando um campo de atuação ainda pouco explorado para a enfermagem. Assim como ocorreu neste relato, muitos serviços de cirurgias cardíacas no Brasil trabalham com profissionais de nível técnico; entretanto, acredita-se que este seja o momento de conscientizar os profissionais de enfermagem, uma vez que o Projeto Lei existente, ainda aguardando aprovação, determina que a CEC seja executada exclusivamente por profissionais de nível superior, visto ser um procedimento complexo, que exige conhecimento e qualificação específicos. Sabe-se que existem várias profissões da saúde que podem atuar nesta área; entretanto, acredita-se que o enfermeiro seja o profissional que possui todas as condições e os conhecimentos necessários, na sua grade curricular, para exercer a função de perfusionista, uma vez que este pode prestar assistência nos períodos pré, intra e pós-operatório, desenvolvendo uma visão holística de todo o processo cirúrgico. Com a demanda crescente de profissionais enfermeiros entrando no mercado de trabalho, é necessário vislumbrar e conquistar novos campos de trabalho, onde estes possam demonstrar sua capacidade e competência, ocupando espaços até então não exclusivos. REFERÊNCIAS 1. Souza MHL, Elias DO. Fundamentos da circulação extracorpórea. 2ª ed. Rio de Janeiro: Alfa Rio; 2006. 42 Rev. SOBECC, São Paulo. jan./mar. 2013; 18(1): 35-43. 2. Braile DM. Circulação extracorpórea. Rev Bras Cir Cardiovasc [Internet]. 2010 [citado 2011 mai 22];25(4). 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