GRAMISCI - PARA UMA POLITIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO.
Cristiano Apolucena Cabral ∗
Iaweh disse: ‘Eu vi, Eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu
clamor por causa dos seus opressores; pois Eu conheço as suas angústias. Por isto
desci para libertá-los... E para fazê-lo subir daquela terra a uma terra boa e vasta,
terra que mana leite e mel... Vai pois, e Eu te enviarei ao faraó para fazer sair o meu
povo (EXÔDO, 3, 7-8.10).
Resumo: A partir de uma divisão do trabalho alienante e produtora de
conseqüências desagregadoras na consciência e pensamento humanos é preciso pensar uma
educação que supere esta condição lógica do capitalismo. Além disso, é preciso,
concomitantemente, superar a educação neoliberal que somente institucionaliza esta mesma
condição. Como proposta de superação desta educação e condição sócio-político-econômica
utilizou-se o pensamento de Gramsci como princípio norteador para uma premissa da total
emancipação do humano.
Palavras-chaves: Divisão do trabalho, educação, neoliberalismo, capitalismo,
emancipação.
Abstract: From an alienating division of labor and producing disruptive
consequences on human consciousness and thought is to think an education that exceeds this
condition logic of capitalism. Moreover, we must simultaneously overcome the liberal
education that only institutionalizes the same condition. As a proposal for overcoming this
education and socio-political and economic used the thought of Gramsci as a guiding
principle for an assumption of full emancipation of the human.
Key words: Division of labor, education, neoliberalism, capitalism, emancipation.
INTRODUÇÃO.
Em uma realidade que os princípios condicionante e condicionado das situações e
circunstâncias sociais estão nas forças e processo produtivos - ou seja, no trabalho - que é
necessário se pensar em uma emancipação holística pela educação; mas não em uma educação
somente institucionalizada e sim em uma que escape destes muros que se amplie a toda a
sociedade. É a partir desta condição inerente à humanidade de transformação da natureza e de
si mesmo que a realidade social é formada; e dentro desta realidade está o processo
educacional.
∗
Graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Goiás – UCG; Especialista em Sociologia e
Educação pelo Instituto Aphonsiano de Ensino Superior. [email protected]
A preocupação parte da compreensão de que o capital aprisiona o processo
histórico ao seu imperativo: produção de mais-valia/lucro. E colocam as pessoas, as
instituições, a cultura, as estruturas e todos os valores e desejos humanos aos seus ditames,
aos seus serviços.
1 - DIVISÃO DO TRABALHO, ALIENAÇÃO E FORMAÇÃO DA
CONSCIÊNCIA.
O trabalho torna-se vital à vida desde o seu princípio. É nesta condição humana de
transformação na natureza que o homem e a mulher produzem valores de uso necessários à
continuidade da vida: produzem sua subsistência. E concomitantemente produzem novas
necessidades materiais e ‘espirituais’ transformando a si mesmo quanto humano, formando-se
humano.
Contudo, no modo de produção capitalista o trabalho se macula. Por que, com a
divisão do trabalho - em atividade intelectual e material; campo e cidade, e os diversos tipos
de trabalho na fábrica e na sociedade - impõe em conseqüência a divisão na sociedade entre
aqueles que têm o gozo e os que trabalham; os que produzem e os que consomem; dividindo a
sociedade em ‘castas’.
É desta divisão que constitui o humano em sua totalidade objetiva e subjetiva:
como força produtiva, status social e consciência. E nesta condição levantada acima sobre a
divisão do trabalho a objetividade e subjetividade humana entram em conflito. Pois, a
condição material humana formula a sua condição espiritual, como afirmava Marx: “o modo
de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não
é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que
determina a sua consciência” (MARX & ENGELS, 2001, P. 20).
As potências intelectuais produzidas na atividade põem-se à possibilidade de
criação de potências intelectuais humanizantes e emancipadoras. Exemplo é o trabalho
manufatureiro e desprendido de conhecimento da totalidade da produção, o qual brutaliza e
atrofia o ‘espírito’ humano.
Até mesmo o ideólogo burguês Adam Smith percebeu o efeito desumanizante da
divisão do trabalho, quando disse “um homem que despende toda sua vida na execução de
algumas operações simples... não tem oportunidade de exercitar sua inteligência... Geralmente
ele se torna estúpido e ignorante quando se pode tornar uma criatura humana” (Apud MARX
& ENGELS, 1983, p.22-23).
Outro efeito produzido pela forma capitalista de produção, o qual tem sua causa
na divisão do trabalho e na existência da propriedade privada, é o estranhamento do
trabalhador quanto força produtiva.
Este estranhamento ou alienação domina o trabalhador, subjugando à coisa, ao
empregador, ao capital. Pois, o trabalhador não se reconhece no trabalho e nem no seu
produto; nada o pertence: nem o seu desejo, nem o seu sonho, nem seus meios de produção e,
finalmente, nem a sua vida. Um poder externo impera sobre tudo que diz respeito ao
trabalhador – (uma “mão invisível”?).
Isto acontece porque há uma divisão entre aqueles que possuem somente a força
produtiva para sobreviver e aqueles que possuem os meios de produção. Um possui a
atividade quanto outro possui o produto. E desta condição sócio-político-econômico se produz
outro efeito na consciência humana: um objeto só é da pessoa quando ele a possui; um objeto
só existe para a pessoa quando ela a possui. Assim, o Ser se confunde com o Ter: eu sou
porque tenho, eu não sou porque não tenho: habuo ergo sum ∗ . Assim, superando (ou
rebaixando) ao penso logo existo de Descartes.
E por uns não possuir os meios de produção, tem que se vender ou se alugar:
tornar-se mercadoria, para sobreviver neste sistema desumano. E ao se vender torna-se
máquina e descartável ao empregador. Quando este o compra, impõe-lhe um preço que não
está nem abaixo nem acima para a subsistência. O trabalhador receberá o exato para não
morrer de fome e concomitantemente para não viver tão bem.
Agora, posto a situação, deve-se refletir sobre uma educação que reflita o sujeito
inserido nesta realidade. Em que pense primeiramente na superação da propriedade privada,
pois marginalizá-la da prioridade ou é ignorância ou ingenuidade, por que anulando a sua
existência emancipará plenamente ‘todos os sentido e qualidade humanos’ que neste modelo
de produção foram reificados, desumanizados.
Esta superação e, posteriormente, do modelo de divisão do trabalho exposto acima
são as condições da emancipação. Nesta, o reconhecimento humano se efetivará nele mesmo,
na interação, e com a coisa produzida. Pois, “somente quando o objeto é para o homem objeto
∗
Tenho, logo existo.
humano, o homem objetivo deixa o homem se perder em seu objeto. Isto somente é possível
quando o objeto se converte para ele, neste objeto, em ser” (MARX & ENGELS, 1983, p.34).
Mas, como se poderá educar o homem e a mulher se estes estão sob uma
educação, tipo a bancária, teorizada por Paulo Freire? A qual “implica uma espécie de
anestesia, inibindo o poder criador dos educandos, a educação problematizadora, de caráter
autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento da realidade” (FREIRE,
2007, p.80).
Esta situação de ‘anestesia’ não é como afirma alguns uma exceção à regra de
dominação do capitalismo, mas a sua confirmação. Pois esta educação é “fixista, imobilista,
terminam por desconhecer os homens como seres históricos” (FREIRE, 2007, p. 83). Assim,
descontextualiza e mitificando a opressão, a marginalização, ou melhor, toda a conjuntura de
coisificação e desumanização da consciência do homem e da mulher; em que
o trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a
sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria
tanto mais barata, quanto mais número de bens produz. Com a valorização do
mundo das coisas, aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos
homens (MARX, 2001, p.111).
É assim que o espírito do comércio se realiza no mundo: fragmentando o homem
quanto consciência e ser social consigo mesmo e na sua relação com o Outro e com a
natureza. Tornando o homem e a mulher em seres autômatos, sem liberdade, condicionados
aos imperativos do império capitalista.
Império este cuja ação é totalizadora nas diversas realidades do mundo, se
estendendo até a estrutura educacional institucional. Criando uma crise nesta instituição e
camuflando a causa da crise para que todos pensem que esta causa se reduz somente à
instituição. Mas é uma
crise estrutural de todo o sistema de interiorização capitalista. Essa interiorização
não pode ocorrer sem o efeito combinado de várias formas de ‘falsa consciência’,
que representam as relações sociais alienadas de produção de mercadoria como
expressão direta, ‘natural’ dos objetivos e desejos dos indivíduos (MESZAROS,
2006, p.273).
Então, quando se pensa em transformar a consciência humana a partir da
educação, tem-se que pensar em uma educação prática: uma práxis educacional. E que não se
reduza à instituição, pois a instituição é somente um ‘infraestrutura’ do modelo econômico.
Assim, torna-se digno de exposição o texto emblemático de Marx e Engels:
a doutrina materialista que pretende que os homens sejam produtos das
circunstâncias e da educação, e que, consequentemente, homens transformados
sejam produtos de outras circunstâncias e de uma educação modificada, esquece que
são precisamente os homens que transformam os homens que transformam as
circunstâncias e o que o próprio educador precisa ser educado. É por isso que ele
tende inevitavelmente a dividir a sociedade em duas partes, uma das quais está
acima da sociedade em duas partes....
A coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana ou
automudança só pode ser considerada e compreendida racionalmente como práxis
revolucionária (MARX &ENGELS, 2001, p.100).
Esta práxis educacional tem que superar as dicotomias ‘naturais’ das instituições
ideológicas da educação elaborada sob os imperativos do capital.
2 - A EDUCAÇÃO NO NEOLIBERALISMO.
Diante algumas crises do capitalismo, as quais são inerentes ao seu próprio
antagonismo estrutural, houve duas grandes guerras, mudanças no papel objetivo do Estado
em relação ao Mercado e, principalmente, mudanças no plano ideológico daqueles que
buscam transformações a tal estrutura.
Contudo, com o neoliberalismo e a precarização das condições daqueles que
vivem do trabalho (perca de direitos, terceirização, desemprego estrutural, etc) e por fim com
a globalização ( = mundialização do capital) foi preciso fazer uma divisão mundial do
trabalho para responder à crise da produção.
É mais ou menos neste período e nestas condições que o Banco Mundial busca, a
partir da educação, responder à crise do capital mundial e, concomitante, tentar anular as
possibilidades de revoluções gerenciadas pela força-que-vive-do-trabalho.
O Banco Mundial percebeu que a educação nos países subalternos e por isto
subdesenvolvidos é uma questão de segurança tanto para os países desenvolvidos e
exploradores quanto para a reprodução do capital e ideológica nacional.
Assim, a educação deixa de ser somente um ‘aparelho ideológico’ da elite para ser
também uma reestruturadora da força produtiva. Pois, quando o Banco Mundial empresta
dinheiro a juros altos no País, exige certas mudanças estratégicas para efetivar seus planos de
segurança; são eles: pauperização do ensino escolar; privatização das universidades; e
aumento na criação de cursos técnicos.
O que acontece no ensino primário, fundamental e médio público é um desdém
apático e um sapiencídio às classe miseráveis, pobres e classe média baixa. Primeiro por que o
governo está obrigando que todos estejam matriculados aos 6 anos de idade na 1O série,
independentemente de qualquer condição da criança; segundo, impõe que no ensino
fundamental haja continuamente passagem de séries, independentemente do conhecimento da
criança; terceiro, ‘propõe’ um “provão” o qual faz o/a estudante passar na disciplina sem
‘quase’ nada saber; quarto, a busca famigerada de matricular e manter o maior número de
estudantes para o recolhimento de verbas, mesmo sem infra-estrutura e sem condições
humanas e psicológicas para isto; quinto, desde 2000, R$ 45, 8 bilhões foram retirados do
Ministério de Educação, para o pagamento de juros e(x)ternos. Com tudo isto, o que acontece,
nas palavras de Leher, é “um sistema público simplificado, aligeirado e uma graduação mais
massificada, sem produção de conhecimento”. (fonte: Jornal Brasil de Fato, 11 a 17/10/2007,
p.5). Está é a criação de mão-de-obra-barata e desemprego estrutural do mercado capitalista.
E piora ainda mais quando se sabe que o governo elitista do estado de São Paulo nega a
incluir as disciplinas de filosofia e sociologia nos currículos das escolas estaduais como
manda o artigo 36 da LDB. Pobre não pode refletir. É muito perigoso.
Ainda. Lula, quando ‘diz’ que era oposição se colocava contra as privatizações.
Porém, não é o que está acontecendo em seu mandato. Exemplo, o PRO-UNI. O que é um
sucateamento das universidades públicas para um investimento de dinheiro público nas
instituições privadas. Com a ordem do Banco Mundial de “liberar o mecanismo de mercado e
fortalecer o seu papel no desenvolvimento econômico” faz do setor privado a mola do
desenvolvimento econômico sem nenhuma responsabilidade social e com uma enorme
quantia expropriada de dinheiro público. Mesmo com o aumento de instituições de ensino
superior privadas, não melhorou a qualidade do ensino, pois o objetivo destas instituições é
como o de qualquer outro mercado capitalista: o lucro. E enquanto isto, o investimento no
campo de pesquisas nas universidades vem diminuindo drasticamente. Quase somente
havendo investimento em pesquisas no campo do agronegócio (para melhorar a produção do
Brasil colônia).
Por último, mas não o menos importante, é o aumento da criação de cursos
técnicos no País. Com o imperialismo (globalização) do capital, os donos do poder tiveram
que decidir quais os tipos de trabalhos teriam que ser efetivados por tal País. Está é a divisão
mundial do trabalho. E como os países desenvolvidos têm uma tecnologia ‘de ponta’, tem leis
trabalhistas relativamente rígidas etc cabem aos países subdesenvolvidos fazer seu papel na
estrutura mundial do Mercado. Há uma união de precarização do trabalho, de suas leis, de
isenção de impostos às grandes empresas e transnacionais para uma maior expropriação de
trabalho excedente e, concomitante, uma menor quantidade de trabalho necessário para haver
uma maior mais-valia (lucro) ao capitalista. Mas, se não há um preparo da mão-de-obra-barata
não se efetiva esta lógica. Por isto o governo está se empenhando cada vez mais no aumento
de cursos técnicos pelo país. Por que o importante não é criar uma tecnologia ‘de ponta’ e
concorrer com a metrópole, mas disponibilizar uma força produtiva que dê lucro àquela.
Vê-se que somente com alguns poucos exemplos percebe-se o poder neoliberal na
educação. Influência esta que não está desligada da macro-estrutura mundial do capital, da
qual, o seu metabolismo a tudo engole e domina. Contudo, como a base do capital é
antagônica e possuem contradições estruturais, as suas instituições de apoio possuem as
mesmas. Estas contradições têm a magia de mercantilizar, reificar o humano no meio de
produção o qual reflete a mesma reificação na educação.
É preciso, então, uma emancipação do humano deste grilhão imposto pelos
impérios capitalistas. Uma ‘pedagogia da libertação’ que ajude homens e mulheres a
refletirem sua própria situação de classe e buscar meios práticos de transformações na própria
base do sistema. E não (somente) buscar meios paliativos de mudanças! E é nesta intenção
que a proposta, entre outras, de Gramsci se faz relevante para as condições existenciais e
sócio-econômica que se vive neste capitalismo globalizado.
3 - GRAMSCI E A PRÁXIS EDUCATIVA REVOLUCIONÁRIA.
Para a elaboração de qualquer teoria de liberdade, justiça humana é
imprescindível a presença, como primeira premissa, das vítimas do sistema injusto, que
escraviza materialmente, intelectualmente, fragmentando ontologicamente o humano. Paulo
Freire, subversivamente, levanta esta questão: “quem, melhor que os oprimidos, se encontrará
preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá,
melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles para ir compreendendo a
necessidade da libertação?” (FREIRE, 2003, p.31).
Quais são, porém, estas vítimas, estes oprimidos? As determinações estruturais
impostas dentro da divisão social do trabalho e privatização dos meios de produção por alguns
criaram classes na sociedade, em que existem duas principais: proletária e capitalista. Mas
entre estas duas há a classe-que-vive-do-trabalho e gestores (os primeiros estão
circunstancialmente ligados ao proletariado, quanto aos gestores estão ligados aos
capitalistas).
Depois desta explicação simplificada, respondendo à pergunta: são os proletários
as vítimas primeiras do sistema, pois todo o conteúdo material de riqueza é produzido por este
além da mais-valia e por conseqüência lógica a classe-que-vive-do-trabalho.
Estes possuem a ‘inteligência objetiva’ “da violência sofrida, do trabalho
alienado, das necessidades elementares desatendidas, das relações sociais e humanas
dissolvidas” (SEMERARO, 2006, p.375). São estes, concomitantemente, as vítimas do
capitalismo e sujeitos emancipadores.
Contudo, a apatia social dos indivíduos e classes é enorme. A omissão
absolutizada pelo individualismo, fetichismo obstaculiza até a sensibilidade social mais
superficial. O outro continua sendo estranho a mim, e a única possibilidade de interação é
negando o outro, me impondo sobre o outro.
A cultura, ou melhor, usando um conceito gramsciano, a hegemonia ideológica
produz esta apatia social como sentimento mantenedor do status quo relatado acima. Para
Gramsci, a
hegemonia pode ser entendida como o exercício do domínio das consciências e da
reprodução das ideologias, que, na sociedade capitalista, formam o consentimento
das classes subalternas à dominação burguesas. Para superar essa hegemonia, seria
necessário desenvolver uma contra-hegemonia, em que a classe trabalhadora
promoveria a criação e o desenvolvimento de uma nova cultura, tanto no que se
refere aos valores e normas quanto à visão de homem e de mundo (SILVA &
CARVALHO, 2006, p.48).
A distorção e camuflagem da realidade são produzidas pela classe capitalista e
estes interligados como, exemplo, os dirigentes do Estado e das Igrejas. É, então, todo este
complexo de personificação do capital e instituições de dominação, repressão, distorção da
realidade social que produzem a ‘homogeneidade ideológica’ e ‘estrutura ideológica’.
Estes por sua vez a unidade doutrinária: consentimento ao ‘progresso’ e
conformidade à ‘ordem’
Diante disto, a proposta educativa de Gramsci é de combate: é a ‘contrahegemonia’, embasadas em formação informação, educação, ações (‘guerra de posição’,
‘guerra de movimento’, ‘guerra subterrânea’), observando sempre as relações entre estrutura e
superestrutura.
Um dos meios fortes da propagação ideológica burguesa é a escola, a qual, pela
bifurcação de classes, existe dois modelos: a escola burguesa, a qual “serve para treiná-los,
para adequá-los, para se portarem e se verem como dominantes”; e a escola proletária, a qual
“o Estado burguês organizou”: uma “escola popular e escola profissional voltadas a manter a
divisão de classe, a fazer com que o filho de operários seja também ele um operário” (ROIO,
2006, p.325).
Os poderes político e econômico burguês dominam diretamente está situação, as
primeiras são os proprietários burgueses que determinam, as segundas é o Estado burguês que
determina. A hegemonia superestrutural domina o desenvolvimento intelectivo dentro da
escola para a formação da consciência à respectiva classe.
Contudo, a proposta aqui, não é inicialmente a transformação da instituição de
ensino: escola, mas a educação, a formação da consciência não só na escola, mas em toda a
‘sociedade civil’, que a precede.
Podem-se usar, emblematicamente, aqui, novamente, as duas citações de Marx e
Engels, como fundamentação. “O modo de produção da vida material condiciona o processo
de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser;
ao contrário, é o seu ser que determina a sua consciência” (MARX & ENGELS, 2001, p.20).
E,
a doutrina materialista que pretende que os homens sejam produtos das
circunstâncias e da educação, e que, consequentemente, homens transformados
sejam produtos de outra circunstâncias e de uma educação modificada, esquece que
são precisamente os homens que transformam os homens que transformam as
circunstâncias e o que o próprio educador precisa ser educado. É por isso que ele
tende inevitavelmente a dividir a sociedade em duas partes, uma das quais está
acima da sociedade em duas partes...
A coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana ou auto
mudança só pode ser considerada e compreendida racionalmente como práxis
revolucionária (MARX & ENGELS, 2001, p.100)
Observar-se-á que pelos princípios do materialismo dialético, o qual Gramsci é
um dos principais teóricos, o objeto de transformação é a própria relação de produção e o
modo de produção, tendo como segundo objeto, porém, interligado, a formação da
consciência de classe. Pois, se o modo de produção determina a consciência, e as lutas forem
somente ao nível da consciência, nunca esta seria transformada de fato e totalmente.
A ‘sociedade civil’ é o locus para a educação política revolucionária na intenção
de exercer a hegemonia político-cultural. Para Gramsci, a ‘sociedade civil’ é “o conjunto dos
organismos vulgarmente ditos ‘privados’ e corresponde à função de hegemonia que o grupo
dominante exerce em toda a sociedade” (GRAMSCI apud MAGRONE, 2006, p.357).
Como o modo de produção ‘condiciona’, mas não determina absolutamente a
‘vida social, política e intelectual’, cabe à práxis educativa-revolucionária transformar as
‘circunstâncias e a atividade humana’, pela auto formação da consciência e da ‘sociedade
civil’ contra hegemonicamente.
O espírito não mais pode permanecer passivo à hegemonia burguesa. Da mesma
forma que esta classe formula sua ideologia mantenedora do status quo, a proposta
gramsciana é que a classe proletária formule sua ideologia transformadora, revolucionária,
que destrua a camuflagem e ilusão imposta pela ideologia hegemônica.
E para isto, existe um agente de suma relevância na teoria educativarevolucionária de Gramsci: o intelectual orgânico. A ‘função’ deste, vai além das idéias e
palavras, como são hoje os intelectuais de escrivaninha tanto de direita quanto de ‘esquerda’.
Para o intelectual orgânico da classe operária a práxis está tanto na premissa – junto com a
educação – quanto na conclusão. Por isto são orgânicos, pois “estão conectados ao mundo do
trabalho, às organizações políticas e culturais mais avançadas que o seu grupo social
desenvolve para dirigir a sociedade” (SEMERARO, 2006, p.377).
E uma de suas tarefas junto à classe explorada e expropriada é demonstrar a
complexa interação entre estrutura e superestrutura: como as relações de produção, as forças
produtivas, a divisão social do trabalho, a extração da mais-valia, a não-apropriação dos
meios de produção interferem diretamente em toda ‘vida social, política e intelectual’ da
sociedade como cristalizadora do status quo.
Disseminar esta consciência e a própria consciência de classe é o movimento
orgânico de intelectuais e da classe revolucionária. Ainda mais, “deve organizar os diversos
grupos sociais, de modo a conduzi-los de acordo com o grau de desenvolvimento das
condições sócio-econômicas” e representar “as ideologias dos diferentes grupos sociais
situados na estrutura” (MAGRONE, 2006, p.36).
As elucubrações vazias e apáticas não fazem parte desta classe e deste
movimento. Nem mesmo os devaneios humanitários, mas utópicos (em seu sentido
pejorativo). Nestes, a atividade cognitiva é o conhecimento de como funcionam os
mecanismos opressores, repressores, excludentes e expropriadores da sociedade capitalista. E
a partir deste levantamento, o enfrentamento: a práxis revolucionária.
Por práxis entende-se a “atividade material humana, transformadora do mundo e
do próprio homem; é um conceito que se opõe ao de ação alienante por meio de sua natureza
livre, universal, criativa e autocrítica” (SILVA & CARVALHO, 2006, p.43). A qual, sob
condições reais necessárias destrói o modo de produção capitalista, o seu Estado e toda a
‘sociedade civil’ (no sentido gramsciano); formando um novo modo de produção, uma nova
cultura e um novo processo educativo.
Isto, tendo clara a centralidade do trabalho como objeto de libertação e como
sujeito de uma nova liberdade. Pois, toda a riqueza social produzida é através da atividade
proletária de transformação da natureza e produção de valores de uso, suprindo as
necessidades humanas. E como o trabalho (abstrato) é o criador de valor de troca (mercadoria)
e a mais-valia – que mantém o sistema capitalista – torna-se o objeto fundante da libertação.
Portanto, para a práxis revolucionária, o trabalho é a manifestação concreta da
liberdade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da reflexão acima, pode-se refletir a crise da educação brasileira. A qual é
instrumentalizada à produção e reprodução do capital sem nenhum interesse à humanização e
politização do indivíduo para uma emancipação sócio-político-cultural. Gramsci, que propõe
uma práxis contra-hegemônica de combate à hegemonia capitalista e suas diversas formas de
marginalização, opressão e repressão, é um dos mais relevantes teóricos que ainda está além
do sapiencídio pedagógico contemporâneo. Está é a proposta do presente trabalho: uma
humanização emancipatória do homem e da mulher a partir da politização radical da
educação, a qual ataca a raiz (radix =raiz) das contradições sócias, políticas, econômicas,
culturais e religiosas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. RJ: Paz e Terra, 2007.
GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. RJ: Civilização Brasileira, 1978.
JORNAL BRASIL DE FATO, 11 a 17/10/2007, p.5
MAGRONE, Eduardo. Gramsci e a Educação: A Renovação de uma Agenda Esquecida.
Cad. Cedes, Campina, Vol 26, n. 70, p.353-372, set./dez. 2006.
MARX, Karl. Manuscrito Econômico-Filosófico. SP: Martin Claret, 2001.
__________. A miséria da Filosofia. SP: Ed Global, 1985.
MARX, Karl & ENGELS, Frederic. Textos sobre educação e ensino. SP: Ed. Morais, 1983.
___________________________. A Ideologia Alemã. SP: Martis Fontes, 2001.
MÉSZÁROS, Istvan. A Teoria da Alienação em Marx. SP: ED Boitempo, 2006.
_________________. O Desafio e o Fardo do Tempo Histórico: o socialismo do século
XXI. SP: Ed. Boitempo, 2007.
ROIO, Marcos Del. Gramsci e a Educação de Educador. Cad. Cedes, Campina, Vol 26, n.
70, p.311-328, set./dez. 2006.
SEMERARO, Giovanni. Intelectuais ‘Orgânicos’ em Tempos de Pós-Modernidade. Cad.
Cedes, Campina, Vol 26, n. 70, p.373-391, set./dez. 2006.
SILVA, Wilton C. L. & CARVALHO, Alonso B (org). Sociologia e Educação. Leituras e
Interpretações. SP: Avercamp, 2006.
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