UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Luigi Chiaro ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS: UMA ANÁLISE SOBRE O CONCEITO DE CIDADANIA EM TEXTOS ESCOLARES APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Curitiba 2007 Luigi Chiaro ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS: UMA ANÁLISE SOBRE O CONCEITO DE CIDADANIA EM TEXTOS ESCOLARES APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Dissertação apresentada à linha de Pesquisa em Políticas Públicas e Gestão da Educação do Programa de Pós-Graduação-Mestrado em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Anita Helena Schlesener Curitiba 2007 TERMO DE APROVAÇÃO Luigi Chiaro ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS: UMA ANÁLISE SOBRE O CONCEITO DE CIDADANIA EM TEXTOS ESCOLARES APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Esta dissertação foi julgada e aprovada para a obtenção do titulo de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação, Linha de Pesquisa “Políticas Públicas e Gestão da Educação” da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, 14 de maio de 2007. Profª. Drª. Naura Syria Carapeto Ferreira Coordenadora do Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Educação Universidade Tuiuti do Paraná Orientadora: Profª. Drª. Anita Helena Schlesener UTP, Departamento de Pós-Graduação em Educação. Prof. Dr. Elias Dallabrida UNICENTRO, Departamento de Filosofia. Prof. Dr. Renato Gross UTP, Departamento de Pós-Graduação em Educação. DEDICATÓRIA Aos que sintetizam todos meus amores e motivam todo viver: Rose, mulher pela qual me apaixonei e que se deixa amar cada dia mais, por alimentar, como orvalho matutino minha existência, cheia de vales e montes. Francesco, fruto deste orvalho fecundo e da terra sedenta de amor que motiva todo meu sonhar e pensar agir e produzir. A eles, memorial vivo de todos os que amo em minha vida, essencialmente meus pais (in memoriam) dedico! AGRADECIMENTOS A viagem chegou ao fim. A nau atracou. Chegamos ao suspirado porto, em busca de um poço: o poço do saber, para abeberar exaustos corpos, cientes de termos vencidos porque perseveramos, conforme afirma em seus escritos Francisco de Paula, fundador da Ordem dos Mínimos, usando das Palavras Bíblicas: “ [...] memores quod frustra bonum inchoatur si ante [...] terminum deseratur solisque perseverantibus corona datur” (In: CASTIGLIONE, 1978, p. 144). Um último olhar para furtar a imagem, que se tornará nostálgica memória de uma viagem que se fez inesquecível. Uma última mirada com os olhos do coração. E lá estão os companheiros de viagem e a estupenda e fantástica tripulação a quem é preciso agradecer: Maria Helena Juri Reston Pinto pela força e apoio nas inúmeras horas das mais difíceis tempestades e causa última da mesma empreitada. Márcia Mocellin, forte, simpática e fraterna amiga que ajudou nos momentos de perplexidade. Iverson Kovalski e Teodósia Mika, que além de aliviar os difíceis momentos de solidão, tornaram-se amigos. Sirlene Ferro e Marta Rejane Filietaz, encarnação de dedicação e afeto. Carmen Chaim, Maria Cristina Esper, Sarita Fortunato, Ângela Salvadori, Lucy Machado, Ana Margarida Taborda, Solange Oliveira, Maria Isabel Buccio. Aos amigos da outra linha de pesquisa que, mesmo distantes, nos apoiamos e solidarizamos para juntos singrar as águas do oceano cultural: Anelise Coelho, Rodrigo Rocha, Silvana Roeder, Clovis Brito, Flavio Rizzato, Adelmo Iurczaki, Anderléia Danke, Vanessa Guerra, Jamine Henning, Alcione Groff, Ana Carolina Rocha, Eliana Sumi, Jane Lawder, Lindamara França, Maria Lucimara Pereira, Maria Luiza Santos e Neuza Maria Santos (in memoriam). Especiais criaturas que colaboraram em alegrar e deixar menos monótona a viagem. À tripulação: la professoressa Naura Syria Carapeto Ferreira, competente e fantástica ao lado do simpático e ético prof. Sidney Reinaldo da Silva. Ao getlmen do marxismo, professor Pedro Leão da Costa Neto e à elegante professora Evelcy Monteiro Machado. Às encantadoras professoras Vilma Fernandes Neves e Maria Auxiliadora Cavazotti. Finalmente os professores Marcos Vinicius Pansardi, Jamil Cury; Bob Vernek e Miguel Arroyo que colaboraram na viagem. Inesquecíveis tornaram-se a professora Anita Helena Schlesener, convicta gramsciana que ousou orientar este trabalho de Dissertação, o professor Elias Dallabrida, amigo de todas as horas e o professor Renato Gross, que o avaliaram com seriedade e competência. À todos, a certeza de que, mesmo zarpando por outros mares em busca de novos horizontes,em companhia de outras tripulações, a certeza de que parte do coração de cada um fica para sempre guardado na arca da memória. Lembranças vivas, gratidão infinita, saudade mansa, mas perpétua. A todos e a cada um o muito obrigado. À Deus uma prece: que conserve, contra a ávida tirania do despiadado Cronos que tudo devora, a lembrança destes momentos fugazes, eternizando-os no transcorrer de nossas vidas. Mais: permita um milagre. Que um dia, nossos caminhos, mesmo por um só fragmento de tempo, tornem a cruzar-se. Um agradecimento aos que ficaram no estaleiro permitindo a grande travessia: aos amigos Waldemar Feller e Edílson Roberto Pacheco pelo apoio, incentivo e ajuda. Aos que disponibilizaram o material didático para a pesquisa: às diretoras do Colégio Nª Sª de Belém Ir. Eva Lecir Brocco e Ir. Edileuza Cruz Silva, juntamente com às Professoras Rosangela Lapczak, Luciane Wolf Martins, Ana M. H. Oliveira e Cleonice Ap.ª Maluf Lenhani. À diretora do Colégio Imperatriz Dona Leopoldina Telma Eliza Abib Leh, bem como à secretária Roseli Buhali, à bibliotecária Annerose Gerber Staut e à professora Luciane Cristina Faccin Kukelcik. À Diretora da Escola Municipal Alcindo de França Pacheco Roselinda de Fátima Nunes Chiaro. Ao descer da nau uma certeza: a viagem encantadora e difícil ensinou muitas coisas, mas deixou vivenciar uma só: que o secreto do Mestrado não se encontra no alcançado, mas na busca do escondido: o poço da amizade profunda que se criou como afirma Saint-Exupery (1999, c.XXIV): “Ce qui embellit le désert, dit le petit prince, c'est qu'il cache un puits quelque part [...]”. Finalmente eterna gratidão à Deus por permitir encerrar, providencialmente mais esta etapa de vida acadêmica, no ano jubilar do quinto centenário da morte de São Francisco de Paula (1507-2007), Fundador da Ordem dos Mínimos. EPIGRAFE Oración del estudiante No me impongáis lo que vosotros sabéis Yo quiero explorar lo desconocido Y ser la fuente de mis propios descubrimientos Que lo sabido sea mi liberación, no mi esclavitud El mundo de vuestra verdad puede ser mi limitación Vuestra sabiduría, mi negación No me instruyáis, caminemos juntos Que mi riqueza empiece donde acaba la vuestra Mostradme como subirme sobre vuestros hombros Revelaos de modo que pueda ser algo diferente Creéis que cada ser humano puede amar y crear Comprendo pues vuestro miedo Cuando pido que viváis según vuestra sabiduría No sabréis quien soy Si os escucháis a vosotros mismos No me instruyáis; dejadme ser Vuestro fracaso es que yo sea idéntico a vosotros (MATURANA, 1994) Dois educadores existem: Os que impõem verdades Os que buscam verdades. A estes últimos dedico. Com o auspício que o futuro Deixe os primeiros Desaparecer Os segundos Triunfar. (luigi chiaro) RESUMO Analisar e debater o conceito de Cidadania é estratégico para a sociedade brasileira, marcada por um agudo processo de antagonismos e desigualdades sociais. O objetivo geral da dissertação foi o de investigar se as diferentes noções apresentadas pelos textos escolares dos primeiros quatro anos de ensino fundamental, após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, contribuem para uma real formação do conceito claro e educador de Cidadania. Com este intuito, embasandose principalmente em Gramsci e Marshall, a parte teórica do estudo debateu a Cidadania em relação ao Estado e à sociedade civil; às Políticas Públicas Educacionais; à Educação e à Escola e aos textos escolares. Em um segundo momento realizou a análise dos textos didáticos selecionados em diferentes escolas, apontando contradições e provocações ao abordar o conceito de Cidadania. Como recurso metodológico a pesquisa elegeu a abordagem qualitativa. Os resultados da análise indicam duas concepções de Cidadania: a liberal-marshalliana, promovedora de uma Cidadania individual, ideal e submissa ao Estado e a marxista-gramsciana, promovedora de uma Cidadania coletiva e emancipadora do homem completo. As conclusões indicam que os textos didáticos apresentam, de forma não muito velada, a concepção liberal-marshalliana que privilegia uma Cidadania ideal, mas não plena. Palavras-chave: Cidadania; Textos didáticos; Políticas Públicas Educacionais; Estado e Sociedade Civil; Escola. ABSTRACT Analyzing and debating the concept of citizenship is strategic to a Brazilian society, marked by an acute process of antagonism and social differences. The principal aim of this paper was to investigate whether the different ideas insert in the school books of the first four years of studies, after the promulgation of the 1988 Federal Constitution and of the “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96”, contribute or not to the real formation of a clear and educating concept of citizenship. Therefore, based on Gramsci and Marshall, the theoretical part of the research debated Citizenship in relation to the State and civil society, to the Public Educational Politics, to Education and the School and to the scholar texts. Another step of the work was analyzing the didactic texts from different schools, pointing out contradictions and provocations regarding to the Citizenship concept. The qualitative approach was elected as the source method. The results of the analysis indicate two conceptions of Citizenship: the liberal one of Marshall, which promotes an individual and ideal Citizenship, which is also submissive to the State, and the Marx–Gramsci one, related to a collective and emancipating Citizenship of the whole man. The conclusions indicate that the didactic texts present, not in a very hidden way, the liberal conception of Marshall, that privilege an ideal citizenship, although not total. Key-words: Citizenship; Didactic Texts; Public Education Politics; State and Civil Society; School. LISTA DE SIGLAS AFP Escola Municipal Alcindo de França Pacheco BIRD Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento CF 88 Constituição Federal de 1988 CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil ECA Estatuto da Criança e do Adolescente ESI Colégio Nossa Senhora de Belém – Rede Escolas Scalabrinianas Integradas FMI Fundo Monetário Internacional FUNAI Fundação Nacional do Índio IDL Colégio Imperatriz Dona Leopoldina LDB 9394/96 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 OMC Organização Mundial do Comércio ONG’s Organizações não governamentais PNLD Programa Nacional do Livro Didático PCN Parâmetros Curriculares Nacionais UNESCO Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO....................................................................................... 13 2 ESTADO E SOCIEDADE: UMA RELAÇÃO EM CONSTANTE CONFLITO.................................................................................................. 2.1 EM BUSCA DE UM CONCEITO.......................................................... 2.2 O ESTADO NA PERSPECTIVA MARXISTA....................................... 2.3 GRAMSCI: DO ESTADO GENDARME AO ESTADO EDUCADOR.... 23 25 28 38 3 ESTADO E CIDADANIA: UMA CONSTRUÇÃO ENTRE CONTRADIÇÕES E LUTAS....................................................................... 3.1 CIDADANIA: ENTRE CONSTRUÇÃO E CONQUISTA....................... 3.2 ASPECTOS DA CIDADANIA NO BRASIL........................................... 3.3 EDUCAÇÃO: UMA QUESTÃO PARA A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA................................................................................................. 4 POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS: DO TEXTO DA LEI AO TEXTO DIDÁTICO ..................................................................................... 4.1 POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS........................................... 4.2 CIDADANIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E NA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL 9394/96 ................ 4.3 CIDADANIA ESCOLA E TEXTOS ESCOLARES................................ 58 59 74 88 97 98 108 124 5 ANÁLISE DOS TEXTOS ESCOLARES................................................. 5.1 ANÁLISE DOS TEXTOS DE 1ª A 4ª SÉRIES...................................... 5.4 ASPECTOS GERAIS ENCONTRADOS NA ANÁLISE DOS TEXTOS........................................................................................................ 137 138 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................... 177 REFERÊNCIAS........................................................................................... 184 ANEXOS ANEXO 1- TEXTOS SELECIONADOS, MAS NÃO REFERENCIADOS ANEXO 2- TEXTOS SELECIONADOS E REFERENCIADOS ANEXO3- QUANTIDADE DE ALUNOS POR SÉRIE E POR ESCOLA 197 198 201 204 171 13 1 INTRODUÇÃO Credo [...] che ‘vivere vuol dire essere partigiani’. Non possono esistere i solamente uomini, gli estranei alla città. Chi vive veramente non può non essere cittadino, e parteggiare. Indifferenza è abulia, è parassitismo, è vigliaccheria, non è vita. Perciò odio gli indifferenti. L'indifferenza è il peso morto della storia. E' la palla di piombo per il novatore, è la materia inerte in cui affogano spesso gli entusiasmi più splendenti [...] (GRAMSCI, 1982) Nas últimas décadas do século XX, foi possível assistir a uma multiplicação de estudos sobre o tema Cidadania. Por ser um conceito amplo e que abrange várias dimensões, tanto individual quanto coletiva, tem sido utilizado com diversos significados em diferentes contextos, o que faz com que se perca sua significação essencial e que haja certa desconfiança em relação a seu emprego. Cidadania pode ser entendida como o direito ao voto e a participação política, ou então, como sendo parte efetiva do cotidiano do indivíduo, na sua singularidade e na sua coletividade. Porém, é importante a concepção da Cidadania como um processo político, social e histórico, que se constrói a partir de ambas dimensões, individual e coletiva. O Estado, por sua vez, na forma como se organiza e visa uma Cidadania participativa, acaba por propor e criar Políticas Públicas que não levam em conta o cotidiano e a construção de uma Cidadania crítica, participativa e de qualidade. Nesta pesquisa adota-se a concepção de Cidadania plena, seguindo e ao mesmo tempo transcendendo, a leitura de Carvalho (2001) e de Boff (2000, p. 72) no sentido que supera a cidadania política, econômica, participativa e solidária. É uma Cidadania que, a partir do processo contínuo de construção e consolidação, 14 traduz a implantação real e sólida dos direitos civis, políticos e sociais, garante uma qualidade digna de vida e vida plena. Assim, é possível inferir que o debate sobre o conceito de Cidadania é estratégico para uma sociedade como a brasileira, marcada por um agudo processo de desigualdade social e, por conseqüência, de exclusão social. Dessa forma, tal conceito abre margem para a importância da educação e das Políticas Públicas Educacionais com o objetivo de operar as mudanças necessárias na estrutura da sociedade, a fim de analisar se educa-se para a obediência ou para a liberdade. O pesquisador ao longo de mais de duas décadas em sala de aula no Ensino Médio ministrando disciplinas de História, OSPB antes, Sociologia atualmente, e Filosofia; no ensino Superior, lecionando a cerca de quinze anos, disciplinas como Filosofia, Ciência Política, Sociologia em diferentes cursos, em conversas acadêmicas bem como em diálogos informais, observou que insistentemente, o termo Cidadania aparece sempre com uma aura de mistério e confusão. Mais: desde a troca dos detentores de poder em 1984, momento em que os militares deixam o governo após duas décadas e que se inicia um longo processo para o resgate da democracia, convocam-se os Constituintes com o intuito, alcançado em 5 de outubro de 1988, de dar uma nova identidade ao país. Promulga-se então, a Constituição Federal, também conhecida como Constituição Cidadã. O termo Cidadania torna-se refrão confuso e muitas vezes contraditório, permitindo levantar uma série de questionamentos: o que é Cidadania? Quem é o Cidadão? Cidadão nasce ou alcança-se pela educação? Caso se alcance a quem compete formá-lo: à família? Ao Estado? À escola? As variegadas respostas, todas abstratas e confusas, provocaram a curiosidade de investigar o assunto. Surge a primeira idéia do tema da presente 15 pesquisa: O Conceito de Cidadania. O pesquisador, por trabalhar desde a sua chegada no Brasil em 1986, como formador e educador, idealizou a identidade da sua pesquisa: o conceito de Cidadania em textos escolares, sendo que os mais inquietantes debates movem-se no ambiente escolar. Assim, desta curiosidade primeira, uma vez que os primeiros passos na formação do cidadão são dados nos momentos iniciais de sua formação, pensou-se em estudar os primeiros textos que o estudante conhece. Desta nova limitação surgiu o título da pesquisa: Estado e Políticas Públicas Educacionais: uma análise sobre o conceito de Cidadania em textos escolares após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Definido o objeto da pesquisa e a limitação do tema, levantou-se o problema: que conceito de Cidadania tem sido veiculado nos textos escolares dos primeiros quatro anos de ensino fundamental após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96? Para principiar a pesquisa fixou-se um objetivo: investigar se as diferentes noções de Cidadania que os referidos textos apresentam, contribuem para uma real formação do conceito de Cidadania claro e educador da pessoa como cidadão. Como parte deste objetivo geral, foram definidos outros específicos: analisar a noção de Estado e Sociedade civil, que faz pano de fundo às Políticas Públicas Educacionais no país, evidenciando suas contradições. Identificar o ideal de cidadão que as Políticas Públicas Educacionais querem formar a partir da elaboração da Constituição Federal de 1988. Examinar qual a imagem de Cidadania pensada nas leis Educacionais em especial na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96. Investigar o que os textos escolares ocultam ao 16 trabalhar o conceito de Cidadania, conceito carregado de ideologia, muito usado, pouco compreendido, mesmo nos ambientes escolares. A fim de atingir satisfatoriamente os objetivos fixados recorre-se a alguns conceitos básicos, todos desenvolvidos nos diferentes capítulos da pesquisa; conceitos estes que pretendem refletir os aspectos gerais e essências do real, suas conexões e relações que surgem da análise da multiplicidade dos fenômenos e pretendem um alto grau de generalidade. Este relatório divide-se em cinco capítulos, os quais apresentam os conceitos eleitos para dar corpo à pesquisa. O primeiro capítulo introduz e explica tema, objetivos, metodologia e alcance da pesquisa. O segundo capítulo, pano de fundo a todo o trabalho, denominado “Estado e sociedade: uma relação em constate conflito”, apresenta o Estado e a sociedade como centros dialéticos de contradições e antagonismos em constante luta pelo poder. Embasado principalmente em Gramsci, Marx e Engels, incorpora elementos de outros autores que ajudam a ler o Estado como um centro de poder que no antagonismo com a sociedade civil procura manter sua hegemonia. Conceito norteador da pesquisa é o de Cidadania, exposto e debatido no capítulo terceiro a partir da leitura da obra Cidadania, classe social e status, de MARSHALL (1967), que propõe a primeira teoria sociológica da Cidadania ao desenvolver os direitos e obrigações inerentes à condição de cidadão. O autor divide o conceito de Cidadania em três elementos: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais, deixando coincidir cada um a um momento histórico: séc. XVIII, o surgimento dos direitos civis, séc. XIX-XX, os direitos políticos e finalmente, séc. XX os direitos econômico-sociais. O capítulo avança na leitura da Cidadania no Brasil e 17 termina com a educação, entendida como instrumento de disseminação de um saber mais abrangente que pode entrar em contradição com a sociedade capitalista. Saber este que, enquanto intenção, pode vir a ser apropriado pela classe subalterna, pois na sua prática reside a contradição, a oposição entre o saber do dominante e o saber do dominado. O quarto capítulo debate o conceito de Políticas Públicas Educacionais: do texto da lei ao texto escolar. Discute as Políticas Públicas Educacionais como meio do Estado, detentor do poder, ao manter a hegemonia sobre a sociedade. A segunda parte do mesmo capítulo apresenta alguns artigos da Constituição Federal de 1988, que, além de artigos como o 1º que determina a Cidadania como um dos princípios fundamentais da República, trata em seu capitulo III, seção I (art. 205 a 214) sobre a educação. Em seguida, estuda a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, documento regulador da educação à nível nacional, relacionando-a com a Constituição Federal de 1988 e com o conceito de Cidadania. Finaliza o capítulo uma ligação com a escola, analisada como um espaço privilegiado e dialético onde a reprodução do velho é eternizada e o novo é proposto. No mesmo capítulo, abordam-se os textos escolares como objeto que difunde a palavra escrita, divulga idéias e mensagens através dos estímulos produzidos pela sua leitura, estimula o pensamento e enriquece o leitor com um saber racionalizado e organizado e que se apresenta como sintetizador da cultura social. O quinto capítulo, entitulado “Análise dos textos escolares”, num primeiro momento examina os livros didáticos selecionados e termina com uma consideração dos aspectos gerais encontrados na análise dos textos. Finalmente, nas considerações finais relatam-se sucintamente os resultados que a pesquisa alcançou. 18 Para o estudo dos livros, a pesquisa adotou a abordagem qualitativa, por permitir, através da leitura dos textos, destacar e discutir criticamente, as passagens relacionadas ao conceito de Cidadania. A pesquisa qualitativa envolve a obtenção de dados descritivos, alcançados no contato direto com os textos estudados, enfatizando mais o processo do que o produto. De acordo com Minayo (1994, p. 69) a análise das informações contribui para que seja possível, através da compreensão dos dados coletados e avaliados, responder as questões da pesquisa e ampliar o conhecimento sobre o conceito investigado. A realização deste trabalho parte do princípio que é impossível analisar um objeto desconsiderando o contexto no qual está inserido. Por isso, usa-se da contradição por ser destruidora, mas também criadora, já que se obriga à superação, por causa de sua intolerabilidade (CURY, 2000). As contradições, presentes no real, nunca lineares menos ainda disciplinadas, são expressões de riqueza que levam ao debate e à superação dos antagonismos. É a dialética, que permite interpretar o processo da realidade, vendo nele uma sucessão de fenômenos, cada um dos quais só existe em quanto contradição com as condições anteriores e que surge somente pela força da negação da realidade que o engendra, e o mesmo se revelará produtivo de novos efeitos objetivos unicamente na medida em que estes, sendo o ‘novo’ recém surgindo, negam aquilo que os produziu (PINTO, 1989). Nesta tensão dialética entre o real e o ainda não, torna-se possível, construir a compreensão da Cidadania como expressão de um movimento de todo sujeito, membro de uma sociedade, em continua busca de identidade política e social. Para a realização da parte empírica deste trabalho, são examinados livros didáticos, de diferentes escolas da rede pública e da rede particular da cidade de 19 Guarapuava-PR, editados após a promulgação da Constituição Federal de 1988, em uso nas primeiras quatro séries do ensino fundamental, por alicerçar, segundo os documentos oficiais, entre eles os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), a formação cidadã. Em virtude da quantidade numérica dos livros disponíveis para análise, a pesquisa optou em selecionar os de maior uso em diferentes períodos, todos, porém, limitados no arco de tempo entre 1998 e 2007, por assimilarem as normas inspiradas na LDB 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96). Outra seleção realizada foi a de privilegiar textos não apostilados, por apresentarem, estes últimos, menos informações ou menor clareza no que se refere ao tema Cidadania. A escolha da cidade foi determinada pela facilidade de acesso às fontes e pelo fato do pesquisador nela residir. Outro motivo que levou a escolha da cidade de Guarapuava-PR, município de cerca 170.000 habitantes, é por ser considerado representativo das condições sociais, econômica e culturais da macro região do centro-oeste do Estado do Paraná. As escolas selecionadas foram 3: uma pública, e duas particulares e destas últimas, uma confessional. A pública representa a orientação do governo sendo que os livros são escolhidos por meio do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) e distribuídos gratuitamente, oferta que determina a opção, a adoção e o uso do texto. As escolas particulares expressam a necessidade das classes mais abastadas e usam livros, em sua maioria apostilados, publicados por grupos editoriais que atuam em nível de país. Portanto, a escolha dos textos nas duas redes, pública e particular, oferece uma visão ampla que extrapola o município e a região e projeta a pesquisa em nível regional, e talvez, estadual. 20 A escola pública selecionada é a Escola Municipal Alcindo de França Pacheco, fundada em 1997 e com média de cerca de 500 alunos cursando os primeiros quatro anos de ensino fundamental. As da rede particular são: Colégio Nossa Senhora de Belém, da rede ESI (Educação Scalabriniana Integrada), presente em diferentes Estados do país1 e regido pelas Irmãs da Congregação religiosa Missionárias de São Carlos Borromeu Scalabrinianas, com média de cerca 150 alunos nos primeiros quatro anos de ensino fundamental e funcionando na cidade de Guarapuava-PR desde 1907. Outro colégio particular é o Colégio Imperatriz Dona Leopoldina, com sede no Distrito de Entre Rios, fundado em 19562 para oferecer serviços educacionais aos moradores, de origem Suábia e atende uma média de 90 alunos nos primeiros quatro anos de ensino fundamental. É mantido pela fundação da Cooperativa Agrária. O total de alunos, ao longo de cerca de 7 anos que fizeram uso dos livros estudados na presente pesquisa, alcançam o número de 4.994. Os livros selecionados, entre mais de 40 analisados, foram treze. Todos eles nas disciplinas de português, história e geografia, limitados aos conceitos de Cidadania e princípios a ela ligados. A escolha se justifica por vários fatores. A opção pelas disciplinas é devido ao fato de serem as que trabalham o conceito de Cidadania e os demais temas paralelos ao mesmo. A opção dos livros foi orientada por outros fatores: o uso do mesmo texto em mais de uma escola; a abordagem do tema Cidadania em um capítulo próprio ou os temas referentes ao mesmo conceito exposto com uma clareza que permite o debate; a ênfase dada por partes dos 1 Estados onde se encontram escolas da rede ESI são: Minas Gerais; São Paulo; Distrito Federal; Paraná; Rio Grande do Sul. Uma escola encontra-se em Monçabique (África), perfazendo um total de 16 estabelecimentos. 2 No ano de 1969 abandona-se a antiga nomenclatura de Colégio São Domingo Sávio, adquirindo a atual: Colégio Imperatriz Dona Leopoldina. 21 educadores que deles fazem uso e a possibilidade de ler os conceitos filtrados à luz da CF 88 (Constituição Federal de 1988) e da LDB 9394/96. Entre os 40 livros analisados, muitos apresentam os mesmos textos que os selecionados. Outros apresentam os mesmos temas com idênticas leituras de edições anteriores à promulgação da LDB 9394/95. As apostilas, todas em uso nas duas escolas particulares, não foram selecionadas por apresentarem quantitativamente menor número de informações ou oferecer pouca clareza no que diz respeito ao conceito de Cidadania. Todos os livros analisados e não usados, para maior facilidade de consulta encontram-se no Anexo 1, com a indicação da causa da seleção e da não análise. Os 13 textos selecionados e analisados encontram-se nas Referências e no Anexo 2, para facilitar a identificação dos mesmos. A fim de fornecer um conhecimento da quantidade de alunos que utilizam os texto selecionados e analisados, o Anexo 3 apresenta quadros-resumo da população escolar desde o ano de 2000 nas três escolas pesquisadas. Todos os textos, quase que indistintamente, são utilizados em pelo menos duas das três escolas citadas. Para permitir a identificação da escola na qual o texto é usado, em nota encontra-se uma sigla. Os de uso no Colégio Nossa Senhora de Belém, da rede ESI, distinguem-se pela sigla ESI. Os do Colégio Imperatriz Dona Leopoldina, distinguem-se pela sigla IDL. Os da escola municipal Alcindo de França Pacheco, distinguem-se pela sigla AFP. Na mesma nota indica-se desde que ano o livro é usado na escola. A escolha dos livros didáticos nas escolas citadas passa quase por um idêntico processo. No Colégio Nossa Senhora de Belém da rede ESI, além dos 22 textos apostilados3, do grupo Positivo, em uso a mais de duas décadas, os demais textos didáticos são indicados pelas educadoras em reuniões com a participação da orientação pedagógica, as coordenações de série e a direção. No Colégio Imperatriz Dona Leopoldina, segue-se o mesmo critério de eleição dos textos adotada no Colégio Nossa Senhora de Belém. Na Escola Municipal Alcindo de França Pacheco, no respeito ao PNLD, em reunião conjunta entre direção, coordenações e educadoras, são selecionados e escolhidos os textos que mais aderência apresentam com a realidade sócio-político econômica dos alunos. 3 O Colégio Nossa Senhora de Belém utiliza o material didático-pedagógico do Grupo Positivo desde o ano de 1986. 23 2 ESTADO E SOCIEDADE: UMA RELAÇÃO EM CONSTANTE CONFLITO Todos nós, por experiência, sentimos a presença do Estado, como uma força que se nos impõe, ordenando, e submete a nossa vontade, ou usa da coacção para executar desígnios que se propõe. Esta presença poderosa é como uma força actuante, por nós, contra nós, que se ostenta jubilosa pelo que faz, ou intimidativa em razão do que quer que façamos. É uma força que em geral não suporta concorrência com ela e por isso supera as demais sob pena de se dissolver. (CARVALHO, 1979) Amplo e controvertido é o debate sobre a função do Estado e da sociedade civil na formação do conceito de Cidadania e sua transmissão para uma vivência social. Teorizar sobre o Estado significa tentar encontrar razões plausíveis que justifiquem as relações de subordinação dos indivíduos à uma instituição que transcende, de forma duradoura, as suas existências, tanto cronológicas como hierarquicamente. Para lançar as bases a fim de esclarecer as formas de atuação do Estado com referência à política na relação Estado-Educação, torna-se importante a apresentação de alguns pontos fundamentais sobre a noção de Estado e sua origem. O presente capítulo não ambiciona realizar uma análise exaustiva a respeito da trajetória histórica do Estado, sendo difícil saber desde quando e de que forma essa instituição se dissemina no convívio social, muito embora seja coetânea a certas formas de organização social, ou melhor, só aparece sob determinadas relações sociais, não sendo preocupação imanente ao homem de modo geral, mas dependendo do grau de complexidade das relações sociais. 24 A complexidade das relações sociais aumenta na razão direta do desenvolvimento das forças produtivas, entendidas como totalidade de recursos de que uma sociedade dispõe para manter-se e acumular riquezas. É um conceito que engloba, portanto, os meios de produção e os homens capazes de colocar esses meios em ação. A fim de iluminar os conceitos que a presente pesquisa pretende estudar faz-se necessário uma leitura da construção conceitual do Estado, ciente das múltiplas interpretações, sempre revestidas de cores ideológicas. Outro motivo é o acreditar no dinamismo do passado, jamais visto como algo ‘estático’, mas dinamismo que molda o presente. Assim, o Estado moderno, ao avançar na história transita por etapas e adquire diferentes características como destaca Silva Jr. em Estado moderno, cidadania e educação (2002). Para uma compreensão da origem do Estado, da Política que dele deriva e da mesma necessidade da organização social do homem vamos mergulhar na história e ver onde, como e porque surgem tais conceitos, vitais para toda a sociedade civil ocidental. Neste sentido, o capítulo principia com uma apresentação de vários conceitos de Estado, todos ligados por um elemento comum: o poder. A seguir avançar-se-á por uma análise do surgimento do Estado com base no pressuposto que a construção é conseqüência de um confronto dialético, não sempre claro, mas sempre presente, entre organizações sociais, tornando-se assim um fenômeno social, transformado em expressão de dominação da classe burguesa. A opção teórica inicia com Marx e Engels, passando por Gramsci, com a concepção ampliada do Estado, enquanto organização institucional que compreende a sociedade política mais a sociedade civil. 25 2.1 EM BUSCA DE UM CONCEITO DE ESTADO Encontrar um conceito exaustivo de Estado é absolutamente impossível. No entendimento de autores como Déloye (1999, p. 41), a reflexão sobre o Estado desde meados dos anos sessenta conheceu um desenvolvimento considerável. Para alguns autores, como por exemplo, DALLARI (2005), é conceituável como a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em um determinado território. Para outros, mais importante torna-se o entendimento do Estado moderno como surgimento de um centro político de poder advindo da passagem de um modo de dominação patrimonial, fragmentado, a um poder forte e centralizador que progressivamente se institucionaliza (ELIAS, 1993). Para outros, entre eles WEBER, o Estado moderno é um processo de expropriação e de concentração do poder: O Estado moderno é um grupo de dominação de caráter institucional que procurou (com sucesso) monopolizar, nos limites de um território, a violência física legítima, como meio de domínio, concentrando, para esse fim, nas mãos dos dirigentes os meios materiais de gestão (WEBER, 1997, p. 119). O termo se impôs após a fama da obra do florentino Maquiavel, que inicia sua obra, O Príncipe, escrito em 1513 com o objetivo de esclarecer o significado das relações de poder que constituem o Estado. Trata-se de buscar novas bases de legitimação do mesmo ante as necessidades postas pelas transformações históricas que já não admitem um poder fundado em bases teocêntricas. É com Maquiavel (1469-1527) que a construção do Estado Moderno principia com a separação das diferentes esferas: política, religiosa e moral. Ao vislumbrar uma 26 Itália unida, sonho que somente se realizará em 18614, Maquiavel procura no passado as respostas para a busca da estabilidade dos governos e governantes. Na obra O Príncipe, inicia ignorando qualquer valor tradicional, entre eles a moral e ética, como forma de dispensar o governante de todas as limitações religiosas, incitando-o ao domínio, por ser a política autônoma e seguir especificidades próprias: Os príncipes, por conseguinte, não deveriam ter outro objetivo ou pensamento além da guerra, a organização e disciplina das tropas, nem estudar qualquer outro assunto; pois esta é a única arte que se espera de quem comanda. Tal é sua importância que não só mantém no poder os que nascem príncipes, mas torna possível a homens comuns galgar a posição de soberano (MAQUIAVEL, 2005, p. 92) Ao examinar a origem do Estado, aparta a origem teocrática sendo que os fatos da vida são os únicos argumentos válidos: a natureza das coisas não permite mais a antiga interpretação da origem divina: Todos os Estados que existem e já existiram são e foram sempre ou repúblicas ou principados. Os principados ou são hereditários [...] ou foram fundados recentemente. Estes últimos podem ser de todo novos [...] ou são acréscimos aos domínios hereditários de um príncipe que os anexa [...] (MAQUIAVEL, 2005, p. 29) Maquiavel apresenta uma reflexão sobre como se constrói um Estado, independente sim, mas arquitetado pelo cidadão. Um Estado que não tem mais a função de assegurar a felicidade e a virtude, segundo afirmava Aristóteles. Também supera a visão dos pensadores medievais, para quem o Estado pode vir a ter a função 4 Unificação iniciada com uma serie de revoluções nas diferentes regiões e Estados italianos, culmina em duas etapas: a expedição de Garibaldi que, nas aforas da cidade de Teano, entrega simbolicamente ao Rei de Sabóia o território da Região Sul da península ou Reino das Duas Sicílias no ano de 1861, e em 1868, com a derrubada do Estado da Igreja e a conquista da cidade de Roma. 27 de preparar os homens para o Reino de Deus. Conforme Maquiavel escreve no Comentário sobre a primeira década de Tito Livio (1982, p. 182; 198), o Estado passa a ter suas próprias características, faz política, segue sua técnica e suas leis: “[...] se a monarquia tem durado muitos séculos, o mesmo acontece com as repúblicas; mas uma e outras precisam ser governadas pelas leis [...] Compreende-se a razão disto: não é o interesse particular que faz a grandeza dos Estados, mas o interesse coletivo”. O conceito deste novo Estado que transparece das obras do pensador italiano, tem sido construídos a partir da realidade que conhece nas andanças pelos gananciosos e beligerantes Estados italianos, bem como pelos maiores Estados Europeus. Apresenta-se como um Estado real e não idealista: [...] minha intenção é escrever algo útil para quem estiver interessado, pareceume mais apropriado abordar a verdade efetiva das coisas, e não imaginá-las. Muitos já conceberam repúblicas e monarquias jamais vistas, e de cuja existência real nunca se soube. De fato, o modo como vivemos é tão diferente daquele como deveríamos viver, que quem despreza o que se faz e se atém ao que deveria ser feito aprenderá a maneira de se arruinar, e não a defender-se (MAQUIAVEL, 2005, p. 96). Desde então se define o Estado como uma organização política com base sobre um território comum e que exercita o controle sobre os que o habitam. Tal controle legitima-se pela transferência de poder fundado em contrato social. Para que o Estado se manifeste, essencial é a existência de um governo e, no estado de legalidade, de uma lei escrita ou oral, podendo-se identificar com a mesma lei, e dominando pela violência que, pela legitimação do poder, domina pessoas, grupos e a coletividade. 28 Na mesma linha de pensamento Afonso, interpreta o Estado como: [...] organização política que, a partir de um determinado momento histórico, conquista, afirma e mantém a soberania sobre um determinado território, aí exercendo, entre outras, as funções de regulamentação, coerção e controle social. Funções essas também mutáveis e com configurações específicas, e tornando-se, já na transição para a modernidade, gradualmente indispensáveis ao funcionamento, expansão e consolidação do sistema econômico capitalista (AFONSO, 2001, p.17). O Estado como um agrupamento humano que se organiza sobre um território, avança em direção a um dos requisitos mais relevantes para a caracterização do mesmo, ou seja, o monopólio do poder e da força. Dessa forma, o Estado fortalece-se e aparece como possuidor de uma força imperativa capaz de obrigar os indivíduos de determinado território à obediência de regras e normas de uma organização normativa interna. Assim o Estado consagra uma centralização e concentração de poder até então dispersas numa multiplicidade de realidades disseminadas no interior de um corpo social. 2.2 O ESTADO NA PERSPECTIVA MARXISTA No aspecto teórico, as concepções de Estado e sociedade podem ser agrupadas em diferentes vertentes, que podem vir a ser agrupadas em duas concepções antagônicas, elaboradas durante os últimos séculos. Uma embasada no pensamento liberal que apresenta um Estado promotor do bem comum, superior a todo conflito de classe, neutro em seu atuar, autônomo em relação à sociedade civil. A outra é a 29 tendência, de inspiração marxista, que procede da análise do Estado liberal, numa sociedade marcada por desigualdades e conflitos que lhe são inerentes, rejeitando a idéia de poder do Estado idealmente dirigido para o bem comum. Segundo Gruppi (1998), é a partir da concepção marxista que surge uma visão crítica do Estado e, consequentemente, do liberalismo. Os pensadores liberais não conseguiram construir uma teoria científica do Estado, capaz de explicar sua origem, natureza e finalidade, apenas reproduziram uma justificação ideológica do Estado: Na verdade, só pode começar a existir uma visão científica do que é o Estado quando tomamos consciência do conteúdo de classe do Estado. E a burguesia não pode fazer isso, pois significaria denunciar que o Estado burguês – mesmo em sua forma mais democrática – é na verdade a dominação de uma minoria contra a maioria; seria admitir que essa liberdade não é liberdade para todos; que essa igualdade é puramente formal, não real, para a maioria dos cidadãos (GRUPPI, 1998, p. 25) Discípulo de Hegel (1770-1831), Marx (1818-1883) critica veementemente o mestre, em geral por inverter a realidade efetiva das coisas e em relação ao Estado, pela ligação e unificação entre sociedade civil e o Estado. Para Marx é a sociedade civil que condiciona o Estado. Para ele, o Estado vem a ser o fenômeno e a sociedade civil a realidade essencial, porque é nela que o homem trabalha e vive sua vida concreta: Minha investigação desembocou no seguinte resultado: relações jurídicas, tais como formas de Estado, não podem ser compreendidas nem a partir de si mesmas, nem a partir do assim chamado desenvolvimento geral do espírito humano, mas, pelo contrario, elas se enraízam nas relações materiais de vida, cuja totalidade foi resumida por Hegel sob o nome de ‘sociedade civil’, seguindo os ingleses e franceses do século XVIII; mas que a anatomia da sociedade burguesa, deve ser procurada na Economia Política (MARX, 1996, p. 51). 30 Marx explica o nascimento do Estado como efeito do desenvolvimento das forças produtivas que, produzindo diferenças sociais (inicialmente de castas e depois de classes), e conseqüentemente a exploração, torna necessário o controle e a repressão dos explorados. A forma que assume a exploração determina a inteira estrutura social e a fisionomia das formas políticas e ideológicas dominantes. Todo grau de desenvolvimento das forças produtivas dar-se-á dentro de determinadas relações sociais. Portanto, não existe um grau absoluto de desenvolvimento das forças produtivas por serem específicas de cada modo de produção. A relação entre forças produtivas e relações de produção é dialética e são atreladas às formas políticas que delas derivam. O Estado e as instituições políticas são, ao mesmo tempo, partes das relações de produção e expressão das forças produtivas. Deste modo, as transformações sociais, que são essencialmente modificações das relações de produção aptas a garantir um novo período de desenvolvimento das forças produtivas, iniciam com a derrubada do Estado, guardião das velhas formas de produção. Foi analisando a sociedade capitalista da época na qual viveram que Marx e Engels (1820-1895) conseguiram romper com as bases do pensamento liberal que concebia o Estado como um ente em si mesmo, abstrato e geral, situado acima de conflitos reais. Percebem que o Estado capitalista tem sua origem nas desigualdades produzidas nas relações de trabalho e que são responsáveis pela divisão da mesma sociedade. O Estado, longe de ser o reino da razão, torna-se o reino da força, não o reino do bem comum, mas dos interesses parciais de classes e de indivíduos. A finalidade do mesmo não é o bem-estar da coletividade, mas dos detentores do poder: é, na verdade, a continuação do estado de natureza. O desenvolvimento ideal do Estado é substituído 31 por uma diferente leitura que se concentra no processo histórico, nas formas de propriedade da terra, da organização do trabalho coletivo e de relações de produção: O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e que têm de reproduzir. Não se deve considerar tal modo de produção de um único ponto de vista, a saber: a reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se, muito mais, de uma determinada forma de atividade dos indivíduos, determinada forma de manifestar a sua vida, determinado modo de vida dos mesmos. Tal como os indivíduos manifestam na sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto como o que produzem, como com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção (MARX; ENGELS, 1999, p. 27-28). Entende-se assim que o primeiro ato do homem é a produção dos meios de satisfazer suas necessidades mais prementes, isto é, a manutenção da própria vida material. Tal fato determina a existência de relações entre indivíduos. Assim, para Marx; Engels, as condições que alicerçam a sociedade civil podem ser a família e os grupos de famílias, mas a verdadeira base da história política da humanidade é o conjunto das relações sócio-econômicas. Assim, claro aparece que determinantes nas relações entre os indivíduos são as formas de produção e as condições materiais envolvidas no processo das mesmas. Formas de produção que produzem divisão de trabalho e relações internas determinando o aparecimento das diferentes formas de propriedade privada. A propriedade privada não é vista como um direito natural de todo indivíduo, menos como uma conquista em favor do equilíbrio social, torna-se elemento que diferencia os homens entre si, causa distorções entre classes sociais e assegura a manutenção dos interesses do poder: 32 [...] o direito humano da propriedade privada é o direito de usufruir da própria fortuna [...] sem atenção pelos outros homens, independente da sociedade. É o direito do interesse pessoal. Esta liberdade e a respectiva aplicação formam a base da sociedade civil. Ela leva cada homem a ver nos outros não somente a realização, mas a restrição da sua própria liberdade (MARX, 2001, p. 32). Marx, juntamente com Engels, avança nesta reflexão e os dois apresentam diferentes estágios de propriedade privada. O primeiro aparece como tribal. Neste estágio, a produção não se manifesta muito desenvolvida, simplesmente serve para a sobrevivência do grupo, através de atividade de caça, pesca, agricultura e ovinocultura. A divisão do trabalho é elementar e restringe-se ao núcleo familiar composto pelo chefe da família, ou patriarca, e pelos membros da tribo. Berço desta forma primitiva de produção é a Ásia (MARX; ENGELS, 1999, p. 29). O segundo estágio mostra-se como o da antiga propriedade comunal e estatal, onde diferentes tribos vivem unidas em uma cidade. Nesta fase percebe-se um desenvolvimento da propriedade em sua forma móvel e imóvel. A divisão do trabalho é mais sofisticada, as relações entre cidadãos e escravos são desenvolvidas e o antagonismo entre cidade e campo organizado (MARX; ENGELS, 1999, p. 30). O terceiro estágio caracteriza-se como o da propriedade feudal ou patrimonial, que encontra seu alicerce na distribuição das forças de produção provocada pelas conquistas dos bárbaros e queda do Império Romano. A organização que dela deriva se alicerça numa comunidade dividida em classes: produtores e camponeses reduzidos a servos pelas condições econômicas. A classe dominante se fortalece graças à rápida organização estamental que cria uma hierarquização da propriedade da terra e o aparecimento de uma estrutura de exército em defesa da mesma propriedade. 33 Propriedade que consiste em bens de raiz ou no trabalho individual (MARX; ENGELS, 1999, p. 33). O último estágio que surge das ruínas da sociedade feudal, é da propriedade burguesa. Novas classes são estabelecidas com conseqüente aparição de novos sistemas de exploração a partir da divisão do trabalho: consolida-se o modo de produção capitalista (MARX; ENGELS, 1999, p. 34). Engels, com base em anotações de Marx, procura deslindar a origem do Estado tendo como modelo referencial o Estado moderno capitalista, indicando o caráter classista, ocultado pela burguesia. De acordo com Gruppi (1998, p. 34), o autor, na obra A origem da família, da propriedade privada e do Estado (1985), seguindo Morgan (1818-1881)5, analisa a desintegração da sociedade ‘gentílica’ para dar início ao aparecimento do Estado. Identifica este momento histórico-cultural na cidade de Atenas. Marca inicial da sociedade não é a família, mas a propriedade privada, que vem tomando novo vulto em conseqüência da crescente troca de mercadoria, chegando a superar os mesmos artífices, isto é os membros da família (BOTTOMORE, 2001). Esta nova fase vê a transformação da estrutura do poder familiar transitar da mulher para o homem tornando-se este último, autoridade6 ou pater famílias. Engels esclarece, em contraste com o pensamento clássico construído desde Aristóteles, que a sociedade não é soma de várias famílias. As duas, sociedade e família, desenvolvem funções 5 Lewis Henry Morgan. Etnólogo, criador da teoria da evolução cultural, estudou as relações de parentesco e da família como base da estrutura social. 6 O conceito de Auctoritas, distinto do de Potestas surge na época da ascensão da Igreja de Roma concomitantemente com o declínio do Império Romano. Detentor da plenitudo potestatis é Deus. No mundo se manifesta na pessoa do Pontífice, detentor da Auctoritas (poder espiritual), e na pessoa do rei que, reconhecido pelo Pontífice, exerce a Potestas (poder temporal) (CHATELET, DUHAMEL, PISIERKOUCHNER, 2000, p. 31-33). 34 diferentes. A sociedade organiza as relações entre homens e mulheres para viabilizar a sobrevivência visando as necessidades econômicas. A sociedade, em sua forma mais arcaica, a tribo, coincide com a regulamentação das relações sexuais, e é matriarcal. A autoridade, e não o poder encontra-se na mulher, mas tão somente por ser a geradora da prole, de tal maneira que se torna mais fácil distinguir os laços de parentesco pela linha feminina. Concomitante a esta reestruturação da família surge, com o desenvolvimento econômico, a diferença de classes que decretam o ocaso do sistema gentílico e o aparecimento de uma nova organização que tende a dominar a sociedade: é o desabrochar do Estado (GRUPPI, 1998, p. 35). O Estado longe de ser a realidade da Idéia moral, menos ainda a imagem da Razão, de acordo declara Hegel (1997) interpreta-se como um produto da sociedade em seu desenvolvimento econômico-social: É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da ‘ordem’. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado (ENGELS, 2007, p. 61). Assim, desenvolvimento econômico, oposição e lutas de classes, marcam o abrolhar do Estado. Conseqüência desta nova divisão social é a organização das relações de produção: a classe dominante institucionaliza a predominação, criando meios e organismos de dominação política, tais como exércitos, para controlar e reprimir e tribunais para julgar, tudo para permanecer no poder. Nasce na sociedade 35 para regulá-la como exigência das lutas entre classes e, rapidamente desenvolve-se a ponto de tornar-se estranho à mesma sociedade que o gerou. Por fim, de acordo com Gruppi (1998, p. 37), o Estado torna-se uma verdadeira máquina, um corpus, organismo regulador por meio de normas e leis às quais a sociedade nem acesso têm nem compreensão apresenta, tendo unicamente dois objetivos: permanecer na direção e controlar a sociedade. Aquela sociedade civil que é anterior e determinante da estrutura do Estado e para sua própria manutenção, finalmente, institui os impostos sobre a produção das classes, sejam elas dominantes ou dominadas. Consolidada a propriedade individual, aceita a divisão do trabalho, tendo por base a religião, a consciência e a divisão da sociedade em classes, a nova estrutura se ergue e fortalece rapidamente podendo recorrer in extremis à violência para que a sociedade não se transforme em anarquia. O Estado, gerado a partir da produção social dos homens, em momento algum representa os interesses da coletividade. Torna-se um instrumento a serviço de um determinado grupo social, do qual salvaguarda interesses e privilégios. Concepção esta que marca o divórcio da sociedade civil com o Estado. Este se situa acima dela e, embora por ela determinado, manifesta um grau de independência que lhe permite fixar regras e leis de modo a perpetuar essa mesma sociedade civil, mantendo os privilégios e infortúnios desta dada organização social. A liberdade torna-se, pois, impossível dentro dos limites do Estado. Marx vê no Estado uma forma necessária somente para as organizações sociais de exploração e afirma que apenas a extinção do Estado poderá dar origem à verdadeira história humana, o reino da liberdade sonhado e explicitado por Rousseau (1712-1778) na obra Do contrato social (1973). A realização 36 da sociedade humana passa, pois, pela destruição do Estado e o advento da democracia. O Estado na interpretação de Marx, não está sujeito às forças externas, mas tendo interesses próprios, que coincidem com os das classes dominantes, sejam econômicos ou políticos, transforma-se em uma superestrutura da organização econômica da sociedade nas mãos desta mesma classe, que se torna dominante (BOTTOMORE, 2001). A relação que se instaura é uma relação econômica. Destaca ainda Marx, que o capital é a expressão da exploração do assalariado na mão do proprietário. Embora o Estado Moderno tenha tomado tendência absolutizadora pelo domínio de uma determinada classe no poder, por sua vez sofre a pressão de grupos conflitantes no conjunto dessa mesma sociedade. O que move as conquistas de grupos organizados da sociedade civil vem a ser justamente a luta interna da sociedade de classe e ao Estado cobra-se a tarefa de regulá-la, usando este último, diferentes aparatos, entre eles a educação. A simbiose entre Estado e classe dominante, mesmo não eliminando a relativa autonomia das duas, tem um único interesse, assegurar a estabilidade da ordem social (BOTTOMORE, 2001, 135). Segundo o marxismo, a igualdade e a liberdade da sociedade se destinam apenas a uma parcela da sociedade: a classe dominante, assim como a igualdade jurídica, pregoada pela burguesia, não passa de uma ilusão sem a igualdade econômico-social. Marx e Engels elaboram um conceito de Estado como um Estado de classes onde as relações sociais são antagônicas, contraditórias e desiguais. Sob a aparência de órgão promotor do bem comum, em nome de um suposto interesse geral exercido 37 sobre um território delimitado, o Estado defende a propriedade e os interesses de uma classe particular. Como conseqüência, o Estado determina e orienta para que a política seja uma esfera restrita à classe dominante e que a sociedade civil seja uma classe sem consciência política plena. Assim é possível afirmar que o poder político, afiançado pelo Estado, garante o bem estar da classe dominante e desta protege a propriedade, não abrindo nenhum beneficio real para a classe subalterna. Nesta leitura marxista da sociedade surge a convicção de que o caminho para a democratização da sociedade tem sido a luta permanente, até que a classe dominada derrube a burguesia, conquiste o poder do Estado e crie uma sociedade sem classe. A luta se faz necessária, pelo fato de o poder, de modo geral, estar representado e ser exercido pela classe dominante. Daí que esta se opõe, afirmando que a soberania, a democracia, a justiça, as leis estão sendo ameaçadas quando da reação por parte da sociedade civil. Esta ameaça sentida é real, mas o é em relação às condições postas pelas classes dominantes desta mesma sociedade. Opor Estado à sociedade civil, significaria assumir uma ótica positivista, fundamentada desde o ponto de vista do próprio Estado burguês, onde tudo o que é externo, é problemático e ameaçador, por tanto a oposição apresenta-se impraticável, já que a vida social é regulamentada pelas ações do Estado, atualmente representativo da classe dominante que o compõe. O que se defende, em um novo projeto social, é que a sociedade civil controle o Estado para que este último não se distancie dos interesses da mesma. 38 2.3 GRAMSCI: DO ESTADO GENDARME AO ESTADO EDUCADOR O pensamento marxista sobre o Estado, tem um dos seus maiores expoentes em Gramsci (1891-1937), pensador italiano que reflete sobre a superação do aparato de coerção, com a politização da sociedade civil. Gramsci tem como ponto de partida a concepção de Marx acerca do desenvolvimento e funcionamento da sociedade capitalista, composta pela dualidade contraditória entre classe dominante e classe dominada, entre detentores de bens e poder e detentores de nada. Mesmo na linha do marxismo, o pensador italiano se distancia de muitos teóricos que analisam e desenvolvem conceitos longe de todo contexto histórico, jamais debate problemas abstratos e separados da vida dos homens. Seguindo a práxis, dialoga com naturalidade entre teoria e prática abarcando em suas reflexões, repassadas nos escritos, uma lúcida e crítica visão da totalidade. Sua contribuição, na interpretação de Schlesener (2005, p. 34), é a releitura de Marx e Engels, provocada pela nova configuração do capitalismo no arco de tempo entre os dois conflitos mundiais7. Os escritos de Gramsci apresentem-se, às vezes, fragmentários devido à falta de material disponível no cárcere (MANACORDA, 1990) ou “[...] porque resultados da militância política junto à classe operária [...]” (SCHLESENER, 2005, p. 12) manifestando em seu discurso sobre o Estado várias leituras, todas, porém convergem em uma superação da restrita concepção de Estado-governo conforme a leitura liberal, oferecendo, conforme ressalta Machado (1987, p. 14), uma teoria política e uma teoria da transformação. 7 A Primeira Guerra Mundial, 1914-1918, a Segunda Guerra Mundial, 1939-1945. 39 Crítico com a esquerda, que não examina as mudanças, observador atento, não toma a leitura marxista como abstrata doutrina, aceita ipsis litteris, mas compreende que deve ser usada como conceito de análise concreto do real em suas diferentes determinações. Com um olhar sempre voltado para os acontecimentos sociais, políticos e econômicos passa a interrogar-se: como entender e interpretar as mudanças? Quais os novos desafios que apresentam, de forma veemente para as classes operária e camponesa? Mesmo com a profunda crise econômica que perpassou a burguesia, talvez a mais severa depois do seu aparecimento, por que a mesma não perde o poder?8 Respostas procuradas e causas identificadas, transformando-se em pistas para uma formulação de propostas. A falta de um projeto de Estado das classes operária e camponesa, alternativo ao da burguesia, juntamente com a convicção de que a dominação não é dada só pela dependência econômica, mas ideológica. Dominação que frustra todo esforço em prol de uma nova ordem social onde as classes subalternas, em um processo de emancipação político-social, poderiam substituir a classe dominante. A solução à crise pode ser encontrada na passagem das massas “[...] da passividade política para certa atividade e apresentam reivindicações que no seu conjunto não-orgânico constituem uma revolução” (GRAMSCI, 1977, Q 13, p. 1603). É preciso repensar a política, superar a idéia de um Estado forte e deixar transitar o desenvolvimento de uma consciência histórica da realidade e de uma ação política das massas para alcançar uma sociedade capaz de autogovernar-se. 8 A burguesia, classe dominante perdeu o consenso e “[...] as grandes massas haviam se afastado da ideologia tradicional, não acreditando mais no que antes acreditavam. A crise consiste exatamente no fato de que o velho morre e o novo não consegue nascer” (GRAMSCI, 1977, Q 3, p. 311). 40 Os acontecimentos europeus9 provocam uma ruptura irreparável entre massas populares e ideologia dominante, minando irreversivelmente a credibilidade nos métodos tradicionais da política baseada na força. A administração do poder apoiado sobre os sistemas coercitivos, como o fascismo, tornam-se inviáveis. As aspirações à democracia e a exigência de protagonismo das massas, na interpretação de Gramsci, favorecem a expansão da sociedade civil e revolucionam radicalmente a concepção do Estado (GRAMSCI, 1977, Q 7, p. 876). Muitos setores da sociedade já estão em condições, na leitura de Gramsci, de administrar sua liberdade a ponto de chegar a uma sociedade auto-regulada, pela participação ativa e autocriativa das massas e dos grupos organizados. Por isso enfatiza a formação de uma personalidade própria dos operários, a liberdade e a capacidade de iniciativa. Elementos que, juntamente com a formação das modernas democracias e organização da vida civil, permitem superar as teorias economicistas e a formação do homem-máquina ou gorila amestrado que não levam a uma nova sociedade política (GRAMSCI, 1977, Q 4, p. 460-461). Consciente das transformações do seu tempo, Gramsci, diversamente dos intelectuais contemporâneos que apóiam um Estado forte centralizador do poder, procura evitar os dois equívocos: o economicista e o liberal, que apresentam um Estado definido pelo pensador italiano ‘Estado-veilleur de nuit’ correspondente à expressão italiana ‘Stato carabiniere [...] ’. Um Estado que tem como funções “a tutela da ordem pública e do respeito às leis”. 9 “O desenvolvimento pertence às forças privadas, à A 1ª Guerra Mundial (1914-1918); a Revolução Russa (1917); os levantes operários na Europa; a formação dos grandes partidos políticos; a consolidação de regimes totalitários; a grande crise de 19291933; a afirmação dos Estados Unidos no cenário mundial como potencia hegemônica mundial. 41 sociedade civil, que é também ‘Estado’, alias o próprio Estado”. (GRAMSCI, 1991a, p. 148). É o Estado que se fundamenta sobre a propriedade privada, a posse, a exploração. É a identificação das teorias liberais: a concepção de Estado como estrutura puramente jurídico-coercitiva, de ‘carabiniere’, que não superou a mera fase corporativa, que não se desenvolveu em sintonia com a maturação das forças sociopolíticas emergentes na história. Assim, esta incapacidade de renovar-se e entender a realidade histórica concreta, disfarçada de liberdade e de neutralidade, abre o caminho para a fragmentação social e para o vazio político. A separação entre sociedade política e sociedade civil, de sinal de liberdade, acaba por transformar-se em condição propícia à formação de ideologias totalitárias prontas a intervir, principalmente nos momentos de crise e de desordem geral. O economicismo identifica o Estado com o governo, separando este último da sociedade civil por considerá-la um setor autônomo, regulado por normas ‘naturais’ de liberdade econômica: Naturalmente, os liberais ('economicistas') são a favor do Estado-'veilleur de nuit' e desejariam que a iniciativa histórica fosse entregue à sociedade civil e às diversas forças que nela pululam, ficando o 'Estado' como guardião da 'lealdade do jogo' e das suas leis (GRAMSCI, 1991a, p. 148-149). A outra visão, totalitária, visa identificar Estado e sociedade civil, unificando "ditatorialmente" os elementos da sociedade civil no Estado, na "[...] desesperada busca de controlar toda a vida popular e nacional" (GRAMSCI, 1977, Q 6, p. 763). Neste 42 caso, o consenso é obtido com a força e todas as manifestações sociais acabam centralizadas e dominadas pelo Estado. As duas posições são representadas, na Itália, pelo liberalismo de Croce10, que identifica o Estado com o Governo e a sociedade civil como um segmento autônomo promovedor da economia baixo o controle do Estado; e pelo fascismo de Gentile11, que exalta o Estado quase o personificando ao extremo de fazer dele razão de ser do indivíduo, a ponto de tornar-se substancial ao mesmo. As duas visões, mesmo com aparentes distinções apresentam igual raiz: um Estado coercitivo, controlador e tutor da ordem pública. Um único Estado com dois possíveis rostos: do ‘economicista’ e da ‘estatolatria’ (GRAMSCI, 1977, Q 8, p. 1028). O Estado ‘guarda noturno’ nada mais é que o Estado liberal na leitura de Lasalle, ‘estadista dogmático e não dialético’ (GRAMSCI, 1991a, p. 150), em claro contraste com o marxismo. Mas também tem outras características alem de apresentar-se coercitivo, tutelador e totalitarista, é um Estado que para subsistir terá que eliminar a liberdade: [...] ‘onde há liberdade o Estado desaparece’. Nesta proposição o termo ‘liberdade’ não é entendido como liberdade política, ou de imprensa, etc.’, mas como contraposto a ‘necessidade’ e se relaciona com a proposição de Engels sobre a passagem do reino da necessidade ao reino da liberdade (GRAMSCI, 1991a, p. 148). 10 Político e filósofo que marca a cultura italiana do inicio do século XX. Gramsci, muito embora reconheça o valor do pensamento e dos escrito de Croce, critica o titubear do mesmo frente aos grandes desafios nacionais da Itália no momento do surgimento do fascismo. 11 Filósofo que devota plena adesão à ideologia fascista tornando-se ministro do Regime e promovendo uma reforma educacional que vigorou na Itália democrática até a década de ’80, derrubada pela pressão da classe estudantil com greves e manifestações, marcadas pelo slogan: ‘Riforma Gentile, ti spazzeremo via’. 43 O Estado liberal permite que, o ‘guarda noturno’, aparentemente neutro, não impede a intervenção do mercado, aliás, exige a intervenção do mesmo no próprio Estado, assim como na sociedade. Desta forma, garantindo que o mercado por meio de suas ações e relações com o capital, obtenha a mais-valia do trabalhador, transformando os investimentos capitais em lucro, interfere na sociedade, de modo que haja o consumo da produção por meio daqueles que produzem, muito embora este mesmo capitalismo liberal não garanta a participação de todos na etapa de circulação. Dessa forma, o liberalismo que tem em suas ações a perpetuação do capitalismo promove pelos exageros, uma contradição: grande parte dos trabalhadores não usufrui da riqueza que produzem. É por isso que a liberdade do Estado ‘guarda noturno’ não pode ser plena, sob perigo de ele mesmo desaparecer, sendo que o Estado é a classe dominante e esta terá que dominar a classe subalterna. Para evitar os perigos do ‘economicismo’ e do ‘estatismo’, o pensador itlaiano defende uma relação dialética de "[...] identidade-distinção entre sociedade civil e sociedade política" (GRAMSCI, 1977, Q 8, p. 1028), duas esferas distintas e relativamente autônomas, mas inseparáveis na prática. De fato, a primeira, composta de organismos privados e voluntários, indica a ‘direção’, enquanto a segunda, estruturada sobre aparelhos públicos, se caracteriza mais pelo exercício do ‘domínio’. Para Simionatto (2005), é no contexto complexo dessas preocupações que Gramsci aprofunda suas reflexões a respeito das relações Estado/sociedade e classes sociais, e passa a pensar em uma nova estratégia revolucionária, a ser construída partindo do quadro sócio-histórico do seu tempo. Esse período sugere a emergência de novas relações sociais e uma crescente socialização da política. Gramsci percebe que 44 na sociedade capitalista madura o Estado se ampliou e os problemas relativos ao poder transformar-se em complexos. A sociedade civil, nova esfera que emerge, torna mais complexas as formas de estruturação das classes sociais e sua relação com a política. A categoria de sociedade civil, apresentada e esclarecida nos Cadernos do Cárcere, e em outros escritos, entre eles as Cartas a Tatiane (GRAMSCI, 1975b), apresenta os rasgos que tracejam a identidade da mesma: Livre, aberta, múltipla, dinâmica e criativa e, ao mesmo tempo, profundamente unificada em torno do objetivo dominante em toda a sua vida, ou seja, a elevação social, cultural e política das massas e dos excluídos, até a sua transformação em protagonistas autônomos duma sociedade verdadeiramente democrática (SEMERARO, 2001, p. 15). A acepção mais freqüente é a de um conjunto de organismos vulgarmente chamados privados: igrejas, escolas, associações privadas, sindicatos, partidos, entre outros (GRAMSCI, 1977, Q. 6, p. 703). Entretanto o termo é mais amplo. Apresenta também uma dimensão econômica: “Assim afirma-se que a atividade econômica é própria da sociedade civil” (GRAMSCI, 1977, Q. 13, p. 1589) 12. Gramsci supera a noção de sociedade civil que, na história moderna, passou a significar o espaço próprio da burguesia, a constituição de relações que, além da estrita esfera do Estado, vieram se formando em torno do mercado e da livre iniciativa, assim 12 As referências de Gramsci, referentes aos Cadernos, foram todas retiradas de: SCHLESENER, Anita Helena. Antonio Gramsci e a política italiana: pensamento, polêmicas, interpretações. Curitiba: UTP, 2005. ______ . Revolução e cultura em Gramsci. Curitiba: UFPR, 2002a. ______ . A noção gramsciana de Estado e a leitura de Bobbio. Cadernos de ética e Filosofia Política, 4. São Paulo: Humanitas FFLCH-USP, 2002b, p. 141-156. 45 como das normas que se criaram para regular a propriedade privada na complexa dinâmica das novas sociedades. Embora as origens do conceito de sociedade civil estejam relacionadas com a cultura política burguesa e liberal, Gramsci elabora um novo significado que o diferencia da tradição jusnaturalista e o conduz além dos horizontes desenhados por Hegel, Croce e o próprio Marx. Âmbito particular da subjetividade e de suas múltiplas expressões, a sociedade civil não é apenas o território exclusivo da burguesia, reservado para as suas iniciativas econômicas e a estruturação da sua hegemonia no mundo moderno. Para ele, sociedade civil é uma arena privilegiada de luta de classe, uma esfera do ser social onde se trava uma intensa luta pela hegemonia. Não se identifica com um Estado como queria Hegel, nem se reduz ao mundo das relações econômicas burguesas, como em Marx. É o terreno onde indivíduos privados de sua dignidade podem encontrar condições para construir uma subjetividade social, chegando a ser sujeitos quando, livres, mas não isolados, e organizados, se propõem desenvolver juntamente com as potencialidades individuais as suas dimensões públicas e coletivas. Sempre visto, o indivíduo, dentro de uma concreta trama social, como um sujeito interativo com outros sujeitos igualmente livres, com os quais se defronta e constrói consensualmente a vida em sociedade (SEMERARO, 2001). Ao defender a condição de sujeitos livres e ativos alargada às massas populares, Gramsci reinterpreta o conceito de homem como ser social e como cidadão de uma sociedade tão civil que chega a não mais precisar do Estado, sendo que a liberdade toma o lugar da necessidade e o autogoverno o lugar do comando. Eis então porque Gramsci se interroga sobre a sociedade civil. A centralidade do conceito decorre da significação do homem enquanto sujeito político. Não indivíduo a 46 serviço de outros, que o exploram e o controlam com o auxílio da coerção garantida pelo Estado hegemônico, mas um sujeito que, por pensar, e pensar bem produz cultura e transforma o seu entorno, porque se transforma a si mesmo, se emancipa. Portanto, emancipação do sujeito que implica sua inserção no processo de organização coletiva. Na visão do liberalismo, a sociedade civil é o espaço do indivíduo separado da esfera do Estado, estrutura exterior e opressora, mas inevitavelmente necessária para moderar os exageros dos interesses privados. Ponto de partida e de chegada são sempre a liberdade e o benefício do indivíduo. Em Gramsci, a sociedade civil que se infere poder vir a ser a Cidadania; é o terreno onde indivíduos privados de sua dignidade podem encontrar condições para construir uma subjetividade social, podendo chegar a ser sujeitos quando, livre e criativamente organizados, se propõem desenvolver juntamente com as potencialidades individuais as suas dimensões públicas e coletivas. Deste modo, para Gramsci, a concepção de liberdade adquire uma conotação positiva, de expansão social, não de diminuição e de limitação: a liberdade individual não termina onde começa a dos outros, mas se desenvolve ainda mais quando se encontra com a dos outros (SEMERARO, 1997). Os homens são sujeitos reais da história e não instrumentos passivos de determinações materiais ou espirituais. É o primado da subjetividade na atividade política. Gramsci funda a noção de subjetividade na filosofia da práxis, uma concepção onde os homens são sujeitos reais da história e não instrumentos passivos de determinações materiais ou espirituais. A filosofia da práxis encontra suas raízes, no imanentismo e na 47 [...] concepção subjetiva da realidade, pelo fato de que a inverte, explicando-a como fato histórico, como 'subjetividade histórica de um grupo social', como fato real que se apresenta como fenômeno de 'especulação' filosófica mas na realidade é simplesmente um ato prático, a forma de um conteúdo social concreto e o modo de conduzir o conjunto da sociedade a conseguir uma unidade moral (GRAMSCI, 1977, Q 10, p. 1226). O homem, na concepção de Gramsci, é impensável fora da história das relações sociais e das transformações operadas pelo trabalho organizado socialmente. A dimensão subjetiva e o momento ético-político, para Gramsci, não são o resultado de um efeito mecânico proveniente de estruturas objetivas nem se identificam com alguma idéia predeterminada que dirige a história misteriosamente, mas vêm a ser a expressão mais elevada do projeto hegemônico de sociedade que as classes subalternas são capazes de construir quando se constituem como sujeitos conscientes e ativos. Neste difícil e complexo processo de subjetivação, as novas forças sociais, antes agrupadas em sistemas econômico-corporativos, assumem progressivamente atitudes em contraposição à ideologia dominante até amadurecer uma visão independente e superior de mundo, para a qual convergem os diferentes grupos que lutam pelos mesmos horizontes sociais e políticos (SEMERARO, 1997). Gramsci define este processo de catarse, ou seja, [...] a passagem do momento meramente econômico (ou egoístico-passional) ao momento ético-político, quer dizer, a elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens... A estrutura, de força exterior que esmaga o homem, o anula, o torna passivo, transforma-se em possibilidade de liberdade, em instrumento para criar uma nova forma ético-política, em origem de novas iniciativas (GRAMSCI, 1977, Q 10, p. 1244). 48 A catarse, como processo de transformação efetiva da realidade individual e social, não apenas impede que a filosofia se torne dogmática e especulativa13, mas é o modo pelo qual, nesta passagem da estrutura à superestrutura, da necessidade à liberdade, o indivíduo se transforma em ser socialmente relacionado capaz de construir o sentido unitário da sociedade. As massas, em busca de protagonismo deverão, ensina Gramsci, formar uma nova hegemonia: a do proletariado. Não mais baseada sobre o consenso vertical, mas uma verdadeira relação pedagógica: educar-se para a arte do governo sem nada ocultar (GRAMSCI, 1977, Q. 10, p. 1320). Educação vivenciada como maneira de transitar para os grupos dirigentes. Nesse sentido é a democracia que permite a socialização do poder. A sociedade civil terá que educar para uma nova consciência individual e coletiva. Ao assumir a hegemonia, isto é, juntando os elementos de direção e coerção, não irá simplesmente substituir as atuais classes dirigentes burguesas. A visão de Gramsci é mais ousada. O Estado “[...] passível de extinção, irá se transformar em um Estado ético, ou, uma sociedade regulada” (GRAMSCI, 1977, Q 6, p. 763). Uma sociedade onde a coerção diminuirá até desaparecer e o consenso será o fio condutor desta nova democracia. A sociedade civil no pensamento de Gramsci torna-se um momento de significativa transição. Da fragmentação de interesses, vontades e desejos, com a assunção do poder, pela revolução das classes subalternas, usando da educação transita-se para a sociedade regulada. Neste estágio a coerção, que lenta, mas 13 Em sintonia com o pensamento marxista, que afirma a necessidade da filosofia sair do campo meramente especulativo para o da transformação da realidade. 49 sistematicamente inicia a amainar sua bandeira, dará lugar a um consenso amplo, incondicionado e permanentemente em construção. Sociedade civil então, torna-se um momento privilegiado para que o futuro não seja produto da imposição da política de uma classe, mas realidade preparada por todos os indivíduos organizados. É nesse contexto que Gramsci indica as possibilidades de construção de uma nova sociabilidade, de transformação das condições de vida das classes subalternas, passando, necessariamente, pela construção de uma nova hegemonia, cujo processo de estruturação não ocorre somente a partir do campo econômico. Exatamente porque Gramsci tem a clara compreensão de que a estrutura da sociedade é fortemente determinada por idéias e valores e não pela dependência econômica (SIMIONATTO, 2005). A posse privada tanto da terra como dos meios de produção da vida material (infra-estrutura da sociedade) tem, no plano da superestrutura ou da esfera ideológica e espiritual da sociedade, uma correspondência direta. Ciente que o detentor do poder material é detentor do poder ideológico, Gramsci avança em busca de uma nova resposta: a criação de um Estado operário, sendo que: “O Estado não é concebível mais como uma forma concreta de um determinado mundo econômico, de um determinado sistema de produção” (GRAMSCI, 1977, p. 1359-1360), mas representa: [...] um organismo próprio de um grupo, destinado a criar as condições favoráveis à expansão máxima deste grupo [...] o grupo dominante coordena-se concretamente com os interesses gerais dos grupos subordinados, e a vida estatal é concebida como uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito da lei) entre interesses do grupo fundamental e os interesses dos grupos subordinados (GRAMSCI, 1991a, p. 50). 50 Gramsci entende o Estado como um complexo político e ideológico que tem por finalidade adequar a civilização e a moralidade das massas às necessidades do desenvolvimento continuado do aparelho econômico da produção. Estado composto pela sociedade política, detentora dos mecanismos de repressão, e pela sociedade civil, entendida como espaço de formação de consenso e de difusão da concepção de mundo das classes dominantes (SCHLESENER, 2002a, p. 143), que não se sobrepõem nem se separam, mas que permitem ao Estado de se concretizar em uma dialética rede de relações e de poder. Assim surge uma nova expressão de Estado, o Estado socialista, não evolução do Estado capitalista: [...] mas continua e é um desenvolvimento sistemático das organizações profissionais e das entidades locais que o proletariado soube suscitar espontaneamente, por própria conta. A atividade que o proletariado realiza não pode absolutamente levar à aplicação dos poderes e do intervencionismo do Estado, mas deve levar à descentralização do Estado burguês, à expansão das autonomias locais e sindicais para além da lei reguladora (GRAMSCI, 1972, p. 315). Gramsci acrescenta à idéia de Marx e Engels, a idéia de hegemonia. Conceito que significa as supremacias culturais, econômicas, militares de uma sociedade, que por sua vez se transforma em poder e direção. Poder que a superestrutura utiliza, agindo e interagindo por meio de um movimento dialético entre infra-estrutura e superestrutura: “[...] resultado da luta entre a sociedade civil e a sociedade política de um determinado período histórico, com certo equilíbrio entre as classes”. (GRAMSCI, 1991a, p. 95) A hegemonia, por ser poder e direção, apresenta várias significações. Uma primeira é o processo de dominação e controle na sociedade civil de uma classe dominante por intermédio de uma liderança moral e intelectual sobre outras classes. 51 Não impõe, conforme enfatiza Giroux (1986) sua própria ideologia, mas inicialmente representa um processo político ‘aparentemente’ transformador e pedagógico, com elementos comuns à visão de mundo dos grupos dominados, pelo qual a classe dominante formula um princípio hegemônico. Um segundo significado é o de relação entre as classes dominante e dominadas. A primeira usa de suas lideranças políticas, morais e culturais para repassar e impor como universal, sua visão de mundo e dirigir as necessidades dos próprios dominados. A hegemonia, vista nesta ótica, é dinâmica, a fim de acomodarem-se as constantes mudanças das circunstâncias históricas e a dos seres humanos. Dinamismo que admite produzir uma relação entre dirigentes e dirigidos, permitindo que a classe dominada reivindique interesses sim, mas através de mecanismos dispostos pela classe dominante. Tal ação, em sua essência dialética entre poderes antagônicos, permite que se crie um conjunto de forças sempre dinâmico onde cada classe procura defender seus interesses e preservar ou alcançar o poder. Portanto, a hegemonia produz consentimento. Consentimento das classes subalternas a dominação da classe burguesa dado, não pela força ou pela lógica de produção, mas residente no poder da consciência e da ideologia. Consciência na qual repousam os fundamentos de uma estratégia para obter o consentimento ativo das massas através de sua auto-organização, começando pela sociedade civil e em todos os aparelhos hegemônicos: da fábrica à escola e à família. Assim, a hegemonia, enquanto direção exercida na sociedade transforma-se em ponto de equilíbrio/desequilíbrio por meio das relações de poder. Gramsci amplia o conceito de Estado escrevendo que: 52 […] na noção de Estado entram elementos que também são comuns à noção de sociedade civil –no sentido poder-se-ia dizer que Estado = sociedade política + sociedade civil, ou seja, hegemonia encouraçada de coerção (GRAMSCI, 1977, Q. 6, p. 703). O Estado moderno tem, portanto, duas funções: a coercitiva e a hegemônica. Ele não representa apenas a violência e a coerção, mas também o convencimento, o consenso, a adesão que se dão no plano superestrutural. Além de um aparelho repressivo e de comando, o Estado abrange também um conjunto complexo de relações, por meio das quais se efetiva um trabalho de mediação e de compromisso entre os diferentes grupos: dominantes, aliados e subordinados, capaz de determinar unidade de objetivos políticos e econômicos e até certa unidade de consciência. Desta forma o Estado, além de suas funções representativas de tutelar a sociedade de classes, exerce um papel fundamental na sua função pedagógica em construir, consolidar e reproduzir a direção cultural da classe hegemônica, para fortalecer o poder das classes dirigentes. O Estado torna-se educador, isto é criador de um novo tipo de civilização, sempre procurando transformismo ou na revolução passiva ou em não alterar o status quo do poder, isto é não fugir de uma rotatividade no poder governativo (GRAMSCI, 1977, Q. 4, p. 460). Deste modo trata-se de um Estado onde os elementos políticos e sociais se compenetram e se relacionam: O novo conceito de Estado deve, portanto, resultar da composição de elementos políticos e sociais; da força das instituições e da liberdade dos organismos privados; da inter-relação entre estrutura e superestrutura, da compenetração do aparelho estatal com a sociedade civil organizada (SEMERARO, 2001, p. 75). 53 Assim, a ampliação da esfera pública indica que o elemento Estado-coerção vai lentamente exaurindo-se, as funções de domínio e coerção vão sendo substituídas pelas de hegemonia e consenso e a sociedade política vai sendo reabsorvida pela sociedade civil para o advento do Estado ético ou sociedade civil. Para Gramsci, o Estado ético e educador deve assegurar a todos os cidadãos o acesso a escola democrática. Escola democrática, própria de um Estado Socialista, é aquela através da qual a sociedade coloca cada cidadão, em termos gerais e pelo mesmo abstratamente, na condição de se tornar governante. Escola que, muito embora exerça a função reprodutora a serviço do Estado, por ser uma escola única, pública, obrigatória, gratuita e aberta garante também aos filhos dos trabalhadores o acesso à cultura. Cultura não interpretada como conhecimento geral e abstrato, mas entendida como cultura próxima da vida e situada na história, que habilite o homem a interpretar a herança histórica e cultual da humanidade e a definir-se diante dela (GRAMSCI, 1991b). Gramsci não somente se destaca por criticar o Estado liberal, mas por superar o dogmatismo marxista a respeito do Estado, formado nesta leitura por duas esferas distintas, mas jamais separadas. Recupera a idéia de revolução ou luta de classes, que supera de muito o conflito de interesses no âmbito econômico, que se estende ao âmbito cultural sem nunca esquecer o objetivo final: a tomada do poder e a destruição do Estado (SCHLESENER, 2005, p. 54). O Estado, na interpretação gramsciana, se torna supérfluo não porque o privado não admite interferências na sua esfera, mas porque nas massas se desenvolve a responsabilidade pelo público e o coletivo. Ao absorver a sociedade política, a nova sociedade civil, que surge das organizações populares e valoriza a sua 54 criatividade, torna-se um organismo público, cria um novo Estado capaz de orientar a economia e as potencialidades sociais na direção do interesse geral. Gramsci não postula uma sociedade sem Estado (GRAMSCI, 1977, Q 9, p. 1111), mas uma nova sociedade que cria um novo tipo de Estado: um Estado Socialista, e neste Estado surge o cidadão gramsciano: [...] não é a evolução do Estado capitalista [...] mas continua e é um desenvolvimento sistemático das organizações profissionais e das entidades locais que o proletariado soube suscitar espontaneamente, por própria conta. A atividade que o proletariado realiza não pode absolutamente levar à aplicação dos poderes e do intervencionismo do Estado, mas deve levar à descentralização do Estado burguês, à expansão das autonomias locais e sindicais para além da lei reguladora (GRAMSCI, 1972, p. 315). O pensador italiano não é um teórico do Estado, mas um intelectual-militante das classes trabalhadoras em movimento na sociedade civil e em busca de uma Cidadania construída na participação e na responsabilidade. Gramsci não trabalha para edificar um Estado que distribua benefícios e proteção, mas para elevar intelectual e moralmente camadas cada vez mais amplas da população, para dar identidade às massas. A sua verdadeira preocupação é chegar a realizar nos indivíduos o salto revolucionário da condição de excluídos e de assalariados à de cidadãos, que tomam parte não apenas do processo de produção, mas também da direção política e cultural, fazendo com que este cidadão chegue a ser governante. Portanto, infere-se que Cidadania para Gramsci vem a ser a potencialidade humana das classes subalternas com habilidade para o governo. 55 Neste capítulo tentou-se recorrer à origem e características do Estado moderno embasado principalmente em Gramsci incorporando também Marx e Engel. Apareceu assim, o novo Estado liberal, fundado sobre a propriedade privada, divisão entre classes sociais, controlador e opressor, e se consolida no Estado capitalista que se organiza em todos os territórios por meio do poder político, estabelecendo controle e dominação através de leis e órgãos que compõem este enorme complexo. O intuito tem sido o de manter o controle entre pólos antagônicos, evitando a luta e a revolução. O Estado moderno, liberal em sua acepção, ao se estratificar apresenta um ideário que o caracteriza como suplantador das diferentes formas de monarquias e governos anteriores. É laico por não se submeter menos ainda identificar-se com interesses religiosos. Separa nitidamente o público do privado. O Estado é o público, identificado como poder político apto a criar e aplicar leis, recolher impostos, ter um exército. Já a sociedade, apresenta-se como o conjunto das atividades particulares dos indivíduos, principalmente de natureza econômica. Como o intuito é limitar a interferência entre as duas esferas, nitidamente separadas, e inibir excessos de poderes, criam-se instituições e mecanismos de controle e equilíbrio, tais como a divisão dos três poderes, e as de legitimação do mesmo, como a representatividade e mais tarde, o voto. Outra característica provém do liberalismo econômico, ou Estado mínimo, não intervencionista, que tem o intuito de defender e preservar a propriedade privada dos meios de produção, a livre iniciativa e a competição. Finalmente, o Estado liberal, ao abrir terreno para a autonomia, oferece uma sólida base ao individualismo, mas abre também um abismo que se transforma em inquietantes interrogações. Se cada indivíduo vem resguardado em sua própria 56 autonomia, em que base se pode estabelecer a vida social? Como conciliar o individualismo com as exigências inexoráveis da existência comunitária? Onde fincar a dimensão gregária do homem? Este Estado, para manter a hegemonia, conquistada, promove o surgimento e o fortalecimento de diferentes institutos, entre eles a religião, a escola, a família, sindicados, imprensa, com a finalidade de manter o controle e o poder e firmar os conceitos que o deixaram surgir: individualismo, liberdade, igualdade, propriedade, segurança e justiça. O propósito é, por meio de uma nova política, formar uma nova sociedade, transformando os indivíduos em novos sujeitos sociais, sempre dominados pelo poder coercitivo do Estado. Dessa forma, o Estado é o reino da força. Esta afirmativa marxista leva a uma conseqüência lógica: o Estado deve ser extirpado. Ao lutarem contra o poder da burguesia, que é a classe dominante, os dominados precisam destruir o poder estatal por meio de uma revolução. O pensador italiano, sem negar a leitura de Marx, oferece avanços à crítica para da construção de uma nova sociedade. Gramsci, mesmo apoiando a idéia de luta de classes, revolução e destruição do Estado liberal, recupera a unidade entre os poderes político e civil, tornando-os expressões distintas, mas não separáveis, de uma única realidade. Tal unidade permite ao Estado de concretizar-se em uma dialética rede de relações e de poder. O Estado terá que transformar-se, ampliar-se para permitir a interação das diferentes forças e elementos políticos e sociais. Pode-se afirmar que o Estado, na leitura destes pensadores marxistas, amplia a concepção restrita de Estado entendida como simples instrumento de dominação da classe dominante. Conceito como o de Estado ampliado de Gramsci, função do Estado 57 de estabelecer mediações entre as diferentes classes, forçaram o liberalismo a revestirse de nova aparência. A análise apresentada permite considerar que o Estado moderno, mesmo sem nunca chegar a uma aplicação da teoria marxista, se transforma. Estado minimalista, Estado do Bem Estar Social, Estado Providência. Características assumidas para não perder o domínio, muitas vezes em detrimento do sujeito e da sociedade. O Estado liberal é um centro de poder, representativo da classe burguesa, sustentado pela sociedade civil. Não supera as contradições sociais, mas acaba aprofundado-as e delas se fortalecendo. Para manter a hegemonia se adapta e, pelo consenso, recebe apoio das demais classes sociais. Assim, torna-se evidente que o Estado é, em sua realidade, uma contínua construção. Construção que apresenta intrinsecamente o conceito de inacabado e imperfeito. Um dos caminhos para que esta construção continue não operada somente pelas classes que detêm o domínio, mas pela totalidade dos sujeitos que a constituem, é a formação, não de indivíduos alienados da realidade sócio-política, mas conscientes e responsáveis que respondam a um novo conceito, o de cidadãos. É a questão que se abordará no capítulo seguinte. 58 3 ESTADO E CIDADANIA: UMA CONSTRUÇÃO ENTRE CONTRADIÇÕES E LUTAS Há aqueles que lutam um dia; e por isso são bons; Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons; Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda; Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis. (BRECHT, 2007a) Nas discussões referentes ao Estado, o capítulo anterior debateu as contradições e antinomias entre este e a sociedade civil. O Estado procura harmonizar os conflitos, tensões e contradições na sociedade estabelecendo os parâmetros para a ordem, o direito, a justiça, a paz, a segurança, a liberdade e a prosperidade. Desta forma, torna-se uma poderosa organização que regula a vida social, impelido pela racionalidade instrumental, a partir da evolução desenfreada do capitalismo: A sociedade liberal é caracterizada por uma tensão entre a subjetividade individual dos agentes na sociedade civil e a subjetividade monumental do Estado. O mecanismo regulador dessa tensão é o princípio da cidadania que, por um lado, limita os poderes do Estado e, por outro, universaliza e igualiza as particularidades dos sujeitos de modo a facilitar o controle social das suas atividades e, conseqüentemente, a regulação social (SANTOS, 1999, p. 240). O Estado constituiu-se na estrutura legal-institucional que mantém e articula o monopólio da racionalidade capitalista. A sua impotência nas relações externas leva a uma auto-afirmação interna, e que, conforme assevera FERREIRA (1993), impõe-se para manter o poder e camuflar a violência e a sua ineficácia. 59 O presente capítulo realiza uma análise da relação do Estado, principalmente no Brasil, com o conceito de Cidadania, com o intuito de debater o papel das políticas públicas educacionais a fim de ponderar a atuação do Estado na construção do cidadão, sujeito do mesmo. Em um primeiro momento se debate se a Cidadania é uma conquista da sociedade, um processo de luta, uma construção do Estado ou uma conquista baseada na construção de ambos os pólos. Um segundo momento analisa a discussão da Cidadania no Brasil e finalmente, um terceiro debate a relação Estado e educação, realidade onde as contradições da Cidadania se manifestam. 3.1 CIDADANIA: ENTRE CONSTRUÇÃO E CONQUISTA O termo Cidadania tem sido usado com freqüência, com diversos significados e em diferentes situações, devido à sua acepção abrangente, tornandose um conceito denso de implicações e representações. Por não ser uma definição estanque e, mais ainda, por estar hoje incluída dentro dos mecanismos de proteção constitucional, torna-se motivo de debates e diferentes interpretações apresentandose como um fenômeno complexo, ainda mais por ser uma das grandes questões da educação e, portanto, na interpretação de Ferreira (1993, p. 6), trazer no seu bojo o perigo de uma abstração da categoria. Já para Canivez (1991, p.15), a Cidadania define a pertença a um Estado, dando ao individuo status jurídico. Outra leitura é a de Demo (1995, p. 1), que a interpreta como a competência humana de fazer-se sujeito, para fazer a história própria e coletivamente organizada. Já para Dallari, 60 assevera que indica a situação política de uma pessoa e seus direitos em relação ao Estado: A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social (DALLARI, 1998, p. 14). Por ser a Cidadania uma construção histórica, faz-se necessário construir uma definição com um consenso mínimo sobre o seu significado, para que esse termo se traduza em valores e objetivos necessários para sua vivência, sendo que os conceitos em si não criam a realidade, mas são produtos históricos que buscam representar ou expressar a mesma realidade. Assim sendo, com a necessidade de compreender a Cidadania como uma produção histórica, na sua totalidade e contradições, a pesquisa elegeu como base conceitual a leitura de Marshall (1967) e Carvalho (2001). Os dois partem da concepção triádica da Cidadania: direitos civis, políticos e sociais. Marshall define Cidadania como [...] um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status. Não há nenhum princípio universal que determine o que estes direitos e obrigações serão, mas as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação a qual o sucesso pode ser medido e em relação a qual a aspiração pode ser dirigida (MARSHALL, 1967, p. 76). O conceito de Cidadania pode ser desmembrado em três aspectos: elemento civil, político e social. O cidadão pleno seria na visão clássica, o detentor dos três. A análise histórica do surgimento da Cidadania permite localizar o 61 aparecimento de cada um dos elementos em diferentes épocas. Os direitos civis, que correspondem aos direitos necessários à liberdade individual, liberdade de ir e vir, de imprensa, de pensamento e fé, de direito à propriedade, de direito à justiça, entre outros, formaram-se fundamentalmente no século XVIII (MARSHALL, 1967, p. 63). Para Quirino; Montes (1996), os direitos civis garantem a defesa dos cidadãos frente ao Estado e aos mais poderosos, numa sociedade que permanece estratificada, apesar da igualdade declarada perante a lei. Os direitos políticos, de participação no exercício do poder político, como membro de um órgão social ou como eleito dos representantes nestes aparelhos, aparecem no século XIX. Tais direitos corrigem em parte as diferenças entre o declarado pela lei e a divisão da sociedade em classes quase sempre antagônicas. Já os mais recentes deles, os direitos sociais, que implicam todos os direitos relacionados a um mínimo de bem estar social do indivíduo na sociedade, surgiram no século XX14. Estes últimos reduzem as desigualdades sociais geradas pelo capitalismo e garantem um mínimo de bem estar para todos. A cada elemento da Cidadania estão estreitamente ligadas determinadas instituições sociais. Aos direitos civis, os tribunais de justiça; aos direitos políticos, partidos e associações políticas; aos direitos sociais, o sistema educacional e os serviços sociais. Independe da conceituação de Cidadania adotada por diferentes autores, seguramente dois pontos podem ser apontados como consensuais: Cidadania 14 O mesmo Marshall (1967, p. 63-75) declara que os marcos divisórios terão que ser considerados com bastante elasticidade. Impossível é fixar rígidas cronologias para a epifania de cada um, sendo que em muitas situações aparecem juntos. 62 corresponde a direito e dever, isto é, à participação, e Cidadania diz respeito a um sistema de igualdade. De fato, afirma Canivez: A cidadania é, pois, a participação ativa nos assuntos da Cidade. É o fato de não ser meramente governado, mas também governante. Nesse sentido, a liberdade não consiste apenas em gozar de certos direitos, consiste essencialmente no fato de ser, como diz Hannah Arendt, co-participante no governo (CANIVEZ, 1991, p.30). Ou seja, quando se trata de Cidadania, trata-se em última instância, da natureza da participação que o indivíduo tem na comunidade em que vive; e esta participação, mesmo que teórica apenas, é sempre possível em bases iguais para todos os cidadãos. Marshall, ao analisar o impacto da Cidadania sobre o sistema de classes sociais, mesmo identificando-o como um sistema de desigualdade, afirma que reivindicar o status15 de cidadão “[...] equivale a uma insistência por uma medida efetiva de igualdade, um enriquecimento da matéria prima do status e um aumento do numero daqueles a quem é conferido o status” (MARSHALL, 1967, p. 76). Isto é, mesmo tendo por contexto a sociedade de classes com sua ‘desigualdade inerente’ seria possível uma situação de igualdade alcançada através da Cidadania, que carrega uma ‘igualdade inerente’. A Cidadania implica “[...] um sentimento direito de participação numa comunidade baseada numa lealdade a uma civilização que é patrimônio comum. 15 ‘Status’ para Marshall não corresponde a um padrão, estilo ou modo de vida que um indivíduo tem ou ostente em conseqüência de sua posição social; isto para ele é ‘status social’. ’Status’ é usado por Marshall sem nenhuma referência necessária à posição hierárquica. Nestes termos, pertencendo a uma comunidade, todo, indivíduo, independentemente de sua posição social, teria o ‘status’ de cidadão, com direitos e deveres iguais a todos que tivessem este mesmo ‘status’. 63 Compreende lealdade de homens livres, imbuídos de direitos e protegidos por uma lei comum” (MARSHALL, 1967, p. 94). Os efeitos da Cidadania frente à desigualdade das classes sociais, não alteram basicamente o sistema de divisão em classes da sociedade capitalista: [...] a igualdade não se refere tanto a classes quanto a indivíduos componentes de uma população que é considerada, para esta finalidade, como se fosse uma classe. A igualdade de status é mais importante do que a igualdade de renda (MARSHALL, 1967, p. 94). Assim sendo, para Marshall, mesmo existindo os desempregados, os menos favorecidos, existe uma igualação entre aqueles e o empregado, entre estes e os mais favorecidos. Essa idéia permitiria falar numa sociedade essencialmente igualitária, com base na natureza humana, sendo que as desigualdades continuariam existindo sem prejudicar a igualdade humana básica, associada à participação integral na comunidade, que admite existir, e que estaria acima das desigualdades provenientes da situação econômica. É até mesmo interessante que elas se mantenham para continuar existindo ambição social que leva a uma competição sadia a qual, por sua vez, impulsiona o sistema econômico-social. Portanto, as diferenças de status podem receber a chancela da legitimidade em termos de Cidadania democrática, desde que não sejam muito profundas, mas ocorram numa população unida numa civilização única e desde que não venham a ser expressão de privilégio hereditário (MARSHALL, 1967). Ao investigar o termo Cidadania Dallari (1998, p. 10) afirma que, embora tenha sido usado na Roma antiga, suas raízes estão na sociedade grega, mais especificamente na polis. Cidadania significava viver e participar da vida da cidade; viver e participar da associação dos pequenos núcleos de vida, tais como a família, 64 a tribo, mas também da grande esfera pública. Esta última relativa à atuação dos homens livres, que conviviam em uma relação de iguais, compartilhando a responsabilidade jurídica e administrativa pelos assuntos públicos. Viver nesta relação significava decidir tudo democraticamente. Democracia que na Grécia era direita, mas restrita a uma categoria social: a dos homens livres. Pois cidadão era o homem que vivia sim, em sociedade, mas livre, não incluindo mulheres, escravos, servos, menores, prisioneiros. Sociedade que ao se organizar se transformava em Estado permitindo ao indivíduo tornar-se cidadão, por meio da constituição de classes sociais para que participasse da ação política e fosse co-participante do governo. De tal modo, por Cidadania se entendia a condição do indivíduo pertencer a uma comunidade, com todas as implicações decorrentes de se viver em uma sociedade. Conforme Baracho (1994, p. 2), “[...] este conceito se vai modificando, enriquecendo, chegando a ficar inseparável da democracia, isto é, atinge-se uma situação em que não existem cidadãos sem democracia e ou democracia sem cidadãos”. Mas o conceito de Cidadania se ampliou para além da questão de viver a cidade. Foram os romanos que deram uma definição jurídica ao termo: A cidadania (o status civitatis dos romanos) é o vinculo jurídico–político que, traduzindo a pertença de um indivíduo ao Estado, o constitui perante este num particular conjunto de direitos e obrigações [...] A cidadania exprime assim um vínculo de caráter jurídico entre um indivíduo e uma entidade política: o Estado (LIBÂNEO, 1995 p. 18). O Direito Romano prevê que pertencendo a um determinado clã, automaticamente adquire-se status de cidadão, pois a gens e a família são organizações anteriores à civitas, base do Estado. Esta mesma pertença dá direito 65 à liberdade, condição indispensável à Cidadania. Esta última se torna, em Roma, uma relação vertical entre indivíduo e autoridade, alicerçada sobre o status. Faz-se uma distinção entre Cidadania passiva e Cidadania ativa16. Somente quem goza desse último modelo de Cidadania tem direito de participar das atividades políticas e administrativas da civitas (DALLARI, 1998). Nota-se a percepção das pessoas para efeito da Cidadania. Tal categorização se consolida com o advento do feudalismo, realidade prevalentemente rural que apresenta uma nova estratificação social: nobreza, clero, servos. Entre as classes não existe igualdade. O poder é depositado nas mãos da autoridade suprema, e se converte em monarquia absoluta17 (DAL RI JR; OLIVEIRA, 2002, p. 51). Com a anuência da Igreja, se aceita como natural a divisão da sociedade e a Cidadania, por basear-se em relação pessoal e bilateral entre o soberano e o súdito, não define estatuto pessoal comum a todos os cidadãos, mas refere-se apenas à relação do indivíduo com o monarca, mais tarde substituído pelo Estado. O Feudalismo ao entrar em crise por uma série de fatores sociais, religiosos, econômicos, inicia um processo de transição. Diante da crise agrária, fazia-se necessário a conquista de novas áreas produtoras. Diante da crise democrática fazia-se necessário o domínio sobre as populações não européias. Diante da crise monetária fazia-se necessária a descoberta de novas fontes de minérios. Diante da crise social fazia-se necessário um monarca forte, controlador de tensões e das lutas sociais. Diante da crise clerical fazia-se necessária uma nova Igreja. Diante da crise espiritual fazia-se necessária uma nova visão de Deus e do mundo. Começavam os tempos modernos (FRANCO JR., 1982, p. 93). 16 Outros autores, entre eles LISZT, Vieira em Cidadania e globalização... (2002); CANIVEZ, Patrice. Educar o cidadão? Ensaio e textos... (1991); falam de Cidadania passiva e Cidadania ativa. 17 Bodin (1530-1596), teórico do Estado absoluto, fundamenta a sua construção na família como modelo principal de organização humana, de tal forma que nela justifica o poder soberano de alguns indivíduos sobre outros, afirmando que no Estado como na família, alguns indivíduos assumem função de súditos e outros de soberanos. 66 Essas diferentes crises afetam também as relações sociais, de produção, propriedade e trabalho, desencadeando uma série de Revoluções. As manufaturas colocaram o trabalho sob novas bases, transformaram as relações de propriedade e a relação entre trabalhador e empregador. A produção capitalista, ainda na sua forma manufatureira, muda a forma da propriedade. A propriedade capitalista típica será não mais a terra e sim a propriedade dos instrumentos de produção. Assim a propriedade burguesa não é só alguma coisa para possuir, para usufruir, mas, sobretudo, para vender, para trocar (BUFFA; ARROYO; NOSELLA, 1996, p. 15). Na transição lenta, mas progressiva e inexorável do Feudalismo para a Modernidade, aparece uma nova classe social: a burguesia, que inaugura a nova sociedade baseada em uma renovada democracia vinculada aos direitos de liberdade, pensamento, produção e propriedade privada. Direitos que, próprios da nova classe, excluem a maioria da população e lhe permitem, como já na antiga Grécia, participar da vida urbana, ser sujeito de direitos e deveres. A partir de então, o homem do povo é situado em uma escala social inferior, não participando integralmente da vida social. Portanto, a burguesia representa a principal força que impulsiona a renovação nos países em desenvolvimento da Europa. Uma classe sem nobreza, mas detentora de um novo poder: o econômico. Domina a nascente indústria, orienta o comércio, explora as novas colônias, se apóia nas novas tecnologias. Esses requisitos dão à burguesia uma condição única: ser parte e distinguir-se ao mesmo tempo do povo. Igualar-se às classes dominantes: nobreza e clero, pensar como elas e, como povo revoltar-se: [...] os burgueses e os trabalhadores já não suportavam as arbitrariedades e as injustiças praticadas pelos reis absolutistas e pela nobreza e por esse motivo, unindo-se todos contra os nobres, fizeram uma série de revoluções, conhecidas como revoluções burguesas (DALLARI, 1998, p. 11). 67 À medida que as Revoluções iam acontecendo, os trabalhadores perdiam direitos e condições materiais de sobrevivência, os burgueses conquistavam mais riquezas, poderes e direitos, caracterizando uma nova forma de divisão social, não mais com base nos estamentos feudais, e sim em classes: burguesia e proletariado. O significado original do conceito de Cidadania se associa ao de burguês e não a todo o povo. O termo burguês adquire uma clara conotação de classe social, como designativo de um segmento da sociedade, perdendo sua conotação universal, própria de todo o gênero humano. Com a palavra cidadão, a burguesia constrói um patrimônio ideológico que lhe outorga poder e ao povo, a ilusão de ser igual (MARTINEZ, 1996). Como conseqüências das mudanças na economia e na sociedade, a atribuição de direitos e deveres também sofre alterações, beneficiando algumas categorias mais e outras menos. À burguesia outorga-se o direito de ser detentora da Cidadania plena limitando o acesso dos demais homens à mesma, todos eles qualificados como cidadãos incompletos, se possuidores de alguns direitos; ou não cidadãos, se detentores de nenhum direito (CARVALHO, 2001, p. 9): assim, adquiridos os direitos civis, a burguesia deixa de ser povo e revolucionária, e o seu lugar vem a ser ocupado pelo proletariado, que passa a reivindicar novos direitos. Concomitante à ascensão da burguesia, no campo das idéias, uma nova tendência intelectual, social e política do século XVIII, de forte conteúdo filosófico surge: o iluminismo. Os pensadores, com suas crenças no poder da razão e da possibilidade de reorganizar profundamente a sociedade, seguindo princípios racionais inspiram, muitas vezes involuntariamente, os opositores do absolutismo apoiando a revolução em França. 68 Nesse momento e nesse ambiente, na interpretação de Dallari (1998), nasce a moderna concepção de Cidadania, que surge para dar igualdade a todos, mas que em seguida, foi utilizada para garantir a superioridade de novos privilegiados. O Iluminismo busca retomar elementos fundamentais para a constituição da Cidadania como participação política, próprio da Grécia. Os pensadores desse movimento buscam a libertação do indivíduo preso ao poder do Estado absoluto e da Igreja: É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer, mas a liberdade política não consiste nisso [...] Deve-se ter sempre em mente o que é independência e o que é liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder (MONTESQUIEU, 1973, p. 155-156). Já Rousseau acrescenta uma Cidadania inclusiva, estendida a todos os membros do povo e caracterizada por três fatores: liberdade, igualdade e independência. Os três elementos concebidos como algo inerente ao ser humano: Enquanto os homens [...] só se dedicavam a obras que um único homem podia criar [...] viveram tão livres, sadios, bons e felizes quanto o poderiam ser por sua própria natureza, e continuaram a gozar entre si das doçuras de um comércio independente; mas desde o instante em que um homem sentiu necessidade do socorro de outro, desapareceu a igualdade, introduziu-se a propriedade, o trabalho tornou-se necessário [...] logo se viu a escravidão e a miséria germinarem e crescerem com as colheitas (ROUSSEAU, 1973, p. 28). Surge, portanto, a nova classe dominante: a burguesia. Opondo-se às idéias dos filósofos iluministas após a Revolução Francesa, inicia um processo de esvaziamento do conteúdo da Cidadania conquistada pelo povo na luta, pauperizando principalmente a dimensão de participação política. 69 A revolução popular que mudou o rosto da história foi acompanhada por uma outra revolução no âmbito jurídico, que definiu a noção de Cidadania. No ano de 1791, os lideres da Revolução aprovam a primeira constituição recuperando a antiga diferenciação romana entre Cidadania passiva e Cidadania ativa. Dallari (1998) ressalta que a Cidadania deixa de ser um símbolo de igualdade de todos e a derrubada dos privilégios da nobreza dá lugar ao aparecimento de uma nova classe de privilegiados. A Cidadania, com seu conteúdo político neutralizado, é efetivamente associada à nacionalidade e relacionada com a propriedade privada. A Constituição mantém a monarquia e, contrariando o princípio de igualdade de todos, estabelecese que para participar na vida política, é preciso ser cidadão ativo, isto é, ser francês, homem, proprietário de bens e ter renda fixa. Convalida essas idéias Locke (2001, p.88), ao afirmar que: “[...] a grande e principal finalidade dos homens que se unem em comunidade é a preservação de sua propriedade”, confirmando que todos os homens são livres, proprietários de si e iguais. Assim, a função principal do Estado é a de tornar-se afiançador da propriedade dos homens que ele mesmo governa. A igualdade defendida por Locke está restrita apenas aos cidadãos, sinônimo de proprietário. No referente à classe trabalhadora, cabe somente obedecer às leis que o poder do Estado, exercido pelos Cidadãos ativos, promulga. A propriedade torna o indivíduo cidadão, portanto, objeto das leis é assegurar a liberdade e a propriedade. A burguesia, economicamente consolidada, conquista o poder político para implantar a democracia burguesa sinalizada na Declaração dos Direitos do Homem 70 e do Cidadão18. Documento inspirado na Declaração da Independência americana de 1776 e na doutrina iluminista que reforça a propriedade não somente como um direito, mas também como garantia de dignidade. O conceito de Cidadania, no contexto do liberalismo terá como características o seu aprisionamento ao princípio da nacionalidade e será politicamente neutralizado. Poderia se afirmar que a Cidadania liberal se organiza em torno do primado do sujeito e do valor absoluto da liberdade e da propriedade, desconfia do despotismo da maioria e do sufrágio universal, opõe o respeito das regras ao arbítrio do poder, refuta o intervencionismo do Estado e elogia a representação (DAL RI JR., 2002, p. 77). Só uma parcela da sociedade alcança a plenitude dos direitos de Cidadania segundo a conceituação da interpretação burguesa. A igualdade de todos diante da lei não elimina as desigualdades de muitos em relação à liberdade de expressão e aos direitos de participação política. Discordando com a consolidação dos direitos de uns em detrimentos de todos, Marx, nos Manuscritos econômicos-filosóficos, lamenta que a Cidadania seja reduzida pela Declaração dos Direitos Humanos a pura questão política: Torna-se o assunto ainda mais incompreensível quando observamos que os libertadores políticos reduzem a cidadania e a comunidade política, a simples meio para preservar os chamados direitos do homem... é o homem como bourgeois e não o homem como citoyen que é considerado como homem verdadeiro e autêntico (MARX, 2001, p. 33). Nesta perspectiva, os direitos aqui criticados são os do homem burguês. A classe burguesa se apropria do conceito de Cidadania como garantia para superar a 18 Em 26 de agosto, em meio à Revolução Francesca, é elaborada a Declaração dos Direitos do homem e do cidadão. O art. 1º reza: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais nos direitos. As distinções sociais só podem ser baseadas sobre a utilidade comum”. O último consagra a propriedade privada: art. 17º “Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado, ninguém poderá dela ser privado [...]” (COMPARATO, 1999b). 71 antiga ordem feudal, por meio das revoluções que pregam os direitos a todos. Ao apropriar-se do poder, domina e esvazia o conceito real de Cidadania, excluindo os demais grupos sociais da participação política por não serem proprietários. Para tanto, oferece uma nova forma de democracia. A democracia liberal oferece uma única finalidade: conter as massas e evitar novas Revoluções19. Ela tem sido a forma de criar mecanismos materiais para que o controle da situação, a proteção da propriedade privada e a detenção do poder, não saiam das mãos das classes dominantes, que usam o Estado como um instrumento com função mediadora entre capital, trabalho e poder. Marx critica o Estado liberal e a propriedade privada como promovedora das desigualdades sociais: A propriedade privada nos tornou tão estúpidos e parciais que um objeto só é nosso quando o temos, quando existe para nós como capital [...] Portanto, todos os sentidos físicos e intelectuais foram substituídos pela simples alienação de todos os sentidos, pelo sentido do ter (MARX, 2001, p. 142). O fundador do marxismo propõe uma nova revolução para superar a exclusão imposta pela burguesia, cada vez mais forte pelo desenvolvimento do capitalismo. Não mais basear-se sobre a detenção e posse dos bens, mas sobre a distribuição dos mesmos na base da solidariedade. De fato, a aspiração, ou a utopia socialista, “[...] de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades” (MARX, 2002, p. 43), oferecem uma visão da solidariedade que influencia o projeto socialista. A frase 19 As mais significativas, depois da Francesa de 1789, foram as jornadas de 1848 e a Comuna de Paris de 1871. Nesta, os trabalhadores organizados, mesmo de inspiração anarquista, formam a Comuna que estabelece um poder paralelo e uma nova comunidade com base na socialização dos meios de produção. Outra inovação da Comuna foi a proposta de democracia popular de base fundada sobre dois princípios: a organização democrática sempre inicia de baixo para cima e a função do Estado que é a de servir à base. O governo burguês com uma intervenção violenta dá fim à Comuna. 72 representa o lema do sistema que ultrapassa a simples divisão do produto pelo tempo e qualidade do trabalho, mas visa, sem competições desreguladas, próprias do capitalismo, a qualidade do homem e suas necessidades mais verdadeiras. Para o socialismo, muito ao contrario, constitui rematado absurdo imaginar que a harmonia social pode resultar de uma concorrência de egoísmos. Sem o respeito ao princípio de solidariedade (solidum, em latim, significa a totalidade), isto é, sem que cada cidadão seja, efetivamente, responsável pelo bem estar de todos, jamais se chegará a construir uma sociedade livre e igualitária (COMPARATO, 1999a, p. 12). A construção dessa nova sociedade será alcançada através de uma revolução20, pela qual os proletários passariam de escravos de sua força trabalho a proprietários coletivos dos bens de produção. Só após garantir esses direitos chegaria o comunismo, preconizado por Marx (2002) onde cada um trabalharia conforme sua capacidade e receberia conforme suas necessidades, sendo função do Estado providenciar e garantir os direitos conquistados. O sucesso do socialismo, na interpretação de Marx, encontra-se ao alcance do proletariado, na medida em que contesta o capitalismo e engendra uma nova realidade: uma radical redução do tempo de trabalho. Como conseqüência, o trabalho deixaria de ser a grande fonte de riqueza e o tempo de trabalho de ser a medida dessa riqueza. Portanto, o valor de troca deixaria de ser medida do valor de uso e a abolição do capitalismo seria a condição que permitiria essa redução para um número muito mais elevado de indivíduos. 20 A Comuna de Paris, apesar de seu tempo curto de vida, é um dos melhores exemplos, cujo fracasso reflete, na verdade, uma das maiores vitórias do socialismo. Enquanto as inúmeras experiências de revolução acabaram por fracassar porque, ao final, perderam todo o seu caráter socialista, a causa da derrota da Comuna para Marx (e de fato, ele critica essa atitude) deve-se exclusivamente à solidariedade e bondade. 73 Nesta perspectiva, a construção do socialismo ocorreria de forma cotidiana, sendo que a história se dá de modo contínuo, constante e contraditório, por meio dos antagonismos oriundos dos conflitos entre classes sociais e que à frente do movimento histórico estão as condições concretas e materiais da existência humana. Os trabalhadores não devem apenas tomar posse do aparelho estatal burguês estabelecido, mas devem romper com este e destruí-lo inteiramente, criando uma nova base de ordenação social. Em síntese, a Cidadania não foi alcançada por decreto. Mesmo sem nunca ter sido obtida plenamente na história, a busca implicou lutas ferrenhas dos seres humanos para tornarem-se mais humanos. Luta pela busca da liberdade para uma vivência plena da dignidade humana. Como visto nesta primeira parte do capitulo, a Cidadania compõe-se de um conjunto de direitos fundamentais para a existência plena da vida humana: direitos civis, que é o domínio sobre o próprio corpo; direitos políticos, para deliberar livremente sobre a própria vida; direitos sociais, que garantem a satisfação das necessidades básicas. Entende-se que a Cidadania não pode estar desvinculada das reais condições sociais, políticas e econômicas que constituem a sociedade. A Cidadania exige o exercício de deveres para que os próprios direitos se efetivem. Isto significa que cada indivíduo deve fomentar a busca e a construção coletiva dos direitos, o exercício da responsabilidade com a coletividade, o cumprimento de regras e de normas de convivência (DALLARI, 1998). Destarte, a história da Cidadania mostra bem como esse valor encontra-se em permanente construção. A Cidadania constrói-se e conquista-se. A Cidadania instaura-se a partir dos processos de lutas que culminaram na Declaração dos Direitos Humanos, dos Estados Unidos da América do Norte, e na Revolução 74 Francesa. Esses dois eventos rompem com o princípio de legitimidade que vigora até então, baseado nos deveres dos súditos, e passam a estruturá-lo a partir dos direitos do cidadão. O grande desafio da Cidadania para não perecer, é manter a tensão permanente entre a individualidade e a universalidade do homem (DALLARI, 1998). Portanto, sempre de acordo com Dallari (1998), a história da Cidadania confunde-se com a história dos direitos humanos, a história das lutas para a afirmação de valores éticos, como liberdade, dignidade, igualdade entre todos indistintamente. Objetivos perseguidos por aqueles que anseiam por liberdade, mais direitos, melhores garantias individuais e coletivas frente ao poder e a arrogância do Estado que se diz democrático e exclui das conquistas sociais um contingente enorme de pessoas, dificulta o direito e exige obediência irrestrita às leis, que visa o mercado, a competição e um cidadão-consumidor. A conquista da Cidadania depende dos membros de uma sociedade que luta para ter acesso aos direitos através da mobilização organizada e da busca de uma participação ativa que amplie o conceito e a prática de Cidadania para mulheres, crianças, minorias nacionais, étnicas, sexuais, etárias, religiosas e outras. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que, na sua acepção mais ampla, Cidadania vem a ser a expressão concreta do exercício da democracia, que vai além da representativa e formal, fazendo de cada cidadão um co-participante e governante. 3.2 ASPECTOS DA CIDADANIA NO BRASIL A história da construção da Cidadania se confunde, no Brasil, desde a época colonial, com as lutas pelos direitos fundamentais da pessoa. Lutas marcadas por 75 massacres, violência, exclusão, quase sempre reprimidas, sem jamais alcançar reais benefícios. Entretanto, segundo Carvalho (2001), é inegável que houve conquistas e à diferença dos demais países, o Brasil apresenta duas variantes na luta pela Cidadania que determinam sua identidade: A primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos, o social, em relação aos outros. A segunda refere-se à alteração na seqüência em que os direitos foram adquiridos: entre nós o social precedeu os outros [...] uma alteração dessa lógica afeta a natureza da cidadania (CARVALHO, 2001, p. 11-12). A Cidadania está vinculada às condições sociais e políticas de um país. As mudanças que ocorrem no Brasil, por serem reflexo dos condicionamentos externos, sempre estiveram ligadas ao avanço do capitalismo como sistema econômico mundial em geral; e por ser colônia, ligada especialmente à Coroa de Portugal. Portanto, muito raramente tomam-se decisões que representem mudanças significativas para a sociedade civil, de fato, assevera Faoro (2001): [...] grupos de indivíduos cuja elevação se calca na desigualdade social, supõe distância social e se esforça pela conquista de vantagens materiais e espirituais exclusivas, não vinga a igualdade das pessoas; configura um governo de minoria: poucos dirigem, controlam e infundem seus padrões de condutas a muitos, governo patrimonial que se projeta e domina ‘de cima para baixo’ (FAORO, 2001, p. 53). Dessa maneira se configura a desigualdade que fundamenta o injusto sistema capitalista. A minoria se transforma em elite que legifera em benefício próprio, usando do poder para excluir e justificar a dominação. À sociedade em 76 geral, somente cabe acatar e assimilar os padrões de condutas impostos, mas jamais respeitados, pelos detentores do poder: as elites dominantes. Impõe-se, portanto o modelo patrimonialista que frustra desde o início toda idéia de autonomia, liberdade e Cidadania, parâmetros indispensáveis para a implantação da democracia. Ao contrário, o estilo burocrático-patrimonialista do Estado passa a regular a sociedade favorecendo a centralização políticoadministrativa nas mãos de poucos que se tornam, no imaginário do povo, os que têm condições para resolver problemas, satisfazer necessidades e oferecer proteção. A natureza histórica da construção da Cidadania no país surge não a partir de reivindicações ou lutas mas, conforme declara Carvalho (2001), na medida em que se identificam como parte de uma nação: [...] as pessoas se tornavam cidadãs à medida que passavam a se sentir parte de uma nação e de um Estado. Da cidadania como a conhecemos fazem parte então a lealdade a um Estado e a identificação com uma nação (CARVALHO, 2001, p. 12). Todos os momentos de crises e impasses que o Brasil vive, denominados por Romanelli (1990, p. 47) de revoluções21, são apenas mudanças conjunturais e não estruturais, e conduzem à implantação plena e definitiva do capitalismo no país. Tais conjunturas não permitem uma implantação real da democracia, base para qualquer forma de Cidadania. O que ocorre nada mais é que uma mudança de grupo no poder, uma vez que a estrutura permanece capitalista, embora com características diferenciadas. 21 São os acontecimentos de 1822; 1930; 1945 e 1964. 77 No Brasil apresenta-se uma superposição entre sociedade civil e Estado, prejudicando a autonomia das duas esferas. O poder privado acaba assentado no poder público e o Estado atrela-se a interesses privados. O Estado, nesta perspectiva, adquire primazia sob a sociedade civil, pois conta com a racionalidade burocrática, como instrumento de poder a seu favor (FERREIRA, 1993). A sociedade civil aparece como instância apolítica, devido à conseqüência do tipo de desenvolvimento da colonização no país, à formação das elites, do sistema político e de como as relações de dominação frearam o processo emancipatório e reafirmaram a dependência. A formação sócio-político-cultural do povo brasileiro é uma herança de um Estado Patrimonial, centralizador e nãodemocrático. De fato Ferreira afirma: Aprendemos a conviver com o autoritarismo, a aceitar, o despotismo como forma natural de governo, desde que ele nos mantenha alimentados e empregados, nos dê segurança, enfim, faça aquilo que o povo deseja (FERREIRA, 1993 p. 202). Devido a essa herança histórica estabelecem-se distinções, discriminações e preconceitos, não somente em relação às condições materiais, mas também no plano cultural, por diferenças de origem social, raça, cor, sexo e idade. Há cidadãos detentores de amplos privilégios e os que são privados até dos mais elementares recursos de subsistência. Ressalta Ferreira (1993), que isto aparece evidente na organização política onde o poder dos coronéis primeiro, das oligarquias depois, ou é paralelo ou controlador do mesmo Estado. Tal herança influencia o ideal de Cidadania, sendo que as classes populares sempre são excluídas de todo processo de decisões políticas e as principais conseqüências são as relações patrimonialistas 78 estabelecidas, que acabam por influenciar os ideais de autonomia e liberdade da sociedade brasileira. Como assevera Ferreira, o Estado patrimonial subordina a sociedade a relações de poder paternalizadas, onde se apresenta como o benévolo e protetor. É a concepção dominante de Estado que vem a ser “[...] o doador, o fazedor da ordem, da justiça, do direito e do favor [...] Todos esperam do Estado favores que possam ser redistribuídos de alguma forma" (FERREIRA, 1993, p. 201-202). Em sua formação histórica o Estado Brasileiro, configura-se antes que a sociedade civil, por não ser conquistado, mas imposto. Faoro (2001) atribui à herança portuguesa a raíz desse Estado centralizador, burocrático e patrimonial, implantado desde a época da colonização e consolidado após a instalação da família imperial no Brasil. Torna-se uma organização político-burocrática sem vinculação com a realidade social, onde a definição de suas leis se contrapõe aos interesses e anseios do povo. De acordo ensina Faoro (2001, p. 267) "O príncipe fala diretamente ao povo, destacando claramente as ordens únicas e separadas da realidade, a do Estado e a da Nação". Por isso, Faoro (2001) afirma que a soberania popular no Brasil é uma farsa, sendo que a elite política em busca pela hegemonia, reveste-se dos anseios populares, bem como a incipiente burguesia na Europa dos séculos XVII-XVIII, para conseguir o poder e, alcançado, distancia-se das massas que, mesmo em uma democracia instalada, não é atuante, mas continua de baixo da égide de um Estado patrimonial-burocrático: Sobre a sociedade, acima das classes, o aparelhamento político – uma camada social, comunitária embora nem sempre articulada, amorfa muitas vezes – impera, rege e governa, em nome próprio, num círculo impermeável de comando [...] o estamento burocrático comanda o ramo civil e militar da 79 administração e, dessa base, com aparelhamento próprio, invade e dirige a esfera econômica, política e financeira (FAORO, 2001, p. 824, 826). Conseqüência dessa conjuntura torna-se o desajuste da sociedade brasileira para adaptar-se ao modelo capitalista de produção e a uma política de assistencialismo e protecionismo. Nesse sentido, Demo (1995) define o Estado brasileiro perante duas posturas, a liberal e a socialista, as quais permeiam e conduzem toda a estrutura social, política, cultural, histórica e econômica do Brasil. Na postura liberal, o Estado vem servindo às leis de mercado; a liberdade pregada tem sido uma ilusão, pois, existe só para quem detém os meios de produção, não há igualdade de oportunidades. O mercado mantém constante controle sobre o Estado, que se apresenta, este último, subserviente ao primeiro. Surge assim no Brasil, uma sociedade dividida entre os detentores de bens, muitas vezes terras e fábricas, e os que não têm acesso a eles. Na postura socialista, existe uma supervalorização do Estado, no sentido de que seja representante da sociedade. Nesta, tem-se a ilusão de um mínimo de dignidade social e sobrevivência material. As posições que alicerçam o Estado brasileiro mesclam-se nestas posturas, tornando-se um eixo de tensões entre as duas. Porém, tanto uma quanto a outra, suprimem a ação da sociedade civil e de um caminho para a Cidadania, pois, ou favorecem a competição e exploração ou submetem a sociedade à condição de tutela do Estado. Portanto, assevera Demo, temos no Brasil diferentes formas de Cidadania. A tutelada que [...] expressa o tipo de cidadania que a direita (elite econômica e política) cultiva ou suporta, a saber, aquela que se tem por dádiva ou concessão de cima. Por conta da reprodução da pobreza política das maiorias, não ocorre 80 suficiente consciência crítica e competência política para sacudir a tutela (DEMO, 1995, p. 6). Por outro ângulo, Cidadania pode ser compreendida como a assistida que [...] expressa forma mais amena de pobreza política, porque já permite a elaboração de um embrião de noção de direito, que é o direito à assistência, integrante da toda democracia. Entretanto, ao preferir assistência à emancipação, labora também na reprodução da pobreza política, á medida que, mantendo intocado o sistema produtivo e passando ao largo das relações de mercado, não se compromete com a necessária equalização de oportunidades (DEMO, 1995, p. 6). Na interpretação de Demo (1995), a Cidadania tutelada, própria da direita, revela dificuldade de aceitar direitos humanos incondicionais; a assistida, própria da esquerda, quase sempre estatizante, esquece da produção em favor de um Estado provedor. Mas é na década da redemocratização22 que o Brasil pretende alcançar o status de Estado do Bem-Estar, muito embora a prática não tenha promovido tal mudança. O Brasil apresenta-se como um país capitalista dependente, faltando construir um modelo próprio de desenvolvimento: A mistura sui generis de neoliberalismo e sovietismo que o Estado brasileiro arrumou, repercute em incontáveis disparates públicos, com graves prejuízos para a população, acrescentando ao saque clássico produzido pela direita, o parasitismo recente incentivado pela esquerda (DEMO, 1995, p. 79). Teoriza-se sobre um Estado de Direito, mas são vivas as contradições do sistema produtivo e da miséria. O Estado do Bem-Estar pressupõe uma Cidadania 22 Com o término da ditadura militar e o retorno da escolha dos governantes, consagrados com a promulgação da Constituição Federal de 1988, reinicia o processo de democratização para uns, redemocratização para outros. 81 atuante e um dinamismo econômico, o que não ocorre pela concentração de riqueza e poder. A imitação do Estado do Bem-Estar tem como seqüela a Cidadania assistida, ou seja, aquele que propõe o direito à assistência, como integrante da democracia (DEMO, 1995). Em 1822, com a proclamação da Independência, dá-se uma aparente liberdade com a ‘concessão’ dos direitos civis, oferecido, mas não conquistados, mesmo que alguns segmentos da sociedade acompanhem os acontecimentos políticos. Proclamação da Independência que pouca mudança oferece. Nesta perspectiva a lei não garante igualdade, nem justiça social, não há Cidadania socialmente constituída. A herança colonial pesou [...] o novo país herdou a escravidão, que nega a condição humana do escravo, herdou a grande propriedade rural, fechada à ação da lei, e herdou um Estado comprometido com o poder privado (CARVALHO, 2001, p. 45). O termo Cidadania no Brasil aparece pela primeira vez na Constituição Imperial de 1824 e foi retomado na primeira Constituição republicana de 1891, sempre entendida de forma pouco clara. A partir de 1930, ressalta Bernardes (1995, p. 30), ocorre uma especificação do termo, aplicando a definição de cidadão aos que vivem no país e exercem direitos políticos, portanto como sinônimo de Cidadania política. Em 1824, o Imperador Dom Pedro I impunha à nação sua primeira Constituição. Ela outorgava inúmeros poderes ao imperador tornando-o Moderador, isto é, poderia vigiar e limitar os demais poderes. Constituição de 1824 concede o direito de votar. Nesse ambíguo contexto, a 82 Segundo Carvalho (2001), a liberalidade da legislação é ampla, pelos padrões da época, mesmo assim continuam emarginadas as massas: os escravos, os analfabetos, as mulheres. Renda e propriedade, em linha com a ideologia capitalista, inspirada no pensamento de Locke (2001), são os fatores delimitadores da inclusão ou exclusão. Votam todos os homens maiores de 25 anos e com renda mínima de 100 mil a 200 mil réis. Para candidatar-se precisava que o pretendente a deputado possuísse uma renda de 400 mil réis e, para senador ser dono de um patrimônio de 800 mil réis. Os pobres não tinham direito de participar da vida política do país, portanto não eram cidadãos. A maior parte dos cidadãos do novo país não tinha tido prática do exercício do voto durante a Colônia. Certamente, não tinha também noção do que fosse um governo representativo, do que significava o ato de escolher alguém como seu representante político. Apenas pequena parte da população urbana teria noção aproximada da natureza e do funcionamento das novas instituições. Até mesmo o patriotismo tinha alcance restrito. Para muitos ele não ia além do ódio ao português, não era o sentimento de pertencer a uma pátria comum e soberana (CARVALHO, 2001, p. 32). Nessa época, tem início a identidade política do país. Mas o voto, expressão ‘máxima’ de direito, de ato de obediência, lealdade e gratidão, passa a ser mercadoria a ser vendida e comprada por um preço. Torna-se experto o votante e iniciam as estratégias para o político ganhar, na negociação, o voto, moeda preciosa para se adquirir bens (CARVALHO, 2001, p. 35-36). Por isso no Brasil, o conceito de Cidadania é sempre identificado com direito ao voto, sendo o primeiro direito adquirido/oferecido após a Independência e entendido, na leitura de Ferreira, até hoje como: [...] votar e ser votado, fazer-se representar e até atuar na instância governamental. Deve pagar os impostos, respeitar as leis, acatar as autoridades, zelar pelo patrimônio público e estar sempre pronto para 83 defender o país. Em troca, o Estado lhe dá garantias constitucionais: ele não pode ser preso sem segurança ou flagrante delito, sua casa não pode invadida arbitrariamente, sua correspondência não pode ser violada, ele não pode ser segregado por causa de sexo, cor, idéias, etc. (FERREIRA, 1993, p.169-170). Concordando com Ferreira, pode-se afirmar que esta vem a ser uma forma de coerção simbólica do Estado que permite o controle da sociedade, resultante de uma rede de dominação, que mascara a domesticação do indivíduo. A arrogância e o abuso do Estado sobre as classes populares tornam as mesmas impotentes para expressar e desenvolver sua autonomia: é a herança da sociedade de mercado qual ‘vazio de valores’. Contrariando a otimista leitura de Marshall (1967), os valores de liberdade, igualdade e fraternidade proclamados pelo liberalismo clássico perdem o sentido, na realidade brasileira, onde o princípio legal de que todos são iguais perante a lei, não elimina as desigualdades sociais concretas, pois a divisão da sociedade em classes se reproduz na vivência da Cidadania. A igualdade puramente abstrata de todos os indivíduos perante a lei, impede que desigualdades sociais se expressem como tal. Cria-se o mito da Cidadania e democracia para todos, mascarando as desigualdades pela própria lei. Esta igualdade perante a lei tenta negar as desigualdades estruturais da sociedade e sua constituição classista, reforçando as diferenças no cotidiano das pessoas. Em 1881, Couty, em sua obra A escravidão no Brasil (1988), escreve que o Brasil não tem povo. Dos doze milhões de habitantes, dois milhões e meio de índios e escravos são excluídos da sociedade política; seis milhões vegetam ao longo da vida e não servem ao país, restam tão somente duzentos mil proprietários e profissionais liberais que constituem a elite dirigente (CARVALHO, 2001, p. 64-65). 84 Em 1930, as mudanças sociais determinam uma aceleração na instalação dos direitos sociais. O governo revolucionário cria o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e, mais tarde, formula as leis trabalhistas. Mas a sociedade não consegue beneficiar-se: a crise econômica e o populismo inibem o aparecer de uma democracia plena que, aliás, nunca foi real: A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da burguesia contra os aristocratas. E, assim puderam incorporar à situação tradicional, ao menos como fachada ou decoração externa, alguns lemas que pareciam os mais acertados para a época e eram exaltados nos livros e discursos (HOLANDA, 1982, p. 119). A vivência da democracia exige uma crescente organização da sociedade para possibilitar e aprofundar a participação de todos na vida pública em qualidade de cidadãos. A democracia vai além da representatividade alcançada por um voto adquirido ou por benefícios oferecidos. Discordando de Demo (1995, p. 1), para quem a democracia é o sistema político no qual o acesso ao poder é majoritário, podendo ser regulado ou administrado, jamais imposto por minorias, mas sempre em favor das maiorias, acredita-se que a democracia é o regime para todos e não somente de alguns, sejam eles maioria ou minoria. Outro princípio não vivenciado no Brasil é a liberdade atribuída ao cidadão. A liberdade assegurada nas leis, ao invés de promovê-lo, apenas, aumenta o controle sobre o mesmo, sendo cada vez mais sujeito à produção e ao consumo. O próprio espaço destrói a capacidade de ser livre e de ser solidário, ou seja, a sua subjetividade está calcada num processo de individualização, onde a pessoa acaba sendo objeto de si mesma. Trata-se da lógica do racionalismo liberal que pensa em 85 indivíduos abstratos e sem historicidade. Os homens são transformados em unidades isoladas. A aparência de liberdade torna-se necessária para a fluidez de dominação, entretanto, uma sociedade verdadeiramente livre apresenta-se como aquela em que as liberdades humanas são declaradas públicas e universais, sem a existência de mecanismos que anulem ou invalidem esta declaração (CARVALHO, 2001). Último dos princípios da Cidadania é a fraternidade, transformado em um conceito com excessivo lirismo e conteúdo confuso. Na racionalidade capitalista, onde a competição é o principal caminho, a fraternidade encontra-se sufocada. Para uma Cidadania efetiva e seu exercício pleno, reúnem-se alguns conceitos indispensáveis. Em primeiro lugar, a participação organizada para que as pessoas não sejam objetos da ação, mas, sujeitos da prática política. Outras, não menos importantes, são: liberdade, igualdade, acesso ao saber entre outros. Conceitos estes todos relacionados com a emancipação, para Adorno (1995, p.169), requisito necessário para uma autêntica democracia. Portanto, falar em Cidadania no Brasil é tornar evidentes as contradições, tanto nos aspectos político, social, econômico, cultural e educacional. Contradições estas que impedem a efetiva concretização da liberdade, igualdade e fraternidade entre nós. O Brasil tende a nos confundir ou a nos perturbar porque nele existe uma sociedade que surge como antiga e moderna, simultaneamente. Temos uma sociedade industrializada que convive com pobreza e miséria. Continuamos a manter um subemprego galopante, legitimado por um sistema legal que contempla muito mais o capital do que o trabalho [...] (SPINK 1995, p.106). 86 Destarte, se pode afirmar que a modernidade proclamou a liberdade, a igualdade e a fraternidade, porém, a sociedade aumentou o controle e a vigilância sobre os indivíduos, sujeitando-os a uma rotina de produção e consumo, desagregando e destruindo valores. Enfim, levou o homem a um processo de individualização ou de subjetividades serializadas, onde o tempo é um fator inimigo das relações pessoais mais estreitas, convertendo o homem em um objeto de si próprio, subordinado às exigências de uma razão tecnológica. Assim, entende-se a Cidadania brasileira, como uma questão de identidade social construída às avessas, pois, o atrelamento da população a um sistema de benefícios estatais, afirma cada vez mais o predomínio do Estado e não do cidadão. É o que Carvalho (2001, p. 221) define de ‘estadonia’ em contraste com a Cidadania titulada por Gramsci de ‘estatolatria’ (1977, Q 8, p. 1028). A Estadonia/estatolatria não deixa esvaecer os problemas de pobreza e desigualdade, muito embora as lutas de alguns segmentos da sociedade civil não permitem uma verdadeira democracia que, na leitura de Adorno tem (1995): [...] o dever de não apenas funcionar, mas operar conforme seu conceito, demanda pessoas emancipadas. Uma democracia efetiva só pode ser imaginada enquanto uma sociedade de quem é emancipado. Numa democracia, quem defende ideais contrários à emancipação, e, portanto, contrários à decisão consciente independente de cada pessoa em particular, é um antidemocrata, até mesmo se as idéias que correspondem a seus desígnios são difundidas no plano formal da democracia (ADORNO, 1995, p. 141-142). A democracia é essencialmente participação de todos os membros da sociedade. Participação que se transforma em organização na qual nenhuma das partes se eleva por cima de outras e o centro se torna o diálogo. A democracia vai além da representatividade por ser, esta última, principalmente no Brasil, meio para 87 manter as elites no poder e promover e fortalecer o controle do Estado sobre a sociedade civil, sendo que na verdadeira democracia este último, o Estado, é controlado pela sociedade. Responsável por essa falta, ensina Demo (1995, p.130), é a sociedade. O Estado brasileiro é tão ruim, porque a Cidadania é ruim. O Estado é impune, porque seu autêntico ‘patrão’, a população cidadã, não tem ainda competência para por ordem na casa. Concorda-se com Demo (1995) quando afirma que o maior desafio é eliminar a ‘pobreza política’, e tornar o indivíduo sujeito competente, não admitindo tutela, e dispensando, quando necessário, a assistência. O direito de ‘emancipação’ deve ser o ideal da sociedade democrática, banir a tutela, recorrer à assistência somente quando for necessário, emancipar sempre. Buscar competência em vez de dependência. O indivíduo precisa desenvolver uma competência política, capaz de fazê-lo histórico e de pensar e conduzir o seu próprio destino, constituindo o seu processo emancipatório, fazendo-se sujeito, negando-se a aceitar-se como objeto. Demo (1995) alega que a ignorância escraviza o homem, pois, impede-o de ver-se como escravo, capaz de reagir contra a hegemonia do poder. A falta de condições materiais, a pobreza obriga-o à dependência para sobreviver. Por isso, não é suficiente ao indivíduo ter consciência crítica para fazer-se histórico e competente. Para que a contradição entre a Cidadania proposta pelo Estado e a Cidadania real seja superada, torna-se imprescindível que esta seja exercida no cotidiano e construída como um projeto, tendo como elementos: a formação, a participação, a autopromoção do indivíduo, o indivíduo como sujeito social, a noção dos direitos e deveres, de democracia, de liberdade, igualdade e fraternidade, o acesso à informação e ao saber. Tudo isso passa pela educação que permite uma 88 autêntica emancipação. De fato, Adorno vincula a educação à emancipação. Emancipação é uma “[...] categoria dinâmica, um vir-a-ser e não um ser [...]” que se alcança pelo esclarecimento (ADORNO, 1995, p. 181). O esclarecimento é conditio sine qua non pela realização da democracia. Adorno recupera e endossa o pensamento de Kant (1995) que define o esclarecimeto como sendo a saída do homem da menoridade, da incapacidade de não ter coragem suficiente para tornarse responsável, autônomo. De fato, a verdadeira democracia é permitir aos sujeitos viver sem a pressão da sociedade, isto é, viver em plena autonomia e não vinculados, quase escravos, da heteronímia. Diante disso, é possível afirmar que no Brasil houve lutas sim, em prol da conquista da Cidadania, mas ainda, por ser uma realidade em construção, permanece parcial e desequilibrada. Por um lado, as elites dominantes oferecem benefícios, isto é a Cidadania assistida, por outro só os movimentos sociais organizados estão, desde a proclamação da Constituição Federal de 1988, provocando um amplo debate para movimentar a sociedade civil a fim de reivindicar o alcance, em plenitude, de todos os direitos, para toda a população de brasileiros. 3.3 EDUCAÇÃO: UMA QUESTÃO PARA A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Constatou-se que a Cidadania não é uma condição estática, definitiva ou acabada, pois sempre se constrói e se expande tanto no campo do direito, quando nas concretas condições de existência, envolvendo interesses individuais e 89 coletivos. Assim, pode-se afirmar que a Cidadania se efetiva pela participação em um diálogo constante, mas não sempre pacífico, entre Estado, detentor do poder, como visto no capitulo anterior, e sociedade civil, muitas vezes desorganizada, por não ter consciência de sua força. Diálogo que muitas vezes procura beneficiar, de forma não sempre harmoniosa, uma das duas partes. Palco deste diálogo é a educação por ser, conforme expõe Saviani (1997, p. 1), “[...] inerente à sociedade humana, originando-se do mesmo processo que deu origem ao homem. Desde que o homem é homem ele vive em sociedade e se desenvolve pela mediação da educação”. Deduz-se, pela citação acima, que a educação é um processo de aprendizagem e aperfeiçoamento. Através da educação alcança-se o desenvolvimento individual da pessoa, pelo uso conveniente da inteligência e da memória, para a obtenção de novos conhecimentos. Além disso, a educação torna possível a associação da razão com os sentimentos, aperfeiçoando o que Dallari (1998) aponta como a espiritualidade da pessoa. Por tudo isso, em conformidade com o pensamento de Saviani (1986), tornase evidente a importância da educação na história de todo ser humano, que é preparado para a vida e para a convivência. O conceito de educação, conforme Houaiss; Villar (2001, p. 1100-1001), significa a ação de desenvolver faculdades físicas, intelectuais e morais, como complemento necessário à formação integral do ser humano. Na cultura grega somente é compreendida no contexto da pólis: educar alguém é educar o cidadão, isto é o homem portador de uma cultura que se manifesta na liberdade individual e na participação ativa na vida da polis. 90 Com o nascimento do Estado moderno a educação é posta como tarefa do Estado, pública e gratuita. Estado moderno que brota no contexto da estruturação do modo de produção capitalista, no abrolhar da burguesia como classe dominante, da reforma Protestante, do aparecimento da Imprensa, da ‘conquista’ do Novo Mundo, do Humanismo que supera o Teocentrismo e, portanto, no rompimento de uma concepção de mundo medieval por outra completamente diferente. A concepção de homem, neste contexto, muda essencialmente: É assim, no âmbito da sociedade moderna que a educação se converte, de forma generalizada, numa questão de interesse público a ser, portanto, implementada pelos órgãos públicos, isto é, pelo Estado o qual é instado a provê-la através da abertura e manutenção de escolas (SAVIANI, 1997, p. 3). A defesa de uma escola pública e gratuita não significa necessariamente a criação de uma educação democrática. Portanto, na interpretação de Saviani, a luta por uma educação de cunho estatal nasce mais com o intuito de romper com o poder da Igreja e com as estruturas arcaicas e menos para criar uma educação voltada às classes populares. É um movimento laicizante e renovador, no sentido de vincular a educação às necessidades produtivas do sistema capitalista, mesmo para Marx, que apresenta críticas ao Estado, por este ser “Compreendido como força especial de repressão, que se tornará supérfluo quando, superada a divisão da sociedade em classes com os antagonismos que lhe são inerentes, não haverá mais o que reprimir” (SAVIANI, 1991, p. 96). Entretanto, as reservas apresentadas diante do Estado, são superadas ao tratar da educação pública. Sempre para Saviani (1991, p. 96), no Manifesto do partido Comunista e na Crítica ao programa de Gotha; 91 Marx se posiciona claramente em favor da gratuidade e da obrigatoriedade do ensino, o que implica o caráter público da educação. Em outros termos, admite-se que o ensino seja estatal, mas sem ficar sob o controle do governo. Mas se e educação, de acordo alega Pinto (2003), é o processo pelo qual a sociedade forma seus membros à sua imagem e em função de seus interesses, dentro do contexto capitalista, a tendência será a de reproduzir o espectro das desigualdades sociais. Torna-se um processo de domesticação, conduzido de forma alienante e determinista da realidade social, que tem por base a submissão às normas e à autoridade, na disciplina e no respeito à hierarquia; na separação entre o que é imposto como conteúdo certo e a capacidade do sujeito de escolher, à luz do seu saber e de sua experiência. Na concepção de Gramsci (1977), a hegemonia da classe dominante está diretamente ligada à sua evolução intelectual e cultural. Neste bojo, a educação assume importância vital no desenvolvimento da consciência de classe e na emancipação das massas, independente de onde for ministrada. A luta pela educação torna-se necessária. Conforme assevera Cury (2000, p. 60), o capitalismo não recusa o direito à educação para a classe subalterna, mas o que não permite e recusa, é mudar a função social da mesma, para que não alcance hegemonia. Portanto, faz-se mister concluir com Saviani (1997, p. 32) que a educação, como hoje vem sendo praticada no Brasil, longe de ser um instrumento de superação da marginalidade, se converte em fator de marginalização, por reproduzir a marginalidade social como conseqüência da marginalidade cultural. De tal modo, é possível concordar com Saviani ao afirmar que 92 Luzuriaga (1959) [...] situa as origens da instrução pública nos séculos XVI e XVII quando teria havido aquilo que ele chama de ‘educação pública religiosa’ [...] Já o século XVIII é caracterizado pelo surgimento da ‘educação pública estatal’ [...] o século XIX será o século da ‘educação pública nacional’ [...] o século XX corresponde ao advento da ‘educação pública democrática’ (SAVIANI, 1997, p. 3-4). O século atual, o XXI, dando continuidade à reflexão proposta por Saviani, tendo como pano de fundo as teorias de Gramsci, permite inferir que será o século da educação cosmopolita e mediadora no seio da prática social. Cosmopolita, para formar o homem completo; mediadora porque, não podendo transformar diretamente a sociedade, se constitui em um dos aspectos imprescindíveis na luta pela hegemonia de uma classe e pela transformação da sociedade. No Brasil, as mudanças históricas sempre foram reflexos dos grandes acontecimentos externos, sem constituir transformações significativas para a sociedade, valendo isso também para a educação, sempre ligada, esta última, ao sistema econômico e político. Na medida em que estes se organizam, a educação responde, por meio do Ensino, ao estímulo, ou jogo de forças existentes, para satisfazer o mercado de trabalho-produção e não como caminho para oferecer provocações e respostas ao grito de dignidade e de Cidadania das massas. Durante o período Colonial a educação permanece vinculada à catequese, e desta forma continua durante toda a época do Império. As idéias liberais, próprias do capitalismo, manifestam-se com a proclamação da República em 1889. A República, mesmo permanecendo um Estado oligárquico, representa um rompimento com o sistema escravocrata existente, mais próximo do feudalismo, uma vez que as estruturas culturais e de poder, apresentam-se no dizer de Sader (1990, p. 20) “[...] como uma 93 expressão do processo de implantação do capitalismo com modo de produção dominante nas entidades sociais latino-americanas”. Diante de tais inovações, o ideal de homem e de educação muda. Com o advento da República, precisa-se modificar a dinâmica do Estado, que passa a servir de sustentáculo à nova estrutura social em vigor. A divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual se aprofunda e se caracteriza pela forma como a educação vem sendo estruturada e regulamentada sempre de forma autoritária e vertical, sistema que acompanha a história do país até a Revolução de 30, conforme aponta Romanelli: [...] a ‘renovação intelectual de nossas elites culturais e políticas’ foi um fato que não se deu, visto que o comando [...] se conservou nas mãos da classe que tinha recebido aquela educação literária e humanista, originária da colônia e que tinha atravessado todo o império ‘sem modificações essenciais’ (ROMANELLI, 1990, p. 43). A revolução de 1930 simplesmente marca, como já indicado na segunda parte do presente capítulo, uma mudança de grupo no poder e a permanência do sistema capitalista, unicamente com características diferenciadas. Desafia-se a educação a superar o analfabetismo e melhorar as habilidades da classe operária rumo a profissionalização: é a educação baseada nos direitos e deveres. Direito ao trabalho e dever de obedecer às leis do capitalismo sem questioná-las. Assim, educar neste panorama significa adaptar o indivíduo aos ideais do Estado. Com o advento do regime militar, a resistência a estes princípios e provoca a exclusão da sociedade. A educação se atrela cada vez mais ao sistema produtivo e as modificações sócio-econômicas centradas no desenvolvimento que procura incorporar o país no capitalismo internacional: 94 Já que foi a época em que a expansão foi retomada de forma mais acelerada constatou-se uma aceleração do ritmo de crescimento da demanda social de educação, o que provocou, conseqüentemente, um agravamento da crise do sistema educacional, crise que já vinha de longe (ROMANELLI, 1990, p. 196). Consequentemente, a educação no Brasil acaba por contribuir com o princípio liberal do saber em função do mercado produtor e torna-se incentivada pelas classes dominantes com o consenso do Estado. É o novo fator regulador da sociedade: “A educação adequa-se como instrumento da acumulação capitalista ao preparar mão-de-obra, especialistas, técnicos, voltados todos para a reprodução ampliada do capital” (CURY, 2000, p. 65). Por meio destas práticas, o capitalismo vai impondo sua lógica. A educação, ao assumir este discurso e efetivar esta experiência, se afasta cada vez mais dos interesses da classe trabalhadora e, portanto, da construção da Cidadania, fator essencial para a edificação da sociabilidade dos sujeitos. Para a construção da Cidadania torna-se fundamental debater a educação como fator de formação humana, lembrando que a mesma educação faz parte da totalidade da realidade social: A educação concebida na totalidade social, é elemento dessa totalidade e como tal expressa a produção humana. A totalidade social é formada pela unidade da estrutura econômica e da superestrutura e ambas se ligam ao trabalho e a práxis social. As perguntas ligadas à educação, tais como: como é ela exercida? Quem a detém? Qual sua função na estrutura social? Como ela é dividida nas diferentes instituições sociais? Decorrem de como se dá essa unidade numa formação social. E só com base em suas contradições podem ser explicadas mais amplamente [...] (CURY, 2000, p. 54). 95 Neste sentido que a educação torna-se fundamental, tanto como possibilidade de legitimação social, quanto de transformação que permita ao homem tornar-se cidadão, construtor de sua história: A educação, embora de gênero e função específica, é produto humano e conservará o caráter dialético dos fenômenos existentes na estrutura social. Assim, ao mesmo tempo que expressa a estrutura, pode ocultá-la. De outro lado a estrutura social gera novas exigências para a educação, que ao captá-las antecipa um modo de ser do futuro, que determina tarefas para o presente (CURY, 2000, p. 54). Decorre daí que, nenhuma sociedade pode abrir mão da educação. O homem não nasce homem. Torna-se homem, porque vive em sociedade e a educação é o meio pelo qual o ser humano se sociabiliza. Sociabilização que passa pela educação, seja ela informal ou formal. No presente, diferentemente de outros momentos históricos, ninguém consegue tornar-se sujeito social, cidadão, sem a educação e esta em sua dimensão formal, conforme assevera Saviani (1997, p. 2-3): O predomínio da cidade e da indústria sobre o campo e a agricultura tende a se generalizar e a esse processo corresponde a exigência da generalização da escola. Assim, não é por acaso que a constituição da sociedade burguesa trouxe consigo bandeira da escolarização universal e obrigatória. Com efeito, a vida urbana, cuja base é a indústria, rege-se por normas que ultrapassam o direito natural, sendo codificadas no chamado ‘direito positivo, que [...] se expressa em termos escritos. Daí a incorporação, na vida da cidade, da expressão escrita de tal modo que não se pode participar plenamente dela sem o domínio dessa forma de linguagem. Portanto, a educação formal é algo indispensável para a conquista da Cidadania. Torna-se impensável imaginar alguém fazendo uso dos bens culturais, das novas tecnologias e do mundo do trabalho na atualidade, sem que seja obrigado 96 a utilizar dos conhecimentos básicos de que a sociedade dispõe, mas não disponibiliza: [...] para ser cidadão, isto é, para participar ativamente da vida da cidade, do mesmo modo que para ser trabalhador produtivo, é necessário o ingresso na cultura letrada. E sendo essa um processo formalizado, sistemático, só pode ser atingida através de um processo educativo também sistemático (SAVIANI, 1997, p. 3). Assim infere-se que entre as principais funções da educação encontram-se: proporcionar a apropriação construtiva do conhecimento, democratizar-lo e socializar o sujeito, ou seja, preparar para a vida social. Lembra-se que a sociedade não consiste em indivíduos, mas nas relações e condições nas quais estes indivíduos se encontram na estrutura social. No Brasil, ressalta Saviani (1997), o Estado não se revelou capaz de organizar a educação para uma verdadeira e democrática Cidadania ativa. Para que o Estado possa responder às provocações da sociedade e não perder a hegemonia, é forçado a interferir e definir novos rumos, por meio das Políticas Públicas Educacionais, que o capítulo seguinte abordará. 97 4 POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS: DO TEXTO DA LEI AO TEXTO DIDÁTICO O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo. (BRECHT, 2007b) O objeto central do presente capítulo é realizar uma leitura das políticas públicas como meio que o Estado, detentor do poder, usa para manter a hegemonia sobre a sociedade em uma tentativa de diálogo processado na emanação de leis. As Políticas Públicas Educacionais compreendem um conjunto de elementos complexos, uma vez que nelas estão contidos os interesses e conflitos das classes sociais distintas. Por meio delas se organiza a sustentação do movimento dialético social: o acolhimento, as reivindicações e a formulação de leis que respondam às demandas, o que constitui a práxis política. Explicitam as idéias e compromissos nas leis escritas. Estas, por sua, vez, consolidam avanços, retrocessos e omissões com relação às idéias e compromissos na sua efetivação a partir das ações empreendidas. De tal forma, verifica-se uma profunda e indissociável relação entre legislação e Políticas Públicas Educacionais. Portanto, o presente capítulo, analisará, na sua segunda parte, a construção do conceito de Cidadania na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 98 9394/96, dando ênfase à análise dos artigos que tratam da Cidadania, pois de acordo com Saviani: Para se compreender o real significado da legislação não basta ater-se à letra da lei; é preciso captar o seu espírito. Não é suficiente analisar o texto; é preciso examinar o contexto. Não basta ler nas linhas; é necessário ler nas entrelinhas (SAVIANI, 1986, p.135). Um terceiro momento apresentará o debate entre o conceito de Cidadania e escola, esta última como locus privilegiado onde se entrelaça um dialético diálogo entre Estado e futuro cidadão por meio da educação e pela fala dos textos escolares. 4.1 POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS Refletir sobre política é mergulhar na história, sempre rica de interpretações e jamais terminante em suas conclusões. Ainda mais complexo torna-se elucubrar sobre Políticas Públicas Educacionais, sendo que estas são gerações do Estado e interpretações de toda uma concepção de mundo e de sociedade, influenciadas pela envergadura das explanações dos sujeitos que nele vivem e vivendo, o constroem. O termo política aparece com os gregos23 e era usado para significar tanto o conjunto de práticas às quais os cidadãos se entregavam para coexistirem quanto o estudo ou ciência dessas mesmas práticas. 23 Em seu sentido etimológico a palavra ‘política’ é derivada de polis, que significa cidade, conseqüentemente relaciona-se ao que é urbano, público, social. Mas também pode ser entendida como democracia, cidadão, direito à Cidadania. Com Saviani vale ressaltar que o termo polis dá origem à expressão polido, que significa sujeito bem educado (SAVIANI, 1998, p. 156). 99 Com o germinar do Estado, este de forma progressiva e veemente, estende sua rede de poder e influência sobre todos os membros da polis dominando-os pela organização imposta. Portanto, política torna-se sinônimo de ciência ou arte de comportamento do agrupamento humano constituído; normativa que trata da organização dos bens sociais por parte do Estado. Assim política torna-se A ciência dos fenômenos referentes ao Estado; ciência política. Sistema de regras respeitantes à direção dos negócios públicos. É a arte de bem governar os povos; conjunto de objetivos que informam determinado programa de ação governamental e condicionam a sua execução e, ainda, princípio doutrinário que caracteriza a estrutura constitucional do Estado. Posição ideológica a respeito dos fins do Estado (FERREIRA, 1999, p. 1599). Por tratar das relações de poder vividas na sociedade são definidas públicas. Desta forma o Estado, em parte dependente e sustentado pela sociedade, em parte por ter sido delegado de poder por ela e sobre ela, interfere estabelecendo e direcionando o rumo do mesmo indivíduo. São as políticas públicas. Em resumo, é possível afirmar que são formas de interferência do Estado, visando a manutenção das relações sociais de determinada formação social. De fato, assumem ‘feições’ diferentes em diferentes sociedades e diferentes concepções de Estado (NEVES, 1999). Na interpretação de Ferreira (1993), com o advento do capitalismo, as relações de poder entre sociedade e Estado se enriquecem caracterizando-se pelas contradições próprias de novos desafios. Na sociedade capitalista estas relações sociais são relações de classe, que se estabelecem a partir das posições que as pessoas têm no processo produtivo. Implicam em relações de dominação e exploração que se concretizam fundamentalmente de duas formas. Diretamente, no 100 sistema produtivo, onde os dois principais fatores da produção, meio e trabalho, são separados, dando origem às duas classes fundamentais do sistema capitalista; a dominante, proprietária dos meios de produção e do excedente do trabalho, e a dominada, que mantém uma relação direta com os meios de produção, mas não é proprietária deles. E indiretamente, através da negação da mesma divisão, alimentando a suposição de que existe igualdade social ente todas as pessoas. Para se manter, toda formação social precisa produzir e reproduzir a relação de dominação. A organização desta dominação é construída em diferentes modalidades: jurídica, política, religiosa e moral, tendo como conseqüência diversas representações ideológicas em nível de superestrutura da sociedade capitalista. No dizer de Marx; Engels (1999) a classe que detém o poder material dominante, em nível de infra-estrutura, é ao mesmo tempo, a classe que detém o poder ideológico, no nível da superestrutura, dominante nesta sociedade. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção e apropriação dos bens materiais dispõe também dos meios para produzir, espalhar e inculcar suas idéias, com o fim de simular os objetivos reais da relação capitalista. Igualmente, para garantir a reprodução das relações de produção, a classe dominante se utiliza do Estado, que atua como mediador de seus interesses, ou seja, atua para a manutenção das relações de exploração da classe dominante. Destarte, de acordo com O Capital (MARX, 1983), o Estado seria a expressão das contradições das relações de produção instaladas na sociedade civil, sendo delas parte essencial. Por ser incapaz de superar tais contradições, o Estado as administra, colocando-se acima da sociedade. Assim sendo, as políticas públicas originadas do Estado anunciam-se nessa correlação de forças, possibilitado um equilíbrio instável e precário de responsabilidades. 101 No Estado capitalista as políticas públicas, especialmente as de caráter social, têm importância estratégica, sendo utilizadas no decorrer dos conflitos sociais para expressar a capacidade que o Estado tem em definir e praticar suas decisões. Portanto, em nome de uma busca de eqüidade e justiça social, mas principalmente para não perder o controle sobre a sociedade, o Estado torna-se hegemônico (MARX, 1983). De forma geral é possível afirmar que as políticas publicas são “atividade ou conjunto de atividades que, de uma forma ou de outra, são imputadas ao Estado moderno capitalista ou dele emanam” (SHIROMA, 2002, p. 7), como forma de resposta aos anseios e demandas da sociedade civil, no que diz respeito à educação, saúde, moradia, segurança, entre outros, mas que não passam de imposições com única finalidade de manter a hegemonia. Compreendem um conjunto de elementos complexos uma vez que nele estão contidos os interesses e os conflitos das classes sociais distintas. Por meio delas se organiza a sustentação do movimento dialético social: o acolhimento, as reivindicações e a formulação de leis que respondam às demandas, o que constitui a práxis política. Tais relações determinam um conjunto de ações atribuídas à instituição estatal, que provoca o direcionamento (e/ou redirecionamento) dos rumos dos investimentos na escala social e produtiva da sociedade. Nesse caso, o Estado se apresenta apenas como repassador a sociedade civil das decisões saídas do âmbito da correlação de forças travada entre os agentes do poder (BONETTI, 1998, p. 20). Diante desta afirmativa, revela-se que as políticas públicas são os resultados das relações provocadas e constituídas pelos grupos econômicos e políticos, classes sociais e diferentes organizações da sociedade. Somente podem ser compreendidas na relação de poder entre Estado e sociedade. Esta última como 102 provocadora de determinadas demandas sociais e o primeiro como sintetizador e implementador das mesmas. Na atual sociedade, globalizada econômica e culturalmente, as diretrizes não são mais do Estado em sua qualidade máxima, a soberania, mas subordinadas a interesses internacionais de organismos aparentemente supra-estatais. A UNESCO (Organização Educacional, Cientifica e Cultural das Nações Unidas), o FMI (Fundo Monetário Internacional), o BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento) são exemplos, entre outros, que vão se transformando em orientadores das políticas públicas de todas as polis, priorizando, por interesses econômicos e políticos, os países em ‘desenvolvimento’. Trata-se de uma nova fase do capitalismo. As decisões são pensadas e tomadas por países hegemônicos que se valem de diferentes estratégias, para impor nova direção aos demais Estados. Os países em ‘desenvolvimento’ aceitam a intervenção dos países hegemônicos, com o intuito de adequar a sociedade local aos interesses e demandas do desenvolvimento econômico global e como conseqüência, sofrem um constante empobrecimento que se alastra de forma significativa. Essa característica, própria do Estado liberal, que procura promover o ‘desenvolvimento’ por meio de uma submissão aos interesses do capital, produz, em sua atual fase, uma defasagem significativa entre os interesses de uma minoria hegemônica em detrimento de uma maioria excluída, difundindo a idéia de que as concepções capitalistas são as mais eficientes e justas formas de relações sociais. Para disseminar e viabilizar essa hegemônica visão de mundo surgem as políticas públicas educacionais que, de forma privilegiada, passam a regular, a 103 adequação do Estado às macro políticas econômicas, determinadas pelos organismos internacionais. A partir da reorganização da ordem econômica capitalista face à crise do Estado benefactor, a ótica neoliberal da modernidade passa também a influenciar as análises das questões econômicas e sociais no Brasil, como em toda América Latina. A crítica do Estado (ineficiente) e as propostas privatizantes e descentralizadoras começam a aparecer no cenário educacional como soluções [...] A idéia chave que norteará tais reflexões e propostas é a de que na fase atual de desenvolvimento do capitalismo, o saber tornou-se o insumo mais crucial para a competitividade das nações e, mais ainda, que não há nenhuma razão para pensar que o Brasil conseguirá produzir competitivamente com base no seu atual sistema educativo (GONÇALVES, 1994, p. 2-3). Nessa organização, as políticas públicas passam a regular os diferentes setores sociais, tanto políticos e econômicos, quanto públicos e privados, fiéis a uma concepção mercantilista que determina o ponto mais alto do processo na empregabilidade do indivíduo que passa a ser determinada pela adaptabilidade e capacitação exigida pelo mercado (FERREIRA, 1993). A sociedade tem sua organização social definida pelo modo de produção capitalista, onde as relações sociais, especialmente as de classe, desenvolvem-se de acordo com o processo tecnológico e da divisão social do trabalho. Na interpretação de Severino (1994) o trabalho tem um caráter ambíguo, podendo tanto humanizar quanto desumanizar, dependendo das condições em que é realizado. Quando desumaniza, leva o indivíduo a perder sua própria essência (alienação). A forma mais expressiva desse tipo de trabalho é a escravidão, mas também o trabalho assalariado, quando este nada mais é que uma atividade reprodutivista. A educação pode assumir três significações frente ao trabalho. A primeira pode ser como atividade útil ao trabalho; a segunda, como preparação ao 104 mesmo trabalho, tornando-se parte da formação do indivíduo-trabalhador; e a última como realidade que acontece mediante a prática do mesmo. Assim sendo, nesse contexto, as Políticas Públicas Educacionais são pensadas para adequar o Estado às políticas econômicas planejadas pelos organismos internacionais, como bem assinala Silva: A construção da política como manipulação do afeto e do sentimento; a transformação do espaço de discussão política em estratégias de convencimento publicitário; a celebração da suposta eficiência e produtividade da iniciativa privada em oposição à eficiência e ao desperdício dos serviços públicos; a redefinição da cidadania pela qual o agente político se transforma em agente econômico e o cidadão em consumidor, são todos elementos centrais importantes do projeto neoliberal global (SILVA, 1994, p. 15). Dessa forma, impera a lógica do liberalismo ao transformar o homem em consumidor, o denigra e o torna escravo do sistema produtivo capitalista, apêndice da máquina com a única finalidade de produzir e consumir. A compreensão do homem que vive e se realiza pelo trabalho das próprias mãos se apaga e com isso também as relações sociais com base na solidariedade, fraternidade e igualdade, princípios fundamentais da luta pela democracia, como visto no capítulo anterior. Vivemos numa sociedade competitiva, de mercado, subdesenvolvida economicamente e que só consegue encontrar ‘saídas’ para os indivíduos, enquanto deveria solucionar radicalmente seus problemas. E o indivíduo que consegue libertar-se, não raro desonestamente, de toda a opressão imposta, tende a transformar-se em opressor também [... Raramente se pensa ou se trabalha em prol da coletividade. Como regra geral as pessoas buscam individualmente uma saída qualquer para a escravidão, a miséria, a loucura que se tornou o século XX. Em sua luta pela libertação, o homem se esquece de fatores fundamentais, como o fato de haver mais gente em igual situação e a ação coletiva tenderia a ser muito mais eficaz que a busca solitária [...] Para onde se volte o olhar, vemos o mesmo quadro de devastação mundial, agressão da natureza e da própria sociedade humana (FERREIRA, 2005, p. 25). 105 São as conseqüências do individualismo, produto do liberalismo: o homem não se realiza mais em sociedade, mas quase projetado no passado, volta a manifestar solidão e violência consigo mesmo, com os demais, com a natureza. Aparece o fantasma hobbesiano homo homini lupus (HOBBES, 1974, p. 80). O Brasil, afirma Ianni (1989), ao longo do século XX, tornou-se mais um reduto do capitalismo, centro de dinamização das forças produtivas e das relações de produção, assim a educação nacional além de padecer de organização, é conduzida de forma centralizada e autoritária. As Políticas Públicas Educacionais traduzem as aspirações dos grupos dominantes da sociedade, muito embora o discurso oficial afirme que a educação é responsável pelo desenvolvimento científico e tecnológico do país, pelo desenvolvimento do homem, pela construção da Cidadania e pela mobilização vertical das classes menos favorecidas. Na realidade, o Brasil conta com elevado número de analfabetos, semianalfabetos ou analfabetos funcionais, que lêem, mas não entendem o que lêem. Isto é, o país continua produzindo cidadãos de papel, conforme assevera Dimenstein (1997), cujo processo de exclusão, no dizer de Santos (1994), inicia nos primeiros anos de escola. Esta última funcionando com instrumento de marginalização e não promovedor de Cidadania ativa, conforme debatido no capítulo anterior. O sistema educacional brasileiro, em conformidade com as políticas internacionais, permite transformar o conhecimento em instrumento de dominação social. De fato, ressalta Saviani (1997), um dos principais problemas da educação brasileira é a falta de um sistema nacional de ensino que privilegie as camadas populares, universalizando a educação. Além disto, o mesmo Saviani (1997, p. 32) ressalta que a educação, longe de ser um instrumento de superação da marginalidade, é produtora da mesma em sua dimensão cultural e escolar. 106 Ainda na compreensão do autor citado (1992, p. 95), educação e política são práticas distintas que, no entanto, são “[...] modalidades especificas da mesma prática: a prática social [...]”. Prática social característica da sociedade classista que, assim sendo, possui interesses antagônicos. Saviani (2002) destaca que na dependência recíproca entre educação e política, é maior a dependência da educação em relação à política. Trata-se de uma dependência histórica, resultante do fato de que a prática política tem como condição de manifestação, a sociedade capitalista, ao passo que a educação se relaciona à essência humana. Portanto, na sociedade capitalista a educação somente se viabiliza de forma secundária, pois os fundamentos são diferentes: para a primeira é o poder, para a segunda o conhecimento. Neste contexto, são as políticas educacionais que determinam as políticas específicas e as ações educacionais. À estruturação de uma política educacional, na sociedade atual, padece as interferências da globalização mundial; por esse motivo faz-se preciso considerar que a implementação de uma política educacional traz implícitos valores e interesses sociais. O Estado passa a desenvolver ações que demonstram claramente as interferências do capitalismo vigente. Diante do caráter dramático da realidade educacional brasileira, torna-se fundamental repensar criticamente a função educacional do Estado e as Políticas Públicas Educacionais. De tal modo, concorda-se com Freitag (1986, p.7) ao afirmar que a Política Pública Educacional brasileira, deve ser compreendida, Como a resultante de complexos processos históricos (a catequese, o colonialismo, a escravidão, a monocultura, a dependência, etc.). e da atuação de diferentes instituições e grupos sociais que se consolidaram durante esses processo – a Igreja, as oligarquias rurais, a burguesia urbano-industrial, o proletariado, o Estado, etc. – que lutaram pelo controle 107 do processo educacional basicamente com dois objetivos: a reprodução material dos bens e a reprodução do sistema de valores e normas. O sistema educacional, dirigido e controlado pelo Estado é um dos agentes mediadores que traduzem em senso comum as idéias da elite dominante. E as Políticas Públicas Educacionais são formas desta mediação, meio da elite dominante tornar aceitos seus valores através do Estado que é quem, mesmo influenciado e controlado pelos organismos internacionais, cria e controla as leis: [...] a implantação da legislação educacional na sociedade civil significa criar ou reestruturar o sistema educacional no ‘espírito da lei’, ou seja, de acordo com os interesses da classe dominante traduzidos em suas concepções de mundo e reinterpretadas na lei (FREITAG, 1986, p. 35). A única finalidade é a despolitização cultural da sociedade para garantir sua adaptação plena ao sistema capitalista por parte do indivíduo, que ao trabalhar pela elite dominante submete-se ao domínio cultural da mesma: As idéias (Gedanken) da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. As idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como idéias; portanto, a expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante; portanto, as idéias de sua dominação (MARX; ENGELS, 1999, p. 72). A coletividade delega à escola a responsabilidade da formação pessoal, intelectual e social. A política a transforma em direito social e constitucional do 108 indivíduo, e o Estado o regula por normas e leis, transformando o indivíduo em cidadão. Nessa direção o Estado formula, pressionado e orientado pela sociedade civil e na subordinação aos organismos internacionais, leis e normas para que os indivíduos possam concretizar o exercício da Cidadania. Exercício que passa inicialmente pela compreensão de que a democracia é vivência pacífica e construtiva entre diferentes. Cidadania, como visto no capitulo três, entendida, mas não sempre vivida, como participação plena de um indivíduo, membro de um Estado, ao fruir de direitos e tornar-se portador de deveres que permitam uma convivência pacífica e um desenvolvimento social equilibrado e harmônico. 4.2 A CIDADANIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E NA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL 9394/96 A década de 1980 é significativa para a América Latina por transformar-se no período de abertura democrática e de busca do resgate da Cidadania, ofuscada pelas ditaduras militares instaladas em quase todos os países. No Brasil, os anos 80 iniciam com uma abertura política gestada num contexto de crise de legitimidade do Estado autoritário, associada ao acirramento das contradições inerentes ao modelo de desenvolvimento adotado no país durante o regime militar. O processo de democratização, estagnado ao longo de duas décadas, desde o advento dos militares ao poder em 1964 até 1985, marca o início da mobilização da sociedade 109 em seus diferentes setores ao grito de ‘Direitas já’, que poderia ser traduzido como o brado por direitos. De acordo com Sader (1990), perante a ameaça de intensas mudanças sociais, decorrentes do contexto social e da aguda recessão econômica, os detentores do poder mudam de estratégia para não perder a hegemonia e procuram reordenar o modelo capitalista por meio de promessas de democratização gradual e pacífica, distribuição de benefícios sociais e de participação política da sociedade civil. Conforme teorizou Poulantzas (1990) o bloco no poder procura estabelecer um equilíbrio, ainda que instável, entre as classes dominantes e as classes dominadas e se vê obrigado a realizar uma série de concessões às massas populares, o que acaba por mascarar a continuidade da dominação. Constituem-se pactos políticos e o país ingressa numa fase de democratização social conservadora. Para Nogueira (1993) nesse momento ocorre uma rearticulação de forças liberais, que mudam forma e conteúdo do discurso, mas não abandonam a essência da ideologia liberal. Muito embora na leitura de Sader (1990) o país sai do período de ditadura militar com uma sociedade concentradora de renda, excludente e dividida rigidamente no plano social, a euforia do fim da repressão leva a pensar em uma reconstrução da Cidadania, conceito que, na leitura de Carvalho (2001) aparece mais no discurso que na prática da sociedade civil e política: “A cidadania, literalmente, caiu na boca do povo. Mais ainda, ela substitui o próprio povo na retórica política. Não se diz mais ‘o povo quer isto ou aquilo’, diz-se ‘a cidadania quer’. Cidadania virou gente” (CARVALHO, 2001, p. 7). Entusiasmo e ingenuidade, que provocam o desejo de participação na reconstrução democrática. Nesta euforia das liberdades políticas reconquistadas, surge a exigência de uma reformulação da lei. Lei que, de acordo com Severino (2003, p. 58), 110 [...] surge como mediadora dos direitos atribuíveis a todas as pessoas, de forma a garantir a cada um o que lhe é devido e a impedir que o mais forte oprima o mais fraco, inviabilizando-lhe o usufruto de seus direitos. Sob o regime da lei, os indivíduos só se submetem ao império do direito e só se curvariam aos ditames da justiça, medida e mediação da equidade e do equilíbrio social. Assim, os constituintes convocados em Assembléia Nacional no dia primeiro de fevereiro do ano de 1987, organizados em vinte quatro subcomissões se valeram da colaboração de diferentes segmentos da sociedade, até então apáticos por falta de oportunidades (BASTOS, 1993, p. 83), elaboram a Constituição aprovada e promulgada em 5 de outubro do ano de 1988. Ao ser promulgada é definida de Constituição Cidadã (CARVALHO, 2001, p. 7) por ter sido elaborada com ampla participação popular e para o alcance da cidadania24. No dizer de Silva (1994) a expressão reflete o entusiasmo da Assembléia Constituinte, representante da sociedade como sinal de vitória da luta pela democracia e por garantir como nenhuma outra carta constitucional anterior, espaço aos direitos sociais e individuais da Cidadania. A Constituição Federal de 1988 em seu anseio de orientar a construção e o desenvolvimento da Cidadania exara diferentes títulos e artigos. No art. 1 da mesma, assenta-se como um dos cinco elementos fundamentais da República. Já no art. 5, em cada um dos setenta e seis incisos, apresentam-se de forma detalhada os direitos civis, que na interpretação de Marshall (1967), correspondem aos direitos 24 No Preâmbulo à Constituição se lê: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”. (BRASIL, 2006). 111 necessários à liberdade individual, liberdade de ir e vir, de imprensa, de pensamento e fé, de direito à propriedade, de direito à justiça, entre outros. Formaram-se fundamentalmente no século XVIII. Os direitos políticos que, na perspectiva de Marshall (1967), são os que aludem à participação do cidadão no governo da polis por meio da organização e do voto, encontram-se consagrados nos artigos de 14 a 16. Finalmente os direitos sociais, tidos por Marshall (1967) como os direitos relacionados a um mínimo de bem estar social do indivíduo na sociedade, aparecem expressos nos artigos de 6 a 11 da Constituição Federal de 1988. Anseia-se construir a democracia que, conceito vislumbrado pelos gregos, desencadeado pela Revolução Francesa, codificado inicialmente na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789, vive mais uma etapa na democratização do Brasil25. Os direitos sociais, conquista do século XX, preocupam-se mais com a igualdade que com a liberdade (QUIRINO; MONTES, 1996, p. 63), portanto a Constituição Federal de 1988, ciente que não se formam cidadãos por meio da lei, mas nas relações sociais, apresenta mais uma série de artigos para que a Cidadania seja construída e para que o Estado, em sua ambígua hegemonia, não permaneça fora deste processo de construção, concordando com Goldemberg; Durham (1993, p. 167) ao declarar que, A Constituição Federal de 1988 representou, em relação às anteriores, um inegável avanço em termos de direitos políticos e sociais. Mas, elaborada 25 Um debate se abre a respeito da terminologia: democratização ou redemocratização. Sem entrar no mérito da polemica, para os paladinos da democratização a democracia nunca foi perdida, simplesmente porque nunca foi inteiramente alcançada. Já os que prezam para redemocratização, o Brasil, com a proclamação da República, experimentou plenamente o regime político democrático. A pesquisa aceita a idéia da democratização. 112 num período de euforia democrática, durante o qual se viveu a ilusão de que uma sociedade ideal poderia ser criada através do simples mecanismo de inscrever na Carta Magna tudo que parecia justo e desejável, apresenta um mecanismo utópico. Uma pequena dose de utopia é necessária, pois aponta objetivos que se espera atingir. Mas o excesso dela cria expectativas irrealizáveis que só podem redundar em frustrações generalizadas. Pelo resto houve avanço na redação deste texto26, imaginando que a igualdade alcançar-se-ía no momento que a lei viesse a ser decretada, esquecendo o papel do Estado, hegemônico nas relações com a sociedade civil, de submissão, nas relações com os organismos internacionais. Quem sabe o início de mais uma utopia. Utopia que se torna força motriz para o trabalhador da educação. A CF 88 apresenta uma série de artigos no Título VIII, na seção dedicada à educação: 205-214, demonstra que a educação possibilita a construção da Cidadania, sob o controle do Estado, sem deixar a utopia da sociedade civil desvanecer, não perder o controle hegemônico e permanecer ‘fiel’ às orientações internacionais. Para tanto “[...] os princípios que regem a educação nacional, enunciados no texto constitucional devem ser ajustados, na sua aplicação, a situações reais [...]” (SOUZA; SILVA, 1997, p. 1). È neste anseio que surge a LDB 9394/96, como mais uma mediação dada pela educação, para a construção da Cidadania em sintonia com o art. 206 da Constituição Federal de 1988, o qual determina que, O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - garantia de padrão de qualidade (BRASIL, 2006). 26 “E a Constituição Cidadã, surgiu, abrigando em seu texto a palavra ‘direito’ 76 vezes, ‘garantias’ 44 vezes e o esquecido vocábulo ‘deveres’ apenas quatro vezes [...]” (TORRES, 2002, p. 135). 113 A finalidade do ensino, ministrado conforme os princípios enunciados no artigo 206 do texto constitucional, enaltece a função de formar cidadãos que sejam expressão de igualdade, liberdade e pluralidade de idéias e, conforme reza o texto, tudo oferecido de forma gratuita pelo Estado, num elevado padrão de qualidade. O IV inciso torna-se conseqüência do artigo 205 do mesmo texto constitucional que declara ser a educação direito de todo cidadão e dever do Estado: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 2006). Nas entrelinhas desse enunciado é possível ler a audácia e ardileza do Estado em não perder sua hegemonia sobre a sociedade civil, muito embora se torne palpável a dificuldade em acreditar que a qualidade da educação para a Cidadania, oferecida pelo Estado, responda à preconizada pelo texto constitucional no inciso VII do art. 206. Destarte, é possível inferir que a Constituição Federal de 1988, em seu anseio de consagrar-se como a Constituição Cidadã, em linha com o pensar neoliberal, embora com sabor de renovação social devido à eufórica participação da sociedade civil por meio de movimentos sociais e grupos organizados, acata a leitura de Marshall (1967) no que se refere ao desdobramento da Cidadania na tríplice divisão dos direitos em civis, políticos e sociais conforme explanado no capítulo três. A ‘Constituição Cidadã’ para fomentar a construção da Cidadania, conforme anuncia, apela à educação. Portanto, a Constituição Federal de 1988 demanda uma 114 nova Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional27 e é, no dizer de Saviani, no clima democrático e de euforia, quase igualando o da redação da Constituição Federal de 1988, que se tramitou a proposta de lei com ampla participação da sociedade civil, bem antes da aprovação da CF 88, exatamente dois anos antes, com a Conferência Brasileira de Educação de Goiânia (SAVIANI, 1997). A elaboração do LDB 9394/96 apresenta-se como a totalidade de uma correlação de contribuições da sociedade civil e das articulações políticas, próprias do Estado. Saviani (1997) lembra que a sociedade civil colabora com a elaboração do projeto ‘Contribuição à Elaboração da Nova LDB: um início de Conversa’ debatido em seguida no Congresso. O documento, progressista em sua linha mestre, pelas delongas burocráticas, com o desvanecimento da euforia inicial, passa pela análise de congressistas não mais tão progressistas sendo que, a partir do ano de 1995, as forças conservadoras voltam a dominar o Congresso. A LDB 9394/96, após um percurso não muito linear e de amplo debate e lutas da sociedade civil organizada com as forças conservadoras, no sentido de assegurar a construção de um sistema nacional de educação que apresente uma concepção de homem, de mundo, de sociedade, de educação, de trabalho e após oito anos de tramitação, chega, entre avanços e limites, a ser “[...] sancionada, exatamente trinta e cinco anos depois de promulgada a nossa primeira LDB (lei 4.024 de 20.12.61)” (SAVIANI, 1997, p. xi). No discurso oficial, os dois pólos da sociedade apresentam-se em sintonia ao anunciar um idêntico discurso: qualidade e democratização da educação e do ensino, preparação para o trabalho e a formação para a Cidadania ativa. 27 Art. 22: Compete privativamente à União legislar sobre: [...] XXIV - diretrizes e bases da educação nacional [...] (BRASIL, 2006). 115 A lei atende os anseios de ambos os pólos, resultando em um acerto entre as forças antagônicas, mas não esclarece qual a qualidade de ensino a ser alcançada menos ainda a que tipo de Cidadania está se referindo. Portanto, ressalta-se que o documento final, fruto de muitas discussões e embates, claramente visíveis no texto, apresenta avanços e retrocessos, próprio de uma lei quando tramita em busca de aprovação. Ainda assim, na interpretação de Demo (1999), contém elementos e dispositivos inovadores e flexíveis que permitem o avançar da educação, e constituem-se em norma fundamental para a construção da Cidadania por meio da mesma educação. A LDB 9394/96, após revelar em sua totalidade o horizonte da educação no inciso 1 do art. 1, no inciso 2 define a abrangência do documento: a educação formal. Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias (BRASIL, 1996). Aparece evidente a influência conservadora que corrige o projeto inicial da lei, encurralando-a no reduto da escola clássica a fim de um melhor controle e domínio do futuro trabalhador de acordo declara o inciso 2: “Art. 1º [...] § 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” (BRASIL, 1996). Muito embora este inciso declare a necessidade de formar o cidadão e trabalhador, concordando com Souza; Silva (1997) atenua-se a preocupação com a 116 humanização e valores, presentes na LDB 5692/71 e se prioriza, fruto da modernidade, o processo de formação e o sociologismo. Os artigos 2 e 3, em sintonia com a CF 88, apresentam, sob o titulo de ‘Princípios e Fins da Educação Nacional’ os alicerces para a construção da Cidadania por meio da educação. Os princípios anunciados no artigo 2, ‘Liberdade e Solidariedade’ são explicitados no conjunto do artigo 3 nos seus 11 incisos. São princípios normativos e pontos de partida para a realização das Políticas Públicas Educacionais, coma finalidade de provocar a realização de ações para a transformação da educação em meio de construção da Cidadania. Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996). Nota-se a defesa da educação como direito social, por tanto como caminho para a plena construção da Cidadania. Percebe-se uma das características da função da educação, requisito necessário para que os cidadãos tenham acesso ao conjunto de bens e serviços disponíveis na sociedade, constituindo-se em condição necessária para se usufruir de outros direitos, sempre constitutivos da Cidadania. O texto declara o fim da educação e anuncia três objetivos. Souza; Silva (1997, p. 10) salientam que: A diferença entre fim e objetivo está em que o fim tem natureza filosófica e política, colocando-se sempre no horizonte das aspirações humanas, ao passo que o objetivo tem natureza administrativa e pragmática, situando-se em dimensões aritmeticamente avaliáveis de tempo, espaço e recursos envolvidos. 117 Considerando a afirmação de Souza; Silva, torna-se importante observar que a LDB 9394/96 pretende projetar no fim o que se torna um objetivo, com o intuito de enobrecer o educando e transformá-lo em cidadão. Nesta perspectiva a educação pode vir a ser compreendida como um processo pelo qual o sujeito se desenvolve de maneira progressiva, constituindo-se em um gradual aperfeiçoamento por meio do qual se aspira à transformação do homem, habilitando-o à Cidadania, qualificando-o e inseri-lo no mundo do trabalho. O art. 2 caracteriza a educação como dever da família e do Estado28. Importante salientar o papel do Estado enquanto legitimador de práticas educacionais por meio das políticas públicas. No auge da euforia a sociedade civil propôs um texto progressista; o Estado, anos depois, aprova um texto com sabor de conservadorismo, equilibrando uma correlação de forças entre agentes diversos: instituições internacionais, entre elas o FMI, OMC, UNESCO, os quais defendem interesses das elites internacionais e o projeto de desenvolvimento econômico; os representantes das classes dominantes nacionais, interessados na ampliação do capital; a sociedade civil organizada que procura garantir os direitos, principalmente os sociais, para uma implantação real da Cidadania. Apesar deste equilíbrio, o Estado, reservando-se o dever da educação, confirma a necessidade, tácita, de manter a hegemonia sobre o cidadão, como especificado no art. 4 da mesma LDB 9394/9629. Ao apresentar as três ‘finalidades’ da educação formal: pleno desenvolvimento do educando, tornando-o sujeito autônomo e livre; qualificação para o trabalho, como condição de sobrevivência; preparo para a o exercício da 28 A educação como dever do Estado aparece pela primeira vez na Constituição Federal de 1934. “Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: [...]” (BRASIL, 1996). 29 118 Cidadania como meio de sobreviver na sociedade politicamente organizada (SOUZA; SILVA, 1997), compreende-se que será possível atingi-la com a efetivação de Políticas Públicas Educacionais através de um adequando equilíbrio de forças entre Estado e sociedade civil. A compreensão do contido na lei representa um avanço. O texto é fruto de uma pressão social que validou, legitimando-a, sua inclusão. Assim, a educação torna-se ao mesmo tempo direito social previsto na lei e meio para a garantia da efetivação deste mesmo direito, isto é, o cidadão dela depende para ter acesso a um sem número de elementos indispensáveis para a realização plena de seus direitos. A LDB 9394/96, além de reafirmar os princípios constitucionais referentes à educação em obediência ao art. 22 inciso XXIV, da CF 88, apresenta normas para a efetivação da mesma. O art. 3 da LDB 9394/96, revela-se como continuidade e aplicação do art. 206 da Constituição Federal de 1988. Enuncia os princípios que irão nortear a construção das três ‘finalidades’ apresentadas no art. 2: pleno desenvolvimento do educando, preparo para o exercício da Cidadania e qualificação para o trabalho. Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extra-escolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais (BRASIL, 1996). 119 O art. 3, com seus XI incisos, confere especial atenção a cada um dos princípios educacionais que fundam a construção da Cidadania. No dizer de SEVERINO (2003) os onze princípios apresentados no art. 3 podem vir a ser agrupados em cinco grandes categorias: Condições de garantia da universalidade do ensino (incisos I e VI); Princípio da expressão de liberdade (incisos II, III, IV e V); Princípios relacionados ao conteúdo do ensino (incisos IX e X); Princípios relacionados com o mundo sociocultural (inciso XI); Princípio de democratização do poder (inciso VIII). Entretanto Severino (2003) alega que o texto não apresenta inovação, mas reproduz o que já se encontra presente na Constituição Federal de 1988 e na LDB 4024/61. Únicos incisos não presentes nos citados documento são os IV, X e XI. Nesta mesma ótica situa-se Demo (1999, p. 12), ao expor que, A LDB não é propriamente inovadora, se entendemos por inovação a superação pelo menos parcial, mas sempre radical, do paradigma educacional vigente, ou ainda se a entendemos como estratégia de renovação dos principais eixos norteadores. Portanto, a não inovação considera-se conseqüência da concepção política dominante que acompanhou a aprovação da LDB 9394/96, seus interesses perpassam o limite da sociedade e tem como horizontes interesses internacionais garantidos no país pelas classes dominantes, herança do liberalismo, presente no quadro dirigente do Estado. Em razão disso a Cidadania, anunciada no art. 3 não passa de pura retórica, sendo que, na leitura de Severino (2003), a lei simplesmente anuncia, mas não garante a implementação dos direitos que levariam a uma construção da Cidadania plena. Construção que indica a participação do Estado em 120 sua acepção gramsciana de “[...] sociedade política + sociedade civil [...]” (GRAMSCI, 1977, Q. 6, 703), para que a Cidadania não seja entendida como um oferecer por parte da classe hegemônica, detentora do poder, benefícios para as classes subalternas, mas seja fruto de um debate entre forças antagônicas em busca de uma aplicação do enunciado nos diferentes artigos citados. Os primeiros 4 incisos, anunciam princípios que, se aplicados, desencadeariam a construção plena da Cidadania30 por meio da educação, sintetizáveis a dois : igualdade e liberdade. O inciso 1 ao afirmar a igualdade de condições para acessar e permanecer na escola declara a possibilidade de criar, sem distinção de classe ou discriminações, oportunidade para todas as pessoas. A igualdade é um estado de direito segundo o qual todos os homens gozam dos mesmos direitos e obrigações, não apresentando diferença alguma diante da lei. Portanto, a finalidade é a de evitar que “[...] eventuais diferenças de natureza sócio-econômica não venham a privilegiar uns em detrimento de outros” (SOUZA; SILVA, 1997, p. 11). Segundo Cury A igualdade perante a lei, a igualdade de oportunidades, a de condições, a de resultados se choca com um país marcado historicamente pelo profundo grau de desigualdade social. Assinalar a democratização em quando acesso é por em evidência o quanto se tema caminhar no âmbito das políticas educacionais (CURY, 2002, 14). Diante das desigualdades sociais, a escola pode vir a ser o locus privilegiado para derrubar barreiras que, não somente denigram a igualdade, princípio essencial 30 A pesquisa opta para a terminologia de Cidadania plena partindo da leitura-provocação de Carvalho (2001) e do significado que outros autores, entre eles Demo (1995) e Canivez (1991) atribuem ao termo Cidadania ativa, por parecer mais abrangente e explícito. 121 para a construção da Cidadania, mas permitindo, por meio de uma ação política concreta, abrir caminho para uma primeira conquista social: a permanência na mesma do educando a fim de que a educação seja absorvida e não somente desejada. Na concepção liberal a igualdade afirma-se como direito, não como fato, configurando-se como categoria formal, ou seja, não promove transformações sociais. Portanto, é significativa a enunciação deste princípio no texto da LDB 9394/96, inspirado no ideário liberal que pode, se exigido pela sociedade e aplicado pelo Estado, revolucionar a educação e, por conseqüência, a mesma sociedade, de fato, ao proclamar a universalidade da educação, que torna-se igualdade de oportunidades para todos os alunos, abrem-se as premissas para que o indivíduo inicie o exercício da Cidadania, não mais individual mas coletiva como desprende-se da leitura do pensamento gramsciano. O inciso 2 declara a liberdade como instrumento do procedimento educativo. A este inciso fazem eco o inciso 3, a respeito do pluralismo de idéias e concepções e o inciso 4 que, corolário ao anterior, declara possível o pluralismo e a tolerância entre diferentes. Direito que salvaguarda e preserva a igualdade de expressar, democraticamente, a liberdade de cada cidadão. Liberdade, pluralismo e tolerância, expressões de uma única categoria que, em uma sociedade democrática, seja ela de inspiração liberal ou socialista, nenhuma outra realidade possa vir a lesar ou cercear. É este o princípio que provocou, ao longo da história da humanidade, a derrocada de regimes totalitaristas, seja de direita como de esquerda para implantar a democracia. Nesta liberdade, o pluralismo de idéias, próprio da democracia, evita o unilateralismo abrindo caminho 122 para a omnilateralidade, isto é, a possibilidade de expressar e mais, conviver com diferentes concepções de homem e de mundo. Diante do texto depreende-se a função do Estado que chancela estes princípios na LDB 9394/96 quando promove por meio da educação e preserva com políticas adequadas, projetos e conquistas que, na escola brotam, a fim de transformar declarações escritas em ações para alcançar a Cidadania pela educação. Imprescindível salientar a preocupação que os artigos analisados da LDB 9394/96 provocam. Em conformidade com o art. 5 da Constituição Federal de 1988 que proclama: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, [...]” (BRASIL, 2006), pode-se pela compreensão do texto, afirmar que o exercício da Cidadania é um direito social adquirido? A educação, sendo parte destes direitos é ao mesmo tempo instrumento da dinâmica para a construção da Cidadania? O afirmar da igualdade é sinônimo de real igualdade diante da mesma lei? O momento atual continua caracterizado por inúmeras desigualdades sociais e deixa claro que a educação, muito embora as positivas intenções das leis analisadas, não se vislumbram caminhos realizáveis tanto para a consolidação, quanto para alcançar a Cidadania plena. Como na Constituição Federal de 1988 se depositaram as esperanças não realizadas de uma construção de direito da Cidadania, assim na LDB 9394/96 frustram-se os desejos de fazer da educação uma alavanca para a superação das desigualdades, a democratização e o alcance dos direitos. Concordando com Demo (1999, p. 68), 123 [...] é necessário perceber que a teoria e a prática da educação no país são terrivelmente obsoletas. O Brasil é um dos países mais atrasados do mundo nessa parte. A LDB não redime essa chaga, por mais que lance perspectivas inovadoras aqui e ali [...]. Com tantas implicações quando se fala em conquista da Cidadania, as quais implicam direitos civis, políticos e sociais, a Constituição Federal de 1988 e a LDB 9394/96 tornam-se pura retórica. É preciso lutar para que a escola torne-se escola cidadã31; para que o indivíduo, através do desenvolvimento de suas potencialidades e da construção de um conhecimento capaz de diplomá-lo, seja atuante no meio em que vive e se torne agente de erradicação de todo tipo de desigualdade social. Por tanto urge refletir a respeito da questão e trabalhar em favor de uma metamorfose: transformar a educação formal em um meio para alcançar os três objetivos que o artigo 2 enuncia como fins. Para que esta mudança se realize, isto é, para que o desenvolvimento do educando, sua qualificação para o trabalho e, principalmente seu preparo para o exercício da Cidadania aconteça, locus privilegiado torna-se a escola. Escola que procura desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes que proporcionando ao indivíduo um preparo adequado para uma plena relação consigo mesmo, com o meio no qual vive e com os demais membros da polis. 31 Entre os autores que trabalham o conceito de escola cidadã, além de Gadotti, encontra-se Dallabrida, Elias, A escola cidadã na rede pública de ensino do Paraná... 124 4.3 CIDADANIA, ESCOLA E TEXTOS ESCOLARES A escola, espaço institucionalizado com função de produzir e articular o conhecimento escolar, é a instância que a sociedade erigiu para educar e instruir as gerações futuras onde o educando atua efetivamente como sujeito individual e social, é fruto de uma necessidade da sociedade, crescendo na medida em que novas necessidades surgem no seio da mesma. Embora no decorrer da história agregaram-se outras funções, a principal permanece, no pensar de Luckesi (2005), mediar a apropriação da cultura socialmente acumulada às novas gerações, sendo que é na escola que os ideais educacionais traduzem-se em prática pedagógica, conseqüentemente, social e política. Pode vir a ser definido como um espaço concreto fundamental para a formação de significados e para a construção e o exercício da Cidadania, pois na medida em que possibilita a aprendizagem de participação crítica e criativa, contribui para formar cidadãos capazes de atuar política e socialmente na articulação entre o Estado e a sociedade civil. Para Cury (2000, p. 94), a escola é uma instituição pedagógica, com função de elaborar e difundir concepções de mundo por meio de idéias pedagógicas que, por sua vez, são e exercem uma função educativa. Pondo-se a serviço da hegemonia da classe dominante, exerce a função de permitir a interiorização de princípios e normas, elaboradas pela classe dominante, iimpostas nas classes subalternas. Na leitura de Cury (2000) a escola encontra-se entre as instituições de maior peso na sua função hegemônica. Tal peso se deve à proximidade com o poder, pela tradição, pela estrutura consolidada e aceita pela sociedade, pelo valor e influência 125 que exerce na mesma, sempre ligada, direta ou indiretamente ao Estado. Estado que a reconhece, ampara e orienta, sendo que não gera a divisão da sociedade em classes, mas coopera pondo-se a serviço de um pólo da mesma, quase sempre da classe detentora do poder. Assevera Canivez (1991, p. 33) que a escola tem uma profunda articulação com a construção da Cidadania: Se toda comunidade política se caracteriza pela coexistência de várias tradições, a escolaridade tem significado particular. A escola, de fato, institui a cidadania. É ela o lugar onde as crianças deixam de pertencer exclusivamente à família para integrarem-se numa comunidade mais ampla em que os indivíduos estão reunidos não por vínculo de parentesco ou de afinidade, mas pela obrigação de viver em comum. A escola institui, em outras palavras, a coabitação de seres diferentes sob a autoridade de uma mesma regra. Interpretando o texto, a escola responde exatamente aos anseios das leis analisadas na segunda parte do presente capítulo. De fato, ela tem sido o locus privilegiado onde a Cidadania pode ser construída e acontece na dialética confrontação entre Estado, que a controla e a mantém, e a sociedade civil que exige e provoca contínuas mudanças para adaptá-la às necessidade das pessoas. Outra função da escola tem permitido relacionar e integrar diferentes dimensões da vida pessoal e social. Surge como mediadora entre o passado, consolidando em forma de saber acumulado e o presente, com seus desafios e provocações e, finalmente pode permitir a inserção do educando na sociedade atual. A escola permite ao indivíduo, sair de seus limites familiares e projetá-lo na polis, com suas regras e suas contradições, próprias de qualquer sociedade. De maneira geral a escola atual, organizada pelo Estado capitalista, acompanha os princípios liberais: liberdade dos indivíduos, igualdade perante a lei, 126 direito à propriedade, individualismo, democracia. Princípios que desembocam no capitalismo. Para que esta sociedade capitalista se implantasse, a burguesia, classe em ascensão, precisava do apoio das classes subalternas. A estas se oferecem duas condições: assumir sua Cidadania e sair da ignorância. A escola oferece-se como ponto de encontro desta necessidade acunhando o leme: Educação, direito de todos, dever do Estado, reproduzido em todas as Constituições democráticas32. A escola, como bem lembra Porto (1987), que antes oferecia o monopólio da educação para a burguesia, quase sempre desvinculada do mundo do trabalho, passa a receber em número crescente, crianças da classe subalterna. O ensino, dado no local de trabalho, é grande oportunidade de ascensão social e econômica. Porto (1987, p. 38) afirma que com o desenvolvimento do capitalismo, além do antagonismo entre as duas classes: dominante e subalterna; a primeira em querer pelo poder cultural manter a hegemonia e a segunda ascender, surge uma preocupação por parte da burguesia: o não querer mais a participação política das massas, por não acirrar a contradição entre os interesses dominantes e os emergentes. Por isso a escola se apresenta como um espaço onde a dialética se faz notória por surgirem as contradições da sociedade assimiladas pela educação, trabalhadas e transmitidas sempre favorecendo a classe dominante, conforme assinala Marx; Engels: “As idéias (Gedanken) da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes” (1999, p. 72). 32 Desde a primeira Constituição Imperial do Brasil de 1824, que traz duas referências à educação até a de 1988 que dedica vários artigos à educação, o princípio inspirador é o mesmo: direito do cidadão, dever do Estado. 127 Para que esta contradição não se torne motivo de afastamento da classe subalterna da educação, como meio de dominação, apresenta-se uma nova função social da escola: integrar o sujeito na sociedade, integração esta, que promove a democratização. Democratização que se manifesta não somente no acesso à escola, mas na igualdade de oportunidade para busca e acesso ao saber. Assim, o saber transmitido pela escola é “[...] resultado do confronto entre as diferentes alternativas de compreensão do mundo” (FEIL, 1997, p. 112). As alternativas de compreensão são conseqüências do pluralismo declarado no art. 3 incisos III e IV da LDB 9394/96, mas que não sempre a escola realiza, sendo que o direito de acesso não significa sempre direito à permanência, ainda mais, significa a autonomia dos agentes do saber em relação aos meios utilizados para a construção do mesmo saber. Este fator está intrinsecamente ligado ao tipo de conhecimento que a escola transmite. Podendo transformar-se em uma escola mais ou menos comprometida com a educação, esta última entendida de acordo visto no capítulo anterior, como edificadora de ‘homens completos’ ou ‘homens pela metade’ de acordo com o pensamento de Gramsci (MANACORDA, 1990, p. 29). Homens completos no sentido de construtores de uma sociedade pluralista e tolerante. Para que esta edificação se realize faz-se necessário que a escola transforme o saber em Um saber comprometido com a verdade porque ela é a base de construção de conhecimento. Um saber comprometido com a justiça porque ela é a base das relações entre os humanos [...] Um saber comprometido com a igualdade, porque ela é a base da estrutura social e inerente à condição humana (BELLONI, 1992, p. 73). 128 Um saber dinâmico que concilie herança cultural com as novas conquistas da cultura. Um saber que permita ao sujeito tornar-se livre, na medida em que o torna mais consciente de sua missão pessoal e social. Liberdade que é um dos pilares da democracia e desta torna-se garantia. Um saber que colabore para a integração da pessoa, desenvolvidas suas potencialidades, no meio social no qual vive e participa, a fim de mediar o desenvolvimento da sociedade. Um saber que, longe de ser uma transmissão mecânica e acúmulo de informações, permita a apropriação do conhecimento para uma interação entre os diferentes agentes tendo a escola como local de acontecimento. Portanto, função social e saber na escola deveriam se unir a fim de construir uma nova sociedade do conhecimento e uma autêntica Cidadania (BORDIGON; GRACINDO, 2000, p. 156). Cidadania que na interpretação de Bordigon; Gracindo (2000) vai além da restrição da leitura jurídica de direitos e deveres, própria da visão positivista assumida pelo Estado moderno em sua inspiração liberal, unicamente preocupada com a Cidadania civil. Concordando com os autores, a Cidadania que a escola, pela mediação do ensino precisa buscar, vai além da dimensão civil, procurando desenvolver outras dimensões, entre elas a econômica, a cultural e a política, direitos estes, pessoais e sociais indispensáveis à democracia e à construção da Cidadania (BORDIGON; GRACINDO, 2000, p. 156). Acredita-se que é possível fazer da escola um espaço dialético entre o Estado, com suas políticas anunciadas pela emancipação dos sujeitos, mas ligadas aos interesses de organismos internacionais e as classes dominantes, que dificultam à escola realizar sua vocação: emancipar pessoas em sujeitos e estes em cidadãos. 129 Cidadãos capazes de dialogar entre si, interagir com as diferentes classes sociais e confrontar-se com o Estado cada vez mais confuso por não ser mais moderno, no sentido de aderir plenamente aos padrões do capitalismo internacional e “[...] nem cumprir a sua tarefa de criar as pré-condições necessárias para o exercício da Cidadania” (CURY, 1993, p. 63). A Cidadania se edifica nas relações entre diversos. São as relações sociais, respaldadas pela liberdade e a tolerância no pluralismo. Pluralismo que, intrínseco à escola por acolher pessoas de diferentes grupos sociais, desde os mais ricos aos menos favorecidos, pode, na igualdade da dignidade humana, promover a unicidade que enriquece a sociedade. Concordando ainda com Bordigon; Gracindo (2000) o cidadão, que a escola como desafio tem que promover, é aquele que faz a história, o governante, no dizer de Canivez (1991), de si mesmo e, com os outros, da sociedade. Para possibilitar esta construção, a escola, mais que informar, tem como compromisso promover e vivenciar tais relações sociais, muito além do texto da lei escrita ou das concessões de um Estado cada vez mais confuso em sua mediação entre sociedade civil e detentores do poder. A pessoa que a escola acolhe em seu meio é um sujeito que intervém, transforma, avalia, compara, critica, decide. É este sujeito que a escola tem que educar. Função primordial da escola é contribuir para a melhoria da sociedade através da formação de cidadãos críticos, responsáveis e capazes de enfrentar os desafios que o mundo lhes oferece. Em síntese, de acordo com Ferreira (2003, p. 113), a escola tem que formar seres humanos intelectualmente emocionalmente ajustados, aptos tecnicamente e ricos de caráter. fortes, 130 A escola tem como missão fundamental formar cidadãos, responsáveis, compromissados e honrados. Seria um problema gravíssimo se o sistema educativo fosse por si mesmo um meio para piorar eticamente a sociedade. É compromisso da escola, como já visto em Gramsci, de formar o homem completo (MANACORDA, 1990, p.29). Se a escola é o locus para que a função social de construir Cidadania aconteça, as idéias pedagógicas elaboradas nesta instituição social, necessitam de um meio para ser difundidas e chegar até os alunos. Mediações são usadas para esta construção, que a sociedade civil reivindica, o Estado anuncia nas leis e a escola tem por compromisso realizar. Entre as muitas mediações, a que interessa à presente pesquisa, por ser um material ambíguo no sentido de oferecer diferentes ângulos de leitura, e também por ser produto das Políticas Públicas Educacionais, é o texto didático. Para Freitag; Costa; Motta (1997) o livro didático é um objeto cultural contraditório que gera intensas polêmicas e críticas de muitos setores, muito embora considerado como um instrumento fundamental no processo de escolarização. Surgiu como um complemento aos grandes livros clássicos. De uso restrito ao âmbito da escola, reproduzia valores da sociedade, divulgando as ciências e a filosofia e reforçando a aprendizagem centrada na memorização. E, por longos anos, ele cumpriu essa missão. Depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, o livro didático ampliou sua função precípua. Além de transferir os conhecimentos orais à linguagem escrita, tornou-se um instrumento pedagógico que possibilita o processo de intelectualização e contribui para a formação social e política do indivíduo (FREITAG; COSTA; MOTTA, 1997). 131 Depositário de conteúdo escolar permite o repasse do saber, do conhecimento e técnica considerados essenciais de certa sociedade historicamente determinada. Transpõe o saber acadêmico e popular para o escolar por meio de uma complexa adaptação de linguagem e formas de comunicação próprias pensadas pela classe hegemônica que detêm o poder cultural e o repassa, como certo e único, para os alunos. O livro didático não é somente um instrumento pedagógico, mas, no dizer de Choppin (1992) é também produto de grupos sociais que procuram, por seu meio, perpetuar suas identidades, valores, tradições e culturas. Vivendo em uma sociedade dividida em classes antagônicas, a burguesa que detêm o poder e domina e a classe dominada, a educação está sempre em sintonia com um pensar de classe e grupos de elites. Como as idéias dominantes de uma época são as idéias da classe que domina a sociedade, de acordo com o exposto na Ideologia Alemã (MARX; ENGELS, 1999, p. 72), na atual sociedade capitalista são as idéias burguesas que dominam. Geralmente o livro didático, em fidelidade à educação burguesa que impera e tem a função de garantir tal domínio por meio da escola, apresenta-se como um fiel repassador de uma pedagogia que controla e domestica: o da classe burguesa para o domínio e da classe subalterna, para a obediência e a produção, sendo que a educação visa formar cidadãos produtivos e obedientes à lei. Por isso desperta interesse em diferentes setores e provoca debates no interior da escola, na sociedade civil, no mercado assim como entre autoridades políticas e intelectuais de diversas procedências. Apesar de ser um objeto bastante familiar e de fácil identificação, torna-se praticamente impossível defini-lo. Pode-se constatar que o livro didático assume ou pode assumir, funções diferentes, 132 dependendo das condições, do lugar e do momento em que é produzido e utilizado. Por ser um objeto de ‘múltiplas facetas’, o mesmo é pesquisado como produto cultural; como mercadoria ligada ao mundo editorial e dentro da lógica de mercado capitalista; como suporte de conhecimentos e de métodos de ensino das diversas disciplinas e matérias escolares; e ainda, como veículo de valores, ideológicos ou culturais. Para Gerard; Roegiers (1998) o manual escolar, enquanto instrumento de informação e divulgação, veicula uma determinada cultura, um conjunto de valores e modelos que emanam dos objetivos do currículo e da forma como os autores dos manuais interpretam este último. Nesta medida, o manual pode induzir um conjunto de representações do mundo e modelar decisivamente a forma como o aluno assimila a cultura, tal como ela é objetivada no mesmo texto escolar. Constitui-se, portanto, como um agente poderosíssimo no processo de socialização e de formação da identidade de crianças e jovens. Outro aspecto importante a reter, na leitura de Gerard; Roegiers (1998), diz respeito à função uniformizadora do manual enquanto veículo de cultura. Apesar das preocupações em que constantemente se insiste quanto à necessidade de dar vozes à diversidade cultural, cada vez mais presentes no meio social e no interior da instituição escolar, o livro escolar tem enorme dificuldade em escapar aos determinismos da cultura oficial formatada no currículo prescrito, sendo que este emana das finalidades da educação. Cury (2000, p. 107) insere o livro didático no material da chamada indústria do conhecimento, identificada pelo autor como o avanço do capital sobre o saber. Abrange todo produto que transmite conhecimento, tanto na educação formal como 133 na informal. E é usado, não somente como fonte de lucro, mas também como “[...] meio para exercer sua hegemonia sobre os educandos”. Como veículo portador de um sistema de valores, de uma ideologia, transmite estereótipos e princípios de grupos dominantes generalizando temas como família, criança, etnia, trabalho, lei, de acordo com os preconceitos da sociedade, conforme declara em sua pesquisa, Faria (2000, p. 6). Não cria a ideologia dominante, mas a transmite, por isso é, no dizer da pesquisadora, genérico e abstrato. Permite consolidar o status quo da sociedade, camufla a desigualdade, dissimula a discriminação, contribui para a reprodução da sociedade burguesa (FARIA 2000, p. 72). Para que esta ideologia seja aceita e fortalecida, a fim de não desviar o controle da classe dominante sobre a subalterna, a indicação dos livros didáticos, é confiada aos organismos oficias direta ou indiretamente dependentes do Estado. Função do Estado, como visto amplamente no segundo capítulo, é a de vigiar para que as normas e as leis sejam respeitada (GRAMSCI, 1991a). Manter coesa a estrutura social, a fim de garantir a existência e a consolidação das classes sociais na relação, já definida, de dominação e subordinação. Assim, o Estado, para assegurar seu domínio, passa a ser um instrumento de repressão, conforme aduz Poulantzas (1977, p. 42): “A prática política tem como resultado a manutenção da unidade de uma formação [...] isto é, a sua não transformação [...]”. Por todas as razões expostas, o livro didático, produzido dentro de realidades concretas, cumpre sua função social: reproduzir a ideologia dominante, e não alterar o status quo social. Portanto, ressalta Faria (2000) é abstrato, genérico e pouco criativo, feito para a pequena burguesia, mas também para manifestar as contradições intrínsecas à mesma. 134 Deste modo a ideologia, no sentido geral, é tida como um sistema de idéias e representações que domina o espírito do homem ou de um grupo social. A ideologia é um conjunto lógico sistemático e coerente de representações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na esfera da produção. Pelo contrário, a função da ideologia é a de apagar as diferenças como de classes e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento da identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a Nação, ou o Estado (CHAUI, 1981, p.113-114). Destarte, a ideologia pode ser interpretada como uma perspectiva que veicula interesses dos diferentes grupos presentes na sociedade. Pode ser dominante, portanto negativa na visão geral, mas não sempre necessariamente falsa. Na concepção de Gramsci (1995, p. 16), que distingue ideologias historicamente orgânicas das arbitrárias, e afirma que as primeiras além de organizarem as massas humanas e organizar o terreno sobre o qual o homem se movimenta e adquire consciência, de forma a tornar-se base indispensável da estrutura social; é possível dar ao conceito “[...] o significado mais alto de uma concepção de mundo que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas”. Portanto, interpretando Gramsci, a ideologia torna-se meio de dominação quando, estabelecido o consenso, transforma-se em hegemonia de uma classe que adquire o poder e, exercendo dominação, subjuga a outra que se transforma em dominada, por meio de idéias e representações. Alem de ‘ensinar’ a pensar, tem como função 135 adaptar o indivíduo a aceitar como natural a tarefa que a sociedade lhe impõe e o convida a aprovar a divisão da sociedade em classes como meio para estabelecer e perpetuar a harmonia na mesma. Podem ser idéias e representações falsas ou verdadeiras, mas sempre parciais, e o são desde o ângulo de determinadas idéias ou representações não de um indivíduo, mas de um grupo social definido. Estas idéias e representações, presentes na sociedade, pensadas pela classe dominante são transmitida, como educação, na escola, pelos livros didáticos, principalmente no que diz respeito à educação para a Cidadania. Codificado pelas leis do Estado, são por este defendida e incrementadas, com um discurso de igualdade de oportunidades e neutralidade nas relações entre as classes. Tal ideologia vem sendo camuflada por meio do caráter público da escola, o uso único do livro didático na sala de aula, e os conceitos veiculados nos mesmos que, aparentemente, apresentam as desigualdades sociais como um desafio a ser superado e vencido, muito embora, na realidade, a sociedade continua classista, desigual e injusta. Por manifestar as contradições da sociedade classista, pode provocar uma ação libertadora da classe dominada. Aparentemente a partir da promulgação da CF 88, houve uma adaptação, lenta, mas significativa, do livro didático, no que diz respeito aos temas tratados, à escolha do mesmo por parte dos educadores e a seu uso. Aparentemente, porque junto com o livro de uso do aluno, é enviado o livro do professor com respostas já redigidas e, quase sempre unívocas, deixando de provocar debates e questionamentos sobre temas que poderiam abrir horizontes para fortalecer valores que levem à formação cidadã. Infere-se que as Políticas Públicas Educacionais, veiculam valores culturais e ideológicos para restabelecer o status quo social, a partir da ótica da cultura 136 liberal, própria do capitalismo, apoiada pelo Estado, hegemônico em sua função de manter-se no poder e consolidar a classe dominante que o constitui. O livro didático se incumbe de propagar e de perpetuar a ideologia dominante. Às vezes de forma simples, às vezes de forma velada, mas quase sempre omitindo de facilitar o senso crítico do aluno, em debater os temas sugeridos para uma construção cidadã, já que se dificulta ou se impede, via estudo do texto, a percepção e a discussão de questões polêmicas que romperiam com a aceitação da realidade imposta. São as interrogações que, o capítulo quinto, parte própria da análise, abordará. 137 5 ANÁLISE DE TEXTOS ESCOLARES Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar. (BRECHT, 2007c) Os capítulos anteriores deste relatório de pesquisa apresentaram o desabrolhar do poder do Estado em sua conflitante relação com a sociedade civil. No terceiro capítulo a sociedade civil consegue alcançar, parcialmente, um significativo espaço reconhecido, mas não sempre respeitado de autonomia: a Cidadania. Para que esta se realize, as contradições entre Estado e sociedade civil aparecem na educação. Já no quarto capítulo, um Estado, não mais autônomo pelas dependências internacionais, mas necessariamente hegemônico, formula, provocado também pela sociedade civil, leis que declaram princípios de Cidadania e as consagras com novas Políticas Públicas. Essas idéias e conceitos são assimilados na escola nos anos de formação e encontram, nos textos escolares, pensados como tradutores das leis e normas, dogmáticos meios para consolidar o status quo. O presente capítulo, centro da pesquisa, analisa detidamente os textos didáticos selecionados, através dos critérios elencados na introdução, no que diz respeito ao conceito Cidadania. Igualmente, analisa outros textos que apresentam idéias inerentes ao mesmo conceito. Após a análise dos textos, será realizada uma síntese dos aspectos gerais encontrados nos mesmos. 138 5.1 ANÁLISE DOS TEXTOS DE 1ª A 4ª SÉRIE O texto escrito, assim como o mundo real, é complexo, dinâmico e contraditório. A dificuldade de reproduzir a totalidade dos conceitos que o livro trabalha ao apresentar o tema Cidadania é grande, deste modo optou-se por seguir, com relativa fidelidade, cada escrito. Para melhor identificar o contexto, após referenciar o texto, segue a série à qual a obra é destinada. Moreno; Fontoura (2000, 4ª série) abre a unidade seis do livro didático, afirmando que o mundo é uma obra inacabada e, portanto, em constante construção: Às vezes é difícil entender que este mundo não está pronto. E que ele é assim, do jeito que é, porque nós fazemos assim. O mundo é o que fazemos dele em cada lugar e em cada momento (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª série, p. 147). Introduzido por esta epígrafe, usando um trecho de Dimenstein (1997, p.1720), o texto sublinha a importância de saber o que é Cidadania, palavra usada diariamente, mas em sua essência, nada mais é que: “[...] o direito de viver decentemente” (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª série, p. 148). O texto explica o que entende por ‘viver decentemente’, sempre na ótica dos direitos. É ter liberdade de expressão. Liberdade de votar. Cobrar um erro de um profissional. Devolver um produto sem prejuízo. É ser diferente sem sofrer discriminação (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª série, p. 148). Em seguida, relaciona a Cidadania com os deveres, seguindo idealmente o pensamento marshalliano, como estágio para alcançá-la respeitando desde o 139 semáforo até zelar pela coisa pública (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª série, p. 148). Finaliza o texto de Dimenstein, com a afirmação de que: “[...] o direito de ter direitos é uma conquista da humanidade” (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª série, p. 148) equiparada às conquistas tecnológicas. O texto, de forma agradável para o aluno, apresenta a conquista da Cidadania, interpretada como direito a ter direitos, como um status alcançado e que somente precisa de ‘manutenção’ por meio de pequenas ações definidas como educação. O conceito de manutenção demanda à idéia de que a Cidadania já se encontra completa e acabada, precisando de exíguos reparos realizando simples ações de boa convivência social. Afirmar isso significa desconhecer os conflitos, sempre presentes, na sociedade classista. Após expor o conceito de Cidadania como uma construção, o manual de Moreno; Fontoura (2000, 4ª série, p. 149), “[...] apresenta alguns princípios básicos para a vida em sociedade [...] A solidariedade, existente entre todos os cidadãos e a compreensão de que todos necessitam uns dos outros para viver bem”. O texto exemplifica a solidariedade com uma série de interrogações, questionando o agir em situações diárias: emprestar a caneta ao colega; ceder lugar no ônibus para uma pessoa idosa; ouvir música em volume baixo; visitar um colega doente (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª série, p. 149). Em seguida aponta como modelo nacional de solidariedade, a campanha ‘Ação da Cidadania contra a miséria e pela vida’33 promovida por Herbert de Souza 33 A campanha, lançada em junho de 1993 tornou-se conhecida como ‘Campanha contra a fome’. 140 mundialmente conhecido como Betinho (1935-1977). Aparece o símbolo da campanha e sugerem-se uma série de perguntas todas relacionadas ao símbolo. Na primeira parte, a solidariedade, exageradamente simplificada, vem sendo limitada às ações de bom comportamento e educação. O bom comportamento é apresentado no sentido de agir bem, conforme normas estipuladas por outros. É o comportamento de quem, mais abastado, oferece ajuda aos que nada possuem. Surge um problema: a falta de questionamento das causas da desigualdade entre dois pólos antagônicos. Na segunda, ao expor a campanha promovida pelo sociólogo Herbert de Souza, omitem-se informações sobre o contexto social do país ao se desencadear a campanha, ainda mais: não cita sequer a data inicial do projeto. O texto deixa imaginar. Imaginar que Herbert de Souza, o ‘Betinho’, ao pensar a campanha, que tem por lema: ‘Ação: Cidadania contra a miséria e pela vida’ é movido por uma solidariedade pacífica e um sentimento fraterno, quase evangélico. Entretanto não deixa transparecer o drama de um país onde milhares de crianças morrem por falta de alimento, de vacina, de cuidados básicos. Uma nação onde as verbas destinadas para programas sociais são desviadas para fins de compra de votos nas casas de leis: Senado Federal e Câmara dos Deputados. Não deixa pensar que ainda, no início do terceiro milênio, o cuidado com a alimentação e saúde, direitos civis proclamados como fundamentais para a República na Constituição Federal de 1988, Carta Magna do país, por ufanismo definida de ‘Constituição Cidadã’ são esperados pela iniciativa de entidades quase sempre religiosas ou filantrópicas mantidas com o auxílio 141 econômico de governos estrangeiros34. Claro deduz-se a solidariedade como ação individual e coletiva, mas permanece longe das responsabilidades do Estado. Outro princípio apresentado é o de participação. A participação é o elemento mais importante da Cidadania. Várias pessoas já se unem formando grupos para melhorar a situação de sua rua, de seu bairro, de seu município e até de seu país, como por exemplo, as associações de moradores de uma rua ou de um bairro, a reunião de condôminos, os grupos de defesa das crianças, etc. (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª série, p. 153). Para exemplificar a participação social os autores assinalam as informando as Organizações não Governamentais (ONG’s) e o projeto AXÉ. As ONG’s são idealizadas, não questionando ou interrogações e suspeitas que ‘muitas ONG’s famosas’’35 levantam, seja em relação à negócios às vezes confusos e pouco claros, seja à proliferação das mesmas como fonte de poder e enriquecimento de multinacionais e governos quase sempre estrangeiras, que as promovem e apóiam em suas iniciativas. O projeto AXÉ mantido por uma ONG, implantado na cidade de Salvador no estado da Bahia, pretende ajudar meninos e meninas de rua transformando-os ‘de pivetes em cidadãos’. Façanha que custa dez vezes menos que um projeto governamental. Criado desde 1991, pelo advogado e pedagogo italiano Cesare de Florio La Rocca, hoje atende mais de duas mil crianças e adolescentes. Tudo no resgate e no respeito da cultura africana. 34 Caso gritante é a Pastoral da Criança órgão da Igreja Católica e mantida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que por sua vez recebe verba de Igrejas européias para a realização das atividades da mesma pastoral. 35 Debatem-se as atividades da ONG Green Peace questionando financiamentos, investimentos e propaganda. Muitas outras ONG’s provocam idênticas interrogações sem muita clareza de respostas. 142 A apresentação do projeto foi extraída da obra de DIMENSTEIN (1997, p. 152). Exalta a capacidade de transformar ‘pivetes’ em cidadãos produtivos. O texto é insolente. Apresenta por um verso um país incapaz de fornecer um mínimo de condições para que ‘ajudantes de ladrões’ 36 sejam transformados em cidadãos, mas ao mesmo tempo confia a uma entidade pensada longe da realidade o caminho para a solução da delinqüência, da miséria, da falta de educação. Repassa a idéia de que é suficiente, para que tudo isso aconteça, também em nível de país, quatro elementos: administração eficiente, respeito pelo menino, incentivo e educadores bem remunerados. O projeto é uma provocação para toda a sociedade. Uma sociedade que precisa de estrangeiros para que seus membros consigam o que a CF 88garante no papel, mas que não passam de quimeras: educação para todos, saúde e alimentação dignas ao alcance de todos. Ilustra o projeto um desenho onde jovens negros tocam instrumentos. A mensagem é clara: somente o negro, minoria por excelência no Brasil, precisa de ajuda para conseguir equiparar-se ao brasileiro, já cidadão por melhores condições econômicas e melhor situação social. Não ao acaso o organizador do projeto é um italiano, um estrangeiro... Mais um princípio norteador da Cidadania, a igualdade é assinalado no livro: A Cidadania só existe quando todas as pessoas têm os mesmos direitos e deveres. Para isso, todos devem ter as mesmas garantias e as mesmas responsabilidades dentro da sociedade (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª série, p. 153). Como justificativa, o texto transcreve o início do art. 5 da CF 88. As indagações questionam se todos têm as mesmas oportunidades e como agir para diminuir a desigualdade no Brasil. 36 É o significado do termo ‘pivete’. 143 Artigos referentes a diversos e diversidades ilustram o tema: a história de duas crianças portadoras de deficiências e o texto extraído e adaptado da obra Os três astronautas de Eco; Carmi (1984). Questiona as diversidades e conclui que a liberdade faz-se voz da igualdade. Muito embora a liberdade seja a garantia para todo tipo de diversidade, o texto não deixa transparecer as lutas históricas que levaram à conquista da mesma. Cita, mas não de forma conclusiva, a escravidão e a ditadura no Brasil como expressões de cerceamento da mesma. O livro conclui a unidade com a sugestão de uma encenação teatral: “O verdadeiro cidadão é aquele que se faz todos os dias, nas pequenas e grandes ocasiões” (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª série, p. 166). Infere-se que o conceito de Cidadania inicialmente apresentado como conquista histórica, somente precisa de manutenção. Manutenção que traduz atos educativos nas pequenas ações diárias e no respeito dos diversos. Manutenção de uma educação que, nas mãos do Estado, conforme aduz Gramsci (1991a; 1991b) no capítulo dois da presente pesquisa, tem por finalidade consolidar e reproduzir a direção da classe hegemônica. São comportamentos que sugerem ações individuais, mas não estimulam a ação coletiva e renovadora. A coleção Pensar e Viver, em cada um dos quatro volumes de História, todos de autoria de Chianca; Teixeira (2007), reserva uma unidade à Cidadania e aos direitos. O volume 1º intitula a unidade IV “Eu e os meus direitos” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 1ª, p. 101). Metodologicamente dividida em três partes, inicia questionando: “Do que precisamos para viver [...] Além da comida, do que mais você precisa para viver bem?” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 1ª, p. 102). 144 Fotos e perguntas convidam a valorar as ações sugeridas pelas imagens. Crianças dormindo; na escola; brincando; alimentando-se. O texto sugere a relação entre necessidades fisiológicas e direitos. O manual do professor37 aconselha que se faça a ponte entre os dois, vendo os direitos como [...] instrumentos criados pela sociedade para atender às suas necessidades básicas, que são materiais (alimento, por exemplo), intelectuais (educação), sociais (saúde e capacitação) e culturais (arte e lazer). (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 1ª, MP p. 32). As imagens são unicamente de crianças bem alimentadas, bem cuidadas e felizes. Em suas maiorias brancas, só alguns morenos, mas com semblantes mais delicados, insinuando que o esteticamente bonito e agradável vem a ser o europeu ou seu descendente. O negro e o moreno, símbolo de inferioridade, somente podem alcançar certos direitos quando se igualarem aos primeiros ou no refinar os tratos, ou vestindo indumentária européia. Omite apresentar a realidade de uma sociedade mais complexa e contraditória. A segunda parte relata “Quais os nossos direitos” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 1ª, p. 104). Transcreve, adaptando os direitos da criança extraídos da Declaração dos Direitos da Criança decretada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1959, afirmando que: “As crianças, assim como os adultos, também têm os seus direitos” O Manual do professor alega que o objetivo do texto é a “[...] busca de entendimento a respeito da natureza dos direitos da infância. Os alunos devem ir percebendo que não se trata de um assunto qualquer 37 O manual do professor nos 4 volumes de Chianca; Teixeira (2007) encontra-se na última parte de cada volume e traz paginação separada. Para facilitar a identificação, a sigla MP antecede a paginação. 145 ou de conversa fiada, mas de algo muito importante para a vida deles, presente e futura” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 1ª, MP p. 32). As discussões devem sempre, segundo o livro: “fazer com que comecem a compreender que seus direitos não são uma ‘concessão’, mas uma ‘obrigação’ da sociedade, incluindo-se aí a família, a escola, a comunidade e o governo” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 1ª, MP p. 32). O texto e as orientações desenvolvem a ligação entre direitos e deveres de tal forma que a consciência seja orientada a não separar os dois momentos, mas não assinala uma justificativa suficiente que explique o porquê da junção dos dois conceitos. Finalmente a terceira parte da unidade trabalha a temática do respeito dos direitos sociais (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 1ª, p. 108). Imagens e perguntas manifestam as contradições entre o texto da lei, enunciado na parte anterior e a realidade. Muito embora esta provocação, o texto não aproveita a parte da unidade para um debate sobre as dicotomias existentes em nossa sociedade. De acordo com o Manual do Professor, finalidade da provocação do texto é que as crianças: “[...] possam transpor tais situações e se situar em seu próprio meio social” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 1ª, MP p. 32). A limitação de somente conhecer e debater apresenta uma tentativa de superação com a poesia Eu tenho um sonho de Shrestha (2000). Eu tenho um sonho lutar pelos direitos dos homens Eu tenho um sonho tornar nosso mundo verde e limpinho Eu tenho um sonho de boa educação para as crianças 146 Eu tenho um sonho de voar como um passarinho Eu tenho um sonho ter amigos de todas as raças Eu tenho um sonho que o mundo viva em paz e em parte alguma haja guerra Eu tenho um sonho Acabar com a pobreza na Terra. O idealismo dos versos beira a utopia ao deixar depender o alcance dos direitos não luta para a conquista, mas para a realização de um sonho. O sonho sempre lembra a paz serena, mas é diferente da realidade na qual os direitos não são oferecidos gratuitamente pelas instituições sociais, mas que, historicamente sempre foram arrancados com lutas e revoluções. Mais ainda, o sonho fala de uma dimensão individual, muito coerente com a visão liberal, longe da organização social da leitura marxista-gramsciana que faz da coletividade ponto de início para toda reivindicação. O volume 2º na unidade III apresenta um direito social entre os mais debatidos: o trabalho (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 62). O texto apresenta fotos e perguntas relativas as diferentes atividades laborais: costura; corte de cana e colheita de laranja; coletores de lixo urbano e dentista. Toda pessoa realiza um trabalho: “As pessoas trabalham em diversos tipos de atividades [...]”. Aduz que existem atividades remuneradas e outras não, exemplificando este último tipo com o da dona de casa. Outros trabalham como empregados: são os assalariados, pagos após a execução do trabalho. Outros ainda são os profissionais liberais, chamados de autônomos, que recebem pelo que cobram ao terminar a execução do serviço prestado (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 63). 147 Assevera que o trabalho de cada um torna-se importante fonte de sustento, mas também de aproveitamento dos recursos da natureza e sua transformação em benefício para todos (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 66). As profissões modificam-se ao longo do tempo devido às transformações das atividades econômicas. Exemplos dessas mudanças são as antigas lavadeiras e os que trabalhavam nas ferrovias. Alteram-se as necessidades e as técnicas assim como os instrumentos se adaptam aos novos tempos. (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 72) Finalmente o texto expõe os diferentes significados do trabalho. Para os povos indígenas vêm a ser atividade voltada ao sustento diário, já Entre nós o trabalho tem outra finalidade. Além de garantir o sustento diário, por meio do trabalho as pessoas procuram melhorar suas condições de vida e adquirir bens: casa, automóvel, eletrodomésticos, móveis, roupas etc. [...] também desenvolve nossas capacidades e nos obriga a usar a inteligência, buscar mais conhecimento e a aprender novas habilidades (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 79). O texto idealiza o trabalho. Parece que todos trabalham. Não aponta a mínima informação ao desemprego, à exploração do trabalhador, ao desrespeito com algumas categorias de trabalhadores. É gritante a omissão de toda referência ao desaparecimento de profissões não pela transformação da natureza à mão do homem, mas por causa das crises sociais e pressões internacionais que provocaram êxodos forçados de regiões, no interior do País e também para fora. A omissão do Estado em promover políticas públicas, se não para resolver, ao menos amenizar as dificuldades de muitos desempregados. Longe da situação idílica repassadas pelo manual, não se faz referência alguma à violência gerada pela pobreza, fruto de trabalhos mal remunerados e ao subemprego. 148 O trabalho alberga uma ambigüidade intrínseca, podendo tanto humanizar quanto escravizar, dependendo das condições em que se realiza. Quando desumaniza, leva o sujeito à perda de sua própria essência e dignidade. O texto omite refletir que uma entre as forma que alienam o trabalhador é a escravidão, mas que pode acontecer, no trabalhado assalariado, quando este se constitui numa mera atividade reprodutiva e não uma forma de crescimento do homem em quanto ser social. Visão otimista: o trabalho é apresentado como enobrecedor do homem e causa do progresso do país. Não debate a realidade de desníveis sociais devidos às riquezas alcançadas com disparidades de meios e apoios mal distribuídos por parte do Estado. Não questiona a escola, que com a disparidade de titulação em seus diferentes níveis, afeta significativamente a relação homem-trabalho. Única negatividade presente no texto é o trabalho infantil: [...] não são apenas os adultos que trabalham. Muitas crianças ajudam nos serviços de casas e cuidam dos irmãos menores. Outras precisam trabalhar para ganhar dinheiro e ajudar nas despesas de casa [...] Mas você sabe que a Constituição do Brasil, que é o conjunto das leis mais importantes do país, proíbe o trabalho para menores de 16 anos de idade? (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 70). O texto é negligente e enganador. Assinala sim o trabalho infantil como fruto de uma necessidade familiar, mas deixa quase entender que existe oferta de trabalho em excesso. Não expõe a tragédia de crianças que evadem a sala de aula, e, portanto perdem de usufruir o benefício da lei que permite como analisado no capitulo anterior, o direito à escola e à educação. Não se interroga sobre as do desleixo do Estado em deixar de oferecer possibilidade a todas as famílias de um trabalho digno que possa garantir o cumprimento da lei: ‘educação: direito do estado 149 dever do cidadão’, Esquece debater o desemprego dos pais, por falta de aplicabilidade da mesma lei que proíbe o trabalho infantil, mas garante trabalho para todos. O texto não debate a polêmica, riquíssima em Marx; Engels (1999), que a condição do homem depende unicamente das condições materiais de produção. Produção ligada intrinsecamente ao trabalho e este, ao presente, encontra-se vinculado não à capacidade do homem em desenvolver uma atividade produtiva, mas a um mercado perverso, com centro de decisões cada vez mais longe da própria realidade e do próprio país. Esquece que o Estado além de promover o trabalho, por meio da LDB 9394/96 prioriza-o como um dos três fins da educação formal: qualificar para o trabalho, como meio de uma sobrevivência digna. Ao trabalho, direito social, segue, no texto, um amplo capítulo sobre o governo municipal, para dissertar sobre leis e regras, organização política e participação. Ao abrir o título das leis e regras afirma: “No município existem leis e regras que todos nós precisamos conhecer e respeitar. São parecidas com as regras que temos de seguir na escola” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 82). Para exemplificar as leis e as regras, relata três exemplos: o respeito com o sinal vermelho do semáforo; o peso correto da mercadoria vendida pelo vendedor e o não contaminar os rios com lixo (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 83). Esta exemplificação falseia a realidade. De fato a existência de leis e regras não garante o respeito e o desenvolvimento das relações sociais, sejam elas no transito, como no comércio. O que carece, e o texto posterga isso, é a justiça social e o respeito com a coisa pública, este último muito mais devido à falta de consciência comunitária que a desrespeito das leis. O regulamento é posto como 150 instrumento de poder que paira acima dos membros da sociedade, exigindo incontestável obediência para o bem estar de todos. O livro apresenta a organização política do município. Quem governa o município é o prefeito, ou a prefeita, e a Câmara de Vereadores. Com o prefeito trabalham vários auxiliares. Esses auxiliares formam as secretarias Municipais, que tratam dos diversos assuntos do município [...] É obrigação dos governos prestar à população serviços de educação, saúde e transporte, entre outros. (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 85) Observa-se como o texto aponta o bom andamento do município pela existência de autoridade e hierarquia que aprovam as leis (os vereadores) e por ela o governa (o prefeito). O texto não menciona uma das mais significativas dificuldades e reivindicações do povo: a segurança, que deveria ser compreendida como ação ou efeito de tornar-se seguro. Compete ao Estado criar mecanismos para instituir as necessárias condições para que o cidadão possa viver em comunidade, livre de toda ameaça. Na visão liberal a segurança torna-se a forma de proteção dada à pessoa que tem bens, propriedade a defender. Esta é a visão que transparece por trás da lacuna da citação: o Estado garante segurança somente ao que dela precisa para defender uma propriedade, não ao homem em quanto tal. Segurança para o Estado liberal vem a ser manutenção da ordem e da paz social. Suprime-se o debate da violência nas grandes cidades tanto quanto nos pequenos centros rurais do país. Deixa de informar o leitor, mesmo que em condições limitadas para entender a questão, de que a violência já não é um fator limitado a uma parcela de sociedade marginalizada, mas é um fenômeno de massa que entra na escola e na família. 151 Informações, estas que se encontram ao alcance de todo cidadão que tem acesso a um meio de comunicação de massa, seja ele visual ou impresso. Considerações semelhantes encontram-se no texto de Lucci na unidade IV dedicada a “O governo do Município” (1998 3ª série, p. 73-81)38. Quem faz as leis do município são os vereadores [...] Os vereadores formam o poder legislativo do município [...] Para aplicar as leis feitas pelos vereadores, existe outro poder, o Poder Executivo [...] O Poder Executivo é exercito pelo prefeito e pelo vice-prefeito (LUCCI, 1988, 3ª série, p. 74-75) A citação mostra as funções rigidamente dividas; cada poder uma tarefa a ser executada de forma aparentemente automática e serena. Evidencia a autoridade de forma vertical, seqüencial e anônima. A lei, depois de criada desce para o executivo a fim de repassá-la para que, outros, anônimos, a observem. A individualização do poder vem associada à hierarquia unicamente ligada a uma função. Questionável a idéia que a hierarquia da autoridade que governa o município é princípio de harmonia e condução do mesmo somente por existirem os dois órgãos governamentais. Não se faz referência ao terceiro poder, o judiciário, como meio para fiscalizar os dois citados para a garantia de direitos adquiridos pelos cidadãos e, por circunstâncias comuns, não respeitados ou não aplicados no município por interesses pessoais ou de grupos que detêm o poder e dele se beneficiam. Em seguida os últimos dois itens apresentam a importância do voto e a participação popular. 38 Muito embora o texto seja editado no ano de 1989, apresenta os mesmos comentários do CHIANCA; TEIXEIRA. 152 O prefeito e os vereadores são eleitos pelos moradores do município [...] Os moradores precisam escolher muito bem as pessoas em que vão votar porque esse é um assunto muito sério (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 89). A história do voto no Brasil proporciona um excursus desde o ano de 1881 até o presente, em que “[...] o voto é obrigatório para todos os cidadãos” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 89). O livro não apresenta o início do direito ao voto, em 1824, limitado a certos grupos detentores de poder econômico e posterga discutir as injustiças sociais que o engendraram, conforme visto no capítulo dois. Ressalta que hoje “[...] as votações são realizadas em urnas eletrônicas” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 89), esquece as dificuldades que enfrentam os numerosos analfabetos, idosos, pessoas sem preparo algum para o uso de um meio tecnológico tão sofisticado em um momento decisivo da vida do país. Não abre ao questionamento de que o direito de voto para ‘todos os cidadãos’, hoje ‘obrigatório’ pode lesar o princípio da liberdade pessoal de quem não quer exercer o voto por motivos ideológicos ou de protesto. Finalmente, ao tratar da participação popular afirma que “[...] além de votar, muitas pessoas participam de organizações chamadas de organizações populares. Elas se dedicam a uma série de atividades que são muito importantes para defender os interesses da população” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 89). Exemplos de participação se limitam à limpeza de terrenos, ruas, separação de lixo. Atividades interessantes, mas todas limitadas ao meio urbano, à cidade. Não existe no texto em análise, exemplo algum referente ao meio rural onde uma 153 significativa parcela da população, que usa o mesmo manual, estuda e vive39. A impressão é que as decisões são tomadas na cidade, onde residem aqueles que a governam e as decisões referem-se unicamente a esta mesma área: a urbana. O volume 3º dedica a unidade 3 ao governo e democracia. Apresenta a história do nome Brasil e a transformação do país de Império para República, narrando os principais acontecimentos históricos. O Brasil foi Império de 1822, quando se tornou independente de Portugal, até 1889, ano em que foi estabelecida a República [...] Foi justamente a luta contra a escravidão que acabou enfraquecendo o Império e abriu caminho para a instauração da República. Depois de muita pressão de jornalistas, advogados, professores e políticos e também dos próprios escravos. A escravidão fui abolida [...] (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 73-74). A citação, muito embora apresente o surgimento da República não falando de proclamação, mas, com cuidado histórico, de estabelecimento, atribui quase que exclusivamente este acontecimento histórico, ao ‘problema’ da abolição da escravidão. Fenômeno, que, sim, enfraqueceu o poder do Imperador, mas por motivos menos nobres de que o idealismo humanitário do mesmo. Ainda mais: não foi o único e mais relevante motivo que levou ao ‘estabelecimento’ da República. Nada escreve dos focos de revoluções em diferentes estados do Império. A atribuição da abolição às pressões de determinadas classes, não desmerece o valor das mesmas, mas deixa de lado o fato que muitos outros países vinham abolindo a escravidão, e que, do ponto de vista do poder econômico, já não era mais lucrativo o mesmo regime, sendo que a manutenção do escravo acabava acarretando ônus ao dono. 39 Significativo número de alunos da escola Alcindo de França Pacheco, vivem em chácaras, sítios e pequenas propriedade ou longe do perímetro urbano da cidade. 154 O texto expressa uma visão do acontecimento histórico concentrado em classes sociais bem específicas: as que detêm o poder político, econômico e cultural. Revela um desconhecimento profundo da concorrência de outros fatores que permitiram a concretização do fato. Ao documentar a proclamação da República, comenta a tela pintada em 1893 por Benedito Calixto (1853-1927). “Nela há dois personagens principais: o herói da história, o chefe militar que proclamou a república [...]” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 75). Mesmo com o cuidado de não exaltar a figura do marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892), o texto o trata como ‘herói da história’. É a personalização do acontecimento. O herói vem a ser aquele que se destaca no meio de uma multidão anônima e sem significação. Mais ainda: o texto, ao concluir: “Nesse mesmo dia o imperador dom Pedro II (1825-1891) e a família imperial receberam ordem de sair do Brasil” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 74) deixa entender que, com a proclamação da República e a saída da família imperial os cidadãos do país passam a ter uma vida totalmente nova. O livro, em seguida, apresenta os conceitos de república e democracia. [...] republica [...] significa ‘coisa pública’ ou tudo o que é de interesse comum, de interesse do povo. Como forma de governo, a República busca atender e promover os interesses comuns de toda a sociedade. Como? Primeiro, elegendo os representantes do povo para o governo [...] Segundo, aplicando as leis que esses mesmos representantes aprovam em nome e benefício do povo que os elegeu (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 76). Ao ilustrar o que é democracia, relacionado com o conceito de República, assinala que esta é uma 155 [...] palavra chave [...] significa ‘governo do povo’. Por isso mesmo combina bem com a palavra ‘república’. O ideal da república é promover o que é de interesse comum e o ideal da democracia é que o povo governe (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 77). O texto fala como se o país, ao eleger os representantes que governam e tendo leis a serem respeitadas alcançasse a plenitude da Cidadania. Cidadania expressa pela democracia que concede ao povo governar por meio de seus representantes. Esquece discutir o problema presente na democracia do país: a corrupção, a falta de ligação entre representantes e representados, as alianças entre poderes que, longe dos interesses do povo, fazem da democracia sinônimo de libertinagem e aproveitamento. Importante seria o debate da falta de controle do povo sobre os representantes eleitos. O distanciamento que se cria entre os dois pólos: os representantes, que, seguindo uma terminologia gramsciana, tornam-se sociedade política, e os representados, sociedade civil. Fundamental seria também ilustrar a origem dos representantes: membros da sociedade que, por meio da adesão a um partido, tornam-se possíveis representantes de uma categoria o de uma determinada região, também conhecida como distrito. Ao explicar como o Brasil vem sendo governado, o texto retoma o que já o volume 2º tratou: o voto e a participação. Acrescenta que os dias de votação são dias diferentes. [...] já reparou como são os diferentes os dias de eleição? [...] Há muito papel espalhado pela rua [...] Dia de eleição é dia de festa [...] Dia de eleição é festa da democracia [...] No Brasil o voto é obrigatório (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 79-80). 156 Mais uma vez a citação cai no idealismo. Votar torna-se sinônimo de festa. Não levanta a questão da boca de urna, da compra do voto, das campanhas a favor do voto em branco ou nulo. Para ser cidadão é importante exercer a conquista: votar! Voto que organiza o Brasil em federação, estados e município, os últimos dois apresentados como forma de permanecer, o governo federal, mais perto do povo e oferecer rapidez e eficiência para a solução dos problemas referentes a cada região. (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 83) A administração, em sua tríplice divisão manifesta-se como a eficácia aplicada. Alguns cidadãos, investidos de autoridade, são responsáveis pelo processo de desenvolvimento da nação. A lentidão do processo de aplicação da lei, as cobranças de impostos desnecessários e mal aplicados, a burocracia que angustia o povo, o desvio de verbas, projetos fantasmas, não aparecem no idílico cenário de um país organizado e eficiente em sua ação de deixar o povo avançar rumo ao bem-estar. Finalmente, todo governo é regido por leis, todas elas abaixo de “[...] uma lei, superior a todas as outras leis e regras, que vale para todo o país e para todos os cidadãos. É a Constituição da República Federativa do Brasil [...]” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 85). Para explicar a necessidade da Constituição o texto provoca por meio de perguntas as regras vigentes na família, na escola, nos clubes. Ao explicar o surgimento, retoma a história das Constituições ligando-as ao nascer da Independência dos Estados Unidos de América (1776) e à Revolução Francesa (1789). De forma positiva, aponta como principais pontos da Constituição Federal de 1988, os direitos sociais. 157 Ela começa dizendo que ‘são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança. A previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a assistência aos desempregados’ (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 87). As perguntas que seguem a afirmativa, de forma crítica, questionam se todos os direitos enunciados no texto constitucional são realmente aplicados como forma de Cidadania plena. Asseveração que abre, de forma questionadora, o último capítulo sobre Cidadania e direitos. Se nós prestarmos atenção, vamos ver que hoje se fala muito em direitos: direitos do cidadão, direitos do consumidor, direitos do trabalhador, direitos da criança. Fala-se sobre isso nos noticiários da televisão, nos jornais, nas revistas e na escola (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 88). Expõe a banalização do termo nos meios de comunicação e na escola. Banalização que muitas vezes tem sido provocada pela ignorância e pelos modismos culturais. Interroga o que são afinal os direitos: “[...] no sentido empregado aqui, refere-se a tudo aquilo que nos pertence, que podemos exigir e que a Constituição nos garante” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 88). O texto didático perde a oportunidade de destacar a escola em seu papel democrático e educativo, formando cidadãos autônomos para que estes possam, como lembra Gramsci (1991b), não apenas saber, mas compreender o que se sabe com sentimento, pois quando se sente o que se sabe, se está vivo, promove-se o despertar dos seres humanos. Lembrar que a escola tem um privilegio que nenhum outro lugar pode alcançar: a heterogeneidade cultural e social. Raças, culturas, costumes, crenças, superstições, convivendo em contínua harmonia e desarmonia, exigindo, e ao mesmo tempo promovendo, conquistas e derrotas. 158 É na escola que todo direito e dever, por esta pluralidade cultural existente, desperta e, ao mesmo tempo, deve ser cultivado para a transformação da sociedade. Escola que, de lócus unilateral de saber repassado, pode vir a ser apresentada como um espaço aberto e democrático no qual o confronto de concepções diferentes forma o cidadão, o gramsciano homem completo. Mais uma vez o manual, muito embora abra à provocação do debate, idealiza os direitos ao omitir todas as dificuldades que o cidadão encontra ao tentar alcançá-los. Dificuldade devido à burocracia, que na maioria dos casos, não passa de uma incapacidade, por parte do Estado, de bem aplicar as normas. A CF 88 é idealizada como remédio para superação de todo tipo de problemas, mas não questiona a causa da falta de justiça social que embasa todos os demais direitos sociais. Mais: o texto se limita a enfatizar os direitos sociais, não dando a mesma ênfase aos demais: os políticos e os civis. No capítulo dedicado à Cidadania, o livro define os direitos sociais ‘direitos da cidadania’, e cita os novos códigos: desde o de Defesa do Consumidor, até o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Lembra que a responsabilidade é conseqüência do “avanço dos direitos da Cidadania, tem outro lado que, em geral, as pessoas pouco percebem ou não querem perceber” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 92-93). Corretamente destaca que “a Cidadania é como uma estrada: tem mão e contra mão”. Temos direito de reclamar [...] Mas não temos direito de ‘inventar’ [...] para tirar vantagem da situação” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 93). Os direitos sempre estão intimamente ligados aos deveres. O texto não discute porque não são respeitados. Instituições, entre elas a escola, a família, o Estado que, ao em vez de estimular a compreensão, como exercício crítico e 159 estimular para a razão, como formas de uso da lógica, priorizam a instrução deixando em segundo plano os outros aspectos, fundamentais na interpretação de Kant ao falar do Esclarecimento (REGIS, 1989, p. 82-83). O 4º volume inicia a Unidade III com a idéia de construção da sociedade democrática. O exercício da Cidadania é apresentado como um exercício de direito, limitado à possibilidade de benefícios como o de troca de um aparelho de som pela intervenção do Procon, órgão ilustrado no texto como solução para todo problema inerente ao direito do bem-estar e felicidade do cidadão (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 4ª, p. 102-103). Todos são iguais porque podem reivindicar, indistintamente, ressarcimentos e não levar prejuízos econômicos. É reducionismo extremo, limitar o exercício da Cidadania, pelo direito de poder trocar um aparelho de som defeituoso. Muito embora o texto seja para crianças, o contato com a realidade diária ofende ao pensar que as grandes revoluções, como afirmado no volume 3º, que demandam lutas sangrentas e morte, exílio e derrubadas de regimes, possa ter sido útil para que um consumidor eventual consiga trocar um aparelho defeituoso e receber, sem prejuízo, um novo. Essa vem a ser a conquista da Cidadania e a identificação do cidadão pelo texto ao afirmar que: “[...] durante a colonização portuguesa não se usava a palavra cidadão para se referir às pessoas que viviam no Brasil. Usavam-se outras [...] livre [...] escravo [...] liberto ou forro [...]” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 4ª, p. 104). Pelo manual a mudança deu-se com a Independência do Brasil, em 1822. Os brasileiros então deixaram de ser vassalos e se tornaram cidadãos. Exatamente o que dizia o artigo 1º da Constituição do Império de 1824 [...] O Império do Brasil é a associação política de todos os cidadãos brasileiros. Eles formam uma nação livre e independente (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 4ª, p. 104). 160 É como se um meteórico acontecimento, o singelo fato de proclamar a separação com Portugal, trouxesse a liberdade. A citação confunde ao suprimir a informação que, mesmo após a Independência, a escravidão continuou até o ano de 1889, quase a sublinhar a discriminação racial entre escravos, identificados como não povo por não serem atores do processo de libertação. No mesmo livro, abordando a história dos negros, os insere como parte externa: “Os negros em nossa História” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 4ª, p. 85). Apresenta parte da história dessa significativa porção de cidadãos brasileiros trazidos da África. Ao dissertar a respeito da trajetória desde o início da ‘colonização’ até a Constituição Federal de 1988, o texto trata sim da conquista de muitos direitos, mas deixa transparecer a idéia de que a liberdade foi concedida por pessoas de boa vontade, pressionadas por outras tantas classes movidas pela compaixão. Compaixão com uma classe social sempre tida como não povo, estrangeiros permanentes, pobres por vocação, transparece no poema de Caparelli (s.d.): Dorme, dorme meu menino, a lua é feita de néon. Vá embora, vá, seu guarda, deixa o pretinho dormir, ele está longe de casa e não tem por onde ir. Vá embora, vá, seu guarda, deixa o pretinho dormir. Dorme, dorme, meu pretinho, Deus também é um engraxate, Ele lustra no teu peito Um coração que bate, bate. Dorme, dorme, meu pretinho, Deus também é um engraxate, Dorme, dorme meu pretinho, numa cama de jornal, enfeite duradouro, como 161 logo vão chover estrelas para acabar com teu mal. Dorme, dorme meu pretinho, numa cama de jornal. Vá embora, vá, seu guarda, o pretinho é muito bom: ele dorme sob a lua de um anúncio de néon. (In: GARCIA, 1998, p. 139) Muito embora no capítulo dedicado ao negro no Brasil de hoje, Chianca; Teixeira (2007 série 4ª) pergunte a respeito do ‘preconceito’, deixa transparecer uma realidade separada. Quase a afirmar que sim, o negro existe, é preciso respeitá-lo, mas como algo que ‘invadiu’ a história do país. Omite o princípio da miscigenação típica do Brasil que faz de todo habitante que aqui reside, um brasileiro com igual dignidade e direitos. Parece ter categorias consagradas relacionadas à cor, o branco e europeu, imigrante trabalhador, ‘fazedor’ de riquezas que provoca o enriquecimento do País: ‘Necessidade de se valorizar o trabalhador europeu como mais preparado, mais culto e mais produtivo em relação aos negros e indígenas’. (VASCO, 2004, série 4ª, p. 23) A respeito dos africanos, Vasco, com criteriosa leitura histórica, assinala que: [...] a escravidão negra no Paraná não foi maior porque as atividades agrícolas e pecuárias não conseguiam competir com a produção do Sudeste, e não porque os paranaenses eram mais humanos que outros. (VASCO, 2004, série 4ª, p. 132) A discriminação é superada não por motivos ideológicos ou religiosos, mas sempre em relação ao aproveitamento e enriquecimento de classes dominantes que, apoiadas no poder da lei, alteram o cenário sócio-cultural. 162 Outro texto onde aparece a discriminação clara para com os índios, é o de Marin; Quevedo; Ordoñez (2001, série 3ª). O capítulo dois é inteiramente dedicado aos povos indígenas (2001, 3ª série, p. 20-35): Como é que os antigos viviam [...] Os índios eram donos [...] Viviam nas mata, nos campos, nas montanhas [...] Geralmente esses povos estavam organizados em tribos... Cada aldeia tinha um chefe [...] Os povos indígenas retiravam tudo o que precisavam da natureza [...] Os chefes eram escolhidos entre os homens mais velhos [...] ‘Eles tinham o conselho dos anciãos’[...] Adoravam muitas divindades [...] Toda alusão ao índio, ao modo de vida, organização social, trabalho é relatada ao passado, como se não houvesse um presente para esta etnia, ou quase como elementos ‘primitivos’, ‘ancestrais’, ‘atrasados’ ligados ao passado do país e hoje, citados em algumas página do mesmo texto como enfeite que lentamente vem sendo absorvido pelo cenário real. Continuam como ‘peça folclórica’ em uma sociedade que os tolera, mas não os aceita: Hoje, muitos povos indígenas vivem em reservas. São áreas escolhidas e demarcadas pelo governo, que acredita que ali o indígena deve ficar protegido e possa levar uma vida de acordo com os seus hábitos e costumes [...] O índio pode sair, ir a cidade vender e comprar produtos, mas ele deve voltar a reserva. O índio não é considerado pelos seus atos [...] Quem responde pelos atos dos índios brasileiros é a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) (MARIN; QUEVEDO; ORDOÑEZ, 2001, série 3ª, p. 30). Significativamente o texto apresente uma visão escravista da sociedade atual, em contra de todo princípio declarado na Constituição Federal de 1988 que rege o país. Pode-se constatar a falta de igualdade entre povos. A citaação aprova, porque não debate a afirmação, a igualdade. Igualdade que é um estado de direito 163 segundo o qual todo homem, independe de raça ou etnia, goza dos mesmos direitos e obrigações, não apresentando nenhuma diferença. É possível destacar que o texto, em plena sintonia com a ideologia liberal apresenta a igualdade como um conceito formal. Se expressa sim sob forma jurídica, mas não é aplicável para toda a realidade, isto é não serve de base para uma autêntica transformação social. Percebe-se o ideário liberal que proclama como já analisado em diferentes textos, que todos os homens são iguais perante a lei e dignos de respeito, mas não são cidadãos. Pois ser cidadão é participar ativamente da construção do país sem permanecer à margem do processo. É a Cidadania ativa ou como ao longo desta pesquisa aparece, Cidadania plena, não presente entre os menos favorecidos porque expropriados da possibilidade participação de edificadores da Cidadania. Obrigados a serem não Cidadãos, mas, sim, indivíduos protegidos. É a herança de um país que faz do individualismo uma bandeira de autonomia pessoal, em detrimento da hegemonia coletiva, com o intuito de sufocar todo autêntico anseio de democracia e Cidadania plena. A independência, que poderia ser uma verdadeira transformação da cultura do Brasil, não passa de mais um relato fantástico. ‘Independência ou morte!’ Esse foi o brado de dom Pedro [...] anunciando que o Brasil, a partir daquele momento declarava-se independente de Portugal [...] Depois da independência, os brasileiros puderam considerar-se cidadãos [...] Podiam votar e tinham seus direitos e deveres estabelecidos por uma Constituição (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 4ª, p. 105). Mesmo que alega mais abaixo que os direitos não eram iguais para todos, deixa transparecer uma mistificação do poder e da autoridade: o grito de Dom Pedro muda a história do Brasil. Não se citam os inúmeros casos de levantes, que há anos 164 vinham questionando o poder de Portugal e abriram caminho para a Independência, nem destaca a simples transição de poder: de Portugal para as novas oligarquias que já vinham se fortalecendo. Para o livro a Independência estabelece a Cidadania, mas vem a ser a República a instauradora da democracia. República que neste volume, em continuação com o idealismo do 3º, é apresentada como a redenção do povo: [...] veio para dar ao país uma forma de governo melhor [...] extinguiu os privilégios de nascimentos e os títulos de nobreza. Aceitou as crenças religiosas e deu liberdade a todas as igrejas [...] pelo artigo 72 da Constituição de 1891, a República afirmou: ‘Todos os cidadãos são iguais perante a lei’ e a todos estava garantida a liberdade de pensar e falar [...] Tivemos depois outros avanços maiores ou menores [...] (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 4ª, p. 107). Avanços que são indicados como conquistas permanentes e garantidos por um Estado justo e soberano. Não discute o papel das oligarquias, menos ainda de grupos que dominaram pelo poder. A liberdade religiosa não lembra os conflitos gerados por interesses sectários que, desde anos, vêm afetando e empobrecendo o governo e o legislativo, este último com uma expressão de força ideológica na Câmara com a ‘bancada parlamentar evangélica’. Momento de recuo, como o define, é a ditadura iniciada em 1964. Recuo por serem, os governos militares, restauradores de uma ordem rígida baseada nas restrições constitucionais (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 4ª, p. 109). Momento de contradição muito bem posto, quando interroga como poderia a ditadura preservar a democracia. Embora a provocação deixe aberto o desafio para o debate, termina sem discutir os grandes e absurdos exageros e desrespeitos que os militares protagonizaram recebendo, após décadas, anistia por parte dos governos em exercício de suas funções democráticas. 165 O capítulo clausura com a importância da democracia, retomada, pela pressão de grupos sociais, e aperfeiçoada, ampliada e completada com a aprovação da Constituição Federal de 1988 (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 4ª, p. 110). Lamentável a omissão de referência, nos quatro volumes, à Constituição Federal de 1988, como conhecida: a Constituição Cidadã. Negligência que deixa perpassar uma dúvida: até que ponto o texto permite ler a lei não como meio para organizar o bem-estar da cidade, mas como a expressão máxima da provocação que, em determinados momentos, torna-se cooperação com o Legislativo, para a formação de uma consciência cidadã? Outros textos, de formas menos organizadas, apresentam temas relacionados à Cidadania, alguns já abordados nos livros analisados. Martins, et al. (2001, 3ª série, p. 62), no que diz respeito à lei, trabalha o conceito de mudanças: “uma lei pode ser mudada”. A orientação no Manual do Professor, é de enfatizar as mudanças como conseqüências de pressões de grupos sociais. “Essa mudança pode ser expressão da vontade da maioria, como é de comum nas democracias, ou pode ser expressão da vontade e/ou dos interesses de um grupo” (MARTINS; et. al. 2001, 3ª série, MP p. 23). O manual, muito embora seja um convite ao trabalho crítico do professor, deixa de sugerir um debate mais atento para as duas possibilidades. Ao falar de grupos não abre para a legitimidade da autoridade de grupos hegemônicos no interior dos governos e como esse reage na prática aos interesses de minoria. Outra tarefa que o livro sugere ao professor vem a ser a limitação do poder do governante. Desmistificar a idéia de que o detentor do poder mande, bem como as leis apresentadas como eternas e imutáveis, no regime democrático estão 166 amparadas não no poder, mas na “legalidade apoiada na legitimidade”. (MARTINS; et. al. 2001, 3ª série, MP p. 24). Forma indicada para que o poder seja controlado e não extrapole, vem a ser a participação. Participação que se manifesta pela influência do voto e com a pressão (MARTINS; et. al. 2001, 3ª série, p. 68-71). Com clareza o texto apresenta as limitações e os benefícios do voto, desde sua instauração no Brasil. Debate a relação ente votante e votado: Pelo voto dizemos quem vai nos governar [...] Os políticos precisam do voto do povo para se eleger [...] Mas não basta votar: para votar bem precisamos estar informados [...] Precisamos ler jornais para saber o que o prefeito o os vereadores andam fazendo [...] informados sobre as idéias dos novos candidatos. Um eleitor mal informado corre o risco de votar em políticos corruptos (MARTINS, et. al. 2001, 3ª série, p. 69). Os perigos da consciência política são indicados claramente, assim como as possíveis soluções para evitar erros. A participação ativa é indicada como único meio para que a Cidadania deixe de ser um conceito abstrato e se torne vivência. Marinho; Moraes; Branco (s.d., p.59) abre o capitulo da Cidadania afirmando que Nota-se a ausência de cidadania quando uma sociedade gera um menino de rua. Ele é o sintoma mais agudo da crise social [...] Está aí a importância de saber direito o que é cidadania. Hoje significa, em essência, o direito de viver decentemente. Expõe a dicotomia entre o discurso da lei e a prática no cotidiano. Direitos anunciados como ponto de chegada após lutas e conquistas, ou ofertados pela bondade dos governantes, boca dos detentores do poder, mas que não chegam a serem aplicados. 167 Um menino de rua é mais que um ser descalço, magro, ameaçado e mal vestido. É a prova da carência de Cidadania de todo um país, onde uma imensa quantidade de garantias não saiu do papel da Constituição. (MARINHO; MORAES; BRANCO, s/d., p.61) Muito embora a realidade em sua nudez apareça no texto, como lembra também Garcia (1998, p. 138) ao reproduzir o poema Desistência de Dinorah (s.d.), O menino Tonho mexendo no lixo achou um sonho e pôs-se a sonhar. Com queijo de nuvens, bolachas de estrela, pastéis de luar. O sonho era duro e estava mofado. E ele desistiu de sonhar acordado. Constata-se a miséria que afeta parte significativa do país, milhares de crianças, idosos, famílias, mas que sempre é apresentada, como poesia, sempre para amenizar a realidade e não ofender a ‘sociedade’. Percebe-se a promoção da discriminação contrariando o princípio anunciado em todos os textos examinados: a igualdade. Fraga; Benjamin (1997, série 4ª, p. 11), na unidade 1ª ilustra dois poemas Quando eu crescer, de Gonçalves (1994) e Menino de rua, de Silva Rafael (1994)40 com imagens extremante eloqüentes e provocantes. Referente o primeiro, aos sonhos de grandeza, observa-se um menino branco, feliz: Quando eu crescer serei artista Cantor, professor ou desenhista Atleta ou poeta Advogado ou delegado 40 Os dois poemas são redações de alunos de 4ª série de colégios do Rio de Janeiro. 168 Mecânico ou porteiro Escultor ou carpinteiro Pianista ou frentista Essas todas estão na minha lista Mas ainda sou criança Minha preocupação é com a infância Mas quando eu crescer Só Deus sabe O que eu vou ser. O outro poema, Menino de rua, ilustrado por uma criança triste, suja e de cor é o reverso da moeda: Dia e noite passo fome Dia e noite morro e sofro Dia péssimo, noite horrível Dia acaba e eu na rua Pessoas passam PMs vêm Vem batendo Passando fome também Vou pedindo Pedindo esmola e ouvindo Sempre não Vidro fechado, mulher zangada Não tenho casa, Mas sou gente Moro na rua Durmo no chão Sonho que um dia Da multidão, Me estenderão a mão (In: FRAGA, BENJAMIN, 1997, p. 11-12). Ofensivo ou provocante, o livro apresenta o rosto miserável do Brasil. Por um verso a divisão, nítida e penosa, entre classes: brancos, abastados, dominantes e preocupados com sonhos mais ‘elevados’. Negros, sem perspectivas de uma existência digna, vivem à margem da sociedade e dela imploram migalhas para sobrevier sem nada mais no horizonte que a miséria. Signo de contradição: brancos que sonham com um futuro, mas que precisam viver a infância, o presente sem 169 preocupação; negro, símbolo de uma parcela cada vez maior que se perde no anonimato da rua em busca, não de dignidade, mas de sobrevida, sonham com um lugar para dormir e algo para alimentar-se. O texto não discute os dois direitos, moradia e alimentação, anunciados na Constituição Federal de 1988, mas só conseguido por uma parcela da sociedade. Não apresenta a escolha do Estado que destina orçamento suficiente para promover uma dignidade de vida para todos e não assume sua responsabilidade de levar a bom término o anunciado. Desprende-se a figura de um Estado que planeja e anuncia políticas públicas para atender a todos, mas que trabalha voltado para os interesses da classe hegemônica aninhada no seu bojo. Portanto, apresenta-se um Estado anestesiado diante dos problemas reais da sociedade. Mesma preocupação é apresentada pelo livro Magia do Texto (FITTIPALDI, RUSSO, 1997, p. 152) ao tratar da felicidade, no poema Sem casa de Murray (1997). Tem gente que não tem casa, mora ao léu, debaixo da ponte. No céu a lua espia esse monte de gente na rua como se fosse papel. Gente tem que ter onde morar, um canto, um quarto, uma cama para no fim do dia guardar o corpo cansado, com carinho, com cuidado, que o corpo é a casa dos pensamentos. Ressalta-se que o direito se estende não somente a uma casa material, mas à dignidade da privacidade. A poesia, muito embora deixe transparecer a indigna 170 situação dos que não possuem casa, não disserta a respeito da tragédia dos sem teto; os conflitos que a situação gera; a provocação de prédios desabitados ou abandonados e gente que, por motivos sempre ligados à pobreza e a falta de condições, não têm onde se refugiar. Valores ‘mais sagrados’ são repassados pelo texto; são símbolos nacionais. A bandeira, apontada como o mais significativo e eloqüente: “Em qualquer lugar do mundo onde você esteja, o símbolo abaixo [reprodução da bandeira] vai fazê-lo lembrar-se da sua pátria, o Brasil!”. (FRAGA; BENJAMIN, 1997, p. 202) Ao declarar o respeito à bandeira, procura estimular o amor à pátria. Um amor que transcende limites e torna-se dogma. Critica de forma veemente os que não sabem letra e música do hino nacional: símbolo sagrado. Para tornar mais tocante o discurso, usa-se de mais um ícone: as competições esportivas: Em todas as competições internacionais costuma-s tocar o hino nacional... Muitos brasileiros não sabem cantar o nosso hino, isso é ruim. Imagine se aquele se aqueles que nos representam, diante de todo o mundo, também não souberam. Não seria vergonhoso? (NOGUEIRA, 1996. Apud FRAGA; BENJAMIN, 1997, p. 204) Entretanto, várias questões podem ser levantadas a respeito do texto. Importante sem dúvida, o valor dos símbolos, não saber cantar o hino diante da bandeira. Vergonhosa situação vem a ser a de não emocionar-se, não pensar na tristeza de ser um país que faz das desigualdades sociais, analfabetismo, violência, bandeiras para ser reconhecido no exterior. Torna-se significativo, exigir amor aos símbolos e omitir-se em debater o que atrás dos símbolos se esconde. Corre-se o risco de promover fanatismo, muitas vezes portas por onde entraram no Brasil, o totalitarismo e ufanismo. 171 Os demais manuais escolares examinados ao longo da pesquisa, mas não apresentados por abordarem quase que fielmente os mesmos conceitos com iguais comentários, bem como uns que, editados nos anos de 1998 não apresentam fidelidade com a LDB 9394/96, encontram-se detalhados no Anexo 1. Os textos de História, com maior riqueza de detalhes, em relação aos de Língua Portuguesa. Os textos apostilados, em geral, manifestam menor riqueza de temas e uma forma reduzida na abordagem da Cidadania e temas a ela ligadas. 5.2 ASPECTOS GERAIS ENCONTRADOS NA ANÁLISE DOS TEXTOS Após a análise de textos didáticos, em uso em escolas das redes particulares e públicas, sinteticamente apresentam-se os resultados obtidos. Os livros didáticos manifestam-se como conservadores e estáticos, sem contribuir para a compreensão da realidade em que são utilizados, menos ainda abrem ao debate construtivo que poderia vir a ser um educar para a participação. A Cidadania discutida enfeita e fortalece o discurso do manual, mas poucos são os livros que a apresentam com clareza e coerência entre o conceito e a realidade de direitos, participação e integração social. A Cidadania é inicialmente assinalada como conquista e construção, mas não se especifica quem são os construtores. Conquista que alcança o direito a ter todo tipo de direito e que é possível preservar com o simples respeito das normas de boa convivência e educação. Falta, à maioria dos textos, ressaltarem as 172 contradições que a mesma vive e os inúmeros desrespeitos e recuos que, na maioria dos casos, voluntariamente, os detentores do poder infligem. Cidadania identificada com um viver decentemente, se manifesta pela liberdade de expressão, de voto e de não ser lesado e requer como contrapartida, a observança de deveres. Equação que não é justificada nem explicada. Os direitos oriundos da conquista da Cidadania são expostos como uma realidade irreal. Idealismo estático, sonhos de justiça, paz, serenidade, mesmo diante do desrespeito humano que aparece somente como corolário para enfeitar a grandeza do novo status que a CF 88 garante. Não se destacam as grandes provocações como violência e corrupção. A Constituição Federal de 1988, jamais é mencionada como a Constituição Cidadã, também todas as demais leis e normas deixam de ser apontadas como garantia de bem-estar. Leis que deram possibilidade de, no máximo da aplicação dos direitos, trocar aparelhos defeituosos e ter a certeza de receber em permuta um novo. Os textos não questionam o possível e inevitável conflito entre a lei escrita, e a não garantia de direitos maiores, inerentes à dignidade de todo cidadão sem discriminação de cor ou posição social. A falta de respeito com os direitos torna-se objeto de poesia. A igualdade, codificada pela lei e oferecida a cada cidadão, somente não alcança os pobres, os negros, os meninos de rua, os sem teto, presentes nos manuais didáticos como pessoas tristes sim, sem sorte, mas cientes de seu destino. O bom menino, educado e limpo, é aquele, branco em sua pele, que estuda e tem sonhos de grandeza. Os direitos são de todos, mesmo sem poder usá-los e desfrutá-los. Discurso provocante e, muitas vezes, ofensivo para com os sujeitos sociais citados. 173 Os livros didáticos apresentam, mesmo com delicadeza, o saber ligado à educação e à escola como fonte de poder, uma leitura do ponto de vista das classes dominantes, tanto política quanto economicamente. Destacam o olhar do compadecido, mas não do responsável; do espectador, mas não do cidadão coresponsável pelo bem da sociedade. Valor básico, subjacente a todas as qualidades que são alcançáveis, é a obediência às normas estabelecidas por lei, sancionadas em um sem número de códigos que permitem, a quem as respeitarem, individualmente, receber a proteção do Estado. O bom cidadão será aquele que não provoca problemas, aceita sua situação, não questiona nem quebra a harmonia e a ordem estabelecida. Diferente da leitura marxista, a relação entre posições de classe torna-se ausente. Ressaltam-se relações sociais que limitam as relações ‘de boa vizinhança’ deixando de lado o debate, incômodo e provocador, entre etnias e grupos desde sempre em busca de equilíbrio. Por outro lado a solidariedade, pilar da Cidadania limita-se a atos idealizados como bons. A educação ajuda a fazer com que, pessoas com deficiências físicas, sejam introduzidas em ambientes ‘normais’ sem rejeição. Garante de tal vitória, aponta-se o Estado. Entre as conquistas, transformadas em atributos do Estado, indicam-se a Independência e a proclamação da República como etapas do caminho que levou à instalação da Cidadania. Os acontecimentos históricos são narrados a partir da atuação de personagens ilustres, são apresentados como os que carregam o ônus e a capacidade de possibilitar as transformações sociais. Percebe-se por trás, a história dos heróis e não das massas anônimas, longe, muito longe do pensamento gramsciano que faz da coletividade o centro de todo movimento social. 174 A democracia, alma da Cidadania política é declarada como governo do povo por meio de representantes e faz do país um oásis de justiça. De forma quase provocatória, os textos omitem situações que são de conhecimento nacional: corrupção, lentidão de aplicabilidade da lei bem como o excesso de burocracia que avilta o cidadão obrigado a sustentar um sistema pesado e pouco funcional, que é a máquina estatal, sob pena de tornar-se culpado e sujeito à penalidade. Em parte algum debate, conforme assevera Adorno (1995), que a democracia demanda esclarecimento emancipador, permitindo exercer direitos políticos. Outro pilar da Cidadania, tem sido o voto, ápice dos direitos políticos, discutido por significativa parte dos textos analisados, como a maior expressão de Cidadania, em consonância com a leitura de Marshall (1967) e Carvalho (2001). O voto indicado como meio para que o povo governe o país, é apontado como panacéia, remédio para todos os limites e males da sociedade. Oferecido de forma ilimitada e irrestrita desde os jovens de 16 anos, até mulheres e analfabetos e executado com avançada tecnologia, tem sido garantia de justiça e bom governo. A grande omissão é a não abordagem e a não discussão das fraudes, o não correto uso da urna por falta de conhecimento, mesmo mínimo, de grande parcela da sociedade. Outras negligências: a provocação para moralizar as eleições, a falta de compromisso com a legenda partidária por parte do eleito, a compra do voto antes da eleição para o povo e a venda do mesmo para manter-se nos diferentes escalões do poder. A participação popular, centro de toda vida em sociedade, resume-se, nos manuais escolares, a mera manutenção da cidade e à proteção ao meio ambiente. Muito embora a relevância dos dois assuntos, a participação popular faz-se significante para toda a sociedade como forma de realizar o que se pode definir a 175 verdadeira Cidadania: tornar-se parte essencial do processo de Governo. Repassase a idéia de que existem duas categorias de Cidadãos: os ativos, que tomam decisões e as mandam executar por meio de normas (leis), e os cidadãos passivos, ‘destinados’ a executar as leis e normas, conforme discutem Demo (1995) e Canivez (1991). Trata-se de uma participação estática e irreal. Por isso não gera diálogo nem confrontos, menos ainda conflitos, torna-se participação ideal, abstrata, somente exercida quando solicitada pelos governantes, tudo em uma áurea de individualismo, que permite ao homem viver sua inquestionável função de membro de uma sociedade, sem interagir de forma ativa. Individualismo criticado veementemente por Marx; Engels (1999) bem como por Gramsci (1991a). Outro direito social característico da Cidadania é o trabalho. Apontado como sustento do homem e motivo de progresso da nação, o trabalho muda, se adapta às inevitáveis alterações históricas, sempre, porém dando ao homem serenidade. O texto escolar não debate as tragédias do mesmo: desemprego, subemprego, trabalho informal, quando formal em muitos casos sem algumas garantias, a competitividade acerada e encarada como verdadeira luta por parte do trabalhador, a manipulação dos sentimentos em troca de uma precária estabilidade no trabalho. A imigração rumo a lugares de bem estar e muito trabalho que se tornam pesadelos para quem tudo deixou e apostou em uma oportunidade que se revela ilusão. Ao apresentar o trabalho esquece-se a coerção do Estado-poder em inibir toda forma de organização do trabalhador a fim de que não atente, conforme visto em Gramsci (1977) a hegemonia do mesmo Estado. Entretanto, direitos oriundos da Cidadania, e o mesmo conceito, são expostos nos textos analisados, por meio de exemplos banais e pouco provocadores 176 de debates. A discriminação é mantida, mesmo quando aparentemente quer ser discutida para uma possível superação. Exemplos positivos também aparecem, mesmo que reduzidos numericamente, debatendo a dicotomia entre o discurso da lei escrita e anunciada e a prática no cotidiano. Destaca-se o rosto do Brasil: divisão, racismo, miséria, contradições, corrupção, desrespeito e inadimplência da lei. Um país baixo a égide de um Estado coroado por uma entre as mais belas e utópicas Constituições que exaltou o cidadão e a ele atribui direitos, mas que não passa de sonho e desejo. Os conflitos são minimizados, os debates amenizados. Princípios são declarados, mas não aplicados, contados, às vezes, sonhados sempre, aplicados somente esporadicamente. 177 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Agitatevi perché avremo bisogno di tutto il vostro entusiasmo. Organizzatevi perché avremo bisogno di tutta la vostra forza. Studiate perché avremo bisogno di tutta la vostra intelligenza. (GRAMSCI, 1975a) Após recorrido o percurso proposto, a pesquisa, agora dissertação, expõe análises e abre perspectivas de interpretação que poderiam vir a ser desenvolvidas em pesquisas posteriores. O presente capítulo não retoma todas as conclusões e inferências assinaladas, mas levanta algumas considerações. Refletir sobre Cidadania, conceito definido e consagrado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, desde 1789, e na época atual, em que se tornou motivo de ricas conversas e pouca clareza, revelou-se tarefa agradável, mas desafiadora e complexa. Tarefa ainda mais delicada, por realizar-se, a análise, a partir dos textos escolares, material que tem como compromisso repassar informações para a edificação do cidadão, sujeito que terá por meta preservar sua autonomia e liberdade e, ao mesmo tempo, em um dialético diálogo, fomentar o crescimento do Estado. Os objetivos propostos ao iniciar a pesquisa foram mantidos, alcançados, e, necessariamente ampliados e enriquecidos ao longo do trabalho. O objetivo principal da pesquisa, investigar se as diferentes noções que os textos escolares dos primeiros quatro anos de ensino fundamental contribuem para uma real formação do conceito de Cidadania claro e educador da pessoa como cidadão, alcançou um primeiro resultado. Os manuais escolares, muito embora a anunciada adaptação dos textos à lei, CF 88 e à LDB 93949/96, não apresentaram grande inovações, 178 mantendo conceitos e leituras ainda confusos e pouco inovadores diante dos desafios da modernidade que inexoravelmente avança também no Brasil. O estudo desenvolvido permite afirmar que os textos escolares continuam conservadores e em sintonia com uma concepção de Cidadania ideal, estática e que pouco estimula o debate e o confronto entre a realidade vivenciada pelos alunos e o que sugerem os livros. Os manuais pesquisados, muito embora não tenham força para formar o cidadão, orientam para uma sedimentação da ideologia da classe dominante, e também apontam as contradições intrínsecas à sociedade. Os textos escolares analisados aduzem uma profunda contradição entre a Cidadania proposta e a estrutura social, reflexo de um Estado hegemônico que privilegia uma sociedade classista. Igualmente, ressaltam uma sociedade em harmonia, a-histórica, diferente da leitura realista do modelo marxista-gramsciano de sociedade em constante luta para reverter o domínio, a hegemonia do Estado concentrada nas mãos da classe dominante. A fim de avançar no caminho proposto transitou-se por alguns conceitos, todos manifestando dialéticas contradições que enriqueceram o diálogo, ora com autores, ora com conceitos. A análise do Estado liberal, muito embora não mais autônomo em seu agir sendo dependente e orientado por organismos internacionais, consolida-se como um centro de poder conforme assevera Gramsci em sintonia com Marx e Engels. Estado que permanece a serviço de uma reduzida classe dominante e que continua distante das classes subalternas. Estas, ao reivindicarem espaços e direitos, provocam a reação do Estado que oferece, para que o antagonismo entre os dois pólos não chegue a questionar a hegemonia, menos ainda deixá-la transitar das mãos da classe dominante para às da sociedade civil, uma série de concessões que dão vida 179 às políticas públicas que vêm ao encontro das necessidades da sociedade, transformadas em tentativas de diálogo entre os dois pólos. A pesquisa constatou que, por meio das políticas públicas se organiza a sustentação do movimento social entre as reivindicações da sociedade civil e a refutação, pela formulação de leis, por parte do Estado que responde às demandas, em troca do fortalecimento da hegemonia, constituindo-se assim a práxis política. Examinou-se qual a imagem de Cidadania pensada nas leis educacionais em especial na LDB 9394/96. Portanto, analisou-se a construção do conceito de Cidadania na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, dando ênfase ao estudo dos artigos que tratam do conceito de Cidadania. Conceito este que aparece muito valorizado no texto da lei, mas pouco alcançável por permanecer no ideal da leitura liberal. A lei simplesmente anuncia, mas não garante a implementação dos direitos que levariam a uma real construção da Cidadania. Assim, inferiu-se que as políticas públicas educacionais não promovem a sociabilidade, mas o individualismo, tendo como fim a despolitização cultural da sociedade. A fim de corroborar e enriquecer as respostas aos objetivos prefixados, destacaram-se outros conceitos: a educação, que ocupando um lugar privilegiado, vem a ser meio para transmitir um saber mais abrangente que pode entrar em contradição com a sociedade capitalista. Pode tornar-se transformadora se a classe subalterna se apropriar dela, pois na sua prática reside a contradição, a oposição entre o saber do dominante e o saber do dominado, confronto dialético que permite a construção da Cidadania. 180 Saber que transita, de forma extraordinária, na escola, esta como lócus privilegiado para o dialético cotejo entre Estado e sociedade. A escola, orientada e mantida pelo Estado goza de autonomia desafiadora por acolher em seu interior a diversidade e a pluralidade. Ela pode e deve dar sua contribuição por revestir-se de uma função social: preparar o sujeito, não mais como indivíduo, mas como membro de uma sociedade, para a Cidadania plena. Nessa visão julgou-se possível transformar a escola em um espaço dialético entre o Estado, com suas políticas anunciadas pela emancipação dos sujeitos, mas ligadas aos interesses de organismos internacionais e classes dominantes, que dificultam à escola realizar sua vocação: emancipar pessoas em sujeitos e estes em cidadãos; e a sociedade que a erigiu para a educação das gerações futuras. Por conseguinte, a Cidadania se edifica nas relações entre diversos; relações sociais, respaldadas pela liberdade e a tolerância no pluralismo. Pluralismo que, intrínseco à escola por acolher pessoas de diferentes grupos sociais, desde os mais favorecidos aos menos abastados, pode, na igualdade da dignidade humana, promover a unicidade que enriquece a sociedade. A educação e a escola assinalam-se ao longo da pesquisa ricas em contradição: transmissoras de políticas pensadas pelas classes dominantes detentoras do poder do Estado, apresentam também momentos de possível superação das contradições por meio de uma conscientização da sociedade civil em busca de uma nova identidade, uma Cidadania plena. A pesquisa trabalhou o conceito de Cidadania à luz da leitura liberalmarshalliana criticada pela leitura marxista-gramsciana. Marshall propõe a Cidadania constantemente rodeada por uma áurea de idealismo e sempre em chave individual. Individualismo que isola para impedir que 181 os cidadãos se organizem politicamente como classe para afirmar sua hegemonia. O Estado, sempre na leitura liberal-marshalliana, remodela os indivíduos, os redefine, os homogeneíza, os transforma em indivíduos abstratos e sem historicidade, para que não sejam uma ameaça ao poder do mesmo Estado, mas o mantenham. É a afirmação da Estadonia ou Estatolatria que fortalece cada vez mais o predomínio do Estado e não do cidadão. Portanto, ser cidadão diante do Estado, nesta visão, é conhecer e viver direitos e deveres. Já Gramsci, muito embora não apresente um discurso direto a respeito do conceito de Cidadania, permite inferir ao ler o conceito de homem inserido na sociedade civil, como um indivíduo coletivo. Ser cidadão é ser membro desta sociedade, em contínua tensão dialética para transformar o meio, através da educação, a ponto de formar não homens pela metade, mas homens completos; cidadãos coletivos, membros de um Estado ampliado, onde sociedade política e sociedade civil convivem formando não um novo conceito de Estado, mas um novo Estado, onde todo cidadão longe da leitura liberal-marshalliana, que se constrói individualmente, descompromissado com a sociabilidade, torna-se, como o pensador italiano permite deduzir, um cidadão que vive e se constrói coletivamente. Assim, conclui-se que o homem completo gramsciano, nada mais é que o cidadão autêntico, anunciado pelos documentos analisados, Constituição Federal de 1988, LDB 9394/96; anunciado pelas políticas públicas educacionais; mas nunca promovido pelo Estado por medo de perder a hegemonia. Os textos escolares estudados, sem se declararem em sintonia com a leitura liberal-marshalliana, apresentam uma Cidadania irreal, favorecendo a idéia que se poderá ser alcançada somente quando o indivíduo, obediente às leis impostas pelo Estado, este último sempre de olho no Bem-estar comum, se tornar defensor e 182 guardião de uma sociedade sugerida pelos indivíduos, mas pensada e organizada pelo mesmo Estado. O conceito de Cidadania que os manuais didáticos apresentam não prepara para a Cidadania que se deseja: ampla, ativa, plena e para todos. Os livros escolares sugerem uma Cidadania plena, mas não presente entre os menos favorecidos porque expropriados da participação da edificação da mesma Cidadania, obrigados a serem não cidadãos, mas indivíduos protegidos. Consagrase a herança de um país que faz do individualismo uma bandeira de autonomia pessoal, em detrimento da hegemonia coletiva, com o intuito de sufocar todo autêntico anseio de democracia e Cidadania plena. Após análises apresentadas, infere-se que a Cidadania, muito embora percorresse um longo caminho ainda não chegou a seu destino. Destino que vem a ser a transformação do cidadão de mero espectador de um Estado nas mãos de uma reduzida classe dominante, para membro de uma sociedade organizada, melhor, para uma nova dimensão: o de Estado ampliado, em que o cidadão tornarse-á governante. Com o alcance dos objetivos inicialmente fixados, ciente que não constituem conclusões definitivas, mas tão somente momentos de reflexão, a pesquisa chega a termo, porém não chega ao fim a inquietante provocação que dela surge. Os textos escolares assinalam uma Cidadania que intenciona construir um cidadão que vive a e na história. Para que a Cidadania seja alcançada em plenitude, faz-se urgente que este mesmo cidadão se emancipe para tornar-se construtor, isto é, que compare, avalie, critique, intervenha, decida e transforme. Enfim, que edifique a história e a edifique em sentido social e não individual. Neste processo a escola e a educação tornam-se momentos de um significativo crescer, e o Estado, por meio das políticas públicas, deverá 183 metamorfosear-se, não mais em guardião noturno dos benefícios de alguns e cerceador da liberdade de muitos, mas em promotor de democracia e incentivador de emancipação. Emancipação para a Cidadania que passará pelos textos escolares. Este é o desafio que se abre como novo horizonte para mais uma possível pesquisa: como fazer dos textos escolares, da educação e da escola meio para formar cidadãos conscientes, e ativos. Enfim, homens mais completos? 184 REFERÊNCIAS ADORNO Theodor W. Educação e emancipação. Tradução de Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. AFONSO, Almerindo Janela. Reforma do Estado e políticas educacionais: entre a crise do Estado-Nação e a emergência da regulação supranacional. In: Educação e sociedade: Revista quadrimestral de Ciência da Educação/Centro de estudos Educação e Sociedade (CEDES). Campinas-CEDES, v. XXVI f. XII, nº 75, 2001. p. 15-32. BARACHO, Jose, Alfredo de Oliveira. Teoria geral da cidadania: a plenitude da cidadania e as garantias constitucionais e processuais. São Paulo: Atlas, 1994. BASTOS, Celso Ribeiro. A Constituição de 1988. In: D’AVILA, Luiz Felipe. (Org.) As constituições brasileiras: análise histórica e proposta de mudança. 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(Manual do professor) 41 _____ Ensino fundamental. 4ª série -2º Bim. Curitiba: Posigraf, 2005. (Manual do professor) _____ Ensino fundamental. 3ª série -3º Bim. Curitiba: Posigraf, 2005. (Manual do professor) _____ Ensino fundamental. 3ª série -1º Bim. Curitiba: Posigraf, 2006. (Manual do professor) 37 O texto apresenta-se fragmentado no que se refere ao tema Cidadania. Não consta o ano de publicação. 39 O livro apresenta poucos textos significativos a respeito do conceito de Cidadania. 40 Não consta o ano de publicação. 38 41 Todos os testos apostilados da editora Posigraf contêm as seis disciplinas básicas: Língua Portuguesa Língua Inglesa Matemática Ciências Naturais História Geografia 199 _____ Ensino fundamental. 4ª série -1º Bim. Curitiba: Posigraf, 2005. (Manual do professor) GOMES, Solange. Língua portuguesa: manual do professor. 2ª série. 4. ed. São Paulo: IBEP, 2005 (Coleção Vitória regia). 42 NEMI, Ana Luci Lana; MARTINS, João Carlos. Novo tempo: História e geografia. 1ª série São Paulo: Scipione, 1999 (Coleção Novo tempo). 43 PEIXOTO, Marilze Lopes,; et. Al. Bom tempo: história. 3ª série. Moderna, 2005. (Manual do professor) 44 São Paulo: PETRY, Silvia Eliana Dumont; et al. Ensino fundamental. 1ª série -1º Bim. Curitiba: Posigraf, 2004. (Manual do professor) 45 _____. Ensino fundamental. 1ª série -2º Bim. Curitiba: Posigraf, 2005. (Manual do professor) _____ . Ensino fundamental. 1ª série -3º Bim. Curitiba: Posigraf, 2006. (Manual do professor) _____. Ensino fundamental. 1ª série -4º Bim. Curitiba: Posigraf, 2005. (Manual do professor) _____. Ensino fundamental. 2ª série -1º Bim. Curitiba: Posigraf, 2005. (Manual do professor) _____. Ensino fundamental. 2ª série -2º Bim. Curitiba: Posigraf, 2006. (Manual do professor 42 A edição de 2005 não apresenta alterações significativas em relação à 1. ed. do ano de 1997. Muito embora elaborado no ano de 1999, não apresenta sugestões, referentes ao tema Cidadania, conforme a LDB 9394/96, 44 Textos fragmentados, breves e sem originalidade respeito aos livros analisados. 45 O texto apresenta basicamente os mesmos itens e as mesmas expressões do CHIANCA, Rosaly Braga; TEIXEIRA, Francisco M. P. História. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 1ª série. (Pensar e viver) 43 200 _____. Ensino fundamental. 2ª série -3º Bim. Curitiba: Posigraf, 2005. (Manual do professor) _____ Ensino fundamental. 2ª série -4º Bim. Curitiba: Posigraf, 2006. (Manual do professor) 46 SARGENTIM, Hermínio.: Língua português: manual do professor. São Paulo: IBEP, 2001. Coleção montagem e desmontagem de textos 1ª série. 47 SILVA, Antonio de Siqueira; BERTOLIN, Rafael; OLIVEIRA, Tânia, Amaral. Linguagem e vivência: Língua portuguesa. São Paulo: IBEP, 2001. (Suplementado por manual do Professor). 48 SCHMIDT, Dora. Historiar: fazendo contato e narrando a história. 2ª série. São Paulo: Scipione, 2001 (Coleção historiar). 49 SOURIENT, Lílian; RUDEK, Roseni; CAMARGO, Rosiane de. Interagindo e percebendo o Paraná: história. São Paulo: Editora do Brasil, 2001 (Suplementado por manual do Professor).50 OAKI, Virginia. Geografia: ensino fundamental. São Paulo: Moderna. 2005. 3ª série.51 46 As apostilas da editora Posigraf, tanto as de autoria de FERREIRA, et alii, assim como as de PETRY, et alii; são atualizadas segundo um ciclo de quadriênio, acompanhando o seguinte esquema: 4ª série: 2007; 2004; 2001. 3ª série: 2007; 2004; 2001. 2ª série: 2006; 2003; 2000. 1ª série: 2006; 2003; 2000. As atualizações são de ordem metodológica, pequenos ajustes e sempre em sintonia com as mudanças terminológica e de legislação, de acordo à política da editora (ENSINO FUNDAMENTAL, 2005, p. 38-39) 47 O texto apresenta basicamente os mesmos itens e as mesmas expressões do CHIANCA, Rosaly Braga; TEIXEIRA, Francisco M. P. História. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 1ª série. (Pensar e viver) 48 O texto apresenta basicamente os mesmos itens e as mesmas expressões do CHIANCA, Rosaly Braga; TEIXEIRA, Francisco M. P. História. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 1ª série. (Pensar e viver) 49 O livro apresenta poucos textos significativos a respeito do conceito de Cidadania. 50 O texto apresenta-se como não identificável unicamente com as primeiras séries do ensino fundamental, sendo adaptável, pelo conteúdo, até a 8ª série. 51 A edição é muito recente bem como a adoção do texto por parte da escola AFP. 201 ANEXO 2 - TEXTOS SELECIONADOS E REFERENCIADOS CAPARELLI, Sergio. Dorme pretinho. In: BERALDO, Alda (Org.) Trabalhando com poesia. São Paulo: Ática. [S.d.] 52 CHIANCA, Rosaly Braga; TEIXEIRA, Francisco M. P. História: manual do professor. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 1ª série. (Pensar e viver) 53 ______ . História. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 2ª série. (Pensar e viver) ______ . História. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 3ª série. (Pensar e viver) ______ . História. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 4ª série. (Pensar e viver) DIMENSTEIN, Gilberto. O cidadão de papel: a infância, a adolescência e os direitos humanos no Brasil. São Paulo: Ática, 1997. 54 DINORAH, Maria. Desistência. In: BERALDO, Alda (Org.) Trabalhando com poesia. São Paulo: Ática. [S.d.] 55 ECO, Umberto; CARMI, Eugenio. Os três astronautas. São Paulo: Àtica, 1984. 56 FITTIPALDI, Anina; RUSSO, Maira de Lourdes. Magia do texto: ensino fundamental, livro do professor. São Paulo: Moderna, 1997. 4º série. 57 FRAGA, Julia; BENJAMIN, Norma. Língua portuguesa com certeza: livro do mestre. São Paulo: editora do Brasil, 1997.58 52 Texto de apoio. 53 A primeira edição dos quatro volumes é do ano de 2004 e vem sendo usada desde este ano na escola municipal AFP e ESI. 54 Texto de apoio. 55 Texto de apoio. 56 Texto de apoio. 57 Muito embora datado de 1987 em uso desde o ano de 1989 no AFP e desde o ano de 2001 no IDL. 58 Muito embora datado de 1999 em uso desde o ano de 1999 no AFP e IDL . 202 GARCIA, Eliana Farias de Albuquerque. Língua e linguagem. São Paulo: Saraiva. 4ª série. 1998. 59 GONÇALVES, Camila Marques. Quando eu crescer. In: FRAGA, Julia; BENJAMIN, Norma. Língua portuguesa com certeza: livro do mestre. São Paulo: editora do Brasil, 1997. p. 11. 60 LUCCI, Elian Alabi. Viver e aprender : história/geografia. Com manual do professor. São Paulo: Saraiva1998 (Viver e aprender). 3ª série. 61 MARIN, Marilú Favarin; Quevedo. Júlio; Ordoñez, Marlene. História com reflexo: com Manual do professor. São Paulo: IBEP, 2001 (Coleção Horizontes). 3ª série. 62 MARINHO, Luzia Fonseca; MORAES, Elody Nunes; BRANCO, Graça. Língua portuguesa: manual do professor. [S. c.] Moderna [S. d.]. 63 MARTINS, José Roberto Ferreira, et al. História: ensino fundamental. 3ª série. São Paulo: FTD, 2001. (Coleção primeiras noções de história) 64 MORENO, Jean Carlos; FONTOURA, Antonio Jr. História/Geografia. São Paulo: IBEP, 2000. 4ª série. (Coleção vitória-régia) 65 MURRAY, Roseana. Casas. In: FITTIPALDI, Anina; RUSSO, Maira de Lourdes. Magia do texto: ensino fundamental, livro do professor. São Paulo: Moderna, 1997. 4º série. 66 NOGUEIRA, Armando. Na grande área. Jornal do Brasil, 11 de fevereiro de 1996. In: FRAGA, Julia; BENJAMIN, Norma. Língua portuguesa com certeza: livro do mestre. São Paulo: editora do Brasil, 1997. p. 204. 67 59 Muito embora datado de 1998 Em uso desde o ano de 2000 no ESI. Texto de apoio. 61 Muito embora datado de 1998 em uso desde o ano de 1999 no ESI e IDL. 62 Em uso desde o ano de 2001 no AFP e ESI. 63 Em uso desde o ano de 2001 no AFP. 64 Em uso desde o ano de 2001 no ESI e IDL. 65 Em uso desde o ano de 2000 no ESI e AFP. 66 Texto de apoio. 67 Texto de apoio. 60 203 SHRESTHA, Urijana. Eu tenho um sonho. In: Todos temos direitos. Ática/Peace Child International, 2000. 68 SILVA, Rafael Luiz Medeiros da. In: FRAGA, Julia; BENJAMIN, Norma. Língua portuguesa com certeza: livro do mestre. São Paulo: editora do Brasil, 1997. p. 1112. 69 VASCO,Standler Sérgio, et. al. O Paraná de todas as cores. História: Manual do professor. 2ª ed. Curitiba: Base, 2004. 70 68 Texto de apoio. Muito embora datado de 1997 em uso desde o ano de 1999 no AFP e IDL. 70 Em uso desde o ano de 2004 no ESI e AFP. 69 204 ANEXO 3 - QUANTIDADE DE ALUNOS POR SÉRIE E POR ESCOLA 71 QUADRO 1 - COLEGIO IMPERATRIZ DONA LEOPOLDINA Serie/Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 1ª 32 21 35 31 17 20 20 2ª 36 30 21 34 32 17 20 3ª 21 36 27 21 33 32 16 4ª 32 22 36 26 20 33 31 TOTAL 121 109 119 112 102 102 87 TOTAL GERAL FONTE: Dados fornecidos pela Secretaria do Colégio Imperatriz Dona Leopoldina. 71 Os dados foram repassados pelas respectivas secretarias do Colégio e da Escola. 752 205 QUADRO 2 - COLEGIO NOSSA SENHORA DE BELÉM – ESI Serie/Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 1ª 30 47 40 37 23 28 25 2ª 35 34 47 37 37 27 28 3ª 57 32 35 56 35 36 32 4ª 48 56 40 38 47 34 42 TOTAL 170 169 162 168 142 125 127 TOTAL GERAL FONTE: Dados fornecidos pela Secretaria do Colégio N.S. de Belém – ESI. 2007 1.063 206 QUADRO 3 - ESCOLA MUNICIPAL ALCINDO DE FRANÇA PACHECO Serie/Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 1ª 198 109 141 100 110 100 100 2ª 114 129 97 140 132 142 139 3ª 104 107 124 78 94 89 96 4ª 134 109 105 111 83 99 96 TOTAL 550 454 467 429 419 429 431 TOTAL GERAL 3.179 FONTE: Dados fornecidos pela Secretaria da Escola Municipal Alcindo de França Pacheco. 2007 207 QUADRO 4 - TOTAL DE ALUNOS ATINGIDOS - 2007 Escola Total alunos Imperatriz Dona Leopoldina 752 Nossa Senhora de Belém – ESI 1.063 Alcindo de França Pacheco 3.179 TOTAL 4.994 FONTE: Quadro elaborado pelo pesquisador.