UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Luigi Chiaro
ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS:
UMA ANÁLISE SOBRE O CONCEITO DE CIDADANIA
EM TEXTOS ESCOLARES
APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Curitiba
2007
Luigi Chiaro
ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS:
UMA ANÁLISE SOBRE O CONCEITO DE CIDADANIA
EM TEXTOS ESCOLARES
APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Dissertação apresentada à linha de Pesquisa em
Políticas Públicas e Gestão da Educação do
Programa
de
Pós-Graduação-Mestrado
em
Educação da Universidade Tuiuti do Paraná como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Educação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Anita Helena Schlesener
Curitiba
2007
TERMO DE APROVAÇÃO
Luigi Chiaro
ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS:
UMA ANÁLISE SOBRE O CONCEITO DE CIDADANIA
EM TEXTOS ESCOLARES
APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Esta dissertação foi julgada e aprovada para a obtenção do titulo de Mestre em Educação no
Programa de Pós-Graduação em Educação, Linha de Pesquisa “Políticas Públicas e Gestão da
Educação” da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, 14 de maio de 2007.
Profª. Drª. Naura Syria Carapeto Ferreira
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Educação
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientadora: Profª. Drª. Anita Helena Schlesener
UTP, Departamento de Pós-Graduação em Educação.
Prof. Dr. Elias Dallabrida
UNICENTRO, Departamento de Filosofia.
Prof. Dr. Renato Gross
UTP, Departamento de Pós-Graduação em Educação.
DEDICATÓRIA
Aos que sintetizam todos meus amores e motivam todo viver:
Rose,
mulher pela qual me apaixonei
e que se deixa amar cada dia mais,
por alimentar, como orvalho matutino
minha existência,
cheia de vales e montes.
Francesco,
fruto deste orvalho fecundo
e da terra sedenta de amor
que motiva todo meu sonhar e pensar
agir e produzir.
A eles,
memorial vivo de todos os que amo em minha vida,
essencialmente meus pais (in memoriam)
dedico!
AGRADECIMENTOS
A viagem chegou ao fim. A nau atracou. Chegamos ao suspirado porto, em
busca de um poço: o poço do saber, para abeberar exaustos corpos, cientes de
termos vencidos porque perseveramos, conforme afirma em seus escritos Francisco
de Paula, fundador da Ordem dos Mínimos, usando das Palavras Bíblicas: “ [...]
memores quod frustra bonum inchoatur si ante [...] terminum deseratur solisque
perseverantibus corona datur” (In: CASTIGLIONE, 1978, p. 144).
Um último olhar para furtar a imagem, que se tornará nostálgica memória de
uma viagem que se fez inesquecível. Uma última mirada com os olhos do coração. E
lá estão os companheiros de viagem e a estupenda e fantástica tripulação a quem é
preciso agradecer:
Maria Helena Juri Reston Pinto pela força e apoio nas inúmeras horas das
mais difíceis tempestades e causa última da mesma empreitada. Márcia Mocellin,
forte, simpática e fraterna amiga que ajudou nos momentos de perplexidade. Iverson
Kovalski e Teodósia Mika, que além de aliviar os difíceis momentos de solidão,
tornaram-se amigos. Sirlene Ferro e Marta Rejane Filietaz, encarnação de
dedicação e afeto.
Carmen Chaim, Maria Cristina Esper, Sarita Fortunato, Ângela Salvadori,
Lucy Machado, Ana Margarida Taborda, Solange Oliveira, Maria Isabel Buccio. Aos
amigos da outra linha de pesquisa que, mesmo distantes, nos apoiamos e
solidarizamos para juntos singrar as águas do oceano cultural: Anelise Coelho,
Rodrigo Rocha, Silvana Roeder, Clovis Brito, Flavio Rizzato, Adelmo Iurczaki,
Anderléia Danke, Vanessa Guerra, Jamine Henning, Alcione Groff, Ana Carolina
Rocha, Eliana Sumi, Jane Lawder, Lindamara França, Maria Lucimara Pereira, Maria
Luiza Santos e Neuza Maria Santos (in memoriam).
Especiais criaturas que
colaboraram em alegrar e deixar menos monótona a viagem.
À tripulação: la professoressa Naura Syria Carapeto Ferreira, competente e
fantástica ao lado do simpático e ético prof. Sidney Reinaldo da Silva. Ao getlmen do
marxismo, professor Pedro Leão da Costa Neto e à elegante professora Evelcy
Monteiro Machado. Às encantadoras professoras Vilma Fernandes Neves e Maria
Auxiliadora Cavazotti. Finalmente os professores Marcos Vinicius Pansardi, Jamil
Cury; Bob Vernek e Miguel Arroyo que colaboraram na viagem.
Inesquecíveis tornaram-se a professora Anita Helena Schlesener, convicta
gramsciana que ousou orientar este trabalho de Dissertação, o professor Elias
Dallabrida, amigo de todas as horas e o professor Renato Gross, que o avaliaram
com seriedade e competência.
À todos, a certeza de que, mesmo zarpando por outros mares em busca de
novos horizontes,em companhia de outras tripulações, a certeza de que parte do
coração de cada um fica para sempre guardado na arca da memória.
Lembranças vivas, gratidão infinita, saudade mansa, mas perpétua. A todos e
a cada um o muito obrigado. À Deus uma prece: que conserve, contra a ávida tirania
do despiadado Cronos que tudo devora, a lembrança destes momentos fugazes,
eternizando-os no transcorrer de nossas vidas. Mais: permita um milagre. Que um
dia, nossos caminhos, mesmo por um só fragmento de tempo, tornem a cruzar-se.
Um agradecimento aos que ficaram no estaleiro permitindo a grande
travessia: aos amigos Waldemar Feller e Edílson Roberto Pacheco pelo apoio,
incentivo e ajuda.
Aos que disponibilizaram o material didático para a pesquisa: às diretoras do
Colégio Nª Sª de Belém Ir. Eva Lecir Brocco e Ir. Edileuza Cruz Silva, juntamente
com às Professoras Rosangela Lapczak, Luciane Wolf Martins, Ana M. H. Oliveira e
Cleonice Ap.ª Maluf Lenhani.
À diretora do Colégio Imperatriz Dona Leopoldina
Telma Eliza Abib Leh, bem como à secretária Roseli Buhali, à bibliotecária Annerose
Gerber Staut e à professora Luciane Cristina Faccin Kukelcik. À Diretora da Escola
Municipal Alcindo de França Pacheco Roselinda de Fátima Nunes Chiaro.
Ao descer da nau uma certeza: a viagem encantadora e difícil ensinou muitas
coisas, mas deixou vivenciar uma só: que o secreto do Mestrado não se encontra no
alcançado, mas na busca do escondido: o poço da amizade profunda que se criou
como afirma Saint-Exupery (1999, c.XXIV): “Ce qui embellit le désert, dit le petit
prince, c'est qu'il cache un puits quelque part [...]”.
Finalmente eterna gratidão à Deus por permitir encerrar, providencialmente
mais esta etapa de vida acadêmica, no ano jubilar do quinto centenário da morte de
São Francisco de Paula (1507-2007), Fundador da Ordem dos Mínimos.
EPIGRAFE
Oración del estudiante
No me impongáis lo que vosotros sabéis
Yo quiero explorar lo desconocido
Y ser la fuente de mis propios descubrimientos
Que lo sabido sea mi liberación, no mi esclavitud
El mundo de vuestra verdad puede ser mi limitación
Vuestra sabiduría, mi negación
No me instruyáis, caminemos juntos
Que mi riqueza empiece donde acaba la vuestra
Mostradme como subirme
sobre vuestros hombros
Revelaos de modo que pueda
ser algo diferente
Creéis que cada ser humano
puede amar y crear
Comprendo pues vuestro miedo
Cuando pido que viváis según vuestra sabiduría
No sabréis quien soy
Si os escucháis a vosotros mismos
No me instruyáis; dejadme ser
Vuestro fracaso es que yo sea idéntico a vosotros
(MATURANA, 1994)
Dois educadores existem:
Os que impõem verdades
Os que buscam verdades.
A estes últimos dedico.
Com o auspício que o futuro
Deixe os primeiros
Desaparecer
Os segundos
Triunfar.
(luigi chiaro)
RESUMO
Analisar e debater o conceito de Cidadania é estratégico para a sociedade brasileira,
marcada por um agudo processo de antagonismos e desigualdades sociais. O
objetivo geral da dissertação foi o de investigar se as diferentes noções
apresentadas pelos textos escolares dos primeiros quatro anos de ensino
fundamental, após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, contribuem para uma real
formação do conceito claro e educador de Cidadania. Com este intuito, embasandose principalmente em Gramsci e Marshall, a parte teórica do estudo debateu a
Cidadania em relação ao Estado e à sociedade civil; às Políticas Públicas
Educacionais; à Educação e à Escola e aos textos escolares. Em um segundo
momento realizou a análise dos textos didáticos selecionados em diferentes escolas,
apontando contradições e provocações ao abordar o conceito de Cidadania. Como
recurso metodológico a pesquisa elegeu a abordagem qualitativa. Os resultados da
análise indicam duas concepções de Cidadania: a liberal-marshalliana, promovedora
de uma Cidadania individual, ideal e submissa ao Estado e a marxista-gramsciana,
promovedora de uma Cidadania coletiva e emancipadora do homem completo. As
conclusões indicam que os textos didáticos apresentam, de forma não muito velada,
a concepção liberal-marshalliana que privilegia uma Cidadania ideal, mas não plena.
Palavras-chave: Cidadania; Textos didáticos; Políticas Públicas Educacionais;
Estado e Sociedade Civil; Escola.
ABSTRACT
Analyzing and debating the concept of citizenship is strategic to a Brazilian society,
marked by an acute process of antagonism and social differences. The principal aim
of this paper was to investigate whether the different ideas insert in the school books
of the first four years of studies, after the promulgation of the 1988 Federal
Constitution and of the “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96”,
contribute or not to the real formation of a clear and educating concept of citizenship.
Therefore, based on Gramsci and Marshall, the theoretical part of the research
debated Citizenship in relation to the State and civil society, to the Public Educational
Politics, to Education and the School and to the scholar texts. Another step of the
work was analyzing the didactic texts from different schools, pointing out
contradictions and provocations regarding to the Citizenship concept. The qualitative
approach was elected as the source method. The results of the analysis indicate two
conceptions of Citizenship: the liberal one of Marshall, which promotes an individual
and ideal Citizenship, which is also submissive to the State, and the Marx–Gramsci
one, related to a collective and emancipating Citizenship of the whole man. The
conclusions indicate that the didactic texts present, not in a very hidden way, the
liberal conception of Marshall, that privilege an ideal citizenship, although not total.
Key-words: Citizenship; Didactic Texts; Public Education Politics; State and Civil
Society; School.
LISTA DE SIGLAS
AFP
Escola Municipal Alcindo de França Pacheco
BIRD
Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
CF 88
Constituição Federal de 1988
CNBB
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
ECA
Estatuto da Criança e do Adolescente
ESI
Colégio Nossa Senhora de Belém – Rede Escolas Scalabrinianas
Integradas
FMI
Fundo Monetário Internacional
FUNAI
Fundação Nacional do Índio
IDL
Colégio Imperatriz Dona Leopoldina
LDB 9394/96
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96
OMC
Organização Mundial do Comércio
ONG’s
Organizações não governamentais
PNLD
Programa Nacional do Livro Didático
PCN
Parâmetros Curriculares Nacionais
UNESCO
Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................
13
2 ESTADO E SOCIEDADE: UMA RELAÇÃO EM CONSTANTE
CONFLITO..................................................................................................
2.1 EM BUSCA DE UM CONCEITO..........................................................
2.2 O ESTADO NA PERSPECTIVA MARXISTA.......................................
2.3 GRAMSCI: DO ESTADO GENDARME AO ESTADO EDUCADOR....
23
25
28
38
3 ESTADO E CIDADANIA: UMA CONSTRUÇÃO ENTRE
CONTRADIÇÕES E LUTAS.......................................................................
3.1 CIDADANIA: ENTRE CONSTRUÇÃO E CONQUISTA.......................
3.2 ASPECTOS DA CIDADANIA NO BRASIL...........................................
3.3 EDUCAÇÃO: UMA QUESTÃO PARA A CONSTRUÇÃO DA
CIDADANIA.................................................................................................
4 POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS: DO TEXTO DA LEI AO
TEXTO DIDÁTICO .....................................................................................
4.1 POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS...........................................
4.2 CIDADANIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E NA LEI DE
DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL 9394/96 ................
4.3 CIDADANIA ESCOLA E TEXTOS ESCOLARES................................
58
59
74
88
97
98
108
124
5 ANÁLISE DOS TEXTOS ESCOLARES.................................................
5.1 ANÁLISE DOS TEXTOS DE 1ª A 4ª SÉRIES......................................
5.4 ASPECTOS GERAIS ENCONTRADOS NA ANÁLISE DOS
TEXTOS........................................................................................................
137
138
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................
177
REFERÊNCIAS...........................................................................................
184
ANEXOS
ANEXO 1- TEXTOS SELECIONADOS, MAS NÃO REFERENCIADOS
ANEXO 2- TEXTOS SELECIONADOS E REFERENCIADOS
ANEXO3- QUANTIDADE DE ALUNOS POR SÉRIE E POR ESCOLA
197
198
201
204
171
13
1 INTRODUÇÃO
Credo [...] che ‘vivere vuol dire essere partigiani’. Non possono
esistere i solamente uomini, gli estranei alla città. Chi vive veramente
non può non essere cittadino, e parteggiare. Indifferenza è abulia, è
parassitismo, è vigliaccheria, non è vita. Perciò odio gli indifferenti.
L'indifferenza è il peso morto della storia. E' la palla di piombo per il
novatore, è la materia inerte in cui affogano spesso gli entusiasmi più
splendenti [...] (GRAMSCI, 1982)
Nas últimas décadas do século XX, foi possível assistir a uma multiplicação
de estudos sobre o tema Cidadania. Por ser um conceito amplo e que abrange
várias dimensões, tanto individual quanto coletiva, tem sido utilizado com diversos
significados em diferentes contextos, o que faz com que se perca sua significação
essencial e que haja certa desconfiança em relação a seu emprego.
Cidadania pode ser entendida como o direito ao voto e a participação
política, ou então, como sendo parte efetiva do cotidiano do indivíduo, na sua
singularidade e na sua coletividade. Porém, é importante a concepção da Cidadania
como um processo político, social e histórico, que se constrói a partir de ambas
dimensões, individual e coletiva. O Estado, por sua vez, na forma como se organiza
e visa uma Cidadania participativa, acaba por propor e criar Políticas Públicas que
não levam em conta o cotidiano e a construção de uma Cidadania crítica,
participativa e de qualidade.
Nesta pesquisa adota-se a concepção de Cidadania plena, seguindo e ao
mesmo tempo transcendendo, a leitura de Carvalho (2001) e de Boff (2000, p. 72)
no sentido que supera a cidadania política, econômica, participativa e solidária. É
uma Cidadania que, a partir do processo contínuo de construção e consolidação,
14
traduz a implantação real e sólida dos direitos civis, políticos e sociais, garante uma
qualidade digna de vida e vida plena.
Assim, é possível inferir que o debate sobre o conceito de Cidadania é
estratégico para uma sociedade como a brasileira, marcada por um agudo processo
de desigualdade social e, por conseqüência, de exclusão social. Dessa forma, tal
conceito abre margem para a importância da educação e das Políticas Públicas
Educacionais com o objetivo de operar as mudanças necessárias na estrutura da
sociedade, a fim de analisar se educa-se para a obediência ou para a liberdade.
O pesquisador ao longo de mais de duas décadas em sala de aula no
Ensino Médio ministrando disciplinas de História, OSPB antes, Sociologia
atualmente, e Filosofia; no ensino Superior, lecionando a cerca de quinze anos,
disciplinas como Filosofia, Ciência Política, Sociologia em diferentes cursos, em
conversas
acadêmicas
bem
como
em
diálogos
informais,
observou
que
insistentemente, o termo Cidadania aparece sempre com uma aura de mistério e
confusão. Mais: desde a troca dos detentores de poder em 1984, momento em que
os militares deixam o governo após duas décadas e que se inicia um longo processo
para o resgate da democracia, convocam-se os Constituintes com o intuito,
alcançado em 5 de outubro de 1988,
de dar uma nova identidade ao país.
Promulga-se então, a Constituição Federal, também conhecida como Constituição
Cidadã. O termo Cidadania torna-se refrão confuso e muitas vezes contraditório,
permitindo levantar uma série de questionamentos: o que é Cidadania? Quem é o
Cidadão? Cidadão nasce ou alcança-se pela educação? Caso se alcance a quem
compete formá-lo: à família? Ao Estado? À escola?
As variegadas respostas, todas abstratas e confusas, provocaram a
curiosidade de investigar o assunto. Surge a primeira idéia do tema da presente
15
pesquisa: O Conceito de Cidadania. O pesquisador, por trabalhar desde a sua
chegada no Brasil em 1986, como formador e educador, idealizou a identidade da
sua pesquisa: o conceito de Cidadania em textos escolares, sendo que os mais
inquietantes debates movem-se no ambiente escolar.
Assim, desta curiosidade primeira, uma vez que os primeiros passos na
formação do cidadão são dados nos momentos iniciais de sua formação, pensou-se
em estudar os primeiros textos que o estudante conhece. Desta nova limitação
surgiu o título da pesquisa: Estado e Políticas Públicas Educacionais: uma análise
sobre o conceito de Cidadania em textos escolares após a promulgação da
Constituição Federal de 1988.
Definido o objeto da pesquisa e a limitação do tema, levantou-se o problema:
que conceito de Cidadania tem sido veiculado nos textos escolares dos primeiros
quatro anos de ensino fundamental após a promulgação da Constituição Federal de
1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96?
Para principiar a pesquisa fixou-se um objetivo: investigar se as diferentes
noções de Cidadania que os referidos textos apresentam, contribuem para uma real
formação do conceito de Cidadania claro e educador da pessoa como cidadão.
Como parte deste objetivo geral, foram definidos outros específicos:
analisar a noção de Estado e Sociedade civil, que faz pano de fundo às Políticas
Públicas Educacionais no país, evidenciando suas contradições. Identificar o ideal
de cidadão que as Políticas Públicas Educacionais querem formar a partir da
elaboração da Constituição Federal de 1988. Examinar qual a imagem de Cidadania
pensada nas leis Educacionais em especial na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional 9394/96. Investigar o que os textos escolares ocultam ao
16
trabalhar o conceito de Cidadania, conceito carregado de ideologia, muito usado,
pouco compreendido, mesmo nos ambientes escolares.
A fim de atingir satisfatoriamente os objetivos fixados recorre-se a alguns
conceitos básicos, todos desenvolvidos nos diferentes capítulos da pesquisa;
conceitos estes que pretendem refletir os aspectos gerais e essências do real, suas
conexões e relações que surgem da análise da multiplicidade dos fenômenos e
pretendem um alto grau de generalidade.
Este relatório divide-se em cinco capítulos, os quais apresentam os
conceitos eleitos para dar corpo à pesquisa.
O primeiro capítulo introduz e explica tema, objetivos, metodologia e alcance
da pesquisa.
O segundo capítulo, pano de fundo a todo o trabalho, denominado “Estado e
sociedade: uma relação em constate conflito”, apresenta o Estado e a sociedade
como centros dialéticos de contradições e antagonismos em constante luta pelo
poder. Embasado principalmente em Gramsci, Marx e Engels, incorpora elementos
de outros autores que ajudam a ler o Estado como um centro de poder que no
antagonismo com a sociedade civil procura manter sua hegemonia.
Conceito norteador da pesquisa é o de Cidadania, exposto e debatido no
capítulo terceiro a partir da leitura da obra Cidadania, classe social e status, de
MARSHALL (1967), que propõe a primeira teoria sociológica da Cidadania ao
desenvolver os direitos e obrigações inerentes à condição de cidadão. O autor divide
o conceito de Cidadania em três elementos: direitos civis, direitos políticos e direitos
sociais, deixando coincidir cada um a um momento histórico: séc. XVIII, o
surgimento dos direitos civis, séc. XIX-XX, os direitos políticos e finalmente, séc. XX
os direitos econômico-sociais. O capítulo avança na leitura da Cidadania no Brasil e
17
termina com a educação, entendida como instrumento de disseminação de um saber
mais abrangente que pode entrar em contradição com a sociedade capitalista. Saber
este que, enquanto intenção, pode vir a ser apropriado pela classe subalterna, pois
na sua prática reside a contradição, a oposição entre o saber do dominante e o
saber do dominado.
O quarto capítulo debate o conceito de Políticas Públicas Educacionais:
do texto da lei ao texto escolar. Discute as Políticas Públicas Educacionais como
meio do Estado, detentor do poder, ao manter a hegemonia sobre a sociedade. A
segunda parte do mesmo capítulo apresenta alguns artigos da Constituição Federal
de 1988, que, além de artigos como o 1º que determina a Cidadania como um dos
princípios fundamentais da República, trata em seu capitulo III, seção I (art. 205 a
214) sobre a educação. Em seguida, estuda a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional 9394/96, documento regulador da educação à nível nacional,
relacionando-a com a Constituição Federal de 1988 e com o conceito de Cidadania.
Finaliza o capítulo uma ligação com a escola, analisada como um espaço
privilegiado e dialético onde a reprodução do velho é eternizada e o novo é proposto.
No mesmo capítulo, abordam-se os textos escolares como objeto que difunde a
palavra escrita, divulga idéias e mensagens através dos estímulos produzidos pela
sua leitura, estimula o pensamento e enriquece o leitor com um saber racionalizado
e organizado e que se apresenta como sintetizador da cultura social.
O quinto capítulo, entitulado “Análise dos textos escolares”, num primeiro
momento examina os livros didáticos selecionados e termina com uma consideração
dos aspectos gerais encontrados na análise dos textos.
Finalmente, nas considerações finais relatam-se sucintamente os resultados
que a pesquisa alcançou.
18
Para o estudo dos livros, a pesquisa adotou a abordagem qualitativa, por
permitir, através da leitura dos textos, destacar e discutir criticamente, as passagens
relacionadas ao conceito de Cidadania. A pesquisa qualitativa envolve a obtenção
de dados descritivos, alcançados no contato direto com os textos estudados,
enfatizando mais o processo do que o produto. De acordo com Minayo (1994, p. 69)
a análise das informações contribui para que seja possível, através da compreensão
dos dados coletados e avaliados, responder as questões da pesquisa e ampliar o
conhecimento sobre o conceito investigado.
A realização deste trabalho parte do princípio que é impossível analisar um
objeto desconsiderando o contexto no qual está inserido. Por isso, usa-se da
contradição por ser destruidora, mas também criadora, já que se obriga à
superação, por causa de sua intolerabilidade (CURY, 2000). As contradições,
presentes no real, nunca lineares menos ainda disciplinadas, são expressões de
riqueza que levam ao debate e à superação dos antagonismos. É a dialética, que
permite interpretar o processo da realidade, vendo nele uma sucessão de
fenômenos, cada um dos quais só existe em quanto contradição com as condições
anteriores e que surge somente pela força da negação da realidade que o engendra,
e o mesmo se revelará produtivo de novos efeitos objetivos unicamente na medida
em que estes, sendo o ‘novo’ recém surgindo, negam aquilo que os produziu
(PINTO, 1989).
Nesta tensão dialética entre o real e o ainda não, torna-se possível, construir
a compreensão da Cidadania como expressão de um movimento de todo sujeito,
membro de uma sociedade, em continua busca de identidade política e social.
Para a realização da parte empírica deste trabalho, são examinados livros
didáticos, de diferentes escolas da rede pública e da rede particular da cidade de
19
Guarapuava-PR, editados após a promulgação da Constituição Federal de 1988, em
uso nas primeiras quatro séries do ensino fundamental, por alicerçar, segundo os
documentos oficiais, entre eles os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), a
formação cidadã.
Em virtude da quantidade numérica dos livros disponíveis para análise, a
pesquisa optou em selecionar os de maior uso em diferentes períodos, todos,
porém, limitados no arco de tempo entre 1998 e 2007, por assimilarem as normas
inspiradas na LDB 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
9394/96). Outra seleção realizada foi a de privilegiar textos não apostilados, por
apresentarem, estes últimos, menos informações ou menor clareza no que se refere
ao tema Cidadania.
A escolha da cidade foi determinada pela facilidade de acesso às fontes e
pelo fato do pesquisador nela residir. Outro motivo que levou a escolha da cidade de
Guarapuava-PR, município de cerca 170.000 habitantes, é por ser considerado
representativo das condições sociais, econômica e culturais da macro região do
centro-oeste do Estado do Paraná.
As escolas selecionadas foram 3: uma pública, e duas particulares e destas
últimas, uma confessional. A pública representa a orientação do governo sendo que
os livros são escolhidos por meio do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) e
distribuídos gratuitamente, oferta que determina a opção, a adoção e o uso do texto.
As escolas particulares expressam a necessidade das classes mais abastadas e
usam livros, em sua maioria apostilados, publicados por grupos editoriais que atuam
em nível de país. Portanto, a escolha dos textos nas duas redes, pública e particular,
oferece uma visão ampla que extrapola o município e a região e projeta a pesquisa
em nível regional, e talvez, estadual.
20
A escola pública selecionada é a Escola Municipal Alcindo de França
Pacheco, fundada em 1997 e com média de cerca de 500 alunos cursando os
primeiros quatro anos de ensino fundamental. As da rede particular são: Colégio
Nossa Senhora de Belém, da rede ESI (Educação Scalabriniana Integrada),
presente em diferentes Estados do país1 e regido pelas Irmãs da Congregação
religiosa Missionárias de São Carlos Borromeu Scalabrinianas, com média de cerca
150 alunos nos primeiros quatro anos de ensino fundamental e funcionando na
cidade de Guarapuava-PR desde 1907. Outro colégio particular é o Colégio
Imperatriz Dona Leopoldina, com sede no Distrito de Entre Rios, fundado em 19562
para oferecer serviços educacionais aos moradores, de origem Suábia e atende uma
média de 90 alunos nos primeiros quatro anos de ensino fundamental. É mantido
pela fundação da Cooperativa Agrária. O total de alunos, ao longo de cerca de 7
anos que fizeram uso dos livros estudados na presente pesquisa, alcançam
o
número de 4.994.
Os livros selecionados, entre mais de 40 analisados, foram treze. Todos
eles nas disciplinas de português, história e geografia, limitados aos conceitos de
Cidadania e princípios a ela ligados. A escolha se justifica por vários fatores. A
opção pelas disciplinas é devido ao fato de serem as que trabalham o conceito de
Cidadania e os demais temas paralelos ao mesmo. A opção dos livros foi orientada
por outros fatores: o uso do mesmo texto em mais de uma escola; a abordagem do
tema Cidadania em um capítulo próprio ou os temas referentes ao mesmo conceito
exposto com uma clareza que permite o debate; a ênfase dada por partes dos
1
Estados onde se encontram escolas da rede ESI são: Minas Gerais; São Paulo; Distrito Federal;
Paraná; Rio Grande do Sul. Uma escola encontra-se em Monçabique (África), perfazendo um total de
16 estabelecimentos.
2
No ano de 1969 abandona-se a antiga nomenclatura de Colégio São Domingo Sávio, adquirindo a
atual: Colégio Imperatriz Dona Leopoldina.
21
educadores que deles fazem uso e a possibilidade de ler os conceitos filtrados à luz
da CF 88 (Constituição Federal de 1988) e da LDB 9394/96.
Entre os 40 livros analisados, muitos apresentam os mesmos textos que os
selecionados.
Outros apresentam os mesmos temas com idênticas leituras de
edições anteriores à promulgação da LDB 9394/95. As apostilas, todas em uso nas
duas
escolas
particulares,
não
foram
selecionadas
por
apresentarem
quantitativamente menor número de informações ou oferecer pouca clareza no que
diz respeito ao conceito de Cidadania. Todos os livros analisados e não usados,
para maior facilidade de consulta encontram-se no Anexo 1, com a indicação da
causa da seleção e da não análise.
Os 13 textos selecionados e analisados encontram-se nas Referências e no
Anexo 2, para facilitar a identificação dos mesmos.
A fim de fornecer um conhecimento da quantidade de alunos que utilizam os
texto selecionados e analisados, o Anexo 3 apresenta quadros-resumo da
população escolar desde o ano de 2000 nas três escolas pesquisadas. Todos
os
textos, quase que indistintamente, são utilizados em pelo menos duas das três
escolas citadas. Para permitir a identificação da escola na qual o texto é usado, em
nota encontra-se uma sigla. Os de uso no Colégio Nossa Senhora de Belém, da
rede ESI, distinguem-se pela sigla ESI. Os do Colégio Imperatriz Dona Leopoldina,
distinguem-se pela sigla IDL. Os da escola municipal Alcindo de França Pacheco,
distinguem-se pela sigla AFP. Na mesma nota indica-se desde que ano o livro é
usado na escola.
A escolha dos livros didáticos nas escolas citadas passa quase por um
idêntico processo. No Colégio Nossa Senhora de Belém da rede ESI, além dos
22
textos apostilados3, do grupo Positivo, em uso a mais de duas décadas, os demais
textos didáticos são indicados pelas educadoras em reuniões com a participação da
orientação pedagógica, as coordenações de série e a direção.
No Colégio Imperatriz Dona Leopoldina, segue-se o mesmo critério de
eleição dos textos adotada no Colégio Nossa Senhora de Belém.
Na Escola Municipal Alcindo de França Pacheco, no respeito ao PNLD, em
reunião conjunta entre direção, coordenações e educadoras, são selecionados e
escolhidos os textos que mais aderência apresentam com a realidade sócio-político econômica dos alunos.
3
O Colégio Nossa Senhora de Belém utiliza o material didático-pedagógico do Grupo Positivo desde
o ano de 1986.
23
2 ESTADO E
SOCIEDADE: UMA RELAÇÃO
EM
CONSTANTE
CONFLITO
Todos nós, por experiência, sentimos a presença do Estado, como uma
força que se nos impõe, ordenando, e submete a nossa vontade, ou usa
da coacção para executar desígnios que se propõe. Esta presença
poderosa é como uma força actuante, por nós, contra nós, que se
ostenta jubilosa pelo que faz, ou intimidativa em razão do que quer que
façamos. É uma força que em geral não suporta concorrência com ela e
por isso supera as demais sob pena de se dissolver. (CARVALHO,
1979)
Amplo e controvertido é o debate sobre a função do Estado e da sociedade civil
na formação do conceito de Cidadania e sua transmissão para uma vivência social.
Teorizar sobre o Estado significa tentar encontrar razões plausíveis que justifiquem as
relações de subordinação dos indivíduos à uma instituição que transcende, de forma
duradoura, as suas existências, tanto cronológicas como hierarquicamente. Para lançar
as bases a fim de esclarecer as formas de atuação do Estado com referência à política
na relação Estado-Educação, torna-se importante a apresentação de alguns pontos
fundamentais sobre a noção de Estado e sua origem.
O presente capítulo não ambiciona realizar uma análise exaustiva a respeito da
trajetória histórica do Estado, sendo difícil saber desde quando e de que forma essa
instituição se dissemina no convívio social, muito embora seja coetânea a certas formas
de organização social, ou melhor, só aparece sob determinadas relações sociais, não
sendo preocupação imanente ao homem de modo geral, mas dependendo do grau de
complexidade das relações sociais.
24
A
complexidade
das
relações
sociais
aumenta
na
razão
direta
do
desenvolvimento das forças produtivas, entendidas como totalidade de recursos de que
uma sociedade dispõe para manter-se e acumular riquezas.
É um conceito que
engloba, portanto, os meios de produção e os homens capazes de colocar esses meios
em ação.
A fim de iluminar os conceitos que a presente pesquisa pretende estudar faz-se
necessário uma leitura da construção conceitual do Estado, ciente das múltiplas
interpretações, sempre revestidas de cores ideológicas. Outro motivo é o acreditar no
dinamismo do passado, jamais visto como algo ‘estático’, mas dinamismo que molda o
presente. Assim, o Estado moderno, ao avançar na história transita por etapas e
adquire diferentes características como destaca Silva Jr. em Estado moderno, cidadania
e educação (2002).
Para uma compreensão da origem do Estado, da Política que dele deriva e da
mesma necessidade da organização social do homem vamos mergulhar na história e
ver onde, como e porque surgem tais conceitos, vitais para toda a sociedade civil
ocidental.
Neste sentido, o capítulo principia com uma apresentação de vários conceitos de
Estado, todos ligados por um elemento comum: o poder. A seguir avançar-se-á por
uma análise do surgimento do Estado com base no pressuposto que a construção é
conseqüência de um confronto dialético, não sempre claro, mas sempre presente, entre
organizações sociais, tornando-se assim um fenômeno social, transformado em
expressão de dominação da classe burguesa. A opção teórica inicia com Marx e
Engels, passando por Gramsci, com a concepção ampliada do Estado, enquanto
organização institucional que compreende a sociedade política mais a sociedade civil.
25
2.1 EM BUSCA DE UM CONCEITO DE ESTADO
Encontrar um conceito exaustivo de Estado é absolutamente impossível. No
entendimento de autores como Déloye (1999, p. 41), a reflexão sobre o Estado desde
meados dos anos sessenta conheceu um desenvolvimento considerável. Para alguns
autores, como por exemplo, DALLARI (2005), é conceituável como a ordem jurídica
soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em um determinado
território. Para outros, mais importante torna-se o entendimento do Estado moderno
como surgimento de um centro político de poder advindo da passagem de um modo de
dominação patrimonial, fragmentado, a um poder forte e centralizador que
progressivamente se institucionaliza (ELIAS, 1993). Para outros, entre eles WEBER, o
Estado moderno é um processo de expropriação e de concentração do poder:
O Estado moderno é um grupo de dominação de caráter institucional que
procurou (com sucesso) monopolizar, nos limites de um território, a violência
física legítima, como meio de domínio, concentrando, para esse fim, nas mãos
dos dirigentes os meios materiais de gestão (WEBER, 1997, p. 119).
O termo se impôs após a fama da obra do florentino Maquiavel, que inicia sua
obra, O Príncipe, escrito em 1513 com o objetivo de esclarecer o significado das
relações de poder que constituem o Estado.
Trata-se de buscar novas bases de
legitimação do mesmo ante as necessidades postas pelas transformações históricas
que já não admitem um poder fundado em bases teocêntricas.
É com Maquiavel (1469-1527) que a construção do Estado Moderno principia
com a separação das diferentes esferas: política, religiosa e moral. Ao vislumbrar uma
26
Itália unida, sonho que somente se realizará em 18614, Maquiavel procura no passado
as respostas para a busca da estabilidade dos governos e governantes. Na obra O
Príncipe, inicia ignorando qualquer valor tradicional, entre eles a moral e ética, como
forma de dispensar o governante de todas as limitações religiosas, incitando-o ao
domínio, por ser a política autônoma e seguir especificidades próprias:
Os príncipes, por conseguinte, não deveriam ter outro objetivo ou pensamento
além da guerra, a organização e disciplina das tropas, nem estudar qualquer
outro assunto; pois esta é a única arte que se espera de quem comanda. Tal
é sua importância que não só mantém no poder os que nascem príncipes, mas
torna possível a homens comuns galgar a posição de soberano (MAQUIAVEL,
2005, p. 92)
Ao examinar a origem do Estado, aparta a origem teocrática sendo que os fatos
da vida são os únicos argumentos válidos: a natureza das coisas não permite mais a
antiga interpretação da origem divina:
Todos os Estados que existem e já existiram são e foram sempre ou repúblicas
ou principados. Os principados ou são hereditários [...] ou foram fundados
recentemente. Estes últimos podem ser de todo novos [...] ou são acréscimos
aos domínios hereditários de um príncipe que os anexa [...] (MAQUIAVEL,
2005, p. 29)
Maquiavel apresenta uma reflexão sobre como se constrói um Estado,
independente sim, mas arquitetado pelo cidadão. Um Estado que não tem mais a
função de assegurar a felicidade e a virtude, segundo afirmava Aristóteles. Também
supera a visão dos pensadores medievais, para quem o Estado pode vir a ter a função
4
Unificação iniciada com uma serie de revoluções nas diferentes regiões e Estados italianos, culmina em
duas etapas: a expedição de Garibaldi que, nas aforas da cidade de Teano, entrega simbolicamente ao
Rei de Sabóia o território da Região Sul da península ou Reino das Duas Sicílias no ano de 1861, e em
1868, com a derrubada do Estado da Igreja e a conquista da cidade de Roma.
27
de preparar os homens para o Reino de Deus. Conforme Maquiavel escreve no
Comentário sobre a primeira década de Tito Livio (1982, p. 182; 198), o Estado passa a
ter suas próprias características, faz política, segue sua técnica e suas leis: “[...] se a
monarquia tem durado muitos séculos, o mesmo acontece com as repúblicas; mas uma
e outras precisam ser governadas pelas leis [...] Compreende-se a razão disto: não é o
interesse particular que faz a grandeza dos Estados, mas o interesse coletivo”.
O conceito deste novo Estado que transparece das obras do pensador italiano,
tem sido construídos a partir da realidade que conhece nas andanças pelos
gananciosos e beligerantes Estados italianos, bem como pelos maiores Estados
Europeus. Apresenta-se como um Estado real e não idealista:
[...] minha intenção é escrever algo útil para quem estiver interessado, pareceume mais apropriado abordar a verdade efetiva das coisas, e não imaginá-las.
Muitos já conceberam repúblicas e monarquias jamais vistas, e de cuja
existência real nunca se soube. De fato, o modo como vivemos é tão diferente
daquele como deveríamos viver, que quem despreza o que se faz e se atém ao
que deveria ser feito aprenderá a maneira de se arruinar, e não a defender-se
(MAQUIAVEL, 2005, p. 96).
Desde então se define o Estado como uma organização política com base sobre
um território comum e que exercita o controle sobre os que o habitam. Tal controle
legitima-se
pela
transferência
de
poder
fundado
em
contrato
social.
Para que o Estado se manifeste, essencial é a existência de um governo e, no estado
de legalidade, de uma lei escrita ou oral, podendo-se identificar com a mesma lei, e
dominando pela violência que, pela legitimação do poder, domina pessoas, grupos e a
coletividade.
28
Na mesma linha de pensamento Afonso, interpreta o Estado como:
[...] organização política que, a partir de um determinado momento histórico,
conquista, afirma e mantém a soberania sobre um determinado território, aí
exercendo, entre outras, as funções de regulamentação, coerção e controle
social. Funções essas também mutáveis e com configurações específicas, e
tornando-se, já na transição para a modernidade, gradualmente indispensáveis
ao funcionamento, expansão e consolidação do sistema econômico capitalista
(AFONSO, 2001, p.17).
O Estado como um agrupamento humano que se organiza sobre um território,
avança em direção a um dos requisitos mais relevantes para a caracterização do
mesmo, ou seja, o monopólio do poder e da força. Dessa forma, o Estado fortalece-se
e aparece como possuidor de uma força imperativa capaz de obrigar os indivíduos de
determinado território à obediência de regras e normas de uma organização normativa
interna.
Assim o Estado consagra uma centralização e concentração de poder até então
dispersas numa multiplicidade de realidades disseminadas no interior de um corpo
social.
2.2
O ESTADO NA PERSPECTIVA MARXISTA
No aspecto teórico, as concepções de Estado e sociedade podem ser agrupadas
em diferentes vertentes, que podem vir a ser agrupadas em duas concepções
antagônicas, elaboradas durante os últimos séculos. Uma embasada no pensamento
liberal que apresenta um Estado promotor do bem comum, superior a todo conflito de
classe, neutro em seu atuar, autônomo em relação à sociedade civil. A outra é a
29
tendência, de inspiração marxista, que procede da análise do Estado liberal, numa
sociedade marcada por desigualdades e conflitos que lhe são inerentes, rejeitando a
idéia de poder do Estado idealmente dirigido para o bem comum.
Segundo Gruppi (1998), é a partir da concepção marxista que surge uma visão
crítica do Estado e, consequentemente, do liberalismo. Os pensadores liberais não
conseguiram construir uma teoria científica do Estado, capaz de explicar sua origem,
natureza e finalidade, apenas reproduziram uma justificação ideológica do Estado:
Na verdade, só pode começar a existir uma visão científica do que é o Estado
quando tomamos consciência do conteúdo de classe do Estado. E a burguesia
não pode fazer isso, pois significaria denunciar que o Estado burguês – mesmo
em sua forma mais democrática – é na verdade a dominação de uma minoria
contra a maioria; seria admitir que essa liberdade não é liberdade para todos;
que essa igualdade é puramente formal, não real, para a maioria dos cidadãos
(GRUPPI, 1998, p. 25)
Discípulo de Hegel (1770-1831), Marx (1818-1883) critica veementemente o
mestre, em geral por inverter a realidade efetiva das coisas e em relação ao Estado,
pela ligação e unificação entre sociedade civil e o Estado. Para Marx é a sociedade civil
que condiciona o Estado. Para ele, o Estado vem a ser o fenômeno e a sociedade civil
a realidade essencial, porque é nela que o homem trabalha e vive sua vida concreta:
Minha investigação desembocou no seguinte resultado: relações jurídicas, tais
como formas de Estado, não podem ser compreendidas nem a partir de si
mesmas, nem a partir do assim chamado desenvolvimento geral do espírito
humano, mas, pelo contrario, elas se enraízam nas relações materiais de vida,
cuja totalidade foi resumida por Hegel sob o nome de ‘sociedade civil’, seguindo
os ingleses e franceses do século XVIII; mas que a anatomia da sociedade
burguesa, deve ser procurada na Economia Política (MARX, 1996, p. 51).
30
Marx explica o nascimento do Estado como efeito do desenvolvimento das forças
produtivas que, produzindo diferenças sociais (inicialmente de castas e depois de
classes), e conseqüentemente a exploração, torna necessário o controle e a repressão
dos explorados. A forma que assume a exploração determina a inteira estrutura social e
a fisionomia das formas políticas e ideológicas dominantes. Todo grau de
desenvolvimento das forças produtivas dar-se-á dentro de determinadas relações
sociais. Portanto, não existe um grau absoluto de desenvolvimento das forças
produtivas por serem específicas de cada modo de produção. A relação entre forças
produtivas e relações de produção é dialética e são atreladas às formas políticas que
delas derivam. O Estado e as instituições políticas são, ao mesmo tempo, partes das
relações de produção e expressão das forças produtivas. Deste modo, as
transformações sociais, que são essencialmente modificações das relações de
produção aptas a garantir um novo período de desenvolvimento das forças produtivas,
iniciam com a derrubada do Estado, guardião das velhas formas de produção.
Foi analisando a sociedade capitalista da época na qual viveram que Marx e
Engels (1820-1895) conseguiram romper com as bases do pensamento liberal que
concebia o Estado como um ente em si mesmo, abstrato e geral, situado acima de
conflitos reais. Percebem que o Estado capitalista tem sua origem nas desigualdades
produzidas nas relações de trabalho e que são responsáveis pela divisão da mesma
sociedade.
O Estado, longe de ser o reino da razão, torna-se o reino da força, não o reino do
bem comum, mas dos interesses parciais de classes e de indivíduos. A finalidade do
mesmo não é o bem-estar da coletividade, mas dos detentores do poder: é, na verdade,
a continuação do estado de natureza. O desenvolvimento ideal do Estado é substituído
31
por uma diferente leitura que se concentra no processo histórico, nas formas de
propriedade da terra, da organização do trabalho coletivo e de relações de produção:
O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de
tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e que têm de reproduzir.
Não se deve considerar tal modo de produção de um único ponto de vista, a
saber: a reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se, muito mais, de
uma determinada forma de atividade dos indivíduos, determinada forma de
manifestar a sua vida, determinado modo de vida dos mesmos. Tal como os
indivíduos manifestam na sua vida, assim são eles. O que eles são coincide,
portanto, com sua produção, tanto como o que produzem, como com o modo
como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições
materiais de sua produção (MARX; ENGELS, 1999, p. 27-28).
Entende-se assim que o primeiro ato do homem é a produção dos meios de
satisfazer suas necessidades mais prementes, isto é, a manutenção da própria vida
material. Tal fato determina a existência de relações entre indivíduos. Assim, para Marx;
Engels, as condições que alicerçam a sociedade civil podem ser a família e os grupos
de famílias, mas a verdadeira base da história política da humanidade é o conjunto das
relações sócio-econômicas.
Assim, claro aparece que determinantes nas relações entre os indivíduos são
as formas de produção e as condições materiais envolvidas no processo das mesmas.
Formas de produção que produzem divisão de trabalho e relações internas
determinando o aparecimento das diferentes formas de propriedade privada.
A
propriedade privada não é vista como um direito natural de todo indivíduo, menos como
uma conquista em favor do equilíbrio social, torna-se elemento que diferencia os
homens entre si, causa distorções entre classes sociais e assegura a manutenção dos
interesses do poder:
32
[...] o direito humano da propriedade privada é o direito de usufruir da
própria fortuna [...] sem atenção pelos outros homens, independente da
sociedade. É o direito do interesse pessoal. Esta liberdade e a respectiva
aplicação formam a base da sociedade civil. Ela leva cada homem a ver
nos outros não somente a realização, mas a restrição da sua própria
liberdade (MARX, 2001, p. 32).
Marx, juntamente com Engels, avança nesta reflexão e os dois apresentam
diferentes estágios de propriedade privada.
O primeiro aparece como tribal. Neste estágio, a produção não se manifesta
muito desenvolvida, simplesmente serve para a sobrevivência do grupo, através de
atividade de caça, pesca, agricultura e ovinocultura. A divisão do trabalho é elementar e
restringe-se ao núcleo familiar composto pelo chefe da família, ou patriarca, e pelos
membros da tribo. Berço desta forma primitiva de produção é a Ásia (MARX; ENGELS,
1999, p. 29).
O segundo estágio mostra-se como o da antiga propriedade comunal e estatal,
onde diferentes tribos vivem unidas em uma cidade.
Nesta fase percebe-se um
desenvolvimento da propriedade em sua forma móvel e imóvel. A divisão do trabalho é
mais sofisticada, as relações entre cidadãos e escravos são desenvolvidas e o
antagonismo entre cidade e campo organizado (MARX; ENGELS, 1999, p. 30).
O terceiro estágio caracteriza-se como o da propriedade feudal ou patrimonial,
que encontra seu alicerce na distribuição das forças de produção provocada pelas
conquistas dos bárbaros e queda do Império Romano. A organização que dela deriva
se alicerça numa comunidade dividida em classes: produtores e camponeses reduzidos
a servos pelas condições econômicas. A classe dominante se fortalece graças à rápida
organização estamental que cria uma hierarquização da propriedade da terra e o
aparecimento de uma estrutura de exército em defesa da mesma propriedade.
33
Propriedade que consiste em bens de raiz ou no trabalho individual (MARX; ENGELS,
1999, p. 33).
O último estágio que surge das ruínas da sociedade feudal, é da propriedade
burguesa. Novas classes são estabelecidas com conseqüente aparição de novos
sistemas de exploração a partir da divisão do trabalho: consolida-se o modo de
produção capitalista (MARX; ENGELS, 1999, p. 34).
Engels, com base em anotações de Marx, procura deslindar a origem do Estado
tendo como modelo referencial o Estado moderno capitalista, indicando o caráter
classista, ocultado pela burguesia. De acordo com Gruppi (1998, p. 34), o autor, na
obra A origem da família, da propriedade privada e do Estado (1985), seguindo Morgan
(1818-1881)5, analisa a desintegração da sociedade ‘gentílica’ para dar início ao
aparecimento do Estado.
Identifica este momento histórico-cultural na cidade de
Atenas.
Marca inicial da sociedade não é a família, mas a propriedade privada, que vem
tomando novo vulto em conseqüência da crescente troca de mercadoria, chegando a
superar os mesmos artífices, isto é os membros da família (BOTTOMORE, 2001). Esta
nova fase vê a transformação da estrutura do poder familiar transitar da mulher para o
homem tornando-se este último, autoridade6 ou pater famílias. Engels esclarece, em
contraste com o pensamento clássico construído desde Aristóteles, que a sociedade
não é soma de várias famílias. As duas, sociedade e família, desenvolvem funções
5
Lewis Henry Morgan. Etnólogo, criador da teoria da evolução cultural, estudou as relações de
parentesco e da família como base da estrutura social.
6
O conceito de Auctoritas, distinto do de Potestas surge na época da ascensão da Igreja de Roma
concomitantemente com o declínio do Império Romano. Detentor da plenitudo potestatis é Deus. No
mundo se manifesta na pessoa do Pontífice, detentor da Auctoritas (poder espiritual), e na pessoa do rei
que, reconhecido pelo Pontífice, exerce a Potestas (poder temporal) (CHATELET, DUHAMEL, PISIERKOUCHNER, 2000, p. 31-33).
34
diferentes. A sociedade organiza as relações entre homens e mulheres para viabilizar a
sobrevivência visando as necessidades econômicas. A sociedade, em sua forma mais
arcaica, a tribo, coincide com a regulamentação das relações sexuais, e é matriarcal. A
autoridade, e não o poder encontra-se na mulher, mas tão somente por ser a geradora
da prole, de tal maneira que se torna mais fácil distinguir os laços de parentesco pela
linha feminina. Concomitante a esta reestruturação da família surge, com o
desenvolvimento econômico, a diferença de classes que decretam o ocaso do sistema
gentílico e o aparecimento de uma nova organização que tende a dominar a sociedade:
é o desabrochar do Estado (GRUPPI, 1998, p. 35).
O Estado longe de ser a realidade da Idéia moral, menos ainda a imagem da
Razão, de acordo declara Hegel (1997) interpreta-se como um produto da sociedade
em seu desenvolvimento econômico-social:
É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau
de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa
irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos
irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos,
essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não
consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado
aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a
mantê-lo dentro dos limites da ‘ordem’. Este poder, nascido da sociedade, mas
posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado (ENGELS, 2007, p.
61).
Assim, desenvolvimento econômico, oposição e lutas de classes, marcam o
abrolhar do Estado. Conseqüência desta nova divisão social é a organização das
relações de produção: a classe dominante institucionaliza a predominação, criando
meios e organismos de dominação política, tais como exércitos, para controlar e
reprimir e tribunais para julgar, tudo para permanecer no poder. Nasce na sociedade
35
para regulá-la como exigência das lutas entre classes e, rapidamente desenvolve-se a
ponto de tornar-se estranho à mesma sociedade que o gerou.
Por fim, de acordo com Gruppi (1998, p. 37), o Estado torna-se uma verdadeira
máquina, um corpus, organismo regulador por meio de normas e leis às quais a
sociedade nem acesso têm nem compreensão apresenta, tendo unicamente dois
objetivos: permanecer na direção e controlar a sociedade. Aquela sociedade civil que é
anterior e determinante da estrutura do Estado e para sua própria manutenção,
finalmente, institui os impostos sobre a produção das classes, sejam elas dominantes
ou dominadas.
Consolidada a propriedade individual, aceita a divisão do trabalho, tendo por
base a religião, a consciência e a divisão da sociedade em classes, a nova estrutura se
ergue e fortalece rapidamente podendo recorrer in extremis à violência para que a
sociedade não se transforme em anarquia.
O Estado, gerado a partir da produção social dos homens, em momento algum
representa os interesses da coletividade. Torna-se um instrumento a serviço de um
determinado grupo social, do qual salvaguarda interesses e privilégios. Concepção
esta que marca o divórcio da sociedade civil com o Estado. Este se situa acima dela e,
embora por ela determinado, manifesta um grau de independência que lhe permite fixar
regras e leis de modo a perpetuar essa mesma sociedade civil, mantendo os privilégios
e infortúnios desta dada organização social. A liberdade torna-se, pois, impossível
dentro dos limites do Estado. Marx vê no Estado uma forma necessária somente para
as organizações sociais de exploração e afirma que apenas a extinção do Estado
poderá dar origem à verdadeira história humana, o reino da liberdade sonhado e
explicitado por Rousseau (1712-1778) na obra Do contrato social (1973). A realização
36
da sociedade humana passa, pois, pela destruição do Estado e o advento da
democracia.
O Estado na interpretação de Marx, não está sujeito às forças externas, mas
tendo interesses próprios, que coincidem com os das classes dominantes, sejam
econômicos ou políticos, transforma-se em uma superestrutura da organização
econômica da sociedade nas mãos desta mesma classe, que se torna dominante
(BOTTOMORE, 2001). A relação que se instaura é uma relação econômica. Destaca
ainda Marx, que o capital é a expressão da exploração do assalariado na mão do
proprietário.
Embora o Estado Moderno tenha tomado tendência absolutizadora pelo domínio
de uma determinada classe no poder, por sua vez sofre a pressão de grupos
conflitantes no conjunto dessa mesma sociedade.
O que move as conquistas de
grupos organizados da sociedade civil vem a ser justamente a luta interna da sociedade
de classe e ao Estado cobra-se a tarefa de regulá-la, usando este último, diferentes
aparatos, entre eles a educação. A simbiose entre Estado e classe dominante, mesmo
não eliminando a relativa autonomia das duas, tem um único interesse, assegurar a
estabilidade da ordem social (BOTTOMORE, 2001, 135).
Segundo o marxismo, a igualdade e a liberdade da sociedade se destinam
apenas a uma parcela da sociedade: a classe dominante, assim como a igualdade
jurídica, pregoada pela burguesia, não passa de uma ilusão sem a igualdade
econômico-social.
Marx e Engels elaboram um conceito de Estado como um Estado de classes
onde as relações sociais são antagônicas, contraditórias e desiguais. Sob a aparência
de órgão promotor do bem comum, em nome de um suposto interesse geral exercido
37
sobre um território delimitado, o Estado defende a propriedade e os interesses de uma
classe particular. Como conseqüência, o Estado determina e orienta para que a política
seja uma esfera restrita à classe dominante e que a sociedade civil seja uma classe
sem consciência política plena. Assim é possível afirmar que o poder político, afiançado
pelo Estado, garante o bem estar da classe dominante e desta protege a propriedade,
não abrindo nenhum beneficio real para a classe subalterna.
Nesta leitura marxista da sociedade surge a convicção de que o caminho para a
democratização da sociedade tem sido a luta permanente, até que a classe dominada
derrube a burguesia, conquiste o poder do Estado e crie uma sociedade sem classe.
A luta se faz necessária, pelo fato de o poder, de modo geral, estar representado
e ser exercido pela classe dominante. Daí que esta se opõe, afirmando que a
soberania, a democracia, a justiça, as leis estão sendo ameaçadas quando da reação
por parte da sociedade civil. Esta ameaça sentida é real, mas o é em relação às
condições postas pelas classes dominantes desta mesma sociedade.
Opor Estado à sociedade civil, significaria assumir uma ótica positivista,
fundamentada desde o ponto de vista do próprio Estado burguês, onde tudo o que é
externo, é problemático e ameaçador, por tanto a oposição apresenta-se impraticável,
já que a vida social é regulamentada pelas ações do Estado, atualmente representativo
da classe dominante que o compõe. O que se defende, em um novo projeto social, é
que a sociedade civil controle o Estado para que este último não se distancie dos
interesses da mesma.
38
2.3 GRAMSCI: DO ESTADO GENDARME AO ESTADO EDUCADOR
O pensamento marxista sobre o Estado, tem um dos seus maiores expoentes em
Gramsci (1891-1937), pensador italiano que reflete sobre a superação do aparato de
coerção, com a politização da sociedade civil. Gramsci tem como ponto de partida a
concepção de Marx acerca do desenvolvimento e funcionamento da sociedade
capitalista, composta pela dualidade contraditória entre classe dominante e classe
dominada, entre detentores de bens e poder e detentores de nada.
Mesmo na linha do marxismo, o pensador italiano se distancia de muitos teóricos
que analisam e desenvolvem conceitos longe de todo contexto histórico, jamais debate
problemas abstratos e separados da vida dos homens. Seguindo a práxis, dialoga com
naturalidade entre teoria e prática abarcando em suas reflexões, repassadas nos
escritos, uma lúcida e crítica visão da totalidade. Sua contribuição, na interpretação de
Schlesener (2005, p. 34), é a releitura de Marx e Engels, provocada pela nova
configuração do capitalismo no arco de tempo entre os dois conflitos mundiais7.
Os escritos de Gramsci apresentem-se, às vezes, fragmentários devido à falta de
material disponível no cárcere (MANACORDA, 1990) ou “[...] porque resultados da
militância política junto à classe operária [...]” (SCHLESENER, 2005, p. 12)
manifestando em seu discurso sobre o Estado várias leituras, todas, porém convergem
em uma superação da restrita concepção de Estado-governo conforme a leitura liberal,
oferecendo, conforme ressalta Machado (1987, p. 14), uma teoria política e uma teoria
da transformação.
7
A Primeira Guerra Mundial, 1914-1918, a Segunda Guerra Mundial, 1939-1945.
39
Crítico com a esquerda, que não examina as mudanças, observador atento, não
toma a leitura marxista como abstrata doutrina, aceita ipsis litteris, mas compreende
que deve ser usada como conceito de análise concreto do real em suas diferentes
determinações.
Com um olhar sempre voltado para os acontecimentos sociais,
políticos e econômicos passa a interrogar-se: como entender e interpretar as
mudanças? Quais os novos desafios que apresentam, de forma veemente para as
classes operária e camponesa? Mesmo com a profunda crise econômica que
perpassou a burguesia, talvez a mais severa depois do seu aparecimento, por que a
mesma não perde o poder?8
Respostas procuradas e causas identificadas, transformando-se em pistas para
uma formulação de propostas. A falta de um projeto de Estado das classes operária e
camponesa, alternativo ao da burguesia, juntamente com a convicção de que a
dominação não é dada só pela dependência econômica, mas ideológica. Dominação
que frustra todo esforço em prol de uma nova ordem social onde as classes
subalternas, em um processo de emancipação político-social, poderiam substituir a
classe dominante.
A solução à crise pode ser encontrada na passagem das massas “[...] da
passividade política para certa atividade e apresentam reivindicações que no seu
conjunto não-orgânico constituem uma revolução” (GRAMSCI, 1977, Q 13, p. 1603). É
preciso repensar a política, superar a idéia de um Estado forte e deixar transitar o
desenvolvimento de uma consciência histórica da realidade e de uma ação política das
massas para alcançar uma sociedade capaz de autogovernar-se.
8
A burguesia, classe dominante perdeu o consenso e “[...] as grandes massas haviam se afastado da
ideologia tradicional, não acreditando mais no que antes acreditavam. A crise consiste exatamente no
fato de que o velho morre e o novo não consegue nascer” (GRAMSCI, 1977, Q 3, p. 311).
40
Os acontecimentos europeus9 provocam uma ruptura irreparável entre massas
populares e ideologia dominante, minando irreversivelmente a credibilidade nos
métodos tradicionais da política baseada na força. A administração do poder apoiado
sobre os sistemas coercitivos, como o fascismo, tornam-se inviáveis. As aspirações à
democracia e a exigência de protagonismo das massas, na interpretação de Gramsci,
favorecem a expansão da sociedade civil e revolucionam radicalmente a concepção do
Estado (GRAMSCI, 1977, Q 7, p. 876).
Muitos setores da sociedade já estão em condições, na leitura de Gramsci, de
administrar sua liberdade a ponto de chegar a uma sociedade auto-regulada, pela
participação ativa e autocriativa das massas e dos grupos organizados.
Por isso
enfatiza a formação de uma personalidade própria dos operários, a liberdade e a
capacidade de iniciativa. Elementos que, juntamente com a formação das modernas
democracias e organização da vida civil, permitem superar as teorias economicistas e a
formação do homem-máquina ou gorila amestrado que não levam a uma nova
sociedade política (GRAMSCI, 1977, Q 4, p. 460-461).
Consciente das transformações do seu tempo, Gramsci, diversamente dos
intelectuais contemporâneos que apóiam um Estado forte centralizador do poder,
procura evitar os dois equívocos: o economicista e o liberal, que apresentam um Estado
definido pelo pensador italiano ‘Estado-veilleur de nuit’ correspondente à expressão
italiana ‘Stato carabiniere [...] ’. Um Estado que tem como funções “a tutela da ordem
pública e do respeito às leis”.
9
“O desenvolvimento pertence às forças privadas, à
A 1ª Guerra Mundial (1914-1918); a Revolução Russa (1917); os levantes operários na Europa; a
formação dos grandes partidos políticos; a consolidação de regimes totalitários; a grande crise de 19291933; a afirmação dos Estados Unidos no cenário mundial como potencia hegemônica mundial.
41
sociedade civil, que é também ‘Estado’, alias o próprio Estado”. (GRAMSCI, 1991a, p.
148).
É o Estado que se fundamenta sobre a propriedade privada, a posse, a
exploração. É a identificação das teorias liberais: a concepção de Estado como
estrutura puramente jurídico-coercitiva, de ‘carabiniere’, que não superou a mera fase
corporativa, que não se desenvolveu em sintonia com a maturação das forças
sociopolíticas emergentes na história. Assim, esta incapacidade de renovar-se e
entender a realidade histórica concreta, disfarçada de liberdade e de neutralidade, abre
o caminho para a fragmentação social e para o vazio político. A separação entre
sociedade política e sociedade civil, de sinal de liberdade, acaba por transformar-se em
condição propícia à formação de ideologias totalitárias prontas a intervir, principalmente
nos momentos de crise e de desordem geral.
O economicismo identifica o Estado com o governo, separando este último da
sociedade civil por considerá-la um setor autônomo, regulado por normas ‘naturais’ de
liberdade econômica:
Naturalmente, os liberais ('economicistas') são a favor do Estado-'veilleur de
nuit' e desejariam que a iniciativa histórica fosse entregue à sociedade civil e às
diversas forças que nela pululam, ficando o 'Estado' como guardião da 'lealdade
do jogo' e das suas leis (GRAMSCI, 1991a, p. 148-149).
A outra visão, totalitária, visa identificar Estado e sociedade civil, unificando
"ditatorialmente" os elementos da sociedade civil no Estado, na "[...] desesperada busca
de controlar toda a vida popular e nacional" (GRAMSCI, 1977, Q 6, p. 763). Neste
42
caso, o consenso é obtido com a força e todas as manifestações sociais acabam
centralizadas e dominadas pelo Estado.
As duas posições são representadas, na Itália, pelo liberalismo de Croce10, que
identifica o Estado com o Governo e a sociedade civil como um segmento autônomo
promovedor da economia baixo o controle do Estado; e pelo fascismo de Gentile11, que
exalta o Estado quase o personificando ao extremo de fazer dele razão de ser do
indivíduo, a ponto de tornar-se substancial ao mesmo. As duas visões, mesmo com
aparentes distinções apresentam igual raiz: um Estado coercitivo, controlador e tutor da
ordem pública. Um único Estado com dois possíveis rostos: do ‘economicista’ e da
‘estatolatria’ (GRAMSCI, 1977, Q 8, p. 1028).
O Estado ‘guarda noturno’ nada mais é que o Estado liberal na leitura de Lasalle,
‘estadista dogmático e não dialético’ (GRAMSCI, 1991a, p. 150), em claro contraste
com o marxismo. Mas também tem outras características alem de apresentar-se
coercitivo, tutelador e totalitarista, é um Estado que para subsistir terá que eliminar a
liberdade:
[...] ‘onde há liberdade o Estado desaparece’. Nesta proposição o termo
‘liberdade’ não é entendido como liberdade política, ou de imprensa, etc.’, mas
como contraposto a ‘necessidade’ e se relaciona com a proposição de Engels
sobre a passagem do reino da necessidade ao reino da liberdade (GRAMSCI,
1991a, p. 148).
10
Político e filósofo que marca a cultura italiana do inicio do século XX. Gramsci, muito embora
reconheça o valor do pensamento e dos escrito de Croce, critica o titubear do mesmo frente aos grandes
desafios nacionais da Itália no momento do surgimento do fascismo.
11
Filósofo que devota plena adesão à ideologia fascista tornando-se ministro do Regime e promovendo
uma reforma educacional que vigorou na Itália democrática até a década de ’80, derrubada pela pressão
da classe estudantil com greves e manifestações, marcadas pelo slogan: ‘Riforma Gentile, ti spazzeremo
via’.
43
O Estado liberal permite que, o ‘guarda noturno’, aparentemente neutro, não
impede a intervenção do mercado, aliás, exige a intervenção do mesmo no próprio
Estado, assim como na sociedade.
Desta forma, garantindo que o mercado por meio
de suas ações e relações com o capital, obtenha a mais-valia do trabalhador,
transformando os investimentos capitais em lucro, interfere na sociedade, de modo que
haja o consumo da produção por meio daqueles que produzem, muito embora este
mesmo capitalismo liberal não garanta a participação de todos na etapa de circulação.
Dessa forma, o liberalismo que tem em suas ações a perpetuação do capitalismo
promove pelos exageros, uma contradição: grande parte dos trabalhadores não usufrui
da riqueza que produzem.
É por isso que a liberdade do Estado ‘guarda noturno’ não pode ser plena, sob
perigo de ele mesmo desaparecer, sendo que o Estado é a classe dominante e esta
terá que dominar a classe subalterna.
Para evitar os perigos do ‘economicismo’ e do ‘estatismo’, o pensador itlaiano
defende uma relação dialética de "[...] identidade-distinção entre sociedade civil e
sociedade política" (GRAMSCI, 1977, Q 8, p. 1028), duas esferas distintas e
relativamente autônomas, mas inseparáveis na prática. De fato, a primeira, composta
de organismos privados e voluntários, indica a ‘direção’, enquanto a segunda,
estruturada sobre aparelhos públicos, se caracteriza mais pelo exercício do ‘domínio’.
Para Simionatto (2005), é no contexto complexo dessas preocupações que
Gramsci aprofunda suas reflexões a respeito das relações Estado/sociedade e classes
sociais, e passa a pensar em uma nova estratégia revolucionária, a ser construída
partindo do quadro sócio-histórico do seu tempo. Esse período sugere a emergência de
novas relações sociais e uma crescente socialização da política. Gramsci percebe que
44
na sociedade capitalista madura o Estado se ampliou e os problemas relativos ao poder
transformar-se em complexos.
A sociedade civil, nova esfera que emerge, torna mais complexas as formas de
estruturação das classes sociais e sua relação com a política. A categoria de sociedade
civil, apresentada e esclarecida nos Cadernos do Cárcere, e em outros escritos, entre
eles as Cartas a Tatiane (GRAMSCI, 1975b), apresenta os rasgos que tracejam a
identidade da mesma:
Livre, aberta, múltipla, dinâmica e criativa e, ao mesmo tempo, profundamente
unificada em torno do objetivo dominante em toda a sua vida, ou seja, a
elevação social, cultural e política das massas e dos excluídos, até a sua
transformação em protagonistas autônomos duma sociedade verdadeiramente
democrática (SEMERARO, 2001, p. 15).
A acepção mais freqüente é a de um conjunto de organismos vulgarmente
chamados privados: igrejas, escolas, associações privadas, sindicatos, partidos, entre
outros (GRAMSCI, 1977, Q. 6, p. 703). Entretanto o termo é mais amplo. Apresenta
também uma dimensão econômica: “Assim afirma-se que a atividade econômica é
própria da sociedade civil” (GRAMSCI, 1977, Q. 13, p. 1589) 12.
Gramsci supera a noção de sociedade civil que, na história moderna, passou a
significar o espaço próprio da burguesia, a constituição de relações que, além da estrita
esfera do Estado, vieram se formando em torno do mercado e da livre iniciativa, assim
12
As referências de Gramsci, referentes aos Cadernos, foram todas retiradas de:
SCHLESENER, Anita Helena. Antonio Gramsci e a política italiana: pensamento, polêmicas,
interpretações. Curitiba: UTP, 2005.
______ . Revolução e cultura em Gramsci. Curitiba: UFPR, 2002a.
______ . A noção gramsciana de Estado e a leitura de Bobbio. Cadernos de ética e Filosofia Política, 4.
São Paulo: Humanitas FFLCH-USP, 2002b, p. 141-156.
45
como das normas que se criaram para regular a propriedade privada na complexa
dinâmica das novas sociedades.
Embora as origens do conceito de sociedade civil estejam relacionadas com a
cultura política burguesa e liberal, Gramsci elabora um novo significado que o diferencia
da tradição jusnaturalista e o conduz além dos horizontes desenhados por Hegel, Croce
e o próprio Marx. Âmbito particular da subjetividade e de suas múltiplas expressões, a
sociedade civil não é apenas o território exclusivo da burguesia, reservado para as suas
iniciativas econômicas e a estruturação da sua hegemonia no mundo moderno.
Para ele, sociedade civil é uma arena privilegiada de luta de classe, uma esfera
do ser social onde se trava uma intensa luta pela hegemonia. Não se identifica com um
Estado como queria Hegel, nem se reduz ao mundo das relações econômicas
burguesas, como em Marx. É o terreno onde indivíduos privados de sua dignidade
podem encontrar condições para construir uma subjetividade social, chegando a ser
sujeitos quando, livres, mas não isolados, e organizados, se propõem desenvolver
juntamente com as potencialidades individuais as suas dimensões públicas e coletivas.
Sempre visto, o indivíduo, dentro de uma concreta trama social, como um sujeito
interativo com outros sujeitos igualmente livres, com os quais se defronta e constrói
consensualmente a vida em sociedade (SEMERARO, 2001).
Ao defender a condição de sujeitos livres e ativos alargada às massas populares,
Gramsci reinterpreta o conceito de homem como ser social e como cidadão de uma
sociedade tão civil que chega a não mais precisar do Estado, sendo que a liberdade
toma o lugar da necessidade e o autogoverno o lugar do comando.
Eis então porque Gramsci se interroga sobre a sociedade civil. A centralidade do
conceito decorre da significação do homem enquanto sujeito político. Não indivíduo a
46
serviço de outros, que o exploram e o controlam com o auxílio da coerção garantida
pelo Estado hegemônico, mas um sujeito que, por pensar, e pensar bem produz cultura
e transforma o seu entorno, porque se transforma a si mesmo, se emancipa. Portanto,
emancipação do sujeito que implica sua inserção no processo de organização coletiva.
Na visão do liberalismo, a sociedade civil é o espaço do indivíduo separado da
esfera do Estado, estrutura exterior e opressora, mas inevitavelmente necessária para
moderar os exageros dos interesses privados. Ponto de partida e de chegada são
sempre a liberdade e o benefício do indivíduo. Em Gramsci, a sociedade civil que se
infere poder vir a ser a Cidadania; é o terreno onde indivíduos privados de sua
dignidade podem encontrar condições para construir uma subjetividade social, podendo
chegar a ser sujeitos quando, livre e criativamente organizados, se propõem
desenvolver juntamente com as potencialidades individuais as suas dimensões públicas
e coletivas.
Deste modo, para Gramsci, a concepção de liberdade adquire uma conotação
positiva, de expansão social, não de diminuição e de limitação: a liberdade individual
não termina onde começa a dos outros, mas se desenvolve ainda mais quando se
encontra com a dos outros (SEMERARO, 1997).
Os homens são sujeitos reais da história e não instrumentos passivos de
determinações materiais ou espirituais. É o primado da subjetividade na atividade
política. Gramsci funda a noção de subjetividade na filosofia da práxis, uma concepção
onde os homens são sujeitos reais da história e não instrumentos passivos de
determinações materiais ou espirituais. A filosofia da práxis encontra suas raízes, no
imanentismo e na
47
[...] concepção subjetiva da realidade, pelo fato de que a inverte, explicando-a
como fato histórico, como 'subjetividade histórica de um grupo social', como fato
real que se apresenta como fenômeno de 'especulação' filosófica mas na
realidade é simplesmente um ato prático, a forma de um conteúdo social
concreto e o modo de conduzir o conjunto da sociedade a conseguir uma
unidade moral (GRAMSCI, 1977, Q 10, p. 1226).
O homem, na concepção de Gramsci, é impensável fora da história das
relações sociais e das transformações operadas pelo trabalho organizado socialmente.
A dimensão subjetiva e o momento ético-político, para Gramsci, não são o resultado de
um efeito mecânico proveniente de estruturas objetivas nem se identificam com alguma
idéia predeterminada que dirige a história misteriosamente, mas vêm a ser a expressão
mais elevada do projeto hegemônico de sociedade que as classes subalternas são
capazes de construir quando se constituem como sujeitos conscientes e ativos. Neste
difícil e complexo processo de subjetivação, as novas forças sociais, antes agrupadas
em sistemas econômico-corporativos, assumem progressivamente atitudes em
contraposição à ideologia dominante até amadurecer uma visão independente e
superior de mundo, para a qual convergem os diferentes grupos que lutam pelos
mesmos horizontes sociais e políticos (SEMERARO, 1997).
Gramsci define este processo de catarse, ou seja,
[...] a passagem do momento meramente econômico (ou egoístico-passional)
ao momento ético-político, quer dizer, a elaboração superior da estrutura em
superestrutura na consciência dos homens... A estrutura, de força exterior que
esmaga o homem, o anula, o torna passivo, transforma-se em possibilidade de
liberdade, em instrumento para criar uma nova forma ético-política, em origem
de novas iniciativas (GRAMSCI, 1977, Q 10, p. 1244).
48
A catarse, como processo de transformação efetiva da realidade individual e
social, não apenas impede que a filosofia se torne dogmática e especulativa13, mas é o
modo pelo qual, nesta passagem da estrutura à superestrutura, da necessidade à
liberdade, o indivíduo se transforma em ser socialmente relacionado capaz de construir
o sentido unitário da sociedade.
As massas, em busca de protagonismo deverão, ensina Gramsci, formar uma
nova hegemonia: a do proletariado. Não mais baseada sobre o consenso vertical, mas
uma verdadeira relação pedagógica: educar-se para a arte do governo sem nada
ocultar (GRAMSCI, 1977, Q. 10, p. 1320). Educação vivenciada como maneira de
transitar para os grupos dirigentes. Nesse sentido é a democracia que permite a
socialização do poder.
A sociedade civil terá que educar para uma nova consciência individual e
coletiva. Ao assumir a hegemonia, isto é, juntando os elementos de direção e coerção,
não irá simplesmente substituir as atuais classes dirigentes burguesas. A visão de
Gramsci é mais ousada. O Estado “[...] passível de extinção, irá se transformar em um
Estado ético, ou, uma sociedade regulada” (GRAMSCI, 1977, Q 6, p. 763). Uma
sociedade onde a coerção diminuirá até desaparecer e o consenso será o fio condutor
desta nova democracia.
A sociedade civil no pensamento de Gramsci torna-se um momento de
significativa transição. Da fragmentação de interesses, vontades e desejos, com a
assunção do poder, pela revolução das classes subalternas, usando da educação
transita-se para a sociedade regulada. Neste estágio a coerção, que lenta, mas
13
Em sintonia com o pensamento marxista, que afirma a necessidade da filosofia sair do campo
meramente especulativo para o da transformação da realidade.
49
sistematicamente inicia a amainar sua bandeira, dará lugar a um consenso amplo,
incondicionado e permanentemente em construção. Sociedade civil então, torna-se um
momento privilegiado para que o futuro não seja produto da imposição da política de
uma classe, mas realidade preparada por todos os indivíduos organizados.
É nesse contexto que Gramsci indica as possibilidades de construção de uma
nova sociabilidade, de transformação das condições de vida das classes subalternas,
passando, necessariamente, pela construção de uma nova hegemonia, cujo processo
de estruturação não ocorre somente a partir do campo econômico. Exatamente porque
Gramsci tem a clara compreensão de que a estrutura da sociedade é fortemente
determinada por idéias e valores e não pela dependência econômica (SIMIONATTO,
2005).
A posse privada tanto da terra como dos meios de produção da vida material
(infra-estrutura da sociedade) tem, no plano da superestrutura ou da esfera ideológica e
espiritual da sociedade, uma correspondência direta. Ciente que o detentor do poder
material é detentor do poder ideológico, Gramsci avança em busca de uma nova
resposta: a criação de um Estado operário, sendo que: “O Estado não é concebível
mais como uma forma concreta de um determinado mundo econômico, de um
determinado sistema de produção” (GRAMSCI, 1977, p. 1359-1360), mas representa:
[...] um organismo próprio de um grupo, destinado a criar as condições
favoráveis à expansão máxima deste grupo [...] o grupo dominante coordena-se
concretamente com os interesses gerais dos grupos subordinados, e a vida
estatal é concebida como uma contínua formação e superação de equilíbrios
instáveis (no âmbito da lei) entre interesses do grupo fundamental e os
interesses dos grupos subordinados (GRAMSCI, 1991a, p. 50).
50
Gramsci entende o Estado como um complexo político e ideológico que tem por
finalidade adequar a civilização e a moralidade das massas às necessidades do
desenvolvimento continuado do aparelho econômico da produção. Estado composto
pela sociedade política, detentora dos mecanismos de repressão, e pela sociedade
civil, entendida como espaço de formação de consenso e de difusão da concepção de
mundo das classes dominantes (SCHLESENER, 2002a, p. 143), que não se
sobrepõem nem se separam, mas que permitem ao Estado de se concretizar em uma
dialética rede de relações e de poder. Assim surge uma nova expressão de Estado, o
Estado socialista, não evolução do Estado capitalista:
[...] mas continua e é um desenvolvimento sistemático das organizações
profissionais e das entidades locais que o proletariado soube suscitar
espontaneamente, por própria conta. A atividade que o proletariado realiza não
pode absolutamente levar à aplicação dos poderes e do intervencionismo do
Estado, mas deve levar à descentralização do Estado burguês, à expansão das
autonomias locais e sindicais para além da lei reguladora (GRAMSCI, 1972, p.
315).
Gramsci acrescenta à idéia de Marx e Engels, a idéia de hegemonia. Conceito
que significa as supremacias culturais, econômicas, militares de uma sociedade, que
por sua vez se transforma em poder e direção. Poder que a superestrutura utiliza,
agindo e interagindo por meio de um movimento dialético entre infra-estrutura e
superestrutura: “[...] resultado da luta entre a sociedade civil e a sociedade política de
um determinado período histórico, com certo equilíbrio entre as classes”. (GRAMSCI,
1991a, p. 95)
A hegemonia, por ser poder e direção, apresenta várias significações. Uma
primeira é o processo de dominação e controle na sociedade civil de uma classe
dominante por intermédio de uma liderança moral e intelectual sobre outras classes.
51
Não impõe, conforme enfatiza Giroux (1986) sua própria ideologia, mas inicialmente
representa um processo político ‘aparentemente’ transformador e pedagógico, com
elementos comuns à visão de mundo dos grupos dominados, pelo qual a classe
dominante formula um princípio hegemônico.
Um segundo significado é o de relação entre as classes dominante e dominadas.
A primeira usa de suas lideranças políticas, morais e culturais para repassar e impor
como universal, sua visão de mundo e dirigir as necessidades dos próprios dominados.
A hegemonia, vista nesta ótica, é dinâmica, a fim de acomodarem-se as
constantes mudanças das circunstâncias históricas e a dos seres humanos. Dinamismo
que admite produzir uma relação entre dirigentes e dirigidos, permitindo que a classe
dominada reivindique interesses sim, mas através de mecanismos dispostos pela
classe dominante. Tal ação, em sua essência dialética entre poderes antagônicos,
permite que se crie um conjunto de forças sempre dinâmico onde cada classe procura
defender seus interesses e preservar ou alcançar o poder.
Portanto, a hegemonia produz consentimento. Consentimento das classes
subalternas a dominação da classe burguesa dado, não pela força ou pela lógica de
produção, mas residente no poder da consciência e da ideologia. Consciência na qual
repousam os fundamentos de uma estratégia para obter o consentimento ativo das
massas através de sua auto-organização, começando pela sociedade civil e em todos
os aparelhos hegemônicos: da fábrica à escola e à família.
Assim, a hegemonia, enquanto direção exercida na sociedade transforma-se em
ponto de equilíbrio/desequilíbrio por meio das relações de poder. Gramsci amplia o
conceito de Estado escrevendo que:
52
[…] na noção de Estado entram elementos que também são comuns à noção
de sociedade civil –no sentido poder-se-ia dizer que Estado = sociedade política
+ sociedade civil, ou seja, hegemonia encouraçada de coerção (GRAMSCI,
1977, Q. 6, p. 703).
O Estado moderno tem, portanto, duas funções: a coercitiva e a hegemônica. Ele
não representa apenas a violência e a coerção, mas também o convencimento, o
consenso, a adesão que se dão no plano superestrutural.
Além de um aparelho
repressivo e de comando, o Estado abrange também um conjunto complexo de
relações, por meio das quais se efetiva um trabalho de mediação e de compromisso
entre os diferentes grupos: dominantes, aliados e subordinados, capaz de determinar
unidade de objetivos políticos e econômicos e até certa unidade de consciência.
Desta forma o Estado, além de suas funções representativas de tutelar a
sociedade de classes, exerce um papel fundamental na sua função pedagógica em
construir, consolidar e reproduzir a direção cultural da classe hegemônica, para
fortalecer o poder das classes dirigentes. O Estado torna-se educador, isto é criador de
um novo tipo de civilização, sempre procurando transformismo ou na revolução passiva
ou em não alterar o status quo do poder, isto é não fugir de uma rotatividade no poder
governativo (GRAMSCI, 1977, Q. 4, p. 460).
Deste modo trata-se de um Estado onde os elementos políticos e sociais se
compenetram e se relacionam:
O novo conceito de Estado deve, portanto, resultar da composição de
elementos políticos e sociais; da força das instituições e da liberdade dos
organismos privados; da inter-relação entre estrutura e superestrutura, da
compenetração do aparelho estatal com a sociedade civil organizada
(SEMERARO, 2001, p. 75).
53
Assim, a ampliação da esfera pública indica que o elemento Estado-coerção vai
lentamente exaurindo-se, as funções de domínio e coerção vão sendo substituídas
pelas de hegemonia e consenso e a sociedade política vai sendo reabsorvida pela
sociedade civil para o advento do Estado ético ou sociedade civil.
Para Gramsci, o Estado ético e educador deve assegurar a todos os cidadãos o
acesso a escola democrática. Escola democrática, própria de um Estado Socialista, é
aquela através da qual a sociedade coloca cada cidadão, em termos gerais e pelo
mesmo abstratamente, na condição de se tornar governante. Escola que, muito embora
exerça a função reprodutora a serviço do Estado, por ser uma escola única, pública,
obrigatória, gratuita e aberta garante também aos filhos dos trabalhadores o acesso à
cultura. Cultura não interpretada como conhecimento geral e abstrato, mas entendida
como cultura próxima da vida e situada na história, que habilite o homem a interpretar a
herança histórica e cultual da humanidade e a definir-se diante dela (GRAMSCI,
1991b).
Gramsci não somente se destaca por criticar o Estado liberal, mas por superar
o dogmatismo marxista a respeito do Estado, formado nesta leitura por duas esferas
distintas, mas jamais separadas. Recupera a idéia de revolução ou luta de classes, que
supera de muito o conflito de interesses no âmbito econômico, que se estende ao
âmbito cultural sem nunca esquecer o objetivo final: a tomada do poder e a destruição
do Estado (SCHLESENER, 2005, p. 54).
O Estado, na interpretação gramsciana, se torna supérfluo não porque o
privado não admite interferências na sua esfera, mas porque nas massas se
desenvolve a responsabilidade pelo público e o coletivo. Ao absorver a sociedade
política, a nova sociedade civil, que surge das organizações populares e valoriza a sua
54
criatividade, torna-se um organismo público, cria um novo Estado capaz de orientar a
economia e as potencialidades sociais na direção do interesse geral. Gramsci não
postula uma sociedade sem Estado (GRAMSCI, 1977, Q 9, p. 1111), mas uma nova
sociedade que cria um novo tipo de Estado: um Estado Socialista, e neste Estado surge
o cidadão gramsciano:
[...] não é a evolução do Estado capitalista [...] mas continua e é um
desenvolvimento sistemático das organizações profissionais e das entidades
locais que o proletariado soube suscitar espontaneamente, por própria conta. A
atividade que o proletariado realiza não pode absolutamente levar à aplicação
dos poderes e do intervencionismo do Estado, mas deve levar à
descentralização do Estado burguês, à expansão das autonomias locais e
sindicais para além da lei reguladora (GRAMSCI, 1972, p. 315).
O pensador italiano não é um teórico do Estado, mas um intelectual-militante
das classes trabalhadoras em movimento na sociedade civil e em busca de uma
Cidadania construída na participação e na responsabilidade. Gramsci não trabalha para
edificar um Estado que distribua benefícios e proteção, mas para elevar intelectual e
moralmente camadas cada vez mais amplas da população, para dar identidade às
massas. A sua verdadeira preocupação é chegar a realizar nos indivíduos o salto
revolucionário da condição de excluídos e de assalariados à de cidadãos, que tomam
parte não apenas do processo de produção, mas também da direção política e cultural,
fazendo com que este cidadão chegue a ser governante. Portanto, infere-se que
Cidadania para Gramsci vem a ser a potencialidade humana das classes subalternas
com habilidade para o governo.
55
Neste capítulo tentou-se recorrer à origem e características do Estado moderno
embasado principalmente em Gramsci incorporando também Marx e Engel. Apareceu
assim, o novo Estado liberal, fundado sobre a propriedade privada, divisão entre
classes sociais, controlador e opressor, e se consolida no Estado capitalista que se
organiza em todos os territórios por meio do poder político, estabelecendo controle e
dominação através de leis e órgãos que compõem este enorme complexo. O intuito tem
sido o de manter o controle entre pólos antagônicos, evitando a luta e a revolução.
O Estado moderno, liberal em sua acepção, ao se estratificar apresenta um
ideário que o caracteriza como suplantador das diferentes formas de monarquias e
governos anteriores.
É laico por não se submeter menos ainda identificar-se com interesses
religiosos. Separa nitidamente o público do privado. O Estado é o público, identificado
como poder político apto a criar e aplicar leis, recolher impostos, ter um exército. Já a
sociedade, apresenta-se como o conjunto das atividades particulares dos indivíduos,
principalmente de natureza econômica. Como o intuito é limitar a interferência entre as
duas esferas, nitidamente separadas, e inibir excessos de poderes, criam-se
instituições e mecanismos de controle e equilíbrio, tais como a divisão dos três poderes,
e as de legitimação do mesmo, como a representatividade e mais tarde, o voto.
Outra
característica provém do liberalismo econômico, ou Estado mínimo, não
intervencionista, que tem o intuito de defender e preservar a propriedade privada dos
meios de produção, a livre iniciativa e a competição.
Finalmente, o Estado liberal, ao abrir terreno para a autonomia, oferece uma
sólida base ao individualismo, mas abre também um abismo que se transforma em
inquietantes interrogações. Se cada indivíduo vem resguardado em sua própria
56
autonomia, em que base se pode estabelecer a vida social? Como conciliar o
individualismo com as exigências inexoráveis da existência comunitária? Onde fincar a
dimensão gregária do homem?
Este Estado, para manter a hegemonia, conquistada, promove o surgimento e o
fortalecimento de diferentes institutos, entre eles a religião, a escola, a família,
sindicados, imprensa, com a finalidade de manter o controle e o poder e firmar os
conceitos que o deixaram surgir: individualismo, liberdade, igualdade, propriedade,
segurança e justiça. O propósito é, por meio de uma nova política, formar uma nova
sociedade, transformando os indivíduos em novos sujeitos sociais, sempre dominados
pelo poder coercitivo do Estado.
Dessa forma, o Estado é o reino da força. Esta afirmativa marxista leva a uma
conseqüência lógica: o Estado deve ser extirpado. Ao lutarem contra o poder da
burguesia, que é a classe dominante, os dominados precisam destruir o poder estatal
por meio de uma revolução. O pensador italiano, sem negar a leitura de Marx, oferece
avanços à crítica para da construção de uma nova sociedade. Gramsci, mesmo
apoiando a idéia de luta de classes, revolução e destruição do Estado liberal, recupera
a unidade entre os poderes político e civil, tornando-os expressões distintas, mas não
separáveis, de uma única realidade. Tal unidade permite ao Estado de concretizar-se
em uma dialética rede de relações e de poder. O Estado terá que transformar-se,
ampliar-se para permitir a interação das diferentes forças e elementos políticos e
sociais.
Pode-se afirmar que o Estado, na leitura destes pensadores marxistas, amplia a
concepção restrita de Estado entendida como simples instrumento de dominação da
classe dominante. Conceito como o de Estado ampliado de Gramsci, função do Estado
57
de estabelecer mediações entre as diferentes classes, forçaram o liberalismo a revestirse de nova aparência.
A análise apresentada permite considerar que o Estado moderno, mesmo sem
nunca chegar a uma aplicação da teoria marxista, se transforma. Estado minimalista,
Estado do Bem Estar Social, Estado Providência. Características assumidas para não
perder o domínio, muitas vezes em detrimento do sujeito e da sociedade.
O Estado liberal é um centro de poder, representativo da classe burguesa,
sustentado pela sociedade civil. Não supera as contradições sociais, mas acaba
aprofundado-as e delas se fortalecendo. Para manter a hegemonia se adapta e, pelo
consenso, recebe apoio das demais classes sociais.
Assim, torna-se evidente que o Estado é, em sua realidade, uma contínua
construção. Construção que apresenta intrinsecamente o conceito de inacabado e
imperfeito. Um dos caminhos para que esta construção continue não operada somente
pelas classes que detêm o domínio, mas pela totalidade dos sujeitos que a constituem,
é a formação, não de indivíduos alienados da realidade sócio-política, mas conscientes
e responsáveis que respondam a um novo conceito, o de cidadãos. É a questão que se
abordará no capítulo seguinte.
58
3
ESTADO
E
CIDADANIA:
UMA
CONSTRUÇÃO
ENTRE
CONTRADIÇÕES E LUTAS
Há aqueles que lutam um dia; e por isso são bons;
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os
imprescindíveis. (BRECHT, 2007a)
Nas discussões referentes ao Estado, o capítulo anterior debateu as
contradições e antinomias entre este e a sociedade civil. O Estado procura
harmonizar os conflitos, tensões e contradições na sociedade estabelecendo os
parâmetros para a ordem, o direito, a justiça, a paz, a segurança, a liberdade e a
prosperidade. Desta forma, torna-se uma poderosa organização que regula a vida
social, impelido pela racionalidade instrumental, a partir da evolução desenfreada do
capitalismo:
A sociedade liberal é caracterizada por uma tensão entre a subjetividade
individual dos agentes na sociedade civil e a subjetividade monumental do
Estado. O mecanismo regulador dessa tensão é o princípio da cidadania
que, por um lado, limita os poderes do Estado e, por outro, universaliza e
igualiza as particularidades dos sujeitos de modo a facilitar o controle social
das suas atividades e, conseqüentemente, a regulação social (SANTOS,
1999, p. 240).
O Estado constituiu-se na estrutura legal-institucional que mantém e articula
o monopólio da racionalidade capitalista. A sua impotência nas relações externas
leva a uma auto-afirmação interna, e que, conforme assevera FERREIRA (1993),
impõe-se para manter o poder e camuflar a violência e a sua ineficácia.
59
O presente capítulo realiza uma análise da relação do Estado,
principalmente no Brasil, com o conceito de Cidadania, com o intuito de debater o
papel das políticas públicas educacionais a fim de ponderar a atuação do Estado na
construção do cidadão, sujeito do mesmo. Em um primeiro momento se debate se a
Cidadania é uma conquista da sociedade, um processo de luta, uma construção do
Estado ou uma conquista baseada na construção de ambos os pólos. Um segundo
momento analisa a discussão da Cidadania no Brasil e finalmente, um terceiro
debate a relação Estado e educação, realidade onde as contradições da Cidadania
se manifestam.
3.1
CIDADANIA: ENTRE CONSTRUÇÃO E CONQUISTA
O termo Cidadania tem sido usado com freqüência, com diversos
significados e em diferentes situações, devido à sua acepção abrangente, tornandose um conceito denso de implicações e representações. Por não ser uma definição
estanque e, mais ainda, por estar hoje incluída dentro dos mecanismos de proteção
constitucional, torna-se motivo de debates e diferentes interpretações apresentandose como um fenômeno complexo, ainda mais por ser uma das grandes questões da
educação e, portanto, na interpretação de Ferreira (1993, p. 6), trazer no seu bojo o
perigo de uma abstração da categoria. Já para Canivez (1991, p.15), a Cidadania
define a pertença a um Estado, dando ao individuo status jurídico. Outra leitura é a
de Demo (1995, p. 1), que a interpreta como a competência humana de fazer-se
sujeito, para fazer a história própria e coletivamente organizada. Já para Dallari,
60
assevera que indica a situação política de uma pessoa e seus direitos em relação ao
Estado:
A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a
possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo.
Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da
tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo
social (DALLARI, 1998, p. 14).
Por ser a Cidadania uma construção histórica, faz-se necessário construir
uma definição com um consenso mínimo sobre o seu significado, para que esse
termo se traduza em valores e objetivos necessários para sua vivência, sendo que
os conceitos em si não criam a realidade, mas são produtos históricos que buscam
representar ou expressar a mesma realidade. Assim sendo, com a necessidade de
compreender a Cidadania como uma produção histórica, na sua totalidade e
contradições, a pesquisa elegeu como base conceitual a leitura de Marshall (1967) e
Carvalho (2001). Os dois partem da concepção triádica da Cidadania: direitos civis,
políticos e sociais.
Marshall define Cidadania como
[...] um status concedido àqueles que são membros integrais de uma
comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito
aos direitos e obrigações pertinentes ao status. Não há nenhum princípio
universal que determine o que estes direitos e obrigações serão, mas as
sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento
criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação a qual o sucesso
pode ser medido e em relação a qual a aspiração pode ser dirigida
(MARSHALL, 1967, p. 76).
O conceito de Cidadania pode ser desmembrado em três aspectos:
elemento civil, político e social. O cidadão pleno seria na visão clássica, o detentor
dos três. A análise histórica do surgimento da Cidadania permite localizar o
61
aparecimento de cada um dos elementos em diferentes épocas. Os direitos civis,
que correspondem aos direitos necessários à liberdade individual, liberdade de ir e
vir, de imprensa, de pensamento e fé, de direito à propriedade, de direito à justiça,
entre outros, formaram-se fundamentalmente no século XVIII (MARSHALL, 1967, p.
63).
Para Quirino; Montes (1996), os direitos civis garantem a defesa dos
cidadãos frente ao Estado e aos mais poderosos, numa sociedade que permanece
estratificada, apesar da igualdade declarada perante a lei. Os direitos políticos, de
participação no exercício do poder político, como membro de um órgão social ou
como eleito dos representantes nestes aparelhos, aparecem no século XIX. Tais
direitos corrigem em parte as diferenças entre o declarado pela lei e a divisão da
sociedade em classes quase sempre antagônicas. Já os mais recentes deles, os
direitos sociais, que implicam todos os direitos relacionados a um mínimo de bem
estar social do indivíduo na sociedade, surgiram no século XX14. Estes últimos
reduzem as desigualdades sociais geradas pelo capitalismo e garantem um mínimo
de bem estar para todos.
A cada elemento da Cidadania estão estreitamente ligadas determinadas
instituições sociais. Aos direitos civis, os tribunais de justiça; aos direitos políticos,
partidos e associações políticas; aos direitos sociais, o sistema educacional e os
serviços sociais.
Independe da conceituação de Cidadania adotada por diferentes autores,
seguramente dois pontos podem ser apontados como consensuais: Cidadania
14
O mesmo Marshall (1967, p. 63-75) declara que os marcos divisórios terão que ser considerados
com bastante elasticidade. Impossível é fixar rígidas cronologias para a epifania de cada um, sendo
que em muitas situações aparecem juntos.
62
corresponde a direito e dever, isto é, à participação, e Cidadania diz respeito a um
sistema de igualdade.
De fato, afirma Canivez:
A cidadania é, pois, a participação ativa nos assuntos da Cidade. É o fato
de não ser meramente governado, mas também governante. Nesse sentido,
a liberdade não consiste apenas em gozar de certos direitos, consiste
essencialmente no fato de ser, como diz Hannah Arendt, co-participante no
governo (CANIVEZ, 1991, p.30).
Ou seja, quando se trata de Cidadania, trata-se em última instância, da
natureza da participação que o indivíduo tem na comunidade em que vive; e esta
participação, mesmo que teórica apenas, é sempre possível em bases iguais para
todos os cidadãos.
Marshall, ao analisar o impacto da Cidadania sobre o sistema de classes
sociais, mesmo identificando-o como um sistema de desigualdade, afirma que
reivindicar o status15 de cidadão “[...] equivale a uma insistência por uma medida
efetiva de igualdade, um enriquecimento da matéria prima do status e um aumento
do numero daqueles a quem é conferido o status” (MARSHALL, 1967, p. 76). Isto é,
mesmo tendo por contexto a sociedade de classes com sua ‘desigualdade inerente’
seria possível uma situação de igualdade alcançada através da Cidadania, que
carrega uma ‘igualdade inerente’.
A Cidadania implica “[...] um sentimento direito de participação numa
comunidade baseada numa lealdade a uma civilização que é patrimônio comum.
15
‘Status’ para Marshall não corresponde a um padrão, estilo ou modo de vida que um indivíduo tem
ou ostente em conseqüência de sua posição social; isto para ele é ‘status social’. ’Status’ é usado por
Marshall sem nenhuma referência necessária à posição hierárquica. Nestes termos, pertencendo a
uma comunidade, todo, indivíduo, independentemente de sua posição social, teria o ‘status’ de
cidadão, com direitos e deveres iguais a todos que tivessem este mesmo ‘status’.
63
Compreende lealdade de homens livres, imbuídos de direitos e protegidos por uma
lei comum” (MARSHALL, 1967, p. 94).
Os efeitos da Cidadania frente à desigualdade das classes sociais, não
alteram basicamente o sistema de divisão em classes da sociedade capitalista:
[...] a igualdade não se refere tanto a classes quanto a indivíduos
componentes de uma população que é considerada, para esta finalidade,
como se fosse uma classe. A igualdade de status é mais importante do que
a igualdade de renda (MARSHALL, 1967, p. 94).
Assim sendo, para Marshall, mesmo existindo os desempregados, os menos
favorecidos, existe uma igualação entre aqueles e o empregado, entre estes e os
mais favorecidos. Essa idéia permitiria falar numa sociedade essencialmente
igualitária, com base na natureza humana, sendo que as desigualdades
continuariam existindo sem prejudicar a igualdade humana básica, associada à
participação integral na comunidade, que admite existir, e que estaria acima das
desigualdades provenientes da situação econômica. É até mesmo interessante que
elas se mantenham para continuar existindo ambição social que leva a uma
competição sadia a qual, por sua vez, impulsiona o sistema econômico-social.
Portanto, as diferenças de status podem receber a chancela da legitimidade em
termos de Cidadania democrática, desde que não sejam muito profundas, mas
ocorram numa população unida numa civilização única e desde que não venham a
ser expressão de privilégio hereditário (MARSHALL, 1967).
Ao investigar o termo Cidadania Dallari (1998, p. 10) afirma que, embora
tenha sido usado na Roma antiga, suas raízes estão na sociedade grega, mais
especificamente na polis. Cidadania significava viver e participar da vida da cidade;
viver e participar da associação dos pequenos núcleos de vida, tais como a família,
64
a tribo, mas também da grande esfera pública. Esta última relativa à atuação dos
homens livres, que conviviam em uma relação de iguais, compartilhando a
responsabilidade jurídica e administrativa pelos assuntos públicos. Viver nesta
relação significava decidir tudo democraticamente. Democracia que na Grécia era
direita, mas restrita a uma categoria social: a dos homens livres. Pois cidadão era o
homem que vivia sim, em sociedade, mas livre, não incluindo mulheres, escravos,
servos, menores, prisioneiros. Sociedade que ao se organizar se transformava em
Estado permitindo ao indivíduo tornar-se cidadão, por meio da constituição de
classes sociais para que participasse da ação política e fosse co-participante do
governo. De tal modo, por Cidadania se entendia a condição do indivíduo pertencer
a uma comunidade, com todas as implicações decorrentes de se viver em uma
sociedade.
Conforme Baracho (1994, p. 2), “[...] este conceito se vai modificando,
enriquecendo, chegando a ficar inseparável da democracia, isto é, atinge-se uma
situação em que não existem cidadãos sem democracia e ou democracia sem
cidadãos”.
Mas o conceito de Cidadania se ampliou para além da questão de viver a
cidade. Foram os romanos que deram uma definição jurídica ao termo:
A cidadania (o status civitatis dos romanos) é o vinculo jurídico–político que,
traduzindo a pertença de um indivíduo ao Estado, o constitui perante este
num particular conjunto de direitos e obrigações [...] A cidadania exprime
assim um vínculo de caráter jurídico entre um indivíduo e uma entidade
política: o Estado (LIBÂNEO, 1995 p. 18).
O Direito Romano prevê que pertencendo a um determinado clã,
automaticamente adquire-se status de cidadão, pois a gens e a família são
organizações anteriores à civitas, base do Estado. Esta mesma pertença dá direito
65
à liberdade, condição indispensável à Cidadania. Esta última se torna, em Roma,
uma relação vertical entre indivíduo e autoridade, alicerçada sobre o status. Faz-se
uma distinção entre Cidadania passiva e Cidadania ativa16. Somente quem goza
desse último modelo de Cidadania tem direito de participar das atividades políticas e
administrativas da civitas (DALLARI, 1998). Nota-se a percepção das pessoas para
efeito da Cidadania.
Tal categorização se consolida com o advento do feudalismo, realidade
prevalentemente rural que apresenta uma nova estratificação social: nobreza, clero,
servos. Entre as classes não existe igualdade. O poder é depositado nas mãos da
autoridade suprema, e se converte em monarquia absoluta17 (DAL RI JR; OLIVEIRA,
2002, p. 51). Com a anuência da Igreja, se aceita como natural a divisão da
sociedade e a Cidadania, por basear-se em relação pessoal e bilateral entre o
soberano e o súdito, não define estatuto pessoal comum a todos os cidadãos, mas
refere-se apenas à relação do indivíduo com o monarca, mais tarde substituído pelo
Estado.
O Feudalismo ao entrar em crise por uma série de fatores sociais, religiosos,
econômicos, inicia um processo de transição.
Diante da crise agrária, fazia-se necessário a conquista de novas áreas
produtoras. Diante da crise democrática fazia-se necessário o domínio
sobre as populações não européias. Diante da crise monetária fazia-se
necessária a descoberta de novas fontes de minérios. Diante da crise
social fazia-se necessário um monarca forte, controlador de tensões e das
lutas sociais. Diante da crise clerical fazia-se necessária uma nova Igreja.
Diante da crise espiritual fazia-se necessária uma nova visão de Deus e do
mundo. Começavam os tempos modernos (FRANCO JR., 1982, p. 93).
16
Outros autores, entre eles LISZT, Vieira em Cidadania e globalização... (2002); CANIVEZ, Patrice.
Educar o cidadão? Ensaio e textos... (1991); falam de Cidadania passiva e Cidadania ativa.
17
Bodin (1530-1596), teórico do Estado absoluto, fundamenta a sua construção na família como
modelo principal de organização humana, de tal forma que nela justifica o poder soberano de alguns
indivíduos sobre outros, afirmando que no Estado como na família, alguns indivíduos assumem
função de súditos e outros de soberanos.
66
Essas diferentes crises afetam também as relações sociais, de produção,
propriedade e trabalho, desencadeando uma série de Revoluções.
As manufaturas colocaram o trabalho sob novas bases, transformaram as
relações de propriedade e a relação entre trabalhador e empregador. A
produção capitalista, ainda na sua forma manufatureira, muda a forma da
propriedade. A propriedade capitalista típica será não mais a terra e sim a
propriedade dos instrumentos de produção. Assim a propriedade burguesa
não é só alguma coisa para possuir, para usufruir, mas, sobretudo, para
vender, para trocar (BUFFA; ARROYO; NOSELLA, 1996, p. 15).
Na transição lenta, mas progressiva e inexorável do Feudalismo para a
Modernidade, aparece uma nova classe social: a burguesia, que inaugura a nova
sociedade baseada em uma renovada democracia vinculada aos direitos de
liberdade, pensamento, produção e propriedade privada. Direitos que, próprios da
nova classe, excluem a maioria da população e lhe permitem, como já na antiga
Grécia, participar da vida urbana, ser sujeito de direitos e deveres. A partir de então,
o homem do povo é situado em uma escala social inferior, não participando
integralmente da vida social.
Portanto, a burguesia representa a principal força que impulsiona a
renovação nos países em desenvolvimento da Europa. Uma classe sem nobreza,
mas detentora de um novo poder: o econômico. Domina a nascente indústria,
orienta o comércio, explora as novas colônias, se apóia nas novas tecnologias.
Esses requisitos dão à burguesia uma condição única: ser parte e distinguir-se ao
mesmo tempo do povo. Igualar-se às classes dominantes: nobreza e clero, pensar
como elas e, como povo revoltar-se:
[...] os burgueses e os trabalhadores já não suportavam as arbitrariedades e
as injustiças praticadas pelos reis absolutistas e pela nobreza e por esse
motivo, unindo-se todos contra os nobres, fizeram uma série de revoluções,
conhecidas como revoluções burguesas (DALLARI, 1998, p. 11).
67
À medida que as Revoluções iam acontecendo, os trabalhadores perdiam
direitos e condições materiais de sobrevivência, os burgueses conquistavam mais
riquezas, poderes e direitos, caracterizando uma nova forma de divisão social, não
mais com base nos estamentos feudais, e sim em classes: burguesia e proletariado.
O significado original do conceito de Cidadania se associa ao de burguês e
não a todo o povo. O termo burguês adquire uma clara conotação de classe social,
como designativo de um segmento da sociedade, perdendo sua conotação
universal, própria de todo o gênero humano. Com a palavra cidadão, a burguesia
constrói um patrimônio ideológico que lhe outorga poder e ao povo, a ilusão de ser
igual (MARTINEZ, 1996). Como conseqüências das mudanças na economia e na
sociedade, a atribuição de direitos e deveres também sofre alterações, beneficiando
algumas categorias mais e outras menos.
À burguesia outorga-se o direito de ser
detentora da Cidadania plena limitando o acesso dos demais homens à mesma,
todos eles qualificados como cidadãos incompletos, se possuidores de alguns
direitos; ou não cidadãos, se detentores de nenhum direito (CARVALHO, 2001, p. 9):
assim, adquiridos os direitos civis, a burguesia deixa de ser povo e revolucionária, e
o seu lugar vem a ser ocupado pelo proletariado, que passa a reivindicar novos
direitos.
Concomitante à ascensão da burguesia, no campo das idéias, uma nova
tendência intelectual, social e política do século XVIII, de forte conteúdo filosófico
surge: o iluminismo. Os pensadores, com suas crenças no poder da razão e da
possibilidade de reorganizar profundamente a sociedade, seguindo princípios
racionais inspiram, muitas vezes involuntariamente, os opositores do absolutismo
apoiando a revolução em França.
68
Nesse momento e nesse ambiente, na interpretação de Dallari (1998), nasce
a moderna concepção de Cidadania, que surge para dar igualdade a todos, mas que
em seguida, foi utilizada para garantir a superioridade de novos privilegiados.
O Iluminismo busca retomar elementos fundamentais para a constituição da
Cidadania como participação política, próprio da Grécia. Os pensadores desse
movimento buscam a libertação do indivíduo preso ao poder do Estado absoluto e
da Igreja:
É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer, mas a
liberdade política não consiste nisso [...] Deve-se ter sempre em mente o
que é independência e o que é liberdade. A liberdade é o direito de fazer
tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas
proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam tal
poder (MONTESQUIEU, 1973, p. 155-156).
Já Rousseau acrescenta uma Cidadania inclusiva, estendida a todos os
membros do povo e caracterizada por três fatores: liberdade, igualdade e
independência. Os três elementos concebidos como algo inerente ao ser humano:
Enquanto os homens [...] só se dedicavam a obras que um único homem
podia criar [...] viveram tão livres, sadios, bons e felizes quanto o poderiam
ser por sua própria natureza, e continuaram a gozar entre si das doçuras
de um comércio independente; mas desde o instante em que um homem
sentiu necessidade do socorro de outro, desapareceu a igualdade,
introduziu-se a propriedade, o trabalho tornou-se necessário [...] logo se viu
a escravidão e a miséria germinarem e crescerem com as colheitas
(ROUSSEAU, 1973, p. 28).
Surge, portanto, a nova classe dominante: a burguesia. Opondo-se às idéias
dos filósofos iluministas após a Revolução Francesa, inicia um processo de
esvaziamento do conteúdo da Cidadania conquistada pelo povo na luta,
pauperizando principalmente a dimensão de participação política.
69
A revolução popular que mudou o rosto da história foi acompanhada por
uma outra revolução no âmbito jurídico, que definiu a noção de Cidadania. No ano
de 1791, os lideres da Revolução aprovam a primeira constituição recuperando a
antiga diferenciação romana entre Cidadania passiva e Cidadania ativa.
Dallari
(1998) ressalta que a Cidadania deixa de ser um símbolo de igualdade de todos e a
derrubada dos privilégios da nobreza dá lugar ao aparecimento de uma nova classe
de privilegiados.
A Cidadania, com seu conteúdo político neutralizado, é efetivamente
associada à nacionalidade e relacionada com a propriedade privada. A Constituição
mantém a monarquia e, contrariando o princípio de igualdade de todos, estabelecese que para participar na vida política, é preciso ser cidadão ativo, isto é, ser
francês, homem, proprietário de bens e ter renda fixa.
Convalida essas idéias Locke (2001, p.88), ao afirmar que: “[...] a grande e
principal finalidade dos homens que se unem em comunidade é a preservação de
sua propriedade”, confirmando que todos os homens são livres, proprietários de si e
iguais. Assim, a função principal do Estado é a de tornar-se afiançador da
propriedade dos homens que ele mesmo governa.
A igualdade defendida por
Locke está restrita apenas aos cidadãos, sinônimo de proprietário. No referente à
classe trabalhadora, cabe somente obedecer às leis que o poder do Estado,
exercido pelos Cidadãos ativos, promulga. A propriedade torna o indivíduo cidadão,
portanto, objeto das leis é assegurar a liberdade e a propriedade.
A burguesia, economicamente consolidada, conquista o poder político para
implantar a democracia burguesa sinalizada na Declaração dos Direitos do Homem
70
e do Cidadão18. Documento inspirado na Declaração da Independência americana
de 1776 e na doutrina iluminista que reforça a propriedade não somente como um
direito, mas também como garantia de dignidade.
O conceito de Cidadania, no contexto do liberalismo terá como
características o seu aprisionamento ao princípio da nacionalidade e será
politicamente neutralizado. Poderia se afirmar que a Cidadania liberal se
organiza em torno do primado do sujeito e do valor absoluto da liberdade e
da propriedade, desconfia do despotismo da maioria e do sufrágio universal,
opõe o respeito das regras ao arbítrio do poder, refuta o intervencionismo
do Estado e elogia a representação (DAL RI JR., 2002, p. 77).
Só uma parcela da sociedade alcança a plenitude dos direitos de Cidadania
segundo a conceituação da interpretação burguesa. A igualdade de todos diante da
lei não elimina as desigualdades de muitos em relação à liberdade de expressão e
aos direitos de participação política.
Discordando com a consolidação dos direitos de uns em detrimentos de
todos, Marx, nos Manuscritos econômicos-filosóficos, lamenta que a Cidadania seja
reduzida pela Declaração dos Direitos Humanos a pura questão política:
Torna-se o assunto ainda mais incompreensível quando observamos que
os libertadores políticos reduzem a cidadania e a comunidade política, a
simples meio para preservar os chamados direitos do homem... é o homem
como bourgeois e não o homem como citoyen que é considerado como
homem verdadeiro e autêntico (MARX, 2001, p. 33).
Nesta perspectiva, os direitos aqui criticados são os do homem burguês. A
classe burguesa se apropria do conceito de Cidadania como garantia para superar a
18
Em 26 de agosto, em meio à Revolução Francesca, é elaborada a Declaração dos Direitos do
homem e do cidadão. O art. 1º reza: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais nos direitos.
As distinções sociais só podem ser baseadas sobre a utilidade comum”. O último consagra a
propriedade privada: art. 17º “Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado, ninguém poderá
dela ser privado [...]” (COMPARATO, 1999b).
71
antiga ordem feudal, por meio das revoluções que pregam os direitos a todos. Ao
apropriar-se do poder, domina e esvazia o conceito real de Cidadania, excluindo os
demais grupos sociais da participação política por não serem proprietários. Para
tanto, oferece uma nova forma de democracia.
A democracia liberal oferece uma única finalidade: conter as massas e evitar
novas Revoluções19. Ela tem sido a forma de criar mecanismos materiais para que o
controle da situação, a proteção da propriedade privada e a detenção do poder, não
saiam das mãos das classes dominantes, que usam o Estado como um instrumento
com função mediadora entre capital, trabalho e poder.
Marx critica o Estado liberal e a propriedade privada como promovedora das
desigualdades sociais:
A propriedade privada nos tornou tão estúpidos e parciais que um objeto só
é nosso quando o temos, quando existe para nós como capital [...] Portanto,
todos os sentidos físicos e intelectuais foram substituídos pela simples
alienação de todos os sentidos, pelo sentido do ter (MARX, 2001, p. 142).
O fundador do marxismo propõe uma nova revolução para superar a
exclusão imposta pela burguesia, cada vez mais forte pelo desenvolvimento do
capitalismo. Não mais basear-se sobre a detenção e posse dos bens, mas sobre a
distribuição dos mesmos na base da solidariedade.
De fato, a aspiração, ou a utopia socialista, “[...] de cada um segundo suas
capacidades, a cada um segundo suas necessidades” (MARX, 2002, p. 43),
oferecem uma visão da solidariedade que influencia o projeto socialista. A frase
19
As mais significativas, depois da Francesa de 1789, foram as jornadas de 1848 e a Comuna de
Paris de 1871. Nesta, os trabalhadores organizados, mesmo de inspiração anarquista, formam a
Comuna que estabelece um poder paralelo e uma nova comunidade com base na socialização dos
meios de produção. Outra inovação da Comuna foi a proposta de democracia popular de base
fundada sobre dois princípios: a organização democrática sempre inicia de baixo para cima e a
função do Estado que é a de servir à base. O governo burguês com uma intervenção violenta dá fim à
Comuna.
72
representa o lema do sistema que ultrapassa a simples divisão do produto pelo
tempo e qualidade do trabalho, mas visa, sem competições desreguladas, próprias
do capitalismo, a qualidade do homem e suas necessidades mais verdadeiras.
Para o socialismo, muito ao contrario, constitui rematado absurdo imaginar
que a harmonia social pode resultar de uma concorrência de egoísmos.
Sem o respeito ao princípio de solidariedade (solidum, em latim, significa a
totalidade), isto é, sem que cada cidadão seja, efetivamente, responsável
pelo bem estar de todos, jamais se chegará a construir uma sociedade livre
e igualitária (COMPARATO, 1999a, p. 12).
A construção dessa nova sociedade será alcançada através de uma
revolução20, pela qual os proletários passariam de escravos de sua força trabalho a
proprietários coletivos dos bens de produção. Só após garantir esses direitos
chegaria o comunismo, preconizado por Marx (2002) onde cada um trabalharia
conforme sua capacidade e receberia conforme suas necessidades, sendo função
do Estado providenciar e garantir os direitos conquistados.
O sucesso do socialismo, na interpretação de Marx, encontra-se ao alcance
do proletariado, na medida em que contesta o capitalismo e engendra uma nova
realidade: uma radical redução do tempo de trabalho.
Como conseqüência, o
trabalho deixaria de ser a grande fonte de riqueza e o tempo de trabalho de ser a
medida dessa riqueza. Portanto, o valor de troca deixaria de ser medida do valor de
uso e a abolição do capitalismo seria a condição que permitiria essa redução para
um número muito mais elevado de indivíduos.
20
A Comuna de Paris, apesar de seu tempo curto de vida, é um dos melhores exemplos, cujo
fracasso reflete, na verdade, uma das maiores vitórias do socialismo. Enquanto as inúmeras
experiências de revolução acabaram por fracassar porque, ao final, perderam todo o seu caráter
socialista, a causa da derrota da Comuna para Marx (e de fato, ele critica essa atitude) deve-se
exclusivamente à solidariedade e bondade.
73
Nesta perspectiva, a construção do socialismo ocorreria de forma cotidiana,
sendo que a história se dá de modo contínuo, constante e contraditório, por meio
dos antagonismos oriundos dos conflitos entre classes sociais e que à frente do
movimento histórico estão as condições concretas e materiais da existência
humana. Os trabalhadores não devem apenas tomar posse do aparelho estatal
burguês estabelecido, mas devem romper com este e destruí-lo inteiramente,
criando uma nova base de ordenação social.
Em síntese, a Cidadania não foi alcançada por decreto. Mesmo sem nunca
ter sido obtida plenamente na história, a busca implicou lutas ferrenhas dos seres
humanos para tornarem-se mais humanos. Luta pela busca da liberdade para uma
vivência plena da dignidade humana. Como visto nesta primeira parte do capitulo, a
Cidadania compõe-se de um conjunto de direitos fundamentais para a existência
plena da vida humana: direitos civis, que é o domínio sobre o próprio corpo; direitos
políticos, para deliberar livremente sobre a própria vida; direitos sociais, que
garantem a satisfação das necessidades básicas.
Entende-se que a Cidadania não pode estar desvinculada das reais
condições sociais, políticas e econômicas que constituem a sociedade. A Cidadania
exige o exercício de deveres para que os próprios direitos se efetivem. Isto significa
que cada indivíduo deve fomentar a busca e a construção coletiva dos direitos, o
exercício da responsabilidade com a coletividade, o cumprimento de regras e de
normas de convivência (DALLARI, 1998).
Destarte, a história da Cidadania mostra bem como esse valor encontra-se
em permanente construção. A Cidadania constrói-se e conquista-se. A Cidadania
instaura-se a partir dos processos de lutas que culminaram na Declaração dos
Direitos Humanos, dos Estados Unidos da América do Norte, e na Revolução
74
Francesa. Esses dois eventos rompem com o princípio de legitimidade que vigora
até então, baseado nos deveres dos súditos, e passam a estruturá-lo a partir dos
direitos do cidadão. O grande desafio da Cidadania para não perecer, é manter a
tensão permanente entre a individualidade e a universalidade do homem (DALLARI,
1998).
Portanto, sempre de acordo com Dallari (1998), a história da Cidadania
confunde-se com a história dos direitos humanos, a história das lutas para a
afirmação de valores éticos, como liberdade, dignidade, igualdade entre todos
indistintamente. Objetivos perseguidos por aqueles que anseiam por liberdade, mais
direitos, melhores garantias individuais e coletivas frente ao poder e a arrogância do
Estado que se diz democrático e exclui das conquistas sociais um contingente
enorme de pessoas, dificulta o direito e exige obediência irrestrita às leis, que visa o
mercado, a competição e um cidadão-consumidor.
A conquista da Cidadania
depende dos membros de uma sociedade que luta para ter acesso aos direitos
através da mobilização organizada e da busca de uma participação ativa que amplie
o conceito e a prática de Cidadania para mulheres, crianças, minorias nacionais,
étnicas, sexuais, etárias, religiosas e outras. Nessa perspectiva, pode-se afirmar
que, na sua acepção mais ampla, Cidadania vem a ser a expressão concreta do
exercício da democracia, que vai além da representativa e formal, fazendo de cada
cidadão um co-participante e governante.
3.2 ASPECTOS DA CIDADANIA NO BRASIL
A história da construção da Cidadania se confunde, no Brasil, desde a época
colonial, com as lutas pelos direitos fundamentais da pessoa. Lutas marcadas por
75
massacres, violência, exclusão, quase sempre reprimidas, sem jamais alcançar reais
benefícios. Entretanto, segundo Carvalho (2001), é inegável que houve conquistas
e à diferença dos demais países, o Brasil apresenta duas variantes na luta pela
Cidadania que determinam sua identidade:
A primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos, o social, em relação
aos outros. A segunda refere-se à alteração na seqüência em que os
direitos foram adquiridos: entre nós o social precedeu os outros [...] uma
alteração dessa lógica afeta a natureza da cidadania (CARVALHO, 2001, p.
11-12).
A Cidadania está vinculada às condições sociais e políticas de um país. As
mudanças que ocorrem no Brasil, por serem reflexo dos condicionamentos externos,
sempre estiveram ligadas ao avanço do capitalismo como sistema econômico
mundial em geral; e por ser colônia, ligada especialmente à Coroa de Portugal.
Portanto, muito raramente tomam-se decisões que representem mudanças
significativas para a sociedade civil, de fato, assevera Faoro (2001):
[...] grupos de indivíduos cuja elevação se calca na desigualdade social,
supõe distância social e se esforça pela conquista de vantagens materiais e
espirituais exclusivas, não vinga a igualdade das pessoas; configura um
governo de minoria: poucos dirigem, controlam e infundem seus padrões de
condutas a muitos, governo patrimonial que se projeta e domina ‘de cima
para baixo’ (FAORO, 2001, p. 53).
Dessa maneira se configura a desigualdade que fundamenta o injusto
sistema capitalista.
A minoria se transforma em elite que legifera em benefício
próprio, usando do poder para excluir e justificar a dominação. À sociedade em
76
geral, somente cabe acatar e assimilar os padrões de condutas impostos, mas
jamais respeitados, pelos detentores do poder: as elites dominantes.
Impõe-se, portanto o modelo patrimonialista que frustra desde o início toda
idéia de autonomia, liberdade e Cidadania, parâmetros indispensáveis para a
implantação da democracia. Ao contrário, o estilo burocrático-patrimonialista do
Estado passa a regular a sociedade favorecendo a centralização políticoadministrativa nas mãos de poucos que se tornam, no imaginário do povo, os que
têm condições para resolver problemas, satisfazer necessidades e oferecer
proteção.
A natureza histórica da construção da Cidadania no país surge não a partir
de reivindicações ou lutas mas, conforme declara Carvalho (2001), na medida em
que se identificam como parte de uma nação:
[...] as pessoas se tornavam cidadãs à medida que passavam a se sentir
parte de uma nação e de um Estado. Da cidadania como a conhecemos
fazem parte então a lealdade a um Estado e a identificação com uma nação
(CARVALHO, 2001, p. 12).
Todos os momentos de crises e impasses que o Brasil vive, denominados
por Romanelli (1990, p. 47) de revoluções21, são apenas mudanças conjunturais e
não estruturais, e conduzem à implantação plena e definitiva do capitalismo no país.
Tais conjunturas não permitem uma implantação real da democracia, base para
qualquer forma de Cidadania. O que ocorre nada mais é que uma mudança de
grupo no poder, uma vez que a estrutura permanece capitalista, embora com
características diferenciadas.
21
São os acontecimentos de 1822; 1930; 1945 e 1964.
77
No Brasil apresenta-se uma superposição entre sociedade civil e Estado,
prejudicando a autonomia das duas esferas. O poder privado acaba assentado no
poder público e o Estado atrela-se a interesses privados. O Estado, nesta
perspectiva, adquire primazia sob a sociedade civil, pois conta com a racionalidade
burocrática, como instrumento de poder a seu favor (FERREIRA, 1993).
A sociedade civil aparece como instância apolítica, devido à conseqüência
do tipo de desenvolvimento da colonização no país, à formação das elites, do
sistema político e de como as relações de dominação frearam o processo
emancipatório e reafirmaram a dependência. A formação sócio-político-cultural do
povo brasileiro é uma herança de um Estado Patrimonial, centralizador e nãodemocrático. De fato Ferreira afirma:
Aprendemos a conviver com o autoritarismo, a aceitar, o despotismo como
forma natural de governo, desde que ele nos mantenha alimentados e
empregados, nos dê segurança, enfim, faça aquilo que o povo deseja
(FERREIRA, 1993 p. 202).
Devido a essa herança histórica estabelecem-se distinções, discriminações
e preconceitos, não somente em relação às condições materiais, mas também no
plano cultural, por diferenças de origem social, raça, cor, sexo e idade. Há cidadãos
detentores de amplos privilégios e os que são privados até dos mais elementares
recursos de subsistência.
Ressalta Ferreira (1993), que isto aparece evidente na organização política
onde o poder dos coronéis primeiro, das oligarquias depois, ou é paralelo ou
controlador do mesmo Estado. Tal herança influencia o ideal de Cidadania, sendo
que as classes populares sempre são excluídas de todo processo de decisões
políticas
e
as
principais
conseqüências
são
as
relações
patrimonialistas
78
estabelecidas, que acabam por influenciar os ideais de autonomia e liberdade da
sociedade brasileira.
Como assevera Ferreira, o Estado patrimonial subordina a sociedade a
relações de poder paternalizadas, onde se apresenta como o benévolo e protetor. É
a concepção dominante de Estado que vem a ser “[...] o doador, o fazedor da ordem,
da justiça, do direito e do favor [...] Todos esperam do Estado favores que possam
ser redistribuídos de alguma forma" (FERREIRA, 1993, p. 201-202).
Em sua formação histórica o Estado Brasileiro, configura-se antes que a
sociedade civil, por não ser conquistado, mas imposto. Faoro (2001) atribui à
herança portuguesa a raíz desse Estado centralizador, burocrático e patrimonial,
implantado desde a época da colonização e consolidado após a instalação da
família imperial no Brasil. Torna-se uma organização político-burocrática sem
vinculação com a realidade social, onde a definição de suas leis se contrapõe aos
interesses e anseios do povo. De acordo ensina Faoro (2001, p. 267) "O príncipe
fala diretamente ao povo, destacando claramente as ordens únicas e separadas da
realidade, a do Estado e a da Nação".
Por isso, Faoro (2001) afirma que a soberania popular no Brasil é uma farsa,
sendo que a elite política em busca pela hegemonia, reveste-se dos anseios
populares, bem como a incipiente burguesia na Europa dos séculos XVII-XVIII, para
conseguir o poder e, alcançado, distancia-se das massas que, mesmo em uma
democracia instalada, não é atuante, mas continua de baixo da égide de um Estado
patrimonial-burocrático:
Sobre a sociedade, acima das classes, o aparelhamento político – uma
camada social, comunitária embora nem sempre articulada, amorfa muitas
vezes – impera, rege e governa, em nome próprio, num círculo impermeável
de comando [...] o estamento burocrático comanda o ramo civil e militar da
79
administração e, dessa base, com aparelhamento próprio, invade e dirige a
esfera econômica, política e financeira (FAORO, 2001, p. 824, 826).
Conseqüência dessa conjuntura torna-se o desajuste da sociedade brasileira
para adaptar-se ao modelo capitalista de produção e a uma política de
assistencialismo e protecionismo.
Nesse sentido, Demo (1995) define o Estado brasileiro perante duas
posturas, a liberal e a socialista, as quais permeiam e conduzem toda a estrutura
social, política, cultural, histórica e econômica do Brasil. Na postura liberal, o Estado
vem servindo às leis de mercado; a liberdade pregada tem sido uma ilusão, pois,
existe só para quem detém os meios de produção, não há igualdade de
oportunidades. O mercado mantém constante controle sobre o Estado, que se
apresenta, este último, subserviente ao primeiro. Surge assim no Brasil, uma
sociedade dividida entre os detentores de bens, muitas vezes terras e fábricas, e os
que não têm acesso a eles. Na postura socialista, existe uma supervalorização do
Estado, no sentido de que seja representante da sociedade. Nesta, tem-se a ilusão
de um mínimo de dignidade social e sobrevivência material.
As posições que alicerçam o Estado brasileiro mesclam-se nestas posturas,
tornando-se um eixo de tensões entre as duas. Porém, tanto uma quanto a outra,
suprimem a ação da sociedade civil e de um caminho para a Cidadania, pois, ou
favorecem a competição e exploração ou submetem a sociedade à condição de
tutela do Estado. Portanto, assevera Demo, temos no Brasil diferentes formas de
Cidadania. A tutelada que
[...] expressa o tipo de cidadania que a direita (elite econômica e política)
cultiva ou suporta, a saber, aquela que se tem por dádiva ou concessão de
cima. Por conta da reprodução da pobreza política das maiorias, não ocorre
80
suficiente consciência crítica e competência política para sacudir a tutela
(DEMO, 1995, p. 6).
Por outro ângulo, Cidadania pode ser compreendida como a assistida que
[...] expressa forma mais amena de pobreza política, porque já permite a
elaboração de um embrião de noção de direito, que é o direito à assistência,
integrante da toda democracia. Entretanto, ao preferir assistência à
emancipação, labora também na reprodução da pobreza política, á medida
que, mantendo intocado o sistema produtivo e passando ao largo das
relações de mercado, não se compromete com a necessária equalização de
oportunidades (DEMO, 1995, p. 6).
Na interpretação de Demo (1995), a Cidadania tutelada, própria da direita,
revela dificuldade de aceitar direitos humanos incondicionais; a assistida, própria da
esquerda, quase sempre estatizante, esquece da produção em favor de um Estado
provedor.
Mas é na década da redemocratização22 que o Brasil pretende alcançar o
status de Estado do Bem-Estar, muito embora a prática não tenha promovido tal
mudança. O Brasil apresenta-se como um país capitalista dependente, faltando
construir um modelo próprio de desenvolvimento:
A mistura sui generis de neoliberalismo e sovietismo que o Estado brasileiro
arrumou, repercute em incontáveis disparates públicos, com graves
prejuízos para a população, acrescentando ao saque clássico produzido
pela direita, o parasitismo recente incentivado pela esquerda (DEMO, 1995,
p. 79).
Teoriza-se sobre um Estado de Direito, mas são vivas as contradições do
sistema produtivo e da miséria. O Estado do Bem-Estar pressupõe uma Cidadania
22
Com o término da ditadura militar e o retorno da escolha dos governantes, consagrados com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, reinicia o processo de democratização para uns,
redemocratização para outros.
81
atuante e um dinamismo econômico, o que não ocorre pela concentração de riqueza
e poder. A imitação do Estado do Bem-Estar tem como seqüela a Cidadania
assistida, ou seja, aquele que propõe o direito à assistência, como integrante da
democracia (DEMO, 1995).
Em 1822, com a proclamação da Independência, dá-se uma aparente
liberdade com a ‘concessão’ dos direitos civis, oferecido, mas não conquistados,
mesmo que alguns segmentos da sociedade acompanhem os acontecimentos
políticos. Proclamação da Independência que pouca mudança oferece. Nesta
perspectiva a lei não garante igualdade, nem justiça social, não há Cidadania
socialmente constituída.
A herança colonial pesou [...] o novo país herdou a escravidão, que nega a
condição humana do escravo, herdou a grande propriedade rural, fechada à
ação da lei, e herdou um Estado comprometido com o poder privado
(CARVALHO, 2001, p. 45).
O termo Cidadania no Brasil aparece pela primeira vez na Constituição
Imperial de 1824 e foi retomado na primeira Constituição republicana de 1891,
sempre entendida de forma pouco clara. A partir de 1930, ressalta Bernardes (1995,
p. 30), ocorre uma especificação do termo, aplicando a definição de cidadão aos que
vivem no país e exercem direitos políticos, portanto como sinônimo de Cidadania
política.
Em 1824, o Imperador Dom Pedro I impunha à nação sua primeira
Constituição. Ela outorgava inúmeros poderes ao imperador tornando-o Moderador,
isto é, poderia vigiar e limitar os demais poderes.
Constituição de 1824 concede o direito de votar.
Nesse ambíguo contexto, a
82
Segundo Carvalho (2001), a liberalidade da legislação é ampla, pelos
padrões da época, mesmo assim continuam emarginadas as massas: os escravos,
os analfabetos, as mulheres.
Renda e propriedade, em linha com a ideologia
capitalista, inspirada no pensamento de Locke (2001), são os fatores delimitadores
da inclusão ou exclusão. Votam todos os homens maiores de 25 anos e com renda
mínima de 100 mil a 200 mil réis. Para candidatar-se precisava que o pretendente a
deputado possuísse uma renda de 400 mil réis e, para senador ser dono de um
patrimônio de 800 mil réis. Os pobres não tinham direito de participar da vida política
do país, portanto não eram cidadãos.
A maior parte dos cidadãos do novo país não tinha tido prática do exercício
do voto durante a Colônia. Certamente, não tinha também noção do que
fosse um governo representativo, do que significava o ato de escolher
alguém como seu representante político. Apenas pequena parte da
população urbana teria noção aproximada da natureza e do funcionamento
das novas instituições. Até mesmo o patriotismo tinha alcance restrito. Para
muitos ele não ia além do ódio ao português, não era o sentimento de
pertencer a uma pátria comum e soberana (CARVALHO, 2001, p. 32).
Nessa época, tem início a identidade política do país. Mas o voto, expressão
‘máxima’ de direito, de ato de obediência, lealdade e gratidão, passa a ser
mercadoria a ser vendida e comprada por um preço. Torna-se experto o votante e
iniciam as estratégias para o político ganhar, na negociação, o voto, moeda preciosa
para se adquirir bens (CARVALHO, 2001, p. 35-36). Por isso no Brasil, o conceito de
Cidadania é sempre identificado com direito ao voto, sendo o primeiro direito
adquirido/oferecido após a Independência e entendido, na leitura de Ferreira, até
hoje como:
[...] votar e ser votado, fazer-se representar e até atuar na instância
governamental. Deve pagar os impostos, respeitar as leis, acatar as
autoridades, zelar pelo patrimônio público e estar sempre pronto para
83
defender o país. Em troca, o Estado lhe dá garantias constitucionais: ele
não pode ser preso sem segurança ou flagrante delito, sua casa não pode
invadida arbitrariamente, sua correspondência não pode ser violada, ele não
pode ser segregado por causa de sexo, cor, idéias, etc. (FERREIRA, 1993,
p.169-170).
Concordando com Ferreira, pode-se afirmar que esta vem a ser uma forma
de coerção simbólica do Estado que permite o controle da sociedade, resultante de
uma rede de dominação, que mascara a domesticação do indivíduo. A arrogância e
o abuso do Estado sobre as classes populares tornam as mesmas impotentes para
expressar e desenvolver sua autonomia: é a herança da sociedade de mercado qual
‘vazio de valores’.
Contrariando a otimista leitura de Marshall (1967), os valores de liberdade,
igualdade e fraternidade proclamados pelo liberalismo clássico perdem o sentido, na
realidade brasileira, onde o princípio legal de que todos são iguais perante a lei, não
elimina as desigualdades sociais concretas, pois a divisão da sociedade em classes
se reproduz na vivência da Cidadania. A igualdade puramente abstrata de todos os
indivíduos perante a lei, impede que desigualdades sociais se expressem como tal.
Cria-se o mito da Cidadania e democracia para todos, mascarando as
desigualdades pela própria lei. Esta igualdade perante a lei tenta negar as
desigualdades estruturais da sociedade e sua constituição classista, reforçando as
diferenças no cotidiano das pessoas. Em 1881, Couty, em sua obra A escravidão no
Brasil (1988), escreve que o Brasil não tem povo. Dos doze milhões de habitantes,
dois milhões e meio de índios e escravos são excluídos da sociedade política; seis
milhões vegetam ao longo da vida e não servem ao país, restam tão somente
duzentos mil proprietários e profissionais liberais que constituem a elite dirigente
(CARVALHO, 2001, p. 64-65).
84
Em 1930, as mudanças sociais determinam uma aceleração na instalação
dos direitos sociais. O governo revolucionário cria o Ministério do Trabalho, Indústria
e Comércio e, mais tarde, formula as leis trabalhistas. Mas a sociedade não
consegue beneficiar-se: a crise econômica e o populismo inibem o aparecer de uma
democracia plena que, aliás, nunca foi real:
A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido. Uma
aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde
fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos privilégios que
tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da burguesia contra os
aristocratas. E, assim puderam incorporar à situação tradicional, ao menos
como fachada ou decoração externa, alguns lemas que pareciam os mais
acertados para a época e eram exaltados nos livros e discursos
(HOLANDA, 1982, p. 119).
A vivência da democracia exige uma crescente organização da sociedade
para possibilitar e aprofundar a participação de todos na vida pública em qualidade
de cidadãos. A democracia vai além da representatividade alcançada por um voto
adquirido ou por benefícios oferecidos. Discordando de Demo (1995, p. 1), para
quem a democracia é o sistema político no qual o acesso ao poder é majoritário,
podendo ser regulado ou administrado, jamais imposto por minorias, mas sempre
em favor das maiorias, acredita-se que a democracia é o regime para todos e não
somente de alguns, sejam eles maioria ou minoria.
Outro princípio não vivenciado no Brasil é a liberdade atribuída ao cidadão.
A liberdade assegurada nas leis, ao invés de promovê-lo, apenas, aumenta o
controle sobre o mesmo, sendo cada vez mais sujeito à produção e ao consumo. O
próprio espaço destrói a capacidade de ser livre e de ser solidário, ou seja, a sua
subjetividade está calcada num processo de individualização, onde a pessoa acaba
sendo objeto de si mesma. Trata-se da lógica do racionalismo liberal que pensa em
85
indivíduos abstratos e sem historicidade. Os homens são transformados em
unidades isoladas. A aparência de liberdade torna-se necessária para a fluidez de
dominação, entretanto, uma sociedade verdadeiramente livre apresenta-se como
aquela em que as liberdades humanas são declaradas públicas e universais, sem a
existência de mecanismos que anulem ou invalidem esta declaração (CARVALHO,
2001).
Último dos princípios da Cidadania é a fraternidade, transformado em um
conceito com excessivo lirismo e conteúdo confuso. Na racionalidade capitalista,
onde a competição é o principal caminho, a fraternidade encontra-se sufocada.
Para uma Cidadania efetiva e seu exercício pleno, reúnem-se alguns
conceitos indispensáveis. Em primeiro lugar, a participação organizada para que as
pessoas não sejam objetos da ação, mas, sujeitos da prática política. Outras, não
menos importantes, são: liberdade, igualdade, acesso ao saber entre outros.
Conceitos estes todos relacionados com a emancipação, para Adorno (1995, p.169),
requisito necessário para uma autêntica democracia.
Portanto, falar em Cidadania no Brasil é tornar evidentes as contradições,
tanto nos aspectos político, social, econômico, cultural e educacional. Contradições
estas que impedem a efetiva concretização da liberdade, igualdade e fraternidade
entre nós.
O Brasil tende a nos confundir ou a nos perturbar porque nele existe uma
sociedade que surge como antiga e moderna, simultaneamente. Temos
uma sociedade industrializada que convive com pobreza e miséria.
Continuamos a manter um subemprego galopante, legitimado por um
sistema legal que contempla muito mais o capital do que o trabalho [...]
(SPINK 1995, p.106).
86
Destarte, se pode afirmar que a modernidade proclamou a liberdade, a
igualdade e a fraternidade, porém, a sociedade aumentou o controle e a vigilância
sobre os indivíduos, sujeitando-os a uma rotina de produção e consumo,
desagregando e destruindo valores. Enfim, levou o homem a um processo de
individualização ou de subjetividades serializadas, onde o tempo é um fator inimigo
das relações pessoais mais estreitas, convertendo o homem em um objeto de si
próprio, subordinado às exigências de uma razão tecnológica.
Assim, entende-se a Cidadania brasileira, como uma questão de identidade
social construída às avessas, pois, o atrelamento da população a um sistema de
benefícios estatais, afirma cada vez mais o predomínio do Estado e não do cidadão.
É o que Carvalho (2001, p. 221) define de ‘estadonia’ em contraste com a Cidadania
titulada por Gramsci de ‘estatolatria’ (1977, Q 8, p. 1028). A Estadonia/estatolatria
não deixa esvaecer os problemas de pobreza e desigualdade, muito embora as lutas
de alguns segmentos da sociedade civil não permitem uma verdadeira democracia
que, na leitura de Adorno tem (1995):
[...] o dever de não apenas funcionar, mas operar conforme seu conceito,
demanda pessoas emancipadas. Uma democracia efetiva só pode ser
imaginada enquanto uma sociedade de quem é emancipado.
Numa democracia, quem defende ideais contrários à emancipação, e,
portanto, contrários à decisão consciente independente de cada pessoa em
particular, é um antidemocrata, até mesmo se as idéias que correspondem
a seus desígnios são difundidas no plano formal da democracia (ADORNO,
1995, p. 141-142).
A democracia é essencialmente participação de todos os membros da
sociedade. Participação que se transforma em organização na qual nenhuma das
partes se eleva por cima de outras e o centro se torna o diálogo. A democracia vai
além da representatividade por ser, esta última, principalmente no Brasil, meio para
87
manter as elites no poder e promover e fortalecer o controle do Estado sobre a
sociedade civil, sendo que na verdadeira democracia este último, o Estado, é
controlado pela sociedade.
Responsável por essa falta, ensina Demo (1995, p.130), é a sociedade. O
Estado brasileiro é tão ruim, porque a Cidadania é ruim. O Estado é impune, porque
seu autêntico ‘patrão’, a população cidadã, não tem ainda competência para por
ordem na casa.
Concorda-se com Demo (1995) quando afirma que o maior desafio é
eliminar a ‘pobreza política’, e tornar o indivíduo sujeito competente, não admitindo
tutela, e dispensando, quando necessário, a assistência. O direito de ‘emancipação’
deve ser o ideal da sociedade democrática, banir a tutela, recorrer à assistência
somente quando for necessário, emancipar sempre. Buscar competência em vez de
dependência. O indivíduo precisa desenvolver uma competência política, capaz de
fazê-lo histórico e de pensar e conduzir o seu próprio destino, constituindo o seu
processo emancipatório, fazendo-se sujeito, negando-se a aceitar-se como objeto.
Demo (1995) alega que a ignorância escraviza o homem, pois, impede-o de ver-se
como escravo, capaz de reagir contra a hegemonia do poder. A falta de condições
materiais, a pobreza obriga-o à dependência para sobreviver. Por isso, não é
suficiente ao indivíduo ter consciência crítica para fazer-se histórico e competente.
Para que a contradição entre a Cidadania proposta pelo Estado e a
Cidadania real seja superada, torna-se imprescindível que esta seja exercida no
cotidiano e construída como um projeto, tendo como elementos: a formação, a
participação, a autopromoção do indivíduo, o indivíduo como sujeito social, a noção
dos direitos e deveres, de democracia, de liberdade, igualdade e fraternidade, o
acesso à informação e ao saber. Tudo isso passa pela educação que permite uma
88
autêntica emancipação. De fato, Adorno vincula a educação à emancipação.
Emancipação é uma “[...] categoria dinâmica, um vir-a-ser e não um ser [...]” que se
alcança pelo esclarecimento (ADORNO, 1995, p. 181). O esclarecimento é conditio
sine qua non pela realização da democracia. Adorno recupera e endossa o
pensamento de Kant (1995) que define o esclarecimeto como sendo a saída do
homem da menoridade, da incapacidade de não ter coragem suficiente para tornarse responsável, autônomo. De fato, a verdadeira democracia é permitir aos sujeitos
viver sem a pressão
da sociedade, isto é, viver em plena autonomia e não
vinculados, quase escravos, da heteronímia.
Diante disso, é possível afirmar que no Brasil houve lutas sim, em prol da
conquista da Cidadania, mas ainda, por ser uma realidade em construção,
permanece parcial e desequilibrada. Por um lado, as elites dominantes oferecem
benefícios, isto é a Cidadania assistida, por outro só os movimentos sociais
organizados estão, desde a proclamação da Constituição Federal de 1988,
provocando um amplo debate para movimentar a sociedade civil a fim de reivindicar
o alcance, em plenitude, de todos os direitos, para toda a população de brasileiros.
3.3 EDUCAÇÃO: UMA QUESTÃO PARA A CONSTRUÇÃO DA
CIDADANIA
Constatou-se que a Cidadania não é uma condição estática, definitiva ou
acabada, pois sempre se constrói e se expande tanto no campo do direito, quando
nas concretas condições de existência, envolvendo interesses individuais e
89
coletivos. Assim, pode-se afirmar que a Cidadania se efetiva pela participação em
um diálogo constante, mas não sempre pacífico, entre Estado, detentor do poder,
como visto no capitulo anterior, e sociedade civil, muitas vezes desorganizada, por
não ter consciência de sua força. Diálogo que muitas vezes procura beneficiar, de
forma não sempre harmoniosa, uma das duas partes. Palco deste diálogo é a
educação por ser, conforme expõe Saviani (1997, p. 1), “[...] inerente à sociedade
humana, originando-se do mesmo processo que deu origem ao homem. Desde que
o homem é homem ele vive em sociedade e se desenvolve pela mediação da
educação”.
Deduz-se, pela citação acima, que a educação é um processo de
aprendizagem
e
aperfeiçoamento.
Através
da
educação
alcança-se
o
desenvolvimento individual da pessoa, pelo uso conveniente da inteligência e da
memória, para a obtenção de novos conhecimentos. Além disso, a educação torna
possível a associação da razão com os sentimentos, aperfeiçoando o que Dallari
(1998) aponta como a espiritualidade da pessoa.
Por tudo isso, em conformidade com o pensamento de Saviani (1986), tornase evidente a importância da educação na história de todo ser humano, que é
preparado para a vida e para a convivência.
O conceito de educação, conforme Houaiss; Villar (2001, p. 1100-1001),
significa a ação de desenvolver faculdades físicas, intelectuais e morais, como
complemento necessário à formação integral do ser humano. Na cultura grega
somente é compreendida no contexto da pólis: educar alguém é educar o cidadão,
isto é o homem portador de uma cultura que se manifesta na liberdade individual e
na participação ativa na vida da polis.
90
Com o nascimento do Estado moderno a educação é posta como tarefa do
Estado, pública e gratuita. Estado moderno que brota no contexto da estruturação do
modo de produção capitalista, no abrolhar da burguesia como classe dominante, da
reforma Protestante, do aparecimento da Imprensa, da ‘conquista’ do Novo Mundo,
do Humanismo que supera o Teocentrismo e, portanto, no rompimento de uma
concepção de mundo medieval por outra completamente diferente. A concepção de
homem, neste contexto, muda essencialmente:
É assim, no âmbito da sociedade moderna que a educação se converte, de
forma generalizada, numa questão de interesse público a ser, portanto,
implementada pelos órgãos públicos, isto é, pelo Estado o qual é instado a
provê-la através da abertura e manutenção de escolas (SAVIANI, 1997, p.
3).
A defesa de uma escola pública e gratuita não significa necessariamente a
criação de uma educação democrática.
Portanto, na interpretação de Saviani, a
luta por uma educação de cunho estatal nasce mais com o intuito de romper com o
poder da Igreja e com as estruturas arcaicas e menos para criar uma educação
voltada às classes populares. É um movimento laicizante e renovador, no sentido de
vincular a educação às necessidades produtivas do sistema capitalista, mesmo para
Marx, que apresenta críticas ao Estado, por este ser “Compreendido como força
especial de repressão, que se tornará supérfluo quando, superada a divisão da
sociedade em classes com os antagonismos que lhe são inerentes, não haverá mais
o que reprimir” (SAVIANI, 1991, p. 96).
Entretanto, as reservas apresentadas diante do Estado, são superadas ao
tratar da educação pública. Sempre para Saviani (1991, p. 96), no Manifesto do
partido Comunista e na Crítica ao programa de Gotha;
91
Marx se posiciona claramente em favor da gratuidade e da obrigatoriedade
do ensino, o que implica o caráter público da educação. Em outros termos,
admite-se que o ensino seja estatal, mas sem ficar sob o controle do
governo.
Mas se e educação, de acordo alega Pinto (2003), é o processo pelo qual a
sociedade forma seus membros à sua imagem e em função de seus interesses,
dentro do contexto capitalista, a tendência será a de reproduzir o espectro das
desigualdades sociais.
Torna-se um processo de domesticação, conduzido de
forma alienante e determinista da realidade social, que tem por base a submissão às
normas e à autoridade, na disciplina e no respeito à hierarquia; na separação entre o
que é imposto como conteúdo certo e a capacidade do sujeito de escolher, à luz do
seu saber e de sua experiência.
Na concepção de Gramsci (1977), a hegemonia da classe dominante está
diretamente ligada à sua evolução intelectual e cultural. Neste bojo, a educação
assume importância vital no desenvolvimento da consciência de classe e na
emancipação das massas, independente de onde for ministrada.
A luta pela educação torna-se necessária. Conforme assevera Cury (2000,
p. 60), o capitalismo não recusa o direito à educação para a classe subalterna, mas
o que não permite e recusa, é mudar a função social da mesma, para que não
alcance hegemonia.
Portanto, faz-se mister concluir com Saviani (1997, p. 32) que a educação,
como hoje vem sendo praticada no Brasil, longe de ser um instrumento de
superação da marginalidade, se converte em fator de marginalização, por reproduzir
a marginalidade social como conseqüência da marginalidade cultural.
De tal modo, é possível concordar com Saviani ao afirmar que
92
Luzuriaga (1959) [...] situa as origens da instrução pública nos séculos XVI e
XVII quando teria havido aquilo que ele chama de ‘educação pública
religiosa’ [...] Já o século XVIII é caracterizado pelo surgimento da
‘educação pública estatal’ [...] o século XIX será o século da ‘educação
pública nacional’ [...] o século XX corresponde ao advento da ‘educação
pública democrática’ (SAVIANI, 1997, p. 3-4).
O século atual, o XXI, dando continuidade à reflexão proposta por Saviani,
tendo como pano de fundo as teorias de Gramsci, permite inferir que será o século
da educação cosmopolita e mediadora no seio da prática social.
Cosmopolita, para formar o homem completo; mediadora porque, não
podendo transformar diretamente a sociedade, se constitui em um dos aspectos
imprescindíveis na luta pela hegemonia de uma classe e pela transformação da
sociedade.
No Brasil, as mudanças históricas sempre foram reflexos dos grandes
acontecimentos externos, sem constituir transformações significativas para a
sociedade, valendo isso também para a educação, sempre ligada, esta última, ao
sistema econômico e político. Na medida em que estes se organizam, a educação
responde, por meio do Ensino, ao estímulo, ou jogo de forças existentes, para
satisfazer o mercado de trabalho-produção e não como caminho para oferecer
provocações e respostas ao grito de dignidade e de Cidadania das massas. Durante
o período Colonial a educação permanece vinculada à catequese, e desta forma
continua durante toda a época do Império. As idéias liberais, próprias do capitalismo,
manifestam-se com a proclamação da República em 1889. A República, mesmo
permanecendo um Estado oligárquico, representa um rompimento com o sistema
escravocrata existente, mais próximo do feudalismo, uma vez que as estruturas
culturais e de poder, apresentam-se no dizer de Sader (1990, p. 20) “[...] como uma
93
expressão do processo de implantação do capitalismo com modo de produção
dominante nas entidades sociais latino-americanas”.
Diante de tais inovações, o ideal de homem e de educação muda. Com o
advento da República, precisa-se modificar a dinâmica do Estado, que passa a
servir de sustentáculo à nova estrutura social em vigor.
A divisão entre trabalho
intelectual e trabalho manual se aprofunda e se caracteriza pela forma como a
educação vem sendo estruturada e regulamentada sempre de forma autoritária e
vertical, sistema que acompanha a história do país até a Revolução de 30, conforme
aponta Romanelli:
[...] a ‘renovação intelectual de nossas elites culturais e políticas’ foi um fato
que não se deu, visto que o comando [...] se conservou nas mãos da classe
que tinha recebido aquela educação literária e humanista, originária da
colônia e que tinha atravessado todo o império ‘sem modificações
essenciais’ (ROMANELLI, 1990, p. 43).
A revolução de 1930 simplesmente marca, como já indicado na segunda
parte do presente capítulo, uma mudança de grupo no poder e a permanência do
sistema capitalista, unicamente com características diferenciadas.
Desafia-se a
educação a superar o analfabetismo e melhorar as habilidades da classe operária
rumo a profissionalização: é a educação baseada nos direitos e deveres. Direito ao
trabalho e dever de obedecer às leis do capitalismo sem questioná-las.
Assim,
educar neste panorama significa adaptar o indivíduo aos ideais do Estado. Com o
advento do regime militar, a resistência a estes princípios e provoca a exclusão da
sociedade.
A educação se atrela cada vez mais ao sistema produtivo e as
modificações sócio-econômicas centradas no desenvolvimento que procura
incorporar o país no capitalismo internacional:
94
Já que foi a época em que a expansão foi retomada de forma mais
acelerada constatou-se uma aceleração do ritmo de crescimento da
demanda social de educação, o que provocou, conseqüentemente, um
agravamento da crise do sistema educacional, crise que já vinha de longe
(ROMANELLI, 1990, p. 196).
Consequentemente, a educação no Brasil acaba por contribuir com o
princípio liberal do saber em função do mercado produtor e torna-se incentivada
pelas classes dominantes com o consenso do Estado. É o novo fator regulador da
sociedade: “A educação adequa-se como instrumento da acumulação capitalista ao
preparar mão-de-obra, especialistas, técnicos, voltados todos para a reprodução
ampliada do capital” (CURY, 2000, p. 65).
Por meio destas práticas, o capitalismo vai impondo sua lógica. A educação,
ao assumir este discurso e efetivar esta experiência, se afasta cada vez mais dos
interesses da classe trabalhadora e, portanto, da construção da Cidadania, fator
essencial para a edificação da sociabilidade dos sujeitos.
Para a construção da Cidadania torna-se fundamental debater a educação
como fator de formação humana, lembrando que a mesma educação faz parte da
totalidade da realidade social:
A educação concebida na totalidade social, é elemento dessa totalidade e
como tal expressa a produção humana. A totalidade social é formada pela
unidade da estrutura econômica e da superestrutura e ambas se ligam ao
trabalho e a práxis social. As perguntas ligadas à educação, tais como:
como é ela exercida? Quem a detém? Qual sua função na estrutura social?
Como ela é dividida nas diferentes instituições sociais? Decorrem de como
se dá essa unidade numa formação social. E só com base em suas
contradições podem ser explicadas mais amplamente [...] (CURY, 2000, p.
54).
95
Neste sentido que a educação torna-se fundamental, tanto como
possibilidade de legitimação social, quanto de transformação que permita ao homem
tornar-se cidadão, construtor de sua história:
A educação, embora de gênero e função específica, é produto humano e
conservará o caráter dialético dos fenômenos existentes na estrutura social.
Assim, ao mesmo tempo que expressa a estrutura, pode ocultá-la. De outro
lado a estrutura social gera novas exigências para a educação, que ao
captá-las antecipa um modo de ser do futuro, que determina tarefas para o
presente (CURY, 2000, p. 54).
Decorre daí que, nenhuma sociedade pode abrir mão da educação.
O
homem não nasce homem. Torna-se homem, porque vive em sociedade e a
educação é o meio pelo qual o ser humano se sociabiliza. Sociabilização que passa
pela educação, seja ela informal ou formal.
No presente, diferentemente de outros momentos históricos, ninguém
consegue tornar-se sujeito social, cidadão, sem a educação e esta em sua dimensão
formal, conforme assevera Saviani (1997, p. 2-3):
O predomínio da cidade e da indústria sobre o campo e a agricultura tende
a se generalizar e a esse processo corresponde a exigência da
generalização da escola. Assim, não é por acaso que a constituição da
sociedade burguesa trouxe consigo bandeira da escolarização universal e
obrigatória. Com efeito, a vida urbana, cuja base é a indústria, rege-se por
normas que ultrapassam o direito natural, sendo codificadas no chamado
‘direito positivo, que [...] se expressa em termos escritos.
Daí a
incorporação, na vida da cidade, da expressão escrita de tal modo que não
se pode participar plenamente dela sem o domínio dessa forma de
linguagem.
Portanto, a educação formal é algo indispensável para a conquista da
Cidadania. Torna-se impensável imaginar alguém fazendo uso dos bens culturais,
das novas tecnologias e do mundo do trabalho na atualidade, sem que seja obrigado
96
a utilizar dos conhecimentos básicos de que a sociedade dispõe, mas não
disponibiliza:
[...] para ser cidadão, isto é, para participar ativamente da vida da cidade, do
mesmo modo que para ser trabalhador produtivo, é necessário o ingresso
na cultura letrada. E sendo essa um processo formalizado, sistemático, só
pode ser atingida através de um processo educativo também sistemático
(SAVIANI, 1997, p. 3).
Assim infere-se que entre as principais funções da educação encontram-se:
proporcionar a apropriação construtiva do conhecimento, democratizar-lo e socializar
o sujeito, ou seja, preparar para a vida social. Lembra-se que a sociedade não
consiste em indivíduos, mas nas relações e condições nas quais estes indivíduos se
encontram na estrutura social. No Brasil, ressalta Saviani (1997), o Estado não se
revelou capaz de organizar a educação para uma verdadeira e democrática
Cidadania ativa.
Para que o Estado possa responder às provocações da sociedade e não
perder a hegemonia, é forçado a interferir e definir novos rumos, por meio das
Políticas Públicas Educacionais, que o capítulo seguinte abordará.
97
4 POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS: DO TEXTO DA LEI AO
TEXTO DIDÁTICO
O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da
farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões
políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o
peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua
ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior
de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e
lacaio dos exploradores do povo. (BRECHT, 2007b)
O objeto central do presente capítulo é realizar uma leitura das políticas
públicas como meio que o Estado, detentor do poder, usa para manter a hegemonia
sobre a sociedade em uma tentativa de diálogo processado na emanação de leis.
As Políticas Públicas Educacionais compreendem um conjunto de elementos
complexos, uma vez que nelas estão contidos os interesses e conflitos das classes
sociais distintas. Por meio delas se organiza a sustentação do movimento dialético
social: o acolhimento, as reivindicações e a formulação de leis que respondam às
demandas, o que constitui a práxis política. Explicitam as idéias e compromissos nas
leis escritas. Estas, por sua, vez, consolidam avanços, retrocessos e omissões com
relação às idéias e compromissos na sua efetivação a partir das ações
empreendidas. De tal forma, verifica-se uma profunda e indissociável relação entre
legislação e Políticas Públicas Educacionais.
Portanto, o presente capítulo,
analisará, na sua segunda parte, a construção do conceito de Cidadania na
Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
98
9394/96, dando ênfase à análise dos artigos que tratam da Cidadania, pois de
acordo com Saviani:
Para se compreender o real significado da legislação não basta ater-se à
letra da lei; é preciso captar o seu espírito. Não é suficiente analisar o texto;
é preciso examinar o contexto. Não basta ler nas linhas; é necessário ler
nas entrelinhas (SAVIANI, 1986, p.135).
Um terceiro momento apresentará o debate entre o conceito de
Cidadania e escola, esta última como locus privilegiado onde se entrelaça um
dialético diálogo entre Estado e futuro cidadão por meio da educação e pela fala dos
textos escolares.
4.1 POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS
Refletir sobre política é mergulhar na história, sempre rica de interpretações
e jamais terminante em suas conclusões. Ainda mais complexo torna-se elucubrar
sobre Políticas Públicas Educacionais, sendo que estas são gerações do Estado e
interpretações de toda uma concepção de mundo e de sociedade, influenciadas pela
envergadura das explanações dos sujeitos que nele vivem e vivendo, o constroem.
O termo política aparece com os gregos23 e era usado para significar tanto o
conjunto de práticas às quais os cidadãos se entregavam para coexistirem quanto o
estudo ou ciência dessas mesmas práticas.
23
Em seu sentido etimológico a palavra ‘política’ é derivada de polis, que significa cidade,
conseqüentemente relaciona-se ao que é urbano, público, social. Mas também pode ser entendida
como democracia, cidadão, direito à Cidadania. Com Saviani vale ressaltar que o termo polis dá
origem à expressão polido, que significa sujeito bem educado (SAVIANI, 1998, p. 156).
99
Com o germinar do Estado, este de forma progressiva e veemente, estende
sua rede de poder e influência sobre todos os membros da polis dominando-os pela
organização imposta. Portanto, política torna-se sinônimo de ciência ou arte de
comportamento do agrupamento humano constituído; normativa que trata da
organização dos bens sociais por parte do Estado. Assim política torna-se
A ciência dos fenômenos referentes ao Estado; ciência política. Sistema de
regras respeitantes à direção dos negócios públicos. É a arte de bem
governar os povos; conjunto de objetivos que informam determinado
programa de ação governamental e condicionam a sua execução e, ainda,
princípio doutrinário que caracteriza a estrutura constitucional do Estado.
Posição ideológica a respeito dos fins do Estado (FERREIRA, 1999, p.
1599).
Por tratar das relações de poder vividas na sociedade são definidas
públicas. Desta forma o Estado, em parte dependente e sustentado pela sociedade,
em parte por ter sido delegado de poder por ela e sobre ela, interfere estabelecendo
e direcionando o rumo do mesmo indivíduo. São as políticas públicas. Em resumo, é
possível afirmar que são formas de interferência do Estado, visando a manutenção
das relações sociais de determinada formação social. De fato, assumem ‘feições’
diferentes em diferentes sociedades e diferentes concepções de Estado (NEVES,
1999).
Na interpretação de Ferreira (1993), com o advento do capitalismo, as
relações de poder entre sociedade e Estado se enriquecem caracterizando-se pelas
contradições próprias de novos desafios. Na sociedade capitalista estas relações
sociais são relações de classe, que se estabelecem a partir das posições que as
pessoas têm no processo produtivo.
Implicam em relações de dominação e
exploração que se concretizam fundamentalmente de duas formas. Diretamente, no
100
sistema produtivo, onde os dois principais fatores da produção, meio e trabalho, são
separados, dando origem às duas classes fundamentais do sistema capitalista; a
dominante, proprietária dos meios de produção e do excedente do trabalho, e a
dominada, que mantém uma relação direta com os meios de produção, mas não é
proprietária deles. E indiretamente, através da negação da mesma divisão,
alimentando a suposição de que existe igualdade social ente todas as pessoas.
Para se manter, toda formação social precisa produzir e reproduzir a relação
de dominação. A organização desta dominação é construída em diferentes
modalidades: jurídica, política, religiosa e moral, tendo como conseqüência diversas
representações ideológicas em nível de superestrutura da sociedade capitalista.
No dizer de Marx; Engels (1999) a classe que detém o poder material
dominante, em nível de infra-estrutura, é ao mesmo tempo, a classe que detém o
poder ideológico, no nível da superestrutura, dominante nesta sociedade. A classe
que tem à sua disposição os meios para a produção e apropriação dos bens
materiais dispõe também dos meios para produzir, espalhar e inculcar suas idéias,
com o fim de simular os objetivos reais da relação capitalista.
Igualmente, para garantir a reprodução das relações de produção, a classe
dominante se utiliza do Estado, que atua como mediador de seus interesses, ou
seja, atua para a manutenção das relações de exploração da classe dominante.
Destarte, de acordo com O Capital (MARX, 1983), o Estado seria a
expressão das contradições das relações de produção instaladas na sociedade civil,
sendo delas parte essencial. Por ser incapaz de superar tais contradições, o Estado
as administra, colocando-se acima da sociedade. Assim sendo, as políticas públicas
originadas do Estado anunciam-se nessa correlação de forças, possibilitado um
equilíbrio instável e precário de responsabilidades.
101
No Estado capitalista as políticas públicas, especialmente as de caráter
social, têm importância estratégica, sendo utilizadas no decorrer dos conflitos sociais
para expressar a capacidade que o Estado tem em definir e praticar suas decisões.
Portanto, em nome de uma busca de eqüidade e justiça social, mas principalmente
para não perder o controle sobre a sociedade, o Estado torna-se hegemônico
(MARX, 1983).
De forma geral é possível afirmar que as políticas publicas são “atividade ou
conjunto de atividades que, de uma forma ou de outra, são imputadas ao Estado
moderno capitalista ou dele emanam” (SHIROMA, 2002, p. 7), como forma de
resposta aos anseios e demandas da sociedade civil, no que diz respeito à
educação, saúde, moradia, segurança, entre outros, mas que não passam de
imposições com única finalidade de manter a hegemonia. Compreendem um
conjunto de elementos complexos uma vez que nele estão contidos os interesses e
os conflitos das classes sociais distintas. Por meio delas se organiza a sustentação
do movimento dialético social: o acolhimento, as reivindicações e a formulação de
leis que respondam às demandas, o que constitui a práxis política.
Tais relações determinam um conjunto de ações atribuídas à instituição
estatal, que provoca o direcionamento (e/ou redirecionamento) dos rumos
dos investimentos na escala social e produtiva da sociedade. Nesse caso, o
Estado se apresenta apenas como repassador a sociedade civil das
decisões saídas do âmbito da correlação de forças travada entre os agentes
do poder (BONETTI, 1998, p. 20).
Diante desta afirmativa, revela-se que as políticas públicas são os resultados
das relações provocadas e constituídas pelos grupos econômicos e políticos,
classes sociais e diferentes organizações da sociedade. Somente podem ser
compreendidas na relação de poder entre Estado e sociedade. Esta última como
102
provocadora de determinadas demandas sociais e o primeiro como sintetizador e
implementador das mesmas.
Na atual sociedade, globalizada econômica e culturalmente, as diretrizes
não são mais do Estado em sua qualidade máxima, a soberania, mas subordinadas
a interesses internacionais de organismos aparentemente supra-estatais. A
UNESCO (Organização Educacional, Cientifica e Cultural das Nações Unidas), o
FMI (Fundo Monetário Internacional), o BIRD (Banco Internacional de Reconstrução
e Desenvolvimento) são exemplos, entre outros, que vão se transformando em
orientadores das políticas públicas de todas as polis, priorizando, por interesses
econômicos e políticos, os países em ‘desenvolvimento’.
Trata-se de uma nova fase do capitalismo.
As decisões são pensadas e
tomadas por países hegemônicos que se valem de diferentes estratégias, para
impor nova direção aos demais Estados.
Os países em ‘desenvolvimento’ aceitam a intervenção dos países
hegemônicos, com o intuito de adequar a sociedade local aos interesses e
demandas do desenvolvimento econômico global e como conseqüência, sofrem um
constante empobrecimento que se alastra de forma significativa.
Essa característica, própria do Estado liberal, que procura promover o
‘desenvolvimento’ por meio de uma submissão aos interesses do capital, produz, em
sua atual fase, uma defasagem significativa entre os interesses de uma minoria
hegemônica em detrimento de uma maioria excluída, difundindo a idéia de que as
concepções capitalistas são as mais eficientes e justas formas de relações sociais.
Para disseminar e viabilizar essa hegemônica visão de mundo surgem as
políticas públicas educacionais que, de forma privilegiada, passam a regular, a
103
adequação do Estado às macro políticas econômicas, determinadas pelos
organismos internacionais.
A partir da reorganização da ordem econômica capitalista face à crise do
Estado benefactor, a ótica neoliberal da modernidade passa também a
influenciar as análises das questões econômicas e sociais no Brasil, como
em toda América Latina. A crítica do Estado (ineficiente) e as propostas
privatizantes e descentralizadoras começam a aparecer no cenário
educacional como soluções [...] A idéia chave que norteará tais reflexões e
propostas é a de que na fase atual de desenvolvimento do capitalismo, o
saber tornou-se o insumo mais crucial para a competitividade das nações e,
mais ainda, que não há nenhuma razão para pensar que o Brasil conseguirá
produzir competitivamente com base no seu atual sistema educativo
(GONÇALVES, 1994, p. 2-3).
Nessa organização, as políticas públicas passam a regular os diferentes
setores sociais, tanto políticos e econômicos, quanto públicos e privados, fiéis a uma
concepção mercantilista que determina o ponto mais alto do processo na
empregabilidade do indivíduo que passa a ser determinada pela adaptabilidade e
capacitação exigida pelo mercado (FERREIRA, 1993).
A sociedade tem sua organização social definida pelo modo de produção
capitalista, onde as relações sociais, especialmente as de classe, desenvolvem-se
de acordo com o processo tecnológico e da divisão social do trabalho.
Na interpretação de Severino (1994) o trabalho tem um caráter ambíguo,
podendo tanto humanizar quanto desumanizar, dependendo das condições em que
é realizado. Quando desumaniza, leva o indivíduo a perder sua própria essência
(alienação). A forma mais expressiva desse tipo de trabalho é a escravidão, mas
também o trabalho assalariado, quando este nada mais é que uma atividade
reprodutivista. A educação pode assumir três significações frente ao trabalho. A
primeira pode ser como atividade útil ao trabalho; a segunda, como preparação ao
104
mesmo trabalho, tornando-se parte da formação do indivíduo-trabalhador; e a última
como realidade que acontece mediante a prática do mesmo.
Assim sendo, nesse contexto, as Políticas Públicas Educacionais são
pensadas para adequar o Estado às políticas econômicas planejadas pelos
organismos internacionais, como bem assinala Silva:
A construção da política como manipulação do afeto e do sentimento; a
transformação do espaço de discussão política em estratégias de
convencimento publicitário; a celebração da suposta eficiência e
produtividade da iniciativa privada em oposição à eficiência e ao desperdício
dos serviços públicos; a redefinição da cidadania pela qual o agente político
se transforma em agente econômico e o cidadão em consumidor, são todos
elementos centrais importantes do projeto neoliberal global (SILVA, 1994,
p. 15).
Dessa forma, impera a lógica do liberalismo ao transformar o homem
em consumidor, o denigra e o torna escravo do sistema produtivo capitalista,
apêndice da máquina com a única finalidade de produzir e consumir.
A
compreensão do homem que vive e se realiza pelo trabalho das próprias mãos se
apaga e com isso também as relações sociais com base na solidariedade,
fraternidade e igualdade, princípios fundamentais da luta pela democracia, como
visto no capítulo anterior.
Vivemos numa sociedade competitiva, de mercado, subdesenvolvida
economicamente e que só consegue encontrar ‘saídas’ para os indivíduos,
enquanto deveria solucionar radicalmente seus problemas. E o indivíduo
que consegue libertar-se, não raro desonestamente, de toda a opressão
imposta, tende a transformar-se em opressor também [... Raramente se
pensa ou se trabalha em prol da coletividade. Como regra geral as pessoas
buscam individualmente uma saída qualquer para a escravidão, a miséria, a
loucura que se tornou o século XX. Em sua luta pela libertação, o homem
se esquece de fatores fundamentais, como o fato de haver mais gente em
igual situação e a ação coletiva tenderia a ser muito mais eficaz que a
busca solitária [...] Para onde se volte o olhar, vemos o mesmo quadro de
devastação mundial, agressão da natureza e da própria sociedade humana
(FERREIRA, 2005, p. 25).
105
São as conseqüências do individualismo, produto do liberalismo: o homem
não se realiza mais em sociedade, mas quase projetado no passado, volta a
manifestar solidão e violência consigo mesmo, com os demais, com a natureza.
Aparece o fantasma hobbesiano homo homini lupus (HOBBES, 1974, p. 80).
O Brasil, afirma Ianni (1989), ao longo do século XX, tornou-se mais um
reduto do capitalismo, centro de dinamização das forças produtivas e das relações
de produção, assim a educação nacional além de padecer de organização, é
conduzida de forma centralizada e autoritária. As Políticas Públicas Educacionais
traduzem as aspirações dos grupos dominantes da sociedade, muito embora o
discurso oficial afirme que a educação é responsável pelo desenvolvimento científico
e tecnológico do país, pelo desenvolvimento do homem, pela construção da
Cidadania e pela mobilização vertical das classes menos favorecidas.
Na realidade, o Brasil conta com elevado número de analfabetos, semianalfabetos ou analfabetos funcionais, que lêem, mas não entendem o que lêem.
Isto é, o país continua produzindo cidadãos de papel, conforme assevera Dimenstein
(1997), cujo processo de exclusão, no dizer de Santos (1994), inicia nos primeiros
anos de escola. Esta última funcionando com instrumento de marginalização e não
promovedor de Cidadania ativa, conforme debatido no capítulo anterior.
O sistema educacional brasileiro, em conformidade com as políticas
internacionais, permite transformar o conhecimento em instrumento de dominação
social. De fato, ressalta Saviani (1997), um dos principais problemas da educação
brasileira é a falta de um sistema nacional de ensino que privilegie as camadas
populares, universalizando a educação. Além disto, o mesmo Saviani (1997, p. 32)
ressalta que a educação, longe de ser um instrumento de superação da
marginalidade, é produtora da mesma em sua dimensão cultural e escolar.
106
Ainda na compreensão do autor citado (1992, p. 95), educação e política são
práticas distintas que, no entanto, são “[...] modalidades especificas da mesma
prática: a prática social [...]”. Prática social característica da sociedade classista que,
assim sendo, possui interesses antagônicos.
Saviani (2002) destaca que na dependência recíproca entre educação e
política, é maior a dependência da educação em relação à política. Trata-se de uma
dependência histórica, resultante do fato de que a prática política tem como
condição de manifestação, a sociedade capitalista, ao passo que a educação se
relaciona à essência humana.
Portanto, na sociedade capitalista a educação
somente se viabiliza de forma secundária, pois os fundamentos são diferentes: para
a primeira é o poder, para a segunda o conhecimento.
Neste contexto, são as políticas educacionais que determinam as políticas
específicas e as ações educacionais. À estruturação de uma política educacional,
na sociedade atual, padece as interferências da globalização mundial; por esse
motivo faz-se preciso considerar que a implementação de uma política educacional
traz implícitos valores e interesses sociais. O Estado passa a desenvolver ações que
demonstram claramente as interferências do capitalismo vigente.
Diante do caráter dramático da realidade educacional brasileira, torna-se
fundamental repensar criticamente a função educacional do Estado e as Políticas
Públicas Educacionais. De tal modo, concorda-se com Freitag (1986, p.7) ao afirmar
que a Política Pública Educacional brasileira, deve ser compreendida,
Como a resultante de complexos processos históricos (a catequese, o
colonialismo, a escravidão, a monocultura, a dependência, etc.). e da
atuação de diferentes instituições e grupos sociais que se consolidaram
durante esses processo – a Igreja, as oligarquias rurais, a burguesia
urbano-industrial, o proletariado, o Estado, etc. – que lutaram pelo controle
107
do processo educacional basicamente com dois objetivos: a reprodução
material dos bens e a reprodução do sistema de valores e normas.
O sistema educacional, dirigido e controlado pelo Estado é um dos agentes
mediadores que traduzem em senso comum as idéias da elite dominante. E as
Políticas Públicas Educacionais são formas desta mediação, meio da elite
dominante tornar aceitos seus valores através do Estado que é quem, mesmo
influenciado e controlado pelos organismos internacionais, cria e controla as leis:
[...] a implantação da legislação educacional na sociedade civil significa criar
ou reestruturar o sistema educacional no ‘espírito da lei’, ou seja, de acordo
com os interesses da classe dominante traduzidos em suas concepções de
mundo e reinterpretadas na lei (FREITAG, 1986, p. 35).
A única finalidade é a despolitização cultural da sociedade para garantir sua
adaptação plena ao sistema capitalista por parte do indivíduo, que ao trabalhar pela
elite dominante submete-se ao domínio cultural da mesma:
As idéias (Gedanken) da classe dominante são, em cada época, as idéias
dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade
é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à
sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo,
dos meios de produção espiritual, o que faz com que a ela sejam
submetidas, ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles aos quais
faltam os meios de produção espiritual. As idéias dominantes nada mais
são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as
relações materiais dominantes concebidas como idéias; portanto, a
expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante;
portanto, as idéias de sua dominação (MARX; ENGELS, 1999, p. 72).
A coletividade delega à escola a responsabilidade da formação pessoal,
intelectual e social. A política a transforma em direito social e constitucional do
108
indivíduo, e o Estado o regula por normas e leis, transformando o indivíduo em
cidadão.
Nessa direção o Estado formula, pressionado e orientado pela sociedade
civil e na subordinação aos organismos internacionais, leis e normas para que os
indivíduos possam concretizar o exercício da Cidadania. Exercício que passa
inicialmente pela compreensão de que a democracia é vivência pacífica e
construtiva entre diferentes. Cidadania, como visto no capitulo três, entendida, mas
não sempre vivida, como participação plena de um indivíduo, membro de um
Estado, ao fruir de direitos e tornar-se portador de deveres que permitam uma
convivência pacífica e um desenvolvimento social equilibrado e harmônico.
4.2 A CIDADANIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E NA LEI
DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL 9394/96
A década de 1980 é significativa para a América Latina por transformar-se
no período de abertura democrática e de busca do resgate da Cidadania, ofuscada
pelas ditaduras militares instaladas em quase todos os países. No Brasil, os anos 80
iniciam com uma abertura política gestada num contexto de crise de legitimidade do
Estado autoritário, associada ao acirramento das contradições inerentes ao modelo
de desenvolvimento adotado no país durante o regime militar. O processo de
democratização, estagnado ao longo de duas décadas, desde o advento dos
militares ao poder em 1964 até 1985, marca o início da mobilização da sociedade
109
em seus diferentes setores ao grito de ‘Direitas já’, que poderia ser traduzido como o
brado por direitos.
De acordo com Sader (1990), perante a ameaça de intensas mudanças
sociais, decorrentes do contexto social e da aguda recessão econômica, os
detentores do poder mudam de estratégia para não perder a hegemonia e procuram
reordenar o modelo capitalista por meio de promessas de democratização gradual e
pacífica, distribuição de benefícios sociais e de participação política da sociedade
civil. Conforme teorizou Poulantzas (1990) o bloco no poder procura estabelecer um
equilíbrio, ainda que instável, entre as classes dominantes e as classes dominadas e
se vê obrigado a realizar uma série de concessões às massas populares, o que
acaba por mascarar a continuidade da dominação. Constituem-se pactos políticos e
o país ingressa numa fase de democratização social conservadora. Para Nogueira
(1993) nesse momento ocorre uma rearticulação de forças liberais, que mudam
forma e conteúdo do discurso, mas não abandonam a essência da ideologia liberal.
Muito embora na leitura de Sader (1990) o país sai do período de ditadura
militar com uma sociedade concentradora de renda, excludente e dividida
rigidamente no plano social, a euforia do fim da repressão leva a pensar em uma
reconstrução da Cidadania, conceito que, na leitura de Carvalho (2001) aparece
mais no discurso que na prática da sociedade civil e política: “A cidadania,
literalmente, caiu na boca do povo. Mais ainda, ela substitui o próprio povo na
retórica política. Não se diz mais ‘o povo quer isto ou aquilo’, diz-se ‘a cidadania
quer’. Cidadania virou gente” (CARVALHO, 2001, p. 7). Entusiasmo e ingenuidade,
que provocam o desejo de participação na reconstrução democrática. Nesta euforia
das liberdades políticas reconquistadas, surge a exigência de uma reformulação da
lei. Lei que, de acordo com Severino (2003, p. 58),
110
[...] surge como mediadora dos direitos atribuíveis a todas as pessoas, de
forma a garantir a cada um o que lhe é devido e a impedir que o mais forte
oprima o mais fraco, inviabilizando-lhe o usufruto de seus direitos. Sob o
regime da lei, os indivíduos só se submetem ao império do direito e só se
curvariam aos ditames da justiça, medida e mediação da equidade e do
equilíbrio social.
Assim, os constituintes convocados em Assembléia Nacional no dia
primeiro de fevereiro do ano de 1987, organizados em vinte quatro subcomissões se
valeram da colaboração de diferentes segmentos da sociedade, até então apáticos
por falta de oportunidades (BASTOS, 1993, p. 83), elaboram a Constituição
aprovada e promulgada em 5 de outubro do ano de 1988.
Ao ser promulgada é definida de Constituição Cidadã (CARVALHO, 2001, p.
7) por ter sido elaborada com ampla participação popular e para o alcance da
cidadania24.
No dizer de Silva (1994) a expressão reflete o entusiasmo da
Assembléia Constituinte, representante da sociedade como sinal de vitória da luta
pela democracia e por garantir como nenhuma outra carta constitucional anterior,
espaço aos direitos sociais e individuais da Cidadania.
A Constituição Federal de 1988 em seu anseio de orientar a construção e o
desenvolvimento da Cidadania exara diferentes títulos e artigos. No art. 1 da
mesma, assenta-se como um dos cinco elementos fundamentais da República. Já
no art. 5, em cada um dos setenta e seis incisos, apresentam-se de forma detalhada
os direitos civis, que na interpretação de Marshall (1967), correspondem aos direitos
24
No Preâmbulo à Constituição se lê: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em
Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento,
a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a
solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”. (BRASIL, 2006).
111
necessários à liberdade individual, liberdade de ir e vir, de imprensa, de pensamento
e fé, de direito à propriedade, de direito à justiça, entre outros. Formaram-se
fundamentalmente no século XVIII.
Os direitos políticos que, na perspectiva de Marshall (1967), são os que
aludem à participação do cidadão no governo da polis por meio da organização e do
voto, encontram-se consagrados nos artigos de 14 a 16.
Finalmente os direitos sociais, tidos por Marshall (1967) como os direitos
relacionados a um mínimo de bem estar social do indivíduo na sociedade, aparecem
expressos nos artigos de 6 a 11 da Constituição Federal de 1988.
Anseia-se construir a democracia que, conceito vislumbrado pelos gregos,
desencadeado pela Revolução Francesa, codificado inicialmente na Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789, vive mais uma etapa na
democratização do Brasil25.
Os direitos sociais, conquista do século XX, preocupam-se mais com a
igualdade que com a liberdade (QUIRINO; MONTES, 1996, p. 63), portanto a
Constituição Federal de 1988, ciente que não se formam cidadãos por meio da lei,
mas nas relações sociais, apresenta mais uma série de artigos para que a Cidadania
seja construída e para que o Estado, em sua ambígua hegemonia, não permaneça
fora deste processo de construção, concordando com Goldemberg; Durham (1993,
p. 167) ao declarar que,
A Constituição Federal de 1988 representou, em relação às anteriores, um
inegável avanço em termos de direitos políticos e sociais. Mas, elaborada
25
Um debate se abre a respeito da terminologia: democratização ou redemocratização. Sem entrar
no mérito da polemica, para os paladinos da democratização a democracia nunca foi perdida,
simplesmente porque nunca foi inteiramente alcançada. Já os que prezam para redemocratização, o
Brasil, com a proclamação da República, experimentou plenamente o regime político democrático. A
pesquisa aceita a idéia da democratização.
112
num período de euforia democrática, durante o qual se viveu a ilusão de
que uma sociedade ideal poderia ser criada através do simples mecanismo
de inscrever na Carta Magna tudo que parecia justo e desejável, apresenta
um mecanismo utópico. Uma pequena dose de utopia é necessária, pois
aponta objetivos que se espera atingir. Mas o excesso dela cria
expectativas irrealizáveis que só podem redundar em frustrações
generalizadas.
Pelo resto houve avanço na redação deste texto26, imaginando que a
igualdade alcançar-se-ía no momento que a lei viesse a ser decretada, esquecendo
o papel do Estado, hegemônico nas relações com a sociedade civil, de submissão,
nas relações com os organismos internacionais. Quem sabe o início de mais uma
utopia. Utopia que se torna força motriz para o trabalhador da educação.
A CF 88 apresenta uma série de artigos no Título VIII, na seção dedicada à
educação: 205-214, demonstra que a educação possibilita a construção da
Cidadania, sob o controle do Estado, sem deixar a utopia da sociedade civil
desvanecer, não perder o controle hegemônico e permanecer ‘fiel’ às orientações
internacionais.
Para tanto “[...] os princípios que regem a educação nacional,
enunciados no texto constitucional devem ser ajustados, na sua aplicação, a
situações reais [...]” (SOUZA; SILVA, 1997, p. 1). È neste anseio que surge a LDB
9394/96, como mais uma mediação dada pela educação, para a construção da
Cidadania em sintonia com o art. 206 da Constituição Federal de 1988, o qual
determina que,
O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a
arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - garantia de padrão de qualidade (BRASIL, 2006).
26 “E a Constituição Cidadã, surgiu, abrigando em seu texto a palavra ‘direito’ 76 vezes, ‘garantias’
44 vezes e o esquecido vocábulo ‘deveres’ apenas quatro vezes [...]” (TORRES, 2002, p. 135).
113
A finalidade do ensino, ministrado conforme os princípios enunciados no
artigo 206 do texto constitucional, enaltece a função de formar cidadãos que sejam
expressão de igualdade, liberdade e pluralidade de idéias e, conforme reza o texto,
tudo oferecido de forma gratuita pelo Estado, num elevado padrão de qualidade. O
IV inciso torna-se conseqüência do artigo 205 do mesmo texto constitucional que
declara ser a educação direito de todo cidadão e dever do Estado:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 2006).
Nas entrelinhas desse enunciado é possível ler a audácia e ardileza do
Estado em não perder sua hegemonia sobre a sociedade civil, muito embora se
torne palpável a dificuldade em acreditar que a qualidade da educação para a
Cidadania, oferecida pelo Estado, responda à preconizada pelo texto constitucional
no inciso VII do art. 206.
Destarte, é possível inferir que a Constituição Federal de 1988, em seu
anseio de consagrar-se como a Constituição Cidadã, em linha com o pensar
neoliberal, embora com sabor de renovação social devido à eufórica
participação
da sociedade civil por meio de movimentos sociais e grupos organizados, acata a
leitura de Marshall (1967) no que se refere ao desdobramento da Cidadania na
tríplice divisão dos direitos em civis, políticos e sociais conforme explanado no
capítulo três.
A ‘Constituição Cidadã’ para fomentar a construção da Cidadania, conforme
anuncia, apela à educação. Portanto, a Constituição Federal de 1988 demanda uma
114
nova Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional27 e é, no dizer de Saviani, no
clima democrático e de euforia, quase igualando o da redação da Constituição
Federal de 1988, que se tramitou a proposta de lei com ampla participação da
sociedade civil, bem antes da aprovação da CF 88, exatamente dois anos antes,
com a Conferência Brasileira de Educação de Goiânia (SAVIANI, 1997).
A elaboração do LDB 9394/96 apresenta-se como a totalidade de uma
correlação de contribuições da sociedade civil e das articulações políticas, próprias
do Estado. Saviani (1997) lembra que a sociedade civil colabora com a elaboração
do projeto ‘Contribuição à Elaboração da Nova LDB: um início de Conversa’
debatido em seguida no Congresso. O documento, progressista em sua linha
mestre, pelas delongas burocráticas, com o desvanecimento da euforia inicial, passa
pela análise de congressistas não mais tão progressistas sendo que, a partir do ano
de 1995, as forças conservadoras voltam a dominar o Congresso.
A LDB 9394/96, após um percurso não muito linear e de amplo debate e
lutas da sociedade civil organizada com as forças conservadoras, no sentido de
assegurar a construção de um sistema nacional de educação que apresente uma
concepção de homem, de mundo, de sociedade, de educação, de trabalho e após
oito anos de tramitação, chega, entre avanços e limites, a ser “[...] sancionada,
exatamente trinta e cinco anos depois de promulgada a nossa primeira LDB (lei
4.024 de 20.12.61)” (SAVIANI, 1997, p. xi). No discurso oficial, os dois pólos da
sociedade apresentam-se em sintonia ao anunciar um idêntico discurso: qualidade e
democratização da educação e do ensino, preparação para o trabalho e a formação
para a Cidadania ativa.
27
Art. 22: Compete privativamente à União legislar sobre: [...] XXIV - diretrizes e bases da educação
nacional [...] (BRASIL, 2006).
115
A lei atende os anseios de ambos os pólos, resultando em um acerto entre
as forças antagônicas, mas não esclarece qual a qualidade de ensino a ser
alcançada menos ainda a que tipo de Cidadania está se referindo.
Portanto, ressalta-se que o documento final, fruto de muitas discussões e
embates, claramente visíveis no texto, apresenta avanços e retrocessos, próprio de
uma lei quando tramita em busca de aprovação. Ainda assim, na interpretação de
Demo (1999), contém elementos e dispositivos inovadores e flexíveis que permitem
o avançar da educação, e constituem-se em norma fundamental para a construção
da Cidadania por meio da mesma educação.
A LDB 9394/96, após revelar em sua totalidade o horizonte da educação no
inciso 1 do art. 1, no inciso 2 define a abrangência do documento: a educação
formal.
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil e nas manifestações culturais.
§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve,
predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias (BRASIL,
1996).
Aparece evidente a influência conservadora que corrige o projeto inicial da
lei, encurralando-a no reduto da escola clássica a fim de um melhor controle e
domínio do futuro trabalhador de acordo declara o inciso 2: “Art. 1º [...] § 2º A
educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”
(BRASIL, 1996).
Muito embora este inciso declare a necessidade de formar o cidadão e
trabalhador, concordando com Souza; Silva (1997) atenua-se a preocupação com a
116
humanização e valores, presentes na LDB 5692/71 e se prioriza, fruto da
modernidade, o processo de formação e o sociologismo.
Os artigos 2 e 3, em sintonia com a CF 88, apresentam, sob o titulo de
‘Princípios e Fins da Educação Nacional’ os alicerces para a construção da
Cidadania por meio da educação. Os princípios anunciados no artigo 2, ‘Liberdade e
Solidariedade’ são explicitados no conjunto do artigo 3 nos seus 11 incisos. São
princípios normativos e pontos de partida para a realização das Políticas Públicas
Educacionais, coma finalidade de provocar a realização de ações para a
transformação da educação em meio de construção da Cidadania.
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios
de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996).
Nota-se a defesa da educação como direito social, por tanto como caminho
para a plena construção da Cidadania. Percebe-se uma das características da
função da educação, requisito necessário para que os cidadãos tenham acesso ao
conjunto de bens e serviços disponíveis na sociedade, constituindo-se em condição
necessária para se usufruir de outros direitos, sempre constitutivos da Cidadania.
O texto declara o fim da educação e anuncia três objetivos. Souza; Silva
(1997, p. 10) salientam que:
A diferença entre fim e objetivo está em que o fim tem natureza filosófica e
política, colocando-se sempre no horizonte das aspirações humanas, ao
passo que o objetivo tem natureza administrativa e pragmática, situando-se
em dimensões aritmeticamente avaliáveis de tempo, espaço e recursos
envolvidos.
117
Considerando a afirmação de Souza; Silva, torna-se importante observar
que a LDB 9394/96 pretende projetar no fim o que se torna um objetivo, com o
intuito de enobrecer o educando e transformá-lo em cidadão. Nesta perspectiva a
educação pode vir a ser compreendida como um processo pelo qual o sujeito se
desenvolve de maneira progressiva, constituindo-se em um gradual aperfeiçoamento
por meio do qual se aspira à transformação do homem, habilitando-o à Cidadania,
qualificando-o e inseri-lo no mundo do trabalho.
O art. 2 caracteriza a educação como dever da família e do Estado28.
Importante salientar o papel do Estado enquanto legitimador de práticas
educacionais por meio das políticas públicas. No auge da euforia a sociedade civil
propôs um texto progressista; o Estado, anos depois, aprova um texto com sabor de
conservadorismo, equilibrando uma correlação de forças entre agentes diversos:
instituições internacionais, entre elas o FMI, OMC, UNESCO, os quais defendem
interesses das elites internacionais e o projeto de desenvolvimento econômico; os
representantes das classes dominantes nacionais, interessados na ampliação do
capital; a sociedade civil organizada que procura garantir os direitos, principalmente
os
sociais,
para
uma
implantação
real
da
Cidadania.
Apesar deste equilíbrio, o Estado, reservando-se o dever da educação,
confirma a necessidade, tácita, de manter a hegemonia sobre o cidadão, como
especificado no art. 4 da mesma LDB 9394/9629.
Ao
apresentar
as
três
‘finalidades’
da
educação
formal:
pleno
desenvolvimento do educando, tornando-o sujeito autônomo e livre; qualificação
para o trabalho, como condição de sobrevivência; preparo para a o exercício da
28
A educação como dever do Estado aparece pela primeira vez na Constituição Federal de 1934.
“Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
[...]” (BRASIL, 1996).
29
118
Cidadania como meio de sobreviver na sociedade politicamente organizada
(SOUZA; SILVA, 1997), compreende-se que será possível atingi-la com a efetivação
de Políticas Públicas Educacionais através de um adequando equilíbrio de forças
entre Estado e sociedade civil.
A compreensão do contido na lei representa um avanço. O texto é fruto de
uma pressão social que validou, legitimando-a, sua inclusão. Assim, a educação
torna-se ao mesmo tempo direito social previsto na lei e meio para a garantia da
efetivação deste mesmo direito, isto é, o cidadão dela depende para ter acesso a um
sem número de elementos indispensáveis para a realização plena de seus direitos.
A LDB 9394/96, além de reafirmar os princípios constitucionais referentes à
educação em obediência ao art. 22 inciso XXIV, da CF 88, apresenta normas para a
efetivação da mesma. O art. 3 da LDB 9394/96, revela-se como continuidade e
aplicação do art. 206 da Constituição Federal de 1988. Enuncia os princípios que
irão nortear a construção das três ‘finalidades’ apresentadas no art. 2: pleno
desenvolvimento do educando, preparo para o exercício da Cidadania e qualificação
para o trabalho.
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da
legislação dos sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extra-escolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais (BRASIL, 1996).
119
O art. 3, com seus XI incisos, confere especial atenção a cada um dos
princípios educacionais que fundam a construção da Cidadania.
No dizer de SEVERINO (2003) os onze princípios apresentados no art. 3
podem vir a ser agrupados em cinco grandes categorias:
Condições de garantia da universalidade do ensino (incisos I e VI);
Princípio da expressão de liberdade (incisos II, III, IV e V);
Princípios relacionados ao conteúdo do ensino (incisos IX e X);
Princípios relacionados com o mundo sociocultural (inciso XI);
Princípio de democratização do poder (inciso VIII).
Entretanto Severino (2003) alega que o texto não apresenta inovação, mas
reproduz o que já se encontra presente na Constituição Federal de 1988 e na LDB
4024/61. Únicos incisos não presentes nos citados documento são os IV, X e XI.
Nesta mesma ótica situa-se Demo (1999, p. 12), ao expor que,
A LDB não é propriamente inovadora, se entendemos por inovação a
superação pelo menos parcial, mas sempre radical, do paradigma
educacional vigente, ou ainda se a entendemos como estratégia de
renovação dos principais eixos norteadores.
Portanto, a não inovação considera-se conseqüência da concepção política
dominante que acompanhou a aprovação da LDB 9394/96, seus interesses
perpassam o limite da sociedade e tem como horizontes interesses internacionais
garantidos no país pelas classes dominantes, herança do liberalismo, presente no
quadro dirigente do Estado. Em razão disso a Cidadania, anunciada no art. 3 não
passa de pura retórica, sendo que, na leitura de Severino (2003), a lei simplesmente
anuncia, mas não garante a implementação dos direitos que levariam a uma
construção da Cidadania plena. Construção que indica a participação do Estado em
120
sua acepção gramsciana de “[...] sociedade política + sociedade civil [...]”
(GRAMSCI, 1977, Q. 6, 703), para que a Cidadania não seja entendida como um
oferecer por parte da classe hegemônica, detentora do poder, benefícios para as
classes subalternas, mas seja fruto de um debate entre forças antagônicas em
busca de uma aplicação do enunciado nos diferentes artigos citados.
Os
primeiros
4
incisos,
anunciam
princípios
que,
se
aplicados,
desencadeariam a construção plena da Cidadania30 por meio da educação,
sintetizáveis a dois : igualdade e liberdade.
O inciso 1 ao afirmar a igualdade de condições para acessar e permanecer
na escola declara a possibilidade de criar, sem distinção de classe ou
discriminações, oportunidade para todas as pessoas. A igualdade é um estado de
direito segundo o qual todos os homens gozam dos mesmos direitos e obrigações,
não apresentando diferença alguma diante da lei. Portanto, a finalidade é a de evitar
que “[...] eventuais diferenças de natureza sócio-econômica não venham a privilegiar
uns em detrimento de outros” (SOUZA; SILVA, 1997, p. 11).
Segundo Cury
A igualdade perante a lei, a igualdade de oportunidades, a de condições, a
de resultados se choca com um país marcado historicamente pelo profundo
grau de desigualdade social. Assinalar a democratização em quando
acesso é por em evidência o quanto se tema caminhar no âmbito das
políticas educacionais (CURY, 2002, 14).
Diante das desigualdades sociais, a escola pode vir a ser o locus privilegiado
para derrubar barreiras que, não somente denigram a igualdade, princípio essencial
30
A pesquisa opta para a terminologia de Cidadania plena partindo da leitura-provocação de Carvalho
(2001) e do significado que outros autores, entre eles Demo (1995) e Canivez (1991) atribuem ao
termo Cidadania ativa, por parecer mais abrangente e explícito.
121
para a construção da Cidadania, mas permitindo, por meio de uma ação política
concreta, abrir caminho para uma primeira conquista social: a permanência na
mesma do educando a fim de que a educação seja absorvida e não somente
desejada.
Na concepção liberal a igualdade afirma-se como direito, não como fato,
configurando-se como categoria formal, ou seja, não promove transformações
sociais. Portanto, é significativa a enunciação deste princípio no texto da LDB
9394/96, inspirado no ideário liberal que pode, se exigido pela sociedade e aplicado
pelo Estado, revolucionar a educação e, por conseqüência, a mesma sociedade, de
fato, ao proclamar a universalidade da educação, que torna-se igualdade de
oportunidades para todos os alunos, abrem-se as premissas para que o indivíduo
inicie o exercício da Cidadania, não mais individual mas coletiva como desprende-se
da leitura do pensamento gramsciano.
O inciso 2 declara a liberdade como instrumento do procedimento
educativo. A este inciso fazem eco o inciso 3, a respeito do pluralismo de idéias e
concepções e o inciso 4 que, corolário ao anterior, declara possível o pluralismo e a
tolerância entre diferentes. Direito que salvaguarda e preserva a igualdade de
expressar, democraticamente, a liberdade de cada cidadão.
Liberdade, pluralismo e tolerância, expressões de uma única categoria que,
em uma sociedade democrática, seja ela de inspiração liberal ou socialista,
nenhuma outra realidade possa vir a lesar ou cercear.
É este o princípio que
provocou, ao longo da história da humanidade, a derrocada de regimes totalitaristas,
seja de direita como de esquerda para implantar a democracia. Nesta liberdade, o
pluralismo de idéias, próprio da democracia, evita o unilateralismo abrindo caminho
122
para a omnilateralidade, isto é, a possibilidade de expressar e mais, conviver com
diferentes concepções de homem e de mundo.
Diante do texto depreende-se a função do Estado que chancela estes
princípios na LDB 9394/96 quando promove por meio da educação e preserva com
políticas adequadas, projetos e conquistas que, na escola brotam, a fim de
transformar declarações escritas em ações para alcançar a Cidadania pela
educação.
Imprescindível salientar a preocupação que os artigos analisados da LDB
9394/96 provocam. Em conformidade com o art. 5 da Constituição Federal de 1988
que proclama: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
[...]” (BRASIL, 2006), pode-se pela compreensão do texto, afirmar que o exercício
da Cidadania é um direito social adquirido? A educação, sendo parte destes direitos
é ao mesmo tempo instrumento da dinâmica para a construção da Cidadania? O
afirmar da igualdade é sinônimo de real igualdade diante da mesma lei?
O momento atual continua caracterizado por inúmeras desigualdades sociais
e deixa claro que a educação, muito embora as positivas intenções das leis
analisadas, não se vislumbram caminhos realizáveis tanto para a consolidação,
quanto para alcançar a Cidadania plena.
Como na Constituição Federal de 1988 se depositaram as esperanças não
realizadas de uma construção de direito da Cidadania, assim na LDB 9394/96
frustram-se os desejos de fazer da educação uma alavanca para a superação das
desigualdades, a democratização e o alcance dos direitos.
Concordando com Demo (1999, p. 68),
123
[...] é necessário perceber que a teoria e a prática da educação no país são
terrivelmente obsoletas. O Brasil é um dos países mais atrasados do mundo
nessa parte. A LDB não redime essa chaga, por mais que lance
perspectivas inovadoras aqui e ali [...].
Com tantas implicações quando se fala em conquista da Cidadania, as quais
implicam direitos civis, políticos e sociais, a Constituição Federal de 1988 e a LDB
9394/96 tornam-se pura retórica. É preciso lutar para que a escola torne-se escola
cidadã31; para que o indivíduo, através do desenvolvimento de suas potencialidades
e da construção de um conhecimento capaz de diplomá-lo, seja atuante no meio em
que vive e se torne agente de erradicação de todo tipo de desigualdade social. Por
tanto urge refletir a respeito da questão e trabalhar em favor de uma metamorfose:
transformar a educação formal em um meio para alcançar os três objetivos que o
artigo 2 enuncia como fins.
Para que esta mudança se realize, isto é, para que o desenvolvimento do
educando, sua qualificação para o trabalho e, principalmente seu preparo para o
exercício da Cidadania aconteça, locus privilegiado torna-se a escola. Escola que
procura desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes que proporcionando ao
indivíduo um preparo adequado para uma plena relação consigo mesmo, com o
meio no qual vive e com os demais membros da polis.
31
Entre os autores que trabalham o conceito de escola cidadã, além de Gadotti, encontra-se
Dallabrida, Elias, A escola cidadã na rede pública de ensino do Paraná...
124
4.3 CIDADANIA, ESCOLA E TEXTOS ESCOLARES
A escola, espaço institucionalizado com função de produzir e articular o
conhecimento escolar, é a instância que a sociedade erigiu para educar e instruir as
gerações futuras onde o educando atua efetivamente como sujeito individual e
social, é fruto de uma necessidade da sociedade, crescendo na medida em que
novas necessidades surgem no seio da mesma. Embora no decorrer da história
agregaram-se outras funções, a principal permanece, no pensar de Luckesi (2005),
mediar a apropriação da cultura socialmente acumulada às novas gerações, sendo
que é na escola que os ideais educacionais traduzem-se em prática pedagógica,
conseqüentemente, social e política. Pode vir a ser definido como um espaço
concreto fundamental para a formação de significados e para a construção e o
exercício da Cidadania, pois na medida em que possibilita a aprendizagem de
participação crítica e criativa, contribui para formar cidadãos capazes de atuar
política e socialmente na articulação entre o Estado e a sociedade civil.
Para Cury (2000, p. 94), a escola é uma instituição pedagógica, com
função de elaborar e difundir concepções de mundo por meio de idéias pedagógicas
que, por sua vez, são e exercem uma função educativa. Pondo-se a serviço da
hegemonia da classe dominante, exerce a função de permitir a interiorização de
princípios e normas, elaboradas pela classe dominante, iimpostas nas classes
subalternas.
Na leitura de Cury (2000) a escola encontra-se entre as instituições de maior
peso na sua função hegemônica. Tal peso se deve à proximidade com o poder, pela
tradição, pela estrutura consolidada e aceita pela sociedade, pelo valor e influência
125
que exerce na mesma, sempre ligada, direta ou indiretamente ao Estado. Estado
que a reconhece, ampara e orienta, sendo que não gera a divisão da sociedade em
classes, mas coopera pondo-se a serviço de um pólo da mesma, quase sempre da
classe detentora do poder.
Assevera Canivez (1991, p. 33) que a escola tem uma profunda articulação
com a construção da Cidadania:
Se toda comunidade política se caracteriza pela coexistência de várias
tradições, a escolaridade tem significado particular. A escola, de fato,
institui a cidadania. É ela o lugar onde as crianças deixam de pertencer
exclusivamente à família para integrarem-se numa comunidade mais ampla
em que os indivíduos estão reunidos não por vínculo de parentesco ou de
afinidade, mas pela obrigação de viver em comum. A escola institui, em
outras palavras, a coabitação de seres diferentes sob a autoridade de uma
mesma regra.
Interpretando o texto, a escola responde exatamente aos anseios das leis
analisadas na segunda parte do presente capítulo. De fato, ela tem sido o locus
privilegiado onde a Cidadania pode ser construída e acontece na dialética
confrontação entre Estado, que a controla e a mantém, e a sociedade civil que exige
e provoca contínuas mudanças para adaptá-la às necessidade das pessoas. Outra
função da escola tem permitido relacionar e integrar diferentes dimensões da vida
pessoal e social. Surge como mediadora entre o passado, consolidando em forma
de saber acumulado e o presente, com seus desafios e provocações e, finalmente
pode permitir a inserção do educando na sociedade atual. A escola permite ao
indivíduo, sair de seus limites familiares e projetá-lo na polis, com suas regras e suas
contradições, próprias de qualquer sociedade.
De maneira geral a escola atual, organizada pelo Estado capitalista,
acompanha os princípios liberais: liberdade dos indivíduos, igualdade perante a lei,
126
direito à propriedade, individualismo, democracia. Princípios que desembocam no
capitalismo.
Para que esta sociedade capitalista se implantasse, a burguesia, classe em
ascensão, precisava do apoio das classes subalternas. A estas se oferecem duas
condições: assumir sua Cidadania e sair da ignorância.
A escola oferece-se como ponto de encontro desta necessidade acunhando
o leme: Educação, direito de todos, dever do Estado, reproduzido em todas as
Constituições democráticas32. A escola, como bem lembra Porto (1987), que antes
oferecia o monopólio da educação para a burguesia, quase sempre desvinculada do
mundo do trabalho, passa a receber em número crescente, crianças da classe
subalterna. O ensino, dado no local de trabalho, é grande oportunidade de ascensão
social e econômica.
Porto (1987, p. 38) afirma que com o desenvolvimento do capitalismo, além
do antagonismo entre as duas classes: dominante e subalterna; a primeira em
querer pelo poder cultural manter a hegemonia e a segunda ascender, surge uma
preocupação por parte da burguesia: o não querer mais a participação política das
massas, por não acirrar a contradição entre os interesses dominantes e os
emergentes.
Por isso a escola se apresenta como um espaço onde a dialética se faz
notória por surgirem as contradições da sociedade assimiladas pela educação,
trabalhadas e transmitidas sempre favorecendo a classe dominante, conforme
assinala Marx; Engels: “As idéias (Gedanken) da classe dominante são, em cada
época, as idéias dominantes” (1999, p. 72).
32
Desde a primeira Constituição Imperial do Brasil de 1824, que traz duas referências à educação até
a de 1988 que dedica vários artigos à educação, o princípio inspirador é o mesmo: direito do cidadão,
dever do Estado.
127
Para que esta contradição não se torne motivo de afastamento da classe
subalterna da educação, como meio de dominação, apresenta-se uma nova função
social da escola: integrar o sujeito na sociedade, integração esta, que promove a
democratização.
Democratização que se manifesta não somente no acesso à
escola, mas na igualdade de oportunidade para busca e acesso ao saber.
Assim, o saber transmitido pela escola é “[...] resultado do confronto entre as
diferentes alternativas de compreensão do mundo” (FEIL, 1997, p. 112).
As alternativas de compreensão são conseqüências do pluralismo declarado
no art. 3 incisos III e IV da LDB 9394/96, mas que não sempre a escola realiza,
sendo que o direito de acesso não significa sempre direito à permanência, ainda
mais, significa a autonomia dos agentes do saber em relação aos meios utilizados
para a construção do mesmo saber. Este fator está intrinsecamente ligado ao tipo
de conhecimento que a escola transmite. Podendo transformar-se em uma escola
mais ou menos comprometida com a educação, esta última entendida de acordo
visto no capítulo anterior, como edificadora de ‘homens completos’ ou ‘homens pela
metade’ de acordo com o pensamento de Gramsci (MANACORDA, 1990, p. 29).
Homens completos no sentido de construtores de uma sociedade pluralista e
tolerante.
Para que esta edificação se realize faz-se necessário que a escola
transforme o saber em
Um saber comprometido com a verdade porque ela é a base de construção
de conhecimento. Um saber comprometido com a justiça porque ela é a
base das relações entre os humanos [...] Um saber comprometido com a
igualdade, porque ela é a base da estrutura social e inerente à condição
humana (BELLONI, 1992, p. 73).
128
Um saber dinâmico que concilie herança cultural com as novas conquistas
da cultura. Um saber que permita ao sujeito tornar-se livre, na medida em que o
torna mais consciente de sua missão pessoal e social. Liberdade que é um dos
pilares da democracia e desta torna-se garantia. Um saber que colabore para a
integração da pessoa, desenvolvidas suas potencialidades, no meio social no qual
vive e participa, a fim de mediar o desenvolvimento da sociedade.
Um saber que, longe de ser uma transmissão mecânica e acúmulo de
informações, permita a apropriação do conhecimento para uma interação entre os
diferentes agentes tendo a escola como local de acontecimento.
Portanto, função social e saber na escola deveriam se unir a fim de construir
uma nova sociedade do conhecimento e uma autêntica Cidadania (BORDIGON;
GRACINDO, 2000, p. 156).
Cidadania que na interpretação de Bordigon; Gracindo (2000) vai além da
restrição da leitura jurídica de direitos e deveres, própria da visão positivista
assumida pelo Estado moderno em sua inspiração liberal, unicamente preocupada
com a Cidadania civil.
Concordando com os autores, a Cidadania que a escola, pela mediação do
ensino precisa buscar, vai além da dimensão civil, procurando desenvolver outras
dimensões, entre elas a econômica, a cultural e a política, direitos estes, pessoais e
sociais indispensáveis à democracia e à construção da Cidadania (BORDIGON;
GRACINDO, 2000, p. 156).
Acredita-se que é possível fazer da escola um espaço dialético entre o
Estado, com suas políticas anunciadas pela emancipação dos sujeitos, mas ligadas
aos interesses de organismos internacionais e as classes dominantes, que dificultam
à escola realizar sua vocação: emancipar pessoas em sujeitos e estes em cidadãos.
129
Cidadãos capazes de dialogar entre si, interagir com as diferentes classes
sociais e confrontar-se com o Estado cada vez mais confuso por não ser mais
moderno, no sentido de aderir plenamente aos padrões do capitalismo internacional
e “[...] nem cumprir a sua tarefa de criar as pré-condições necessárias para o
exercício da Cidadania” (CURY, 1993, p. 63).
A Cidadania se edifica nas relações entre diversos. São as relações sociais,
respaldadas pela liberdade e a tolerância no pluralismo. Pluralismo que, intrínseco à
escola por acolher pessoas de diferentes grupos sociais, desde os mais ricos aos
menos favorecidos, pode, na igualdade da dignidade humana, promover a unicidade
que enriquece a sociedade.
Concordando ainda com Bordigon; Gracindo (2000) o cidadão, que a escola
como desafio tem que promover, é aquele que faz a história, o governante, no dizer
de Canivez (1991), de si mesmo e, com os outros, da sociedade.
Para possibilitar esta construção, a escola, mais que informar, tem como
compromisso promover e vivenciar tais relações sociais, muito além do texto da lei
escrita ou das concessões de um Estado cada vez mais confuso em sua mediação
entre sociedade civil e detentores do poder.
A pessoa que a escola acolhe em seu meio é um sujeito que intervém,
transforma, avalia, compara, critica, decide. É este sujeito que a escola tem que
educar. Função primordial da escola é contribuir para a melhoria da sociedade
através da formação de cidadãos críticos, responsáveis e capazes de enfrentar os
desafios que o mundo lhes oferece. Em síntese, de acordo com Ferreira (2003, p.
113),
a
escola
tem
que
formar
seres
humanos
intelectualmente
emocionalmente ajustados, aptos tecnicamente e ricos de caráter.
fortes,
130
A escola tem como missão fundamental formar cidadãos, responsáveis,
compromissados e honrados. Seria um problema gravíssimo se o sistema educativo
fosse por si mesmo um meio para piorar eticamente a sociedade. É compromisso da
escola, como já visto em Gramsci, de formar o homem completo (MANACORDA,
1990, p.29).
Se a escola é o locus para que a função social de construir Cidadania
aconteça, as idéias pedagógicas elaboradas nesta instituição social, necessitam de
um meio para ser difundidas e chegar até os alunos. Mediações são usadas para
esta construção, que a sociedade civil reivindica, o Estado anuncia nas leis e a
escola tem por compromisso realizar. Entre as muitas mediações, a que interessa à
presente pesquisa, por ser um material ambíguo no sentido de oferecer diferentes
ângulos de leitura, e também por ser produto das Políticas Públicas Educacionais, é
o texto didático.
Para Freitag; Costa; Motta (1997) o livro didático é um objeto cultural
contraditório que gera intensas polêmicas e críticas de muitos setores, muito embora
considerado como um instrumento fundamental no processo de escolarização.
Surgiu como um complemento aos grandes livros clássicos. De uso restrito ao
âmbito da escola, reproduzia valores da sociedade, divulgando as ciências e a
filosofia e reforçando a aprendizagem centrada na memorização. E, por longos anos,
ele cumpriu essa missão.
Depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, o livro didático
ampliou sua função precípua. Além de transferir os conhecimentos orais à
linguagem escrita, tornou-se um instrumento pedagógico que possibilita o processo
de intelectualização e contribui para a formação social e política do indivíduo
(FREITAG; COSTA; MOTTA, 1997).
131
Depositário de conteúdo escolar permite o repasse do saber, do
conhecimento e técnica considerados essenciais de certa sociedade historicamente
determinada. Transpõe o saber acadêmico e popular para o escolar por meio de
uma complexa adaptação de linguagem e formas de comunicação próprias
pensadas pela classe hegemônica que detêm o poder cultural e o repassa, como
certo e único, para os alunos.
O livro didático não é somente um instrumento pedagógico, mas, no dizer
de Choppin (1992) é também produto de grupos sociais que procuram, por seu
meio, perpetuar suas identidades, valores, tradições e culturas.
Vivendo em uma sociedade dividida em classes antagônicas, a burguesa
que detêm o poder e domina e a classe dominada, a educação está sempre em
sintonia com um pensar de classe e grupos de elites.
Como as idéias dominantes
de uma época são as idéias da classe que domina a sociedade, de acordo com o
exposto na Ideologia Alemã (MARX; ENGELS, 1999, p. 72), na atual sociedade
capitalista são as idéias burguesas que dominam. Geralmente o livro didático, em
fidelidade à educação burguesa que impera e tem a função de garantir tal domínio
por meio da escola, apresenta-se como um fiel repassador de uma pedagogia que
controla e domestica: o da classe burguesa para o domínio e da classe subalterna,
para a obediência e a produção, sendo que a educação visa formar cidadãos
produtivos e obedientes à lei.
Por isso desperta interesse em diferentes setores e provoca debates no
interior da escola, na sociedade civil, no mercado assim como entre autoridades
políticas e intelectuais de diversas procedências. Apesar de ser um objeto bastante
familiar e de fácil identificação, torna-se praticamente impossível defini-lo. Pode-se
constatar que o livro didático assume ou pode assumir, funções diferentes,
132
dependendo das condições, do lugar e do momento em que é produzido e utilizado.
Por ser um objeto de ‘múltiplas facetas’, o mesmo é pesquisado como produto
cultural; como mercadoria ligada ao mundo editorial e dentro da lógica de mercado
capitalista; como suporte de conhecimentos e de métodos de ensino das diversas
disciplinas e matérias escolares; e ainda, como veículo de valores, ideológicos ou
culturais.
Para Gerard; Roegiers (1998) o manual escolar, enquanto instrumento de
informação e divulgação, veicula uma determinada cultura, um conjunto de valores e
modelos que emanam dos objetivos do currículo e da forma como os autores dos
manuais interpretam este último. Nesta medida, o manual pode induzir um conjunto
de representações do mundo e modelar decisivamente a forma como o aluno
assimila a cultura, tal como ela é objetivada no mesmo texto escolar. Constitui-se,
portanto, como um agente poderosíssimo no processo de socialização e de
formação da identidade de crianças e jovens.
Outro aspecto importante a reter, na leitura de Gerard; Roegiers (1998), diz
respeito à função uniformizadora do manual enquanto veículo de cultura. Apesar
das preocupações em que constantemente se insiste quanto à necessidade de dar
vozes à diversidade cultural, cada vez mais presentes no meio social e no interior
da instituição escolar, o livro escolar tem enorme dificuldade em escapar aos
determinismos da cultura oficial formatada no currículo prescrito, sendo que este
emana das finalidades da educação.
Cury (2000, p. 107) insere o livro didático no material da chamada indústria
do conhecimento, identificada pelo autor como o avanço do capital sobre o saber.
Abrange todo produto que transmite conhecimento, tanto na educação formal como
133
na informal. E é usado, não somente como fonte de lucro, mas também como “[...]
meio para exercer sua hegemonia sobre os educandos”.
Como veículo portador de um sistema de valores, de uma ideologia,
transmite estereótipos e princípios de grupos dominantes generalizando temas como
família, criança, etnia, trabalho, lei, de acordo com os preconceitos da sociedade,
conforme declara em sua pesquisa, Faria (2000, p. 6). Não cria a ideologia
dominante, mas a transmite, por isso é, no dizer da pesquisadora, genérico e
abstrato. Permite consolidar o status quo da sociedade, camufla a desigualdade,
dissimula a discriminação, contribui para a reprodução da sociedade burguesa
(FARIA 2000, p. 72).
Para que esta ideologia seja aceita e fortalecida, a fim de não desviar o
controle da classe dominante sobre a subalterna, a indicação dos livros didáticos, é
confiada aos organismos oficias direta ou indiretamente dependentes do Estado.
Função do Estado, como visto amplamente no segundo capítulo, é a de
vigiar para que as normas e as leis sejam respeitada (GRAMSCI, 1991a). Manter
coesa a estrutura social, a fim de garantir a existência e a consolidação das classes
sociais na relação, já definida, de dominação e subordinação. Assim, o Estado, para
assegurar seu domínio, passa a ser um instrumento de repressão, conforme aduz
Poulantzas (1977, p. 42): “A prática política tem como resultado a manutenção da
unidade de uma formação [...] isto é, a sua não transformação [...]”.
Por todas as razões expostas, o livro didático, produzido dentro de
realidades concretas, cumpre sua função social: reproduzir a ideologia dominante, e
não alterar o status quo social. Portanto, ressalta Faria (2000) é abstrato, genérico e
pouco criativo, feito para a pequena burguesia, mas também para manifestar as
contradições intrínsecas à mesma.
134
Deste modo a ideologia, no sentido geral, é tida como um sistema de idéias
e representações que domina o espírito do homem ou de um grupo social.
A ideologia é um conjunto lógico sistemático e coerente de representações
(idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e
prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como
devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem
sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é,
portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras,
preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos
membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional
para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais
diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na
esfera da produção. Pelo contrário, a função da ideologia é a de apagar as
diferenças como de classes e de fornecer aos membros da sociedade o
sentimento da identidade social, encontrando certos referenciais
identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a Humanidade, a
Liberdade, a Igualdade, a Nação, ou o Estado (CHAUI, 1981, p.113-114).
Destarte, a ideologia pode ser interpretada como uma perspectiva que
veicula interesses dos diferentes grupos presentes na sociedade. Pode ser
dominante, portanto negativa na visão geral, mas não sempre necessariamente
falsa. Na concepção de Gramsci (1995, p. 16), que distingue ideologias
historicamente orgânicas das arbitrárias, e afirma que as primeiras além de
organizarem as massas humanas e organizar o terreno sobre o qual o homem se
movimenta e adquire consciência, de forma a tornar-se base indispensável da
estrutura social; é possível dar ao conceito “[...] o significado mais alto de uma
concepção de mundo que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na
atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas”.
Portanto, interpretando Gramsci, a ideologia torna-se meio de dominação quando,
estabelecido o consenso, transforma-se em hegemonia de uma classe que adquire o
poder e, exercendo dominação, subjuga a outra que se transforma em dominada,
por meio de idéias e representações. Alem de ‘ensinar’ a pensar, tem como função
135
adaptar o indivíduo a aceitar como natural a tarefa que a sociedade lhe impõe e o
convida a aprovar a divisão da sociedade em classes como meio para estabelecer e
perpetuar a harmonia na mesma. Podem ser idéias e representações falsas ou
verdadeiras, mas sempre parciais, e o são desde o ângulo de determinadas idéias
ou representações não de um indivíduo, mas de um grupo social definido.
Estas idéias e representações, presentes na sociedade, pensadas pela
classe dominante são transmitida, como educação, na escola, pelos livros didáticos,
principalmente no que diz respeito à educação para a Cidadania. Codificado pelas
leis do Estado, são por este defendida e incrementadas, com um discurso de
igualdade de oportunidades e neutralidade nas relações entre as classes. Tal
ideologia vem sendo camuflada por meio do caráter público da escola, o uso único
do livro didático na sala de aula, e os conceitos veiculados nos mesmos que,
aparentemente, apresentam as desigualdades sociais como um desafio a ser
superado e vencido, muito embora, na realidade, a sociedade continua classista,
desigual e injusta.
Por manifestar as contradições da sociedade classista, pode provocar uma
ação libertadora da classe dominada. Aparentemente a partir da promulgação da CF
88, houve uma adaptação, lenta, mas significativa, do livro didático, no que diz
respeito aos temas tratados, à escolha do mesmo por parte dos educadores e a seu
uso. Aparentemente, porque junto com o livro de uso do aluno, é enviado o livro do
professor com respostas já redigidas e, quase sempre unívocas, deixando de
provocar debates e questionamentos sobre temas que poderiam abrir horizontes
para fortalecer valores que levem à formação cidadã.
Infere-se que as Políticas Públicas Educacionais, veiculam valores culturais
e ideológicos para restabelecer o status quo social, a partir da ótica da cultura
136
liberal, própria do capitalismo, apoiada pelo Estado, hegemônico em sua função de
manter-se no poder e consolidar a classe dominante que o constitui.
O livro didático se incumbe de propagar e de perpetuar a ideologia
dominante. Às vezes de forma simples, às vezes de forma velada, mas quase
sempre omitindo de facilitar o senso crítico do aluno, em debater os temas sugeridos
para uma construção cidadã, já que se dificulta ou se impede, via estudo do texto, a
percepção e a discussão de questões polêmicas que romperiam com a aceitação da
realidade imposta. São as interrogações que, o capítulo quinto, parte própria da
análise, abordará.
137
5 ANÁLISE DE TEXTOS ESCOLARES
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai,
sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não
aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de
desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade
consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer
natural nada deve parecer impossível de mudar. (BRECHT, 2007c)
Os capítulos anteriores deste relatório de pesquisa apresentaram o
desabrolhar do poder do Estado em sua conflitante relação com a sociedade civil.
No terceiro capítulo a sociedade civil consegue alcançar, parcialmente, um
significativo espaço reconhecido, mas não sempre respeitado de autonomia: a
Cidadania. Para que esta se realize, as contradições entre Estado e sociedade civil
aparecem na educação. Já no quarto capítulo, um Estado, não mais autônomo pelas
dependências
internacionais,
mas
necessariamente
hegemônico,
formula,
provocado também pela sociedade civil, leis que declaram princípios de Cidadania e
as consagras com novas Políticas Públicas.
Essas idéias e conceitos são assimilados na escola nos anos de formação e
encontram, nos textos escolares, pensados como tradutores das leis e normas,
dogmáticos meios para consolidar o status quo.
O presente capítulo, centro da pesquisa, analisa detidamente os textos
didáticos selecionados, através dos critérios elencados na introdução, no que diz
respeito ao conceito Cidadania. Igualmente, analisa outros textos que apresentam
idéias inerentes ao mesmo conceito.
Após a análise dos textos, será realizada uma síntese dos aspectos gerais
encontrados nos mesmos.
138
5.1 ANÁLISE DOS TEXTOS DE 1ª A 4ª SÉRIE
O texto escrito, assim como o mundo real, é complexo, dinâmico e
contraditório. A dificuldade de reproduzir a totalidade dos conceitos que o livro
trabalha ao apresentar o tema Cidadania é grande, deste modo optou-se por seguir,
com relativa fidelidade, cada escrito. Para melhor identificar o contexto, após
referenciar o texto, segue a série à qual a obra é destinada.
Moreno; Fontoura (2000, 4ª série) abre a unidade seis do livro didático,
afirmando que o mundo é uma obra inacabada e, portanto, em constante
construção:
Às vezes é difícil entender que este mundo não está pronto. E que ele é
assim, do jeito que é, porque nós fazemos assim. O mundo é o que
fazemos dele em cada lugar e em cada momento (MORENO; FONTOURA,
2000, 4ª série, p. 147).
Introduzido por esta epígrafe, usando um trecho de Dimenstein (1997, p.1720), o texto sublinha a importância de saber o que é Cidadania, palavra usada
diariamente, mas em sua essência, nada mais é que: “[...] o direito de viver
decentemente” (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª série, p. 148).
O texto explica o que entende por ‘viver decentemente’, sempre na ótica dos
direitos. É ter liberdade de expressão. Liberdade de votar. Cobrar um erro de um
profissional. Devolver um produto sem prejuízo. É ser diferente sem sofrer
discriminação (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª série, p. 148).
Em seguida, relaciona a Cidadania com os deveres, seguindo idealmente o
pensamento marshalliano, como estágio para alcançá-la respeitando desde o
139
semáforo até zelar pela coisa pública (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª série, p.
148).
Finaliza o texto de Dimenstein, com a afirmação de que: “[...] o direito de ter
direitos é uma conquista da humanidade” (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª série, p.
148) equiparada às conquistas tecnológicas.
O texto, de forma agradável para o aluno, apresenta a conquista da
Cidadania, interpretada como direito a ter direitos, como um status alcançado e que
somente precisa de ‘manutenção’ por meio de pequenas ações definidas como
educação.
O conceito de manutenção demanda à idéia de que a Cidadania já se
encontra completa e acabada, precisando de exíguos reparos realizando simples
ações de boa convivência social. Afirmar isso significa desconhecer os conflitos,
sempre presentes, na sociedade classista.
Após expor o conceito de Cidadania como uma construção, o manual de
Moreno; Fontoura (2000, 4ª série, p. 149), “[...] apresenta alguns princípios básicos
para a vida em sociedade [...] A solidariedade, existente entre todos os cidadãos e a
compreensão de que todos necessitam uns dos outros para viver bem”.
O texto exemplifica a solidariedade com uma série de interrogações,
questionando o agir em situações diárias: emprestar a caneta ao colega; ceder lugar
no ônibus para uma pessoa idosa; ouvir música em volume baixo; visitar um colega
doente (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª série, p. 149).
Em seguida aponta como modelo nacional de solidariedade, a campanha
‘Ação da Cidadania contra a miséria e pela vida’33 promovida por Herbert de Souza
33
A campanha, lançada em junho de 1993 tornou-se conhecida como ‘Campanha contra a fome’.
140
mundialmente conhecido como Betinho (1935-1977).
Aparece o símbolo da
campanha e sugerem-se uma série de perguntas todas relacionadas ao símbolo.
Na primeira parte, a solidariedade, exageradamente simplificada, vem
sendo
limitada
às ações
de
bom
comportamento
e educação. O
bom
comportamento é apresentado no sentido de agir bem, conforme normas estipuladas
por outros. É o comportamento de quem, mais abastado, oferece ajuda aos que
nada possuem. Surge um problema: a falta de questionamento das causas da
desigualdade entre dois pólos antagônicos. Na segunda, ao expor a campanha
promovida pelo sociólogo Herbert de Souza, omitem-se informações sobre o
contexto social do país ao se desencadear a campanha, ainda mais: não cita sequer
a data inicial do projeto. O texto deixa imaginar. Imaginar que Herbert de Souza, o
‘Betinho’, ao pensar a campanha, que tem por lema: ‘Ação: Cidadania contra a
miséria e pela vida’ é movido por uma solidariedade pacífica e um sentimento
fraterno, quase evangélico. Entretanto não deixa transparecer o drama de um país
onde milhares de crianças morrem por falta de alimento, de vacina, de cuidados
básicos. Uma nação onde as verbas destinadas para programas sociais são
desviadas para fins de compra de votos nas casas de leis: Senado Federal
e
Câmara dos Deputados. Não deixa pensar que ainda, no início do terceiro milênio, o
cuidado com a alimentação e saúde, direitos civis proclamados como fundamentais
para a República na Constituição Federal de 1988, Carta Magna do país, por
ufanismo definida de ‘Constituição Cidadã’ são esperados pela iniciativa de
entidades quase sempre religiosas ou filantrópicas mantidas com o auxílio
141
econômico de governos estrangeiros34. Claro deduz-se a solidariedade como ação
individual e coletiva, mas permanece longe das responsabilidades do Estado.
Outro princípio apresentado é o de participação.
A participação é o elemento mais importante da Cidadania. Várias pessoas
já se unem formando grupos para melhorar a situação de sua rua, de seu
bairro, de seu município e até de seu país, como por exemplo, as
associações de moradores de uma rua ou de um bairro, a reunião de
condôminos, os grupos de defesa das crianças, etc. (MORENO;
FONTOURA, 2000, 4ª série, p. 153).
Para
exemplificar
a
participação
social
os
autores
assinalam
as
informando
as
Organizações não Governamentais (ONG’s) e o projeto AXÉ.
As
ONG’s
são
idealizadas,
não
questionando
ou
interrogações e suspeitas que ‘muitas ONG’s famosas’’35 levantam, seja em relação
à negócios às vezes confusos e pouco claros, seja à proliferação das mesmas como
fonte de poder e enriquecimento de multinacionais e governos
quase sempre
estrangeiras, que as promovem e apóiam em suas iniciativas.
O projeto AXÉ mantido por uma ONG, implantado na cidade de Salvador no
estado da Bahia, pretende ajudar meninos e meninas de rua transformando-os ‘de
pivetes em cidadãos’. Façanha que custa dez vezes menos que um projeto
governamental. Criado desde 1991, pelo advogado e pedagogo italiano Cesare de
Florio La Rocca, hoje atende mais de duas mil crianças e adolescentes. Tudo no
resgate e no respeito da cultura africana.
34
Caso gritante é a Pastoral da Criança órgão da Igreja Católica e mantida pela Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB) que por sua vez recebe verba de Igrejas européias para a realização
das atividades da mesma pastoral.
35
Debatem-se as atividades da ONG Green Peace questionando financiamentos, investimentos e
propaganda. Muitas outras ONG’s provocam idênticas interrogações sem muita clareza de respostas.
142
A apresentação do projeto foi extraída da obra de DIMENSTEIN (1997, p.
152). Exalta a capacidade de transformar ‘pivetes’ em cidadãos produtivos. O texto é
insolente. Apresenta por um verso um país incapaz de fornecer um mínimo de
condições para que ‘ajudantes de ladrões’ 36 sejam transformados em cidadãos, mas
ao mesmo tempo confia a uma entidade pensada longe da realidade o caminho para
a solução da delinqüência, da miséria, da falta de educação. Repassa a idéia de que
é suficiente, para que tudo isso aconteça, também em nível de país, quatro
elementos: administração eficiente, respeito pelo menino, incentivo e educadores
bem remunerados. O projeto é uma provocação para toda a sociedade. Uma
sociedade que precisa de estrangeiros para que seus membros consigam o que a
CF 88garante no papel, mas que não passam de quimeras: educação para todos,
saúde e alimentação dignas ao alcance de todos. Ilustra o projeto um desenho onde
jovens negros tocam instrumentos. A mensagem é clara: somente o negro, minoria
por excelência no Brasil, precisa de ajuda para conseguir equiparar-se ao brasileiro,
já cidadão por melhores condições econômicas e melhor situação social. Não ao
acaso o organizador do projeto é um italiano, um estrangeiro...
Mais um princípio norteador da Cidadania, a igualdade é assinalado no livro:
A Cidadania só existe quando todas as pessoas têm os mesmos direitos e
deveres. Para isso, todos devem ter as mesmas garantias e as mesmas
responsabilidades dentro da sociedade (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª
série, p. 153).
Como justificativa, o texto transcreve o início do art. 5 da CF 88. As
indagações questionam se todos têm as mesmas oportunidades e como agir para
diminuir a desigualdade no Brasil.
36
É o significado do termo ‘pivete’.
143
Artigos referentes a diversos e diversidades ilustram o tema: a história de
duas crianças portadoras de deficiências e o texto extraído e adaptado da obra Os
três astronautas de Eco; Carmi (1984).
Questiona as diversidades e conclui que a liberdade faz-se voz da
igualdade. Muito embora a liberdade seja a garantia para todo tipo de diversidade, o
texto não deixa transparecer as lutas históricas que levaram à conquista da mesma.
Cita, mas não de forma conclusiva, a escravidão e a ditadura no Brasil como
expressões de cerceamento da mesma.
O livro conclui a unidade com a sugestão de uma encenação teatral: “O
verdadeiro cidadão é aquele que se faz todos os dias, nas pequenas e grandes
ocasiões” (MORENO; FONTOURA, 2000, 4ª série, p. 166).
Infere-se que o conceito de Cidadania inicialmente apresentado como
conquista histórica, somente precisa de manutenção. Manutenção que traduz atos
educativos nas pequenas ações diárias e no respeito dos diversos. Manutenção de
uma educação que, nas mãos do Estado, conforme aduz Gramsci (1991a; 1991b)
no capítulo dois da presente pesquisa, tem por finalidade consolidar e reproduzir a
direção da classe hegemônica. São comportamentos que sugerem ações
individuais, mas não estimulam a ação coletiva e renovadora.
A coleção Pensar e Viver, em cada um dos quatro volumes de História,
todos de autoria de Chianca; Teixeira (2007), reserva uma unidade à Cidadania e
aos direitos.
O volume 1º intitula a unidade IV “Eu e os meus direitos” (CHIANCA;
TEIXEIRA, 2007 série 1ª, p. 101). Metodologicamente dividida em três partes, inicia
questionando: “Do que precisamos para viver [...] Além da comida, do que mais você
precisa para viver bem?” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 1ª, p. 102).
144
Fotos e perguntas convidam a valorar as ações sugeridas pelas imagens.
Crianças dormindo; na escola; brincando; alimentando-se. O texto sugere a relação
entre necessidades fisiológicas e direitos. O manual do professor37 aconselha que se
faça a ponte entre os dois, vendo os direitos como
[...] instrumentos criados pela sociedade para atender às suas
necessidades básicas, que são materiais (alimento, por exemplo),
intelectuais (educação), sociais (saúde e capacitação) e culturais (arte e
lazer). (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 1ª, MP p. 32).
As imagens são unicamente de crianças bem alimentadas, bem cuidadas e
felizes. Em suas maiorias brancas, só alguns morenos, mas com semblantes mais
delicados, insinuando que o esteticamente bonito e agradável vem a ser o europeu
ou seu descendente. O negro e o moreno, símbolo de inferioridade, somente podem
alcançar certos direitos quando se igualarem aos primeiros ou no refinar os tratos,
ou vestindo indumentária européia. Omite apresentar a realidade de uma sociedade
mais complexa e contraditória.
A segunda parte relata “Quais os nossos direitos” (CHIANCA; TEIXEIRA,
2007 série 1ª, p. 104). Transcreve, adaptando os direitos da criança extraídos da
Declaração dos Direitos da Criança decretada pela Assembléia Geral das Nações
Unidas em 20 de novembro de 1959, afirmando que: “As crianças, assim como os
adultos, também têm os seus direitos”
O Manual do professor alega que o objetivo do texto é a
“[...] busca de entendimento a respeito da natureza dos direitos da infância.
Os alunos devem ir percebendo que não se trata de um assunto qualquer
37
O manual do professor nos 4 volumes de Chianca; Teixeira (2007) encontra-se na última parte de
cada volume e traz paginação separada. Para facilitar a identificação, a sigla MP antecede a
paginação.
145
ou de conversa fiada, mas de algo muito importante para a vida deles,
presente e futura” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 1ª, MP p. 32).
As discussões devem sempre, segundo o livro: “fazer com que comecem a
compreender que seus direitos não são uma ‘concessão’, mas uma ‘obrigação’ da
sociedade, incluindo-se aí a família, a escola, a comunidade e o governo”
(CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 1ª, MP p. 32).
O texto e as orientações desenvolvem a ligação entre direitos e deveres de
tal forma que a consciência seja orientada a não separar os dois momentos, mas
não assinala uma justificativa suficiente que explique o porquê da junção dos dois
conceitos.
Finalmente a terceira parte da unidade trabalha a temática do respeito dos
direitos sociais (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 1ª, p. 108). Imagens e perguntas
manifestam as contradições entre o texto da lei, enunciado na parte anterior e a
realidade.
Muito embora esta provocação, o texto não aproveita a parte da unidade
para um debate sobre as dicotomias existentes em nossa sociedade. De acordo com
o Manual do Professor, finalidade da provocação do texto é que as crianças: “[...]
possam transpor tais situações e se situar em seu próprio meio social” (CHIANCA;
TEIXEIRA, 2007 série 1ª, MP p. 32).
A limitação de somente conhecer e debater apresenta uma tentativa de
superação com a poesia Eu tenho um sonho de Shrestha (2000).
Eu tenho um sonho
lutar pelos direitos dos homens
Eu tenho um sonho
tornar nosso mundo verde e limpinho
Eu tenho um sonho
de boa educação para as crianças
146
Eu tenho um sonho
de voar como um passarinho
Eu tenho um sonho
ter amigos de todas as raças
Eu tenho um sonho
que o mundo viva em paz
e em parte alguma haja guerra
Eu tenho um sonho
Acabar com a pobreza na Terra.
O idealismo dos versos beira a utopia ao deixar depender o alcance dos
direitos não luta para a conquista, mas para a realização de um sonho. O sonho
sempre lembra a paz serena, mas é diferente da realidade na qual os direitos não
são oferecidos gratuitamente pelas instituições sociais, mas que, historicamente
sempre foram arrancados com lutas e revoluções. Mais ainda, o sonho fala de uma
dimensão individual, muito coerente com a visão liberal, longe da organização social
da leitura marxista-gramsciana que faz da coletividade ponto de início para toda
reivindicação.
O volume 2º na unidade III apresenta um direito social entre os mais
debatidos: o trabalho (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 62). O texto apresenta
fotos e perguntas relativas as diferentes atividades laborais: costura; corte de cana e
colheita de laranja; coletores de lixo urbano e dentista.
Toda pessoa realiza um trabalho: “As pessoas trabalham em diversos tipos
de atividades [...]”. Aduz que existem atividades remuneradas e outras não,
exemplificando este último tipo com o da dona de casa. Outros trabalham como
empregados: são os assalariados, pagos após a execução do trabalho. Outros ainda
são os profissionais liberais, chamados de autônomos, que recebem pelo que
cobram ao terminar a execução do serviço prestado (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007
série 2ª, p. 63).
147
Assevera que o trabalho de cada um torna-se importante fonte de sustento,
mas também de aproveitamento dos recursos da natureza e sua transformação em
benefício para todos (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 66).
As profissões modificam-se ao longo do tempo devido às transformações
das atividades econômicas. Exemplos dessas mudanças são as antigas lavadeiras e
os que trabalhavam nas ferrovias. Alteram-se as necessidades e as técnicas assim
como os instrumentos se adaptam aos novos tempos. (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007
série 2ª, p. 72)
Finalmente o texto expõe os diferentes significados do trabalho. Para os
povos indígenas vêm a ser atividade voltada ao sustento diário, já
Entre nós o trabalho tem outra finalidade. Além de garantir o sustento diário,
por meio do trabalho as pessoas procuram melhorar suas condições de vida
e adquirir bens: casa, automóvel, eletrodomésticos, móveis, roupas etc. [...]
também desenvolve nossas capacidades e nos obriga a usar a inteligência,
buscar mais conhecimento e a aprender novas habilidades (CHIANCA;
TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 79).
O texto idealiza o trabalho. Parece que todos trabalham. Não aponta a
mínima informação ao desemprego, à exploração do trabalhador, ao desrespeito
com algumas categorias de trabalhadores. É gritante a omissão de toda referência
ao desaparecimento de profissões não pela transformação da natureza à mão do
homem, mas por causa das crises sociais e pressões internacionais que provocaram
êxodos forçados de regiões, no interior do País e também para fora. A omissão do
Estado em promover políticas públicas, se não para resolver, ao menos amenizar as
dificuldades de muitos desempregados. Longe da situação idílica repassadas pelo
manual, não se faz referência alguma à violência gerada pela pobreza, fruto de
trabalhos mal remunerados e ao subemprego.
148
O trabalho alberga uma ambigüidade intrínseca, podendo tanto humanizar
quanto escravizar, dependendo das condições em que se realiza. Quando
desumaniza, leva o sujeito à perda de sua própria essência e dignidade. O texto
omite refletir que uma entre as forma que alienam o trabalhador é a escravidão, mas
que pode acontecer, no trabalhado assalariado, quando este se constitui numa mera
atividade reprodutiva e não uma forma de crescimento do homem em quanto ser
social.
Visão otimista: o trabalho é apresentado como enobrecedor do homem e
causa do progresso do país. Não debate a realidade de desníveis sociais devidos às
riquezas alcançadas com disparidades de meios e apoios mal distribuídos por parte
do Estado. Não questiona a escola, que com a disparidade de titulação em seus
diferentes níveis, afeta significativamente a relação homem-trabalho.
Única negatividade presente no texto é o trabalho infantil:
[...] não são apenas os adultos que trabalham. Muitas crianças ajudam nos
serviços de casas e cuidam dos irmãos menores. Outras precisam trabalhar
para ganhar dinheiro e ajudar nas despesas de casa [...] Mas você sabe que
a Constituição do Brasil, que é o conjunto das leis mais importantes do país,
proíbe o trabalho para menores de 16 anos de idade? (CHIANCA;
TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 70).
O texto é negligente e enganador. Assinala sim o trabalho infantil como fruto
de uma necessidade familiar, mas deixa quase entender que existe oferta de
trabalho em excesso. Não expõe a tragédia de crianças que evadem a sala de aula,
e, portanto perdem de usufruir o benefício da lei que permite como analisado no
capitulo anterior, o direito à escola e à educação. Não se interroga sobre as do
desleixo do Estado em deixar de oferecer possibilidade a todas as famílias de um
trabalho digno que possa garantir o cumprimento da lei: ‘educação: direito do estado
149
dever do cidadão’, Esquece debater o desemprego dos pais, por falta de
aplicabilidade da mesma lei que proíbe o trabalho infantil, mas garante trabalho para
todos.
O texto não debate a polêmica, riquíssima em Marx; Engels (1999), que a
condição do homem depende unicamente das condições materiais de produção.
Produção ligada intrinsecamente ao trabalho e este, ao presente, encontra-se
vinculado não à capacidade do homem em desenvolver uma atividade produtiva,
mas a um mercado perverso, com centro de decisões cada vez mais longe da
própria realidade e do próprio país. Esquece que o Estado além de promover o
trabalho, por meio da LDB 9394/96 prioriza-o como um dos três fins da educação
formal: qualificar para o trabalho, como meio de uma sobrevivência digna.
Ao trabalho, direito social, segue, no texto, um amplo capítulo sobre o
governo municipal, para dissertar sobre leis e regras, organização política e
participação.
Ao abrir o título das leis e regras afirma: “No município existem leis e regras
que todos nós precisamos conhecer e respeitar. São parecidas com as regras que
temos de seguir na escola” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 82).
Para exemplificar as leis e as regras, relata três exemplos: o respeito com o
sinal vermelho do semáforo; o peso correto da mercadoria vendida pelo vendedor e
o não contaminar os rios com lixo (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 83).
Esta exemplificação falseia a realidade. De fato a existência de leis e regras
não garante o respeito e o desenvolvimento das relações sociais, sejam elas no
transito, como no comércio. O que carece, e o texto posterga isso, é a justiça social
e o respeito com a coisa pública, este último muito mais devido à falta de
consciência comunitária que a desrespeito das leis. O regulamento é posto como
150
instrumento de poder que paira acima dos membros da sociedade, exigindo
incontestável obediência para o bem estar de todos.
O livro apresenta a organização política do município.
Quem governa o município é o prefeito, ou a prefeita, e a Câmara de
Vereadores. Com o prefeito trabalham vários auxiliares. Esses auxiliares
formam as secretarias Municipais, que tratam dos diversos assuntos do
município [...] É obrigação dos governos prestar à população serviços de
educação, saúde e transporte, entre outros. (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007
série 2ª, p. 85)
Observa-se como o texto aponta o bom andamento do município pela
existência de autoridade e hierarquia que aprovam as leis (os vereadores) e por ela
o governa (o prefeito).
O texto não menciona uma das mais significativas dificuldades e
reivindicações do povo: a segurança, que deveria ser compreendida como ação ou
efeito de tornar-se seguro. Compete ao Estado criar mecanismos para instituir as
necessárias condições para que o cidadão possa viver em comunidade, livre de toda
ameaça. Na visão liberal a segurança torna-se a forma de proteção dada à pessoa
que tem bens, propriedade a defender. Esta é a visão que transparece por trás da
lacuna da citação: o Estado garante segurança somente ao que dela precisa para
defender uma propriedade, não ao homem em quanto tal. Segurança para o Estado
liberal vem a ser manutenção da ordem e da paz social. Suprime-se o debate da
violência nas grandes cidades tanto quanto nos pequenos centros rurais do país.
Deixa de informar o leitor, mesmo que em condições limitadas para entender a
questão, de que a violência já não é um fator limitado a uma parcela de sociedade
marginalizada, mas é um fenômeno de massa que entra na escola e na família.
151
Informações, estas que se encontram ao alcance de todo cidadão que tem acesso a
um meio de comunicação de massa, seja ele visual ou impresso.
Considerações semelhantes encontram-se no texto de Lucci na unidade IV
dedicada a “O governo do Município” (1998 3ª série, p. 73-81)38.
Quem faz as leis do município são os vereadores [...] Os vereadores
formam o poder legislativo do município [...] Para aplicar as leis feitas pelos
vereadores, existe outro poder, o Poder Executivo [...] O Poder Executivo é
exercito pelo prefeito e pelo vice-prefeito (LUCCI, 1988, 3ª série, p. 74-75)
A citação mostra as funções rigidamente dividas; cada poder uma tarefa a
ser executada de forma aparentemente automática e serena. Evidencia a autoridade
de forma vertical, seqüencial e anônima. A lei, depois de criada desce para o
executivo a fim de repassá-la para que, outros, anônimos, a observem. A
individualização do poder vem associada à hierarquia unicamente ligada a uma
função.
Questionável a idéia que a hierarquia da autoridade que governa o município
é princípio de harmonia e condução do mesmo somente por existirem os dois órgãos
governamentais. Não se faz referência ao terceiro poder, o judiciário, como meio
para fiscalizar os dois citados para a garantia de direitos adquiridos pelos cidadãos
e, por circunstâncias comuns, não respeitados ou não aplicados no município por
interesses pessoais ou de grupos que detêm o poder e dele se beneficiam.
Em seguida os últimos dois itens apresentam a importância do voto e a
participação popular.
38
Muito embora o texto seja editado no ano de 1989, apresenta os mesmos comentários do
CHIANCA; TEIXEIRA.
152
O prefeito e os vereadores são eleitos pelos moradores do município [...] Os
moradores precisam escolher muito bem as pessoas em que vão votar
porque esse é um assunto muito sério (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª,
p. 89).
A história do voto no Brasil proporciona um excursus desde o ano de 1881
até o presente, em que “[...] o voto é obrigatório para todos os cidadãos” (CHIANCA;
TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 89).
O livro não apresenta o início do direito ao voto, em 1824, limitado a certos
grupos detentores de poder econômico e posterga discutir as injustiças sociais que o
engendraram, conforme visto no capítulo dois.
Ressalta que hoje “[...] as votações são realizadas em urnas eletrônicas”
(CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 89), esquece as dificuldades que enfrentam
os numerosos analfabetos, idosos, pessoas sem preparo algum para o uso de um
meio tecnológico tão sofisticado em um momento decisivo da vida do país.
Não abre ao questionamento de que o direito de voto para ‘todos os
cidadãos’, hoje ‘obrigatório’ pode lesar o princípio da liberdade pessoal de quem não
quer exercer o voto por motivos ideológicos ou de protesto.
Finalmente, ao tratar da participação popular afirma que “[...] além de votar,
muitas pessoas participam de organizações chamadas de organizações populares.
Elas se dedicam a uma série de atividades que são muito importantes para defender
os interesses da população” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 2ª, p. 89).
Exemplos de participação se limitam à limpeza de terrenos, ruas, separação
de lixo. Atividades interessantes, mas todas limitadas ao meio urbano, à cidade. Não
existe no texto em análise, exemplo algum referente ao meio rural onde uma
153
significativa parcela da população, que usa o mesmo manual, estuda e vive39. A
impressão é que as decisões são tomadas na cidade, onde residem aqueles que a
governam e as decisões referem-se unicamente a esta mesma área: a urbana.
O volume 3º dedica a unidade 3 ao governo e democracia. Apresenta a
história do nome Brasil e a transformação do país de Império para República,
narrando os principais acontecimentos históricos.
O Brasil foi Império de 1822, quando se tornou independente de Portugal,
até 1889, ano em que foi estabelecida a República [...] Foi justamente a luta
contra a escravidão que acabou enfraquecendo o Império e abriu caminho
para a instauração da República. Depois de muita pressão de jornalistas,
advogados, professores e políticos e também dos próprios escravos. A
escravidão fui abolida [...] (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 73-74).
A citação, muito embora apresente o surgimento da República não falando
de proclamação, mas, com cuidado histórico, de estabelecimento, atribui quase que
exclusivamente este acontecimento histórico, ao ‘problema’ da abolição da
escravidão.
Fenômeno, que, sim, enfraqueceu o poder do Imperador, mas por
motivos menos nobres de que o idealismo humanitário do mesmo. Ainda mais: não
foi o único e mais relevante motivo que levou ao ‘estabelecimento’ da República.
Nada escreve dos focos de revoluções em diferentes estados do Império. A
atribuição da abolição às pressões de determinadas classes, não desmerece o valor
das mesmas, mas deixa de lado o fato que muitos outros países vinham abolindo a
escravidão, e que, do ponto de vista do poder econômico, já não era mais lucrativo o
mesmo regime, sendo que a manutenção do escravo acabava acarretando ônus ao
dono.
39
Significativo número de alunos da escola Alcindo de França Pacheco, vivem em chácaras, sítios e
pequenas propriedade ou longe do perímetro urbano da cidade.
154
O texto expressa uma visão do acontecimento histórico concentrado em
classes sociais bem específicas: as que detêm o poder político, econômico e
cultural. Revela um desconhecimento profundo da concorrência de outros fatores
que permitiram a concretização do fato.
Ao documentar a proclamação da República, comenta a tela pintada em
1893 por Benedito Calixto (1853-1927). “Nela há dois personagens principais: o
herói da história, o chefe militar que proclamou a república [...]” (CHIANCA;
TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 75).
Mesmo com o cuidado de não exaltar a figura do marechal Deodoro da
Fonseca (1827-1892), o texto o trata como ‘herói da história’. É a personalização do
acontecimento. O herói vem a ser aquele que se destaca no meio de uma multidão
anônima e sem significação. Mais ainda: o texto, ao concluir: “Nesse mesmo dia o
imperador dom Pedro II (1825-1891) e a família imperial receberam ordem de sair do
Brasil” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 74) deixa entender que, com a
proclamação da República e a saída da família imperial os cidadãos do país passam
a ter uma vida totalmente nova.
O livro, em seguida, apresenta os conceitos de república e democracia.
[...] republica [...] significa ‘coisa pública’ ou tudo o que é de interesse
comum, de interesse do povo. Como forma de governo, a República busca
atender e promover os interesses comuns de toda a sociedade. Como?
Primeiro, elegendo os representantes do povo para o governo [...] Segundo,
aplicando as leis que esses mesmos representantes aprovam em nome e
benefício do povo que os elegeu (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p.
76).
Ao ilustrar o que é democracia, relacionado com o conceito de República,
assinala que esta é uma
155
[...] palavra chave [...] significa ‘governo do povo’. Por isso mesmo combina
bem com a palavra ‘república’. O ideal da república é promover o que é de
interesse comum e o ideal da democracia é que o povo governe (CHIANCA;
TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 77).
O texto fala como se o país, ao eleger os representantes que governam e
tendo leis a serem respeitadas alcançasse a plenitude da Cidadania. Cidadania
expressa pela democracia que concede ao povo governar por meio de seus
representantes.
Esquece discutir o problema presente na democracia do país: a corrupção,
a falta de ligação entre representantes e representados, as alianças entre poderes
que, longe dos interesses do povo, fazem da democracia sinônimo de libertinagem e
aproveitamento.
Importante seria o debate da falta de controle do povo sobre os
representantes eleitos. O distanciamento que se cria entre os dois pólos: os
representantes, que, seguindo uma terminologia gramsciana, tornam-se sociedade
política, e os representados, sociedade civil. Fundamental seria também ilustrar a
origem dos representantes: membros da sociedade que, por meio da adesão a um
partido, tornam-se possíveis representantes de uma categoria o de uma
determinada região, também conhecida como distrito.
Ao explicar como o Brasil vem sendo governado, o texto retoma o que já o
volume 2º tratou: o voto e a participação. Acrescenta que os dias de votação são
dias diferentes.
[...] já reparou como são os diferentes os dias de eleição? [...] Há muito
papel espalhado pela rua [...] Dia de eleição é dia de festa [...] Dia de
eleição é festa da democracia [...] No Brasil o voto é obrigatório (CHIANCA;
TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 79-80).
156
Mais uma vez a citação cai no idealismo. Votar torna-se sinônimo de festa.
Não levanta a questão da boca de urna, da compra do voto, das campanhas a favor
do voto em branco ou nulo. Para ser cidadão é importante exercer a conquista:
votar! Voto que organiza o Brasil em federação, estados e município, os últimos
dois apresentados como forma de permanecer, o governo federal, mais perto do
povo e oferecer rapidez e eficiência para a solução dos problemas referentes a cada
região. (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 83)
A administração, em sua tríplice divisão manifesta-se como a eficácia
aplicada. Alguns cidadãos, investidos de autoridade, são responsáveis pelo
processo de desenvolvimento da nação. A lentidão do processo de aplicação da lei,
as cobranças de impostos desnecessários e mal aplicados, a burocracia que
angustia o povo, o desvio de verbas, projetos fantasmas, não aparecem no idílico
cenário de um país organizado e eficiente em sua ação de deixar o povo avançar
rumo ao bem-estar.
Finalmente, todo governo é regido por leis, todas elas abaixo de “[...] uma
lei, superior a todas as outras leis e regras, que vale para todo o país e para todos
os cidadãos. É a Constituição da República Federativa do Brasil [...]” (CHIANCA;
TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 85).
Para explicar a necessidade da Constituição o texto provoca por meio de
perguntas as regras vigentes na família, na escola, nos clubes. Ao explicar o
surgimento, retoma a história das Constituições ligando-as ao nascer da
Independência dos Estados Unidos de América (1776) e à Revolução Francesa
(1789).
De forma positiva, aponta como principais pontos da Constituição
Federal de 1988, os direitos sociais.
157
Ela começa dizendo que ‘são direitos sociais a educação, a saúde, o
trabalho, o lazer, a segurança. A previdência social, a proteção à
maternidade e a infância, a assistência aos desempregados’ (CHIANCA;
TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 87).
As perguntas que seguem a afirmativa, de forma crítica, questionam se
todos os direitos enunciados no texto constitucional são realmente aplicados como
forma de Cidadania plena. Asseveração que abre, de forma questionadora, o último
capítulo sobre Cidadania e direitos.
Se nós prestarmos atenção, vamos ver que hoje se fala muito em direitos:
direitos do cidadão, direitos do consumidor, direitos do trabalhador, direitos
da criança. Fala-se sobre isso nos noticiários da televisão, nos jornais, nas
revistas e na escola (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 88).
Expõe a banalização do termo nos meios de comunicação e na escola.
Banalização que muitas vezes tem sido provocada pela ignorância e pelos
modismos culturais. Interroga o que são afinal os direitos: “[...] no sentido
empregado aqui, refere-se a tudo aquilo que nos pertence, que podemos exigir e
que a Constituição nos garante” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 88).
O texto didático perde a oportunidade de destacar a escola em seu papel
democrático e educativo, formando cidadãos autônomos para que estes possam,
como lembra Gramsci (1991b), não apenas saber, mas compreender o que se sabe
com sentimento, pois quando se sente o que se sabe, se está vivo, promove-se o
despertar dos seres humanos. Lembrar que a escola tem um privilegio que nenhum
outro lugar pode alcançar: a heterogeneidade cultural e social. Raças, culturas,
costumes, crenças, superstições, convivendo em contínua harmonia e desarmonia,
exigindo, e ao mesmo tempo promovendo, conquistas e derrotas.
158
É na escola que todo direito e dever, por esta pluralidade cultural existente,
desperta e, ao mesmo tempo, deve ser cultivado para a transformação da
sociedade. Escola que, de lócus unilateral de saber repassado, pode vir a ser
apresentada como um espaço aberto e democrático no qual o confronto de
concepções diferentes forma o cidadão, o gramsciano homem completo.
Mais uma vez o manual, muito embora abra à provocação do debate,
idealiza os direitos ao omitir todas as dificuldades que o cidadão encontra ao tentar
alcançá-los. Dificuldade devido à burocracia, que na maioria dos casos, não passa
de uma incapacidade, por parte do Estado, de bem aplicar as normas. A CF 88 é
idealizada como remédio para superação de todo tipo de problemas, mas não
questiona a causa da falta de justiça social que embasa todos os demais direitos
sociais. Mais: o texto se limita a enfatizar os direitos sociais, não dando a mesma
ênfase aos demais: os políticos e os civis.
No capítulo dedicado à Cidadania, o livro define os direitos sociais ‘direitos
da cidadania’, e cita os novos códigos: desde o de Defesa do Consumidor, até o
ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Lembra que a responsabilidade é
conseqüência do “avanço dos direitos da Cidadania, tem outro lado que, em geral,
as pessoas pouco percebem ou não querem perceber” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007
série 3ª, p. 92-93).
Corretamente destaca que “a Cidadania é como uma estrada: tem mão e
contra mão”. Temos direito de reclamar [...] Mas não temos direito de ‘inventar’ [...]
para tirar vantagem da situação” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 3ª, p. 93).
Os direitos sempre estão intimamente ligados aos deveres. O texto não
discute porque não são respeitados. Instituições, entre elas a escola, a família, o
Estado que, ao em vez de estimular a compreensão, como exercício crítico e
159
estimular para a razão, como formas de uso da lógica, priorizam a instrução
deixando em segundo plano os outros aspectos, fundamentais na interpretação de
Kant ao falar do Esclarecimento (REGIS, 1989, p. 82-83).
O 4º volume inicia a Unidade III com a idéia de construção da sociedade
democrática. O exercício da Cidadania é apresentado como um exercício de direito,
limitado à possibilidade de benefícios como o de troca de um aparelho de som pela
intervenção do Procon, órgão ilustrado no texto como solução para todo problema
inerente ao direito do bem-estar e felicidade do cidadão (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007
série 4ª, p. 102-103). Todos são iguais porque podem reivindicar, indistintamente,
ressarcimentos e não levar prejuízos econômicos.
É reducionismo extremo, limitar o exercício da Cidadania, pelo direito de
poder trocar um aparelho de som defeituoso. Muito embora o texto seja para
crianças, o contato com a realidade diária ofende ao pensar que as grandes
revoluções, como afirmado no volume 3º, que demandam lutas sangrentas e morte,
exílio e derrubadas de regimes, possa ter sido útil para que um consumidor eventual
consiga trocar um aparelho defeituoso e receber, sem prejuízo, um novo.
Essa vem a ser a conquista da Cidadania e a identificação do cidadão pelo texto ao
afirmar que: “[...] durante a colonização portuguesa não se usava a palavra cidadão
para se referir às pessoas que viviam no Brasil. Usavam-se outras [...] livre [...]
escravo [...] liberto ou forro [...]” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 4ª, p. 104).
Pelo manual a mudança deu-se com a
Independência do Brasil, em 1822. Os brasileiros então deixaram de ser
vassalos e se tornaram cidadãos. Exatamente o que dizia o artigo 1º da
Constituição do Império de 1824 [...] O Império do Brasil é a associação
política de todos os cidadãos brasileiros. Eles formam uma nação livre e
independente (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 4ª, p. 104).
160
É como se um meteórico acontecimento, o singelo fato de proclamar a
separação com Portugal, trouxesse a liberdade. A citação confunde ao suprimir a
informação que, mesmo após a Independência, a escravidão continuou até o ano de
1889, quase a sublinhar a discriminação racial entre escravos, identificados como
não povo por não serem atores do processo de libertação. No mesmo livro,
abordando a história dos negros, os insere como parte externa: “Os negros em
nossa História” (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 4ª, p. 85).
Apresenta parte da história dessa significativa porção de cidadãos
brasileiros trazidos da África. Ao dissertar a respeito da trajetória desde o início da
‘colonização’ até a Constituição Federal de 1988, o texto trata sim da conquista de
muitos direitos, mas deixa transparecer a idéia de que a liberdade foi concedida por
pessoas de boa vontade, pressionadas por outras tantas classes movidas pela
compaixão. Compaixão com uma classe social sempre tida como não povo,
estrangeiros
permanentes,
pobres
por
vocação,
transparece no poema de Caparelli (s.d.):
Dorme, dorme meu menino,
a lua é feita de néon.
Vá embora, vá, seu guarda,
deixa o pretinho dormir,
ele está longe de casa
e não tem por onde ir.
Vá embora, vá, seu guarda,
deixa o pretinho dormir.
Dorme, dorme, meu pretinho,
Deus também é um engraxate,
Ele lustra no teu peito
Um coração que bate, bate.
Dorme, dorme, meu pretinho,
Deus também é um engraxate,
Dorme, dorme meu pretinho,
numa cama de jornal,
enfeite
duradouro,
como
161
logo vão chover estrelas
para acabar com teu mal.
Dorme, dorme meu pretinho,
numa cama de jornal.
Vá embora, vá, seu guarda,
o pretinho é muito bom:
ele dorme sob a lua
de um anúncio de néon. (In: GARCIA, 1998, p. 139)
Muito embora no capítulo dedicado ao negro no Brasil de hoje, Chianca;
Teixeira (2007 série 4ª) pergunte a respeito do ‘preconceito’, deixa transparecer
uma realidade separada. Quase a afirmar que sim, o negro existe, é preciso
respeitá-lo, mas como algo que ‘invadiu’ a história do país. Omite o princípio da
miscigenação típica do Brasil que faz de todo habitante que aqui reside, um
brasileiro com igual dignidade e direitos.
Parece ter categorias consagradas relacionadas à cor, o branco e europeu,
imigrante trabalhador, ‘fazedor’ de riquezas que provoca o enriquecimento do País:
‘Necessidade de se valorizar o trabalhador europeu como mais preparado, mais
culto e mais produtivo em relação aos negros e indígenas’. (VASCO, 2004, série 4ª,
p. 23)
A respeito dos africanos, Vasco, com criteriosa leitura histórica, assinala
que:
[...] a escravidão negra no Paraná não foi maior porque as atividades
agrícolas e pecuárias não conseguiam competir com a produção do
Sudeste, e não porque os paranaenses eram mais humanos que outros.
(VASCO, 2004, série 4ª, p. 132)
A discriminação é superada não por motivos ideológicos ou religiosos, mas
sempre em relação ao aproveitamento e enriquecimento de classes dominantes que,
apoiadas no poder da lei, alteram o cenário sócio-cultural.
162
Outro texto onde aparece a discriminação clara para com os índios, é o de
Marin; Quevedo; Ordoñez (2001, série 3ª). O capítulo dois é inteiramente dedicado
aos povos indígenas (2001, 3ª série, p. 20-35):
Como é que os antigos viviam [...] Os índios eram donos [...] Viviam nas
mata, nos campos, nas montanhas [...] Geralmente esses povos estavam
organizados em tribos... Cada aldeia tinha um chefe [...] Os povos indígenas
retiravam tudo o que precisavam da natureza [...] Os chefes eram
escolhidos entre os homens mais velhos [...] ‘Eles tinham o conselho dos
anciãos’[...] Adoravam muitas divindades [...]
Toda alusão ao índio, ao modo de vida, organização social, trabalho é
relatada ao passado, como se não houvesse um presente para esta etnia, ou quase
como elementos ‘primitivos’, ‘ancestrais’, ‘atrasados’ ligados ao passado do país e
hoje, citados em algumas página do mesmo texto como enfeite que lentamente vem
sendo absorvido pelo cenário real.
Continuam como ‘peça folclórica’ em uma
sociedade que os tolera, mas não os aceita:
Hoje, muitos povos indígenas vivem em reservas. São áreas escolhidas e
demarcadas pelo governo, que acredita que ali o indígena deve ficar
protegido e possa levar uma vida de acordo com os seus hábitos e
costumes [...] O índio pode sair, ir a cidade vender e comprar produtos, mas
ele deve voltar a reserva. O índio não é considerado pelos seus atos [...]
Quem responde pelos atos dos índios brasileiros é a Fundação Nacional do
Índio (FUNAI) (MARIN; QUEVEDO; ORDOÑEZ, 2001, série 3ª, p. 30).
Significativamente o texto apresente uma visão escravista da sociedade
atual, em contra de todo princípio declarado na Constituição Federal de 1988 que
rege o país. Pode-se constatar a falta de igualdade entre povos. A citaação aprova,
porque não debate a afirmação, a igualdade. Igualdade que é um estado de direito
163
segundo o qual todo homem, independe de raça ou etnia, goza dos mesmos direitos
e obrigações, não apresentando nenhuma diferença.
É possível destacar que o texto, em plena sintonia com a ideologia liberal
apresenta a igualdade como um conceito formal. Se expressa sim sob forma
jurídica, mas não é aplicável para toda a realidade, isto é não serve de base para
uma autêntica transformação social.
Percebe-se o ideário liberal que proclama
como já analisado em diferentes textos, que todos os homens são iguais perante a
lei e dignos de respeito, mas não são cidadãos. Pois ser cidadão é participar
ativamente da construção do país sem permanecer à margem do processo. É a
Cidadania ativa ou como ao longo desta pesquisa aparece, Cidadania plena, não
presente entre os menos favorecidos porque expropriados da possibilidade
participação de edificadores da Cidadania. Obrigados a serem não Cidadãos, mas,
sim, indivíduos protegidos. É a herança de um país que faz do individualismo uma
bandeira de autonomia pessoal, em detrimento da hegemonia coletiva, com o intuito
de sufocar todo autêntico anseio de democracia e Cidadania plena.
A independência, que poderia ser uma verdadeira transformação da cultura
do Brasil, não passa de mais um relato fantástico.
‘Independência ou morte!’ Esse foi o brado de dom Pedro [...] anunciando
que o Brasil, a partir daquele momento declarava-se independente de
Portugal [...] Depois da independência, os brasileiros puderam considerar-se
cidadãos [...] Podiam votar e tinham seus direitos e deveres estabelecidos
por uma Constituição (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 4ª, p. 105).
Mesmo que alega mais abaixo que os direitos não eram iguais para todos,
deixa transparecer uma mistificação do poder e da autoridade: o grito de Dom Pedro
muda a história do Brasil. Não se citam os inúmeros casos de levantes, que há anos
164
vinham questionando o poder de Portugal e abriram caminho para a Independência,
nem destaca a simples transição de poder: de Portugal para as novas oligarquias
que já vinham se fortalecendo.
Para o livro a Independência estabelece a Cidadania, mas vem a ser a
República a instauradora da democracia.
República que neste volume, em
continuação com o idealismo do 3º, é apresentada como a redenção do povo:
[...] veio para dar ao país uma forma de governo melhor [...] extinguiu os
privilégios de nascimentos e os títulos de nobreza. Aceitou as crenças
religiosas e deu liberdade a todas as igrejas [...] pelo artigo 72 da
Constituição de 1891, a República afirmou: ‘Todos os cidadãos são iguais
perante a lei’ e a todos estava garantida a liberdade de pensar e falar [...]
Tivemos depois outros avanços maiores ou menores [...] (CHIANCA;
TEIXEIRA, 2007 série 4ª, p. 107).
Avanços que são indicados como conquistas permanentes e garantidos por
um Estado justo e soberano. Não discute o papel das oligarquias, menos ainda de
grupos que dominaram pelo poder. A liberdade religiosa não lembra os conflitos
gerados por interesses sectários que, desde anos, vêm afetando e empobrecendo o
governo e o legislativo, este último com uma expressão de força ideológica na
Câmara com a ‘bancada parlamentar evangélica’.
Momento de recuo, como o define, é a ditadura iniciada em 1964. Recuo por
serem, os governos militares, restauradores de uma ordem rígida baseada nas
restrições constitucionais (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 4ª, p. 109).
Momento de contradição muito bem posto, quando interroga como poderia a
ditadura preservar a democracia. Embora a provocação deixe aberto o desafio para
o debate, termina sem discutir os grandes e absurdos exageros e desrespeitos que
os militares protagonizaram recebendo, após décadas, anistia por parte dos
governos em exercício de suas funções democráticas.
165
O capítulo clausura com a importância da democracia, retomada, pela
pressão de grupos sociais, e aperfeiçoada, ampliada e completada com a aprovação
da Constituição Federal de 1988 (CHIANCA; TEIXEIRA, 2007 série 4ª, p. 110).
Lamentável a omissão de referência, nos quatro volumes, à Constituição
Federal de 1988, como conhecida: a Constituição Cidadã. Negligência que deixa
perpassar uma dúvida: até que ponto o texto permite ler a lei não como meio para
organizar o bem-estar da cidade, mas como a expressão máxima da provocação
que, em determinados momentos, torna-se cooperação com o Legislativo, para a
formação de uma consciência cidadã?
Outros
textos,
de
formas
menos
organizadas,
apresentam
temas
relacionados à Cidadania, alguns já abordados nos livros analisados.
Martins, et al. (2001, 3ª série, p. 62), no que diz respeito à lei, trabalha o
conceito de mudanças: “uma lei pode ser mudada”. A orientação no Manual do
Professor, é de enfatizar as mudanças como conseqüências de pressões de grupos
sociais. “Essa mudança pode ser expressão da vontade da maioria, como é de
comum nas democracias, ou pode ser expressão da vontade e/ou dos interesses de
um grupo” (MARTINS; et. al. 2001, 3ª série, MP p. 23).
O manual, muito embora seja um convite ao trabalho crítico do professor,
deixa de sugerir um debate mais atento para as duas possibilidades. Ao falar de
grupos não abre para a legitimidade da autoridade de grupos hegemônicos no
interior dos governos e como esse reage na prática aos interesses de minoria.
Outra tarefa que o livro sugere ao professor vem a ser a limitação do poder
do governante. Desmistificar a idéia de que o detentor do poder mande, bem como
as leis apresentadas como eternas e imutáveis, no regime democrático estão
166
amparadas não no poder, mas na “legalidade apoiada na legitimidade”. (MARTINS;
et. al. 2001, 3ª série, MP p. 24).
Forma indicada para que o poder seja controlado e não extrapole, vem a ser
a participação. Participação que se manifesta pela influência do voto e com a
pressão (MARTINS; et. al. 2001, 3ª série, p. 68-71).
Com clareza o texto apresenta as limitações e os benefícios do voto, desde
sua instauração no Brasil. Debate a relação ente votante e votado:
Pelo voto dizemos quem vai nos governar [...] Os políticos precisam do voto
do povo para se eleger [...] Mas não basta votar: para votar bem precisamos
estar informados [...] Precisamos ler jornais para saber o que o prefeito o os
vereadores andam fazendo [...] informados sobre as idéias dos novos
candidatos. Um eleitor mal informado corre o risco de votar em políticos
corruptos (MARTINS, et. al. 2001, 3ª série, p. 69).
Os perigos da consciência política são indicados claramente, assim como as
possíveis soluções para evitar erros. A participação ativa é indicada como único
meio para que a Cidadania deixe de ser um conceito abstrato e se torne vivência.
Marinho; Moraes; Branco (s.d., p.59) abre o capitulo da Cidadania afirmando
que
Nota-se a ausência de cidadania quando uma sociedade gera um menino
de rua. Ele é o sintoma mais agudo da crise social [...] Está aí a importância
de saber direito o que é cidadania. Hoje significa, em essência, o direito de
viver decentemente.
Expõe a dicotomia entre o discurso da lei e a prática no cotidiano. Direitos
anunciados como ponto de chegada após lutas e conquistas, ou ofertados pela
bondade dos governantes, boca dos detentores do poder, mas que não chegam a
serem aplicados.
167
Um menino de rua é mais que um ser descalço, magro, ameaçado e mal
vestido. É a prova da carência de Cidadania de todo um país, onde uma
imensa quantidade de garantias não saiu do papel da Constituição.
(MARINHO; MORAES; BRANCO, s/d., p.61)
Muito embora a realidade em sua nudez apareça no texto, como lembra
também Garcia (1998, p. 138) ao reproduzir o poema Desistência de Dinorah (s.d.),
O menino Tonho
mexendo no lixo
achou um sonho
e pôs-se a sonhar.
Com queijo de nuvens,
bolachas de estrela,
pastéis de luar.
O sonho era duro
e estava mofado.
E ele desistiu
de sonhar acordado.
Constata-se a miséria que afeta parte significativa do país, milhares de
crianças, idosos, famílias, mas que sempre é apresentada, como poesia, sempre
para amenizar a realidade e não ofender a ‘sociedade’.
Percebe-se a promoção da discriminação contrariando o princípio anunciado
em todos os textos examinados: a igualdade. Fraga; Benjamin (1997, série 4ª, p.
11), na unidade 1ª ilustra dois poemas Quando eu crescer, de Gonçalves (1994) e
Menino de rua, de Silva Rafael (1994)40 com imagens extremante eloqüentes e
provocantes. Referente o primeiro, aos sonhos de grandeza, observa-se um menino
branco, feliz:
Quando eu crescer serei artista
Cantor, professor ou desenhista
Atleta ou poeta
Advogado ou delegado
40
Os dois poemas são redações de alunos de 4ª série de colégios do Rio de Janeiro.
168
Mecânico ou porteiro
Escultor ou carpinteiro
Pianista ou frentista
Essas todas estão na minha lista
Mas ainda sou criança
Minha preocupação é com a infância
Mas quando eu crescer
Só Deus sabe
O que eu vou ser.
O outro poema, Menino de rua, ilustrado por uma criança triste, suja e de cor
é o reverso da moeda:
Dia e noite passo fome
Dia e noite morro e sofro
Dia péssimo, noite horrível
Dia acaba e eu na rua
Pessoas passam
PMs vêm
Vem batendo
Passando fome também
Vou pedindo
Pedindo esmola e ouvindo
Sempre não
Vidro fechado, mulher zangada
Não tenho casa,
Mas sou gente
Moro na rua
Durmo no chão
Sonho que um dia
Da multidão,
Me estenderão a mão (In: FRAGA, BENJAMIN, 1997, p. 11-12).
Ofensivo ou provocante, o livro apresenta o rosto miserável do Brasil. Por
um verso a divisão, nítida e penosa, entre classes: brancos, abastados, dominantes
e preocupados com sonhos mais ‘elevados’. Negros, sem perspectivas de uma
existência digna, vivem à margem da sociedade e dela imploram migalhas para
sobrevier sem nada mais no horizonte que a miséria. Signo de contradição: brancos
que sonham com um futuro, mas que precisam viver a infância, o presente sem
169
preocupação; negro, símbolo de uma parcela cada vez maior que se perde no
anonimato da rua em busca, não de dignidade, mas de sobrevida, sonham com um
lugar para dormir e algo para alimentar-se. O texto não discute os dois direitos,
moradia e alimentação, anunciados na Constituição Federal de 1988, mas só
conseguido por uma parcela da sociedade. Não apresenta a escolha do Estado que
destina orçamento suficiente para promover uma dignidade de vida para todos e não
assume sua responsabilidade de levar a bom término o anunciado.
Desprende-se a figura de um Estado que planeja e anuncia políticas
públicas para atender a todos, mas que trabalha voltado para os interesses da
classe hegemônica aninhada no seu bojo. Portanto, apresenta-se um Estado
anestesiado diante dos problemas reais da sociedade.
Mesma preocupação é apresentada pelo livro Magia do Texto (FITTIPALDI,
RUSSO, 1997, p. 152) ao tratar da felicidade, no poema Sem casa de Murray
(1997).
Tem gente que não tem casa,
mora ao léu, debaixo da ponte.
No céu a lua espia
esse monte de gente
na rua
como se fosse papel.
Gente tem que ter
onde morar,
um canto, um quarto,
uma cama
para no fim do dia
guardar o corpo cansado,
com carinho, com cuidado,
que o corpo é a casa
dos pensamentos.
Ressalta-se que o direito se estende não somente a uma casa material, mas
à dignidade da privacidade. A poesia, muito embora deixe transparecer a indigna
170
situação dos que não possuem casa, não disserta a respeito da tragédia dos sem
teto; os conflitos que a situação gera; a provocação de prédios desabitados ou
abandonados e gente que, por motivos sempre ligados à pobreza e a falta de
condições, não têm onde se refugiar.
Valores ‘mais sagrados’ são repassados pelo texto; são símbolos nacionais.
A bandeira, apontada como o mais significativo e eloqüente: “Em qualquer lugar do
mundo onde você esteja, o símbolo abaixo [reprodução da bandeira] vai fazê-lo
lembrar-se da sua pátria, o Brasil!”. (FRAGA; BENJAMIN, 1997, p. 202)
Ao declarar o respeito à bandeira, procura estimular o amor à pátria. Um
amor que transcende limites e torna-se dogma. Critica de forma veemente os que
não sabem letra e música do hino nacional: símbolo sagrado. Para tornar mais
tocante o discurso, usa-se de mais um ícone: as competições esportivas:
Em todas as competições internacionais costuma-s tocar o hino nacional...
Muitos brasileiros não sabem cantar o nosso hino, isso é ruim. Imagine se
aquele se aqueles que nos representam, diante de todo o mundo, também
não souberam. Não seria vergonhoso? (NOGUEIRA, 1996. Apud FRAGA;
BENJAMIN, 1997, p. 204)
Entretanto, várias questões podem ser levantadas a respeito do texto.
Importante sem dúvida, o valor dos símbolos, não saber cantar o hino diante da
bandeira. Vergonhosa situação vem a ser a de não emocionar-se, não pensar na
tristeza de ser um país que faz das desigualdades sociais, analfabetismo, violência,
bandeiras para ser reconhecido no exterior. Torna-se significativo, exigir amor aos
símbolos e omitir-se em debater o que atrás dos símbolos se esconde. Corre-se o
risco de promover fanatismo, muitas vezes portas por onde entraram no Brasil, o
totalitarismo e ufanismo.
171
Os demais manuais escolares examinados ao longo da pesquisa, mas não
apresentados por abordarem quase que fielmente os mesmos conceitos com iguais
comentários, bem como uns que, editados nos anos de 1998 não apresentam
fidelidade com a LDB 9394/96, encontram-se detalhados no Anexo 1. Os textos de
História, com maior riqueza de detalhes, em relação aos de Língua Portuguesa. Os
textos apostilados, em geral, manifestam menor riqueza de temas e uma forma
reduzida na abordagem da Cidadania e temas a ela ligadas.
5.2 ASPECTOS GERAIS ENCONTRADOS NA ANÁLISE DOS TEXTOS
Após a análise de textos didáticos, em uso em escolas das redes
particulares e públicas, sinteticamente apresentam-se os resultados obtidos.
Os livros didáticos manifestam-se como conservadores e estáticos, sem
contribuir para a compreensão da realidade em que são utilizados, menos ainda
abrem ao debate construtivo que poderia vir a ser um educar para a participação.
A Cidadania discutida enfeita e fortalece o discurso do manual, mas poucos
são os livros que a apresentam com clareza e coerência entre o conceito e a
realidade de direitos, participação e integração social.
A Cidadania é inicialmente assinalada como conquista e construção, mas
não se especifica quem são os construtores. Conquista que alcança o direito a ter
todo tipo de direito e que é possível preservar com o simples respeito das normas de
boa convivência e educação. Falta, à maioria dos textos, ressaltarem as
172
contradições que a mesma vive e os inúmeros desrespeitos e recuos que, na
maioria dos casos, voluntariamente, os detentores do poder infligem.
Cidadania identificada com um viver decentemente, se manifesta pela
liberdade de expressão, de voto e de não ser lesado e requer como contrapartida, a
observança de deveres. Equação que não é justificada nem explicada.
Os direitos oriundos da conquista da Cidadania são expostos como uma
realidade irreal. Idealismo estático, sonhos de justiça, paz, serenidade, mesmo
diante do desrespeito humano que aparece somente como corolário para enfeitar a
grandeza do novo status que a CF 88 garante. Não se destacam as grandes
provocações como violência e corrupção.
A Constituição Federal de 1988, jamais é mencionada como a Constituição
Cidadã, também todas as demais leis e normas deixam de ser apontadas como
garantia de bem-estar. Leis que deram possibilidade de, no máximo da aplicação
dos direitos, trocar aparelhos defeituosos e ter a certeza de receber em permuta um
novo. Os textos não questionam o possível e inevitável conflito entre a lei escrita, e a
não garantia de direitos maiores, inerentes à dignidade de todo cidadão sem
discriminação de cor ou posição social.
A falta de respeito com os direitos torna-se objeto de poesia. A igualdade,
codificada pela lei e oferecida a cada cidadão, somente não alcança os pobres, os
negros, os meninos de rua, os sem teto, presentes nos manuais didáticos como
pessoas tristes sim, sem sorte, mas cientes de seu destino. O bom menino, educado
e limpo, é aquele, branco em sua pele, que estuda e tem sonhos de grandeza. Os
direitos são de todos, mesmo sem poder usá-los e desfrutá-los. Discurso provocante
e, muitas vezes, ofensivo para com os sujeitos sociais citados.
173
Os livros didáticos apresentam, mesmo com delicadeza, o saber ligado à
educação e à escola como fonte de poder, uma leitura do ponto de vista das classes
dominantes, tanto política quanto economicamente. Destacam o olhar do
compadecido, mas não do responsável; do espectador, mas não do cidadão coresponsável pelo bem da sociedade. Valor básico, subjacente a todas as qualidades
que são alcançáveis, é a obediência às normas estabelecidas por lei, sancionadas
em um sem número de códigos que permitem, a quem as respeitarem,
individualmente, receber a proteção do Estado. O bom cidadão será aquele que não
provoca problemas, aceita sua situação, não questiona nem quebra a harmonia e a
ordem estabelecida.
Diferente da leitura marxista, a relação entre posições de classe torna-se
ausente. Ressaltam-se relações sociais que limitam as relações ‘de boa vizinhança’
deixando de lado o debate, incômodo e provocador, entre etnias e grupos desde
sempre em busca de equilíbrio.
Por outro lado a solidariedade, pilar da Cidadania limita-se a atos
idealizados como bons. A educação ajuda a fazer com que, pessoas com
deficiências físicas, sejam introduzidas em ambientes ‘normais’ sem rejeição.
Garante de tal vitória, aponta-se o Estado.
Entre as conquistas, transformadas em atributos do Estado, indicam-se a
Independência e a proclamação da República como etapas do caminho que levou à
instalação da Cidadania. Os acontecimentos históricos são narrados a partir da
atuação de personagens ilustres, são apresentados como os que carregam o ônus e
a capacidade de possibilitar as transformações sociais.
Percebe-se por trás, a
história dos heróis e não das massas anônimas, longe, muito longe do pensamento
gramsciano que faz da coletividade o centro de todo movimento social.
174
A democracia, alma da Cidadania política é declarada como governo do
povo por meio de representantes e faz do país um oásis de justiça. De forma quase
provocatória, os textos omitem situações que são de conhecimento nacional:
corrupção, lentidão de aplicabilidade da lei bem como o excesso de burocracia que
avilta o cidadão obrigado a sustentar um sistema pesado e pouco funcional, que é a
máquina estatal, sob pena de tornar-se culpado e sujeito à penalidade. Em parte
algum debate, conforme assevera Adorno (1995), que a democracia demanda
esclarecimento emancipador, permitindo exercer direitos políticos.
Outro pilar da Cidadania, tem sido o voto, ápice dos direitos políticos,
discutido por significativa parte dos textos analisados, como a maior expressão de
Cidadania, em consonância com a leitura de Marshall (1967) e Carvalho (2001). O
voto indicado como meio para que o povo governe o país, é apontado como
panacéia, remédio para todos os limites e males da sociedade. Oferecido de forma
ilimitada e irrestrita desde os jovens de 16 anos, até mulheres e analfabetos e
executado com avançada tecnologia, tem sido garantia de justiça e bom governo. A
grande omissão é a não abordagem e a não discussão das fraudes, o não correto
uso da urna por falta de conhecimento, mesmo mínimo, de grande parcela da
sociedade. Outras negligências: a provocação para moralizar as eleições, a falta de
compromisso com a legenda partidária por parte do eleito, a compra do voto antes
da eleição para o povo e a venda do mesmo para manter-se nos diferentes escalões
do poder.
A participação popular, centro de toda vida em sociedade, resume-se, nos
manuais escolares, a mera manutenção da cidade e à proteção ao meio ambiente.
Muito embora a relevância dos dois assuntos, a participação popular faz-se
significante para toda a sociedade como forma de realizar o que se pode definir a
175
verdadeira Cidadania: tornar-se parte essencial do processo de Governo. Repassase a idéia de que existem duas categorias de Cidadãos: os ativos, que tomam
decisões e as mandam executar por meio de normas (leis), e os cidadãos passivos,
‘destinados’ a executar as leis e normas, conforme discutem Demo (1995) e Canivez
(1991). Trata-se de uma participação estática e irreal. Por isso não gera diálogo
nem confrontos, menos ainda conflitos, torna-se participação ideal, abstrata,
somente exercida quando solicitada pelos governantes, tudo em uma áurea de
individualismo, que permite ao homem viver sua inquestionável função de membro
de uma sociedade, sem interagir de forma ativa. Individualismo criticado
veementemente por Marx; Engels (1999) bem como por Gramsci (1991a).
Outro direito social característico da Cidadania é o trabalho. Apontado como
sustento do homem e motivo de progresso da nação, o trabalho muda, se adapta às
inevitáveis alterações históricas, sempre, porém dando ao homem serenidade. O
texto escolar não debate as tragédias do mesmo: desemprego, subemprego,
trabalho informal, quando formal em muitos casos sem algumas garantias, a
competitividade acerada e encarada como verdadeira luta por parte do trabalhador,
a manipulação dos sentimentos em troca de uma precária estabilidade no trabalho.
A imigração rumo a lugares de bem estar e muito trabalho que se tornam pesadelos
para quem tudo deixou e apostou em uma oportunidade que se revela ilusão. Ao
apresentar o trabalho esquece-se a coerção do Estado-poder em inibir toda forma
de organização do trabalhador a fim de que não atente, conforme visto em Gramsci
(1977) a hegemonia do mesmo Estado.
Entretanto, direitos oriundos da Cidadania, e o mesmo conceito, são
expostos nos textos analisados, por meio de exemplos banais e pouco provocadores
176
de debates. A discriminação é mantida, mesmo quando aparentemente quer ser
discutida para uma possível superação.
Exemplos
positivos
também
aparecem,
mesmo
que
reduzidos
numericamente, debatendo a dicotomia entre o discurso da lei escrita e anunciada e
a prática no cotidiano. Destaca-se o rosto do Brasil: divisão, racismo, miséria,
contradições, corrupção, desrespeito e inadimplência da lei. Um país baixo a égide
de um Estado coroado por uma entre as mais belas e utópicas Constituições que
exaltou o cidadão e a ele atribui direitos, mas que não passa de sonho e desejo. Os
conflitos são minimizados, os debates amenizados. Princípios são declarados, mas
não aplicados, contados, às vezes, sonhados sempre, aplicados somente
esporadicamente.
177
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Agitatevi perché avremo bisogno di tutto il vostro entusiasmo.
Organizzatevi perché avremo bisogno di tutta la vostra forza. Studiate
perché avremo bisogno di tutta la vostra intelligenza. (GRAMSCI,
1975a)
Após recorrido o percurso proposto, a pesquisa, agora dissertação, expõe
análises e abre perspectivas de interpretação que poderiam vir a ser desenvolvidas
em pesquisas posteriores.
O presente capítulo não retoma todas as conclusões e inferências
assinaladas, mas levanta algumas considerações.
Refletir sobre Cidadania, conceito definido e consagrado na Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, desde 1789, e na época atual, em que se tornou
motivo de ricas conversas e pouca clareza, revelou-se tarefa agradável, mas
desafiadora e complexa. Tarefa ainda mais delicada, por realizar-se, a análise, a
partir dos textos escolares, material que tem como compromisso repassar
informações para a edificação do cidadão, sujeito que terá por meta preservar sua
autonomia e liberdade e, ao mesmo tempo, em um dialético diálogo, fomentar o
crescimento do Estado.
Os objetivos propostos ao iniciar a pesquisa foram mantidos, alcançados, e,
necessariamente ampliados e enriquecidos ao longo do trabalho. O objetivo principal
da pesquisa, investigar se as diferentes noções que os textos escolares dos
primeiros quatro anos de ensino fundamental contribuem para uma real formação do
conceito de Cidadania claro e educador da pessoa como cidadão, alcançou um
primeiro resultado. Os manuais escolares, muito embora a anunciada adaptação dos
textos à lei, CF 88 e à LDB 93949/96, não apresentaram grande inovações,
178
mantendo conceitos e leituras ainda confusos e pouco inovadores diante dos
desafios da modernidade que inexoravelmente avança também no Brasil.
O estudo desenvolvido permite afirmar que os textos escolares continuam
conservadores e em sintonia com uma concepção de Cidadania ideal, estática e que
pouco estimula o debate e o confronto entre a realidade vivenciada pelos alunos e o
que sugerem os livros.
Os manuais pesquisados, muito embora não tenham força para formar o
cidadão, orientam para uma sedimentação da ideologia da classe dominante, e
também apontam as contradições intrínsecas à sociedade.
Os textos escolares analisados aduzem uma profunda contradição entre a
Cidadania proposta e a estrutura social, reflexo de um Estado hegemônico que
privilegia uma sociedade classista. Igualmente, ressaltam uma sociedade em
harmonia, a-histórica, diferente da leitura realista do modelo marxista-gramsciano de
sociedade em constante luta para reverter o domínio, a hegemonia do Estado
concentrada nas mãos da classe dominante. A fim de avançar no caminho proposto
transitou-se por alguns conceitos, todos manifestando dialéticas contradições que
enriqueceram o diálogo, ora com autores, ora com conceitos.
A análise do Estado liberal, muito embora não mais autônomo em seu agir
sendo dependente e orientado por organismos internacionais, consolida-se como um
centro de poder conforme assevera Gramsci em sintonia com Marx e Engels. Estado
que permanece a serviço de uma reduzida classe dominante e que continua distante
das classes subalternas. Estas, ao reivindicarem espaços e direitos, provocam a
reação do Estado que oferece, para que o antagonismo entre os dois pólos não
chegue a questionar a hegemonia, menos ainda deixá-la transitar das mãos da
classe dominante para às da sociedade civil, uma série de concessões que dão vida
179
às políticas públicas que vêm ao encontro das necessidades da sociedade,
transformadas em tentativas de diálogo entre os dois pólos.
A pesquisa constatou que, por meio das políticas públicas se organiza a
sustentação do movimento social entre as reivindicações da sociedade civil e a
refutação, pela formulação de leis, por parte do Estado que responde às demandas,
em troca do fortalecimento da hegemonia, constituindo-se assim a práxis política.
Examinou-se qual a imagem de Cidadania pensada nas leis educacionais
em especial na LDB 9394/96. Portanto, analisou-se a construção do conceito de
Cidadania na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional 9394/96, dando ênfase ao estudo dos artigos que tratam do
conceito de Cidadania. Conceito este que aparece muito valorizado no texto da lei,
mas pouco alcançável por permanecer no ideal da leitura liberal. A lei simplesmente
anuncia, mas não garante a implementação dos direitos que levariam a uma real
construção da Cidadania.
Assim, inferiu-se que as políticas públicas educacionais não promovem a
sociabilidade, mas o individualismo, tendo como fim a despolitização cultural da
sociedade.
A fim de corroborar e enriquecer as respostas aos objetivos prefixados,
destacaram-se outros conceitos: a educação, que ocupando um lugar privilegiado,
vem a ser meio para transmitir um saber mais abrangente que pode entrar em
contradição com a sociedade capitalista. Pode tornar-se transformadora se a classe
subalterna se apropriar dela, pois na sua prática reside a contradição, a oposição
entre o saber do dominante e o saber do dominado, confronto dialético que permite
a construção da Cidadania.
180
Saber que transita, de forma extraordinária, na escola, esta como lócus
privilegiado para o dialético cotejo entre Estado e sociedade. A escola, orientada e
mantida pelo Estado goza de autonomia desafiadora por acolher em seu interior a
diversidade e a pluralidade. Ela pode e deve dar sua contribuição por revestir-se de
uma função social: preparar o sujeito, não mais como indivíduo, mas como membro
de uma sociedade, para a Cidadania plena.
Nessa visão julgou-se possível transformar a escola em um espaço dialético
entre o Estado, com suas políticas anunciadas pela emancipação dos sujeitos, mas
ligadas aos interesses de organismos internacionais e classes dominantes, que
dificultam à escola realizar sua vocação: emancipar pessoas em sujeitos e estes em
cidadãos; e a sociedade que a erigiu para a educação das gerações futuras.
Por conseguinte, a Cidadania se edifica nas relações entre diversos;
relações sociais, respaldadas pela liberdade e a tolerância no pluralismo. Pluralismo
que, intrínseco à escola por acolher pessoas de diferentes grupos sociais, desde os
mais favorecidos aos menos abastados, pode, na igualdade da dignidade humana,
promover a unicidade que enriquece a sociedade.
A educação e a escola assinalam-se ao longo da pesquisa ricas em
contradição: transmissoras de políticas pensadas pelas classes dominantes
detentoras do poder do Estado, apresentam também momentos de possível
superação das contradições por meio de uma conscientização da sociedade civil em
busca de uma nova identidade, uma Cidadania plena.
A pesquisa trabalhou o conceito de Cidadania à luz da leitura liberalmarshalliana criticada pela leitura marxista-gramsciana.
Marshall propõe a Cidadania constantemente rodeada por uma áurea de
idealismo e sempre em chave individual. Individualismo que isola para impedir que
181
os cidadãos se organizem politicamente como classe para afirmar sua hegemonia. O
Estado, sempre na leitura liberal-marshalliana, remodela os indivíduos, os redefine,
os homogeneíza, os transforma em indivíduos abstratos e sem historicidade, para
que não sejam uma ameaça ao poder do mesmo Estado, mas o mantenham. É a
afirmação da Estadonia ou Estatolatria que fortalece cada vez mais o predomínio do
Estado e não do cidadão. Portanto, ser cidadão diante do Estado, nesta visão, é
conhecer e viver direitos e deveres.
Já Gramsci, muito embora não apresente um discurso direto a respeito do
conceito de Cidadania, permite inferir ao ler o conceito de homem inserido na
sociedade civil, como um indivíduo coletivo. Ser cidadão é ser membro desta
sociedade, em contínua tensão dialética para transformar o meio, através da
educação, a ponto de formar não homens pela metade, mas homens completos;
cidadãos coletivos, membros de um Estado ampliado, onde sociedade política e
sociedade civil convivem formando não um novo conceito de Estado, mas um novo
Estado, onde todo cidadão longe da leitura liberal-marshalliana, que se constrói
individualmente, descompromissado com a sociabilidade, torna-se, como o pensador
italiano permite deduzir, um cidadão que vive e se constrói coletivamente.
Assim, conclui-se que o homem completo gramsciano, nada mais é que o
cidadão autêntico, anunciado pelos documentos analisados, Constituição Federal de
1988, LDB 9394/96; anunciado pelas políticas públicas educacionais; mas nunca
promovido pelo Estado por medo de perder a hegemonia.
Os textos escolares estudados, sem se declararem em sintonia com a leitura
liberal-marshalliana, apresentam uma Cidadania irreal, favorecendo a idéia que se
poderá ser alcançada somente quando o indivíduo, obediente às leis impostas pelo
Estado, este último sempre de olho no Bem-estar comum, se tornar defensor e
182
guardião de uma sociedade sugerida pelos indivíduos, mas pensada e organizada
pelo mesmo Estado. O conceito de Cidadania que os manuais didáticos apresentam
não prepara para a Cidadania que se deseja: ampla, ativa, plena e para todos.
Os livros escolares sugerem uma Cidadania plena, mas não presente entre
os menos favorecidos porque expropriados da participação da edificação da mesma
Cidadania, obrigados a serem não cidadãos, mas indivíduos protegidos. Consagrase a herança de um país que faz do individualismo uma bandeira de autonomia
pessoal, em detrimento da hegemonia coletiva, com o intuito de sufocar todo
autêntico anseio de democracia e Cidadania plena.
Após análises apresentadas, infere-se que a Cidadania, muito embora
percorresse um longo caminho ainda não chegou a seu destino. Destino que vem a
ser a transformação do cidadão de mero espectador de um Estado nas mãos de
uma reduzida classe dominante, para membro de uma sociedade organizada,
melhor, para uma nova dimensão: o de Estado ampliado, em que o cidadão tornarse-á governante.
Com o alcance dos objetivos inicialmente fixados, ciente que não constituem
conclusões definitivas, mas tão somente momentos de reflexão, a pesquisa chega a
termo, porém não chega ao fim a inquietante provocação que dela surge. Os textos
escolares assinalam uma Cidadania que intenciona construir um cidadão que vive a
e na história. Para que a Cidadania seja alcançada em plenitude, faz-se urgente que
este mesmo cidadão se emancipe para tornar-se construtor, isto é, que compare,
avalie, critique, intervenha, decida e transforme. Enfim, que edifique a história e a
edifique em sentido social e não individual.
Neste processo a escola e a educação tornam-se momentos de um
significativo crescer, e o Estado, por meio das políticas públicas, deverá
183
metamorfosear-se, não mais em guardião noturno dos benefícios de alguns e
cerceador da liberdade de muitos, mas em promotor de democracia e incentivador
de emancipação. Emancipação para a Cidadania que passará pelos textos
escolares.
Este é o desafio que se abre como novo horizonte para mais uma possível
pesquisa: como fazer dos textos escolares, da educação e da escola meio para
formar cidadãos conscientes, e ativos. Enfim, homens mais completos?
184
REFERÊNCIAS
ADORNO Theodor W. Educação e emancipação. Tradução de Wolfgang Leo Maar.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
AFONSO, Almerindo Janela. Reforma do Estado e políticas educacionais: entre a
crise do Estado-Nação e a emergência da regulação supranacional. In: Educação e
sociedade: Revista quadrimestral de Ciência da Educação/Centro de estudos
Educação e Sociedade (CEDES). Campinas-CEDES, v. XXVI f. XII, nº 75, 2001. p.
15-32.
BARACHO, Jose, Alfredo de Oliveira. Teoria geral da cidadania: a plenitude da
cidadania e as garantias constitucionais e processuais. São Paulo: Atlas, 1994.
BASTOS, Celso Ribeiro. A Constituição de 1988. In: D’AVILA, Luiz Felipe. (Org.) As
constituições brasileiras: análise histórica e proposta de mudança.
São Paulo:
Brasiliense, 1993. p. 83-93.
BELLONI, Isaura. Função da universidade: notas para reflexão. In: Universidade e
educação. Coletânea CBE. Campinas-SP: Papirus-Cedes, 1992. p. 71-78.
BERNARDES, Wilba L. M. Da nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. Belo
Horizonte: Del Rey, 1995.
BODIN, Jehan. Lês six livres de la Republique. Ed. Facsimilada. Paris: Scientia
Aalen, 1961.
BOFF, Leonardo. Que Brasil queremos? Petrópolis-RJ: Vozes, 2000.
BONETTI, Lindomar Wesller. O silêncio das águas: políticas públicas meio ambiente
e exclusão social. Ijui-RS: Unjui, 1998.
BORDIGON Genuíno, GRACINDO, Regina Vinhares. Gestão da educação: o
município e a escola. In: FERREIRA, Naura Syria Carrapeto, Aguiar, Márcia Ângela
da S. (Orgs.) Gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos. São
Paulo: Cortez, 2000. p. 147-176.
185
BOTTOMORE, Tom (Org.) Dicionário do pensamento Marxista. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001.
BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. In: Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva; PINTO, Antonio
Luiz de Toledo; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; Céspedes Lívia (Colab.).
Código Tributário nacional; Código de Processo Civil; Constituição Federal. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2006. p. 1-229.
BRASIL. “Lei nº. 9.394, de 20.12.96, Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional”. Diário Oficial da União, ano CXXXIV, nº 248. 23. Dez. 1996. p. 27.83327.841.
BRECHT,
Bertold.
Os
que
lutam.
Disponível
<http://www.comunismo.com.br/brecht.html>. Acesso em 02 de abril de 2007a.
em:
______.
Nada
é
impossível.
Disponível
<http://www.comunismo.com.br/brecht.html>. Acesso em 02 de abril de 2007b.
em:
______.
O
analfabeto
político.
Disponível
<http://www.comunismo.com.br/brecht.html>. Acesso em 02 de abril de 2007c.
em:
BUFFA, Ester; ARROYO, Miguel; NOSELLA, Paulo. Educação e cidadania. São
Paulo: Cortez, 1996. (Col. Questões da Nossa Época; v. 19).
CANIVEZ, Patrice. Educar o cidadão? Ensaio e textos. Tradução de Estela dos
Santos Abreu e Cláudio Santoro. Campinas-SP: Papirus, 1991.
CAPARELLI, Sergio. Dorme pretinho. In: BERALDO, Alda (Org.) Trabalhando com
poesia. São Paulo: Ática. [S.d.]
CARVALHO, José Murillo, de.
Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de
Janeiro: Civilização Brasiliense, 2001.
CARVALHO, Manoel Cavaleiro de. Direitos Humanos e Estado de Direito.
Conferencia proferida na Faculdade de Braga. 1979. Disponível em:
<http://www.geocities.com/mcavaleirof/dirhum.html>. Acesso em 27 de agosto de
2005.
186
CASTIGLIONE, Antonio, O.M. (a cura di) Redazione della Regola e Correttorio dei
Minimi: texto latino e versione italana. Roma: Curia generalizia dell’Ordine dei Minimi,
1978.
CHATELET, François; DUHAMEL, Oliver; PISIER-KOUCHNER, Eveline. História
das idéias. Tradução de Carlos N. Coutinho Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.
CHIANCA, Rosaly Braga; TEIXEIRA, Francisco M. P. História: manual do professor.
2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 1ª série. (Pensar e viver)
_______ . História. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 2ª série. (Pensar e viver)
_______ . História. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 3ª série. (Pensar e viver)
_______ . História. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 4ª série. (Pensar e viver)
CHOPPIN, Alain. Manuel scolaires: histoire et actualité. Paris: Hachette, 1992.
COMPARATO, Fabio Konder. Prefácio. In: PINSKI, Jaime. Cidadania e educação.
3. ed. São Paulo. Contexto, 1999a.
COMPARATO Fábio Konder, A afirmação histórica dos direitos humanos. São
Paulo: Saraiva 1999b.
COUTY, Louis. A escravidão no Brasil. Rio de Janeiro: MinC/FCRB, 1988.
CURY, C. R. Jamil. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da educação Lei 9394/96. 5. ed.
Rio de Janeiro: DP&A editora, 2002.
______ . Educação e contradição: elementos metodológicos para uma teoria crítica
do fenômeno educativo. 7.ed. São Paulo: Cortez, 2000.
______ . A administração da educação brasileira, a modernização e o
neoliberalismo. Revista Brasileira de Administração da Educação. Rio de Janeiro. v.
9, n. 1, p. 51-70. jan/jul. 1993.
187
DAL RI JUNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria. Cidadania e nacionalidade: efeitos
e perspectivas: nacionais – regionais – globais. Ijui-RS: Unijui, 2002.
DALLABRIDA, Elias. A escola cidadã na rede pública de ensino do Paraná:
emergência, desdobramentos e embates (1991-1994). São Paulo 2003. Tese
(Doutorado em História). Universidade de São Paulo.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 25. ed. São Paulo:
Saraiva, 2005.
______. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 1998.
DÉLOYE, Yves. Sociologia histórica do político. Tradução de Maria Dolores Prados.
Bauru-SP: EDUSC, 1999.
DEMO, Pedro. A nova LDB: ranços e avanços. 9. ed. Campinas-SP: Papirus, 1999.
______.
Cidadania tutelada e cidadania assistida. Campinas-SP: Autores
Associados, 1995.
DIMENSTEIN, Gilberto. O cidadão de papel: a infância, a adolescência e os direitos
humanos no Brasil. São Paulo: Ática, 1997.
DINORAH, Maria. Desistência. In: BERALDO, Alda (Org.) Trabalhando com poesia.
São Paulo: Ática. [S.d.]
ECO, Umberto; CARMI, Eugenio. Os três astronautas. São Paulo: Àtica, 1984.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: formação do Estado e civilização. Tradução
de Ruy Jungmann. Vol. 2. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1993.
ENGELS, Friedrich. A origem da família: da propriedade privada e do Estado.
Disponível em: <http://br.geocities.com/opontoarquimedico/biblioteca>. Acesso em:
20 de março de 2007.
ENSINO FUNDAMENTAL de cara nova. Atividade & Experiências. Curitiba: Positivo
Ano 6 nº 3. julho 2005
188
FAORO, Raymundo. Os donos do Poder: formação do patronato político brasileiro.
3. ed. São Paulo: Globo, 2001.
FARIA, Ana Lúcia Goulart de. Ideologia no livro didático. 14. ed. São Paulo: Cortez,
2000. (Série Questões da nossa época).
FEIL, Iselda Teresinha Sausen. Espaço da escola. In: OLIVEIRA, Lorita Maria de.
(Org.) Qualidade em educação: um debate necessário.
Passo Fundo-RS:
Universidade, 1997. p. 111-119. (Série Interinstitucional).
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da
Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
FERREIRA, Naura Syria Carapeto. Aula de políticas Públicas e Gestão da
Educação. In: CHIARO, Luigi. (Org.) Antologia de textos e anotações escolhidos:
lições de mestrado em educação. PPGE - Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba:
2005. (Apostila digitada). p. 22-37.
_______ . A gestão da educação e as políticas de formação de profissionais da
educação: desafios e compromissos. In: ______ . (Org.). Gestão democrática da
Educação: atuais tendências, novos desafios. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2003. p. 97115.
FERREIRA, Nilda Taves. Cidadania: uma questão para a educação. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1993.
FITTIPALDI, Anina; RUSSO, Maira de Lourdes. Magia do texto: ensino fundamental,
livro do professor. São Paulo: Moderna, 1997. 4º série.
FRAGA, Julia; BENJAMIN, Norma. Língua portuguesa com certeza: livro do mestre.
São Paulo: Editora do Brasil, 1997.
FRANCO JUNIOR, Hilário. O Feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1982.
FREITAG, Bárbara; MOTTA, Valéria Rodrigues; COSTA, Wanderley Ferreira da. O
livro didático em questão. 3. ed. São Paulo: Cortez Autores Associados, 1997. (Col.
Educação Contemporânea)
FREITAG, Bárbara. Escola, estado e sociedade. 6. ed. São Paulo: Moraes, 1986.
189
GARCIA, Eliana Farias de Albuquerque. Língua e linguagem. São Paulo: Saraiva. 4ª
série. 1998.
GÉRARD, François-Marie e ROEGIERS, Xavier. Como conceber e avaliar Manuais
escolares. Porto: Porto Editora, 1998.
GIROUX, Henry. Teoria e resistência em educação. Petrópolis-RJ: Vozes, 1986.
GOLDEMBERG, José; DURHAM, Eunice R. A educação na reforma da Constituição.
In: D’AVILA, Luiz Felipe. (Org.) As constituições brasileiras: analise histórica e
proposta de mudança. São Paulo: Brasiliense, 1993. p. 167-181.
GONÇALVES, Camila Marques. Quando eu crescer. 1994. In: FRAGA, Julia;
BENJAMIN, Norma. Língua portuguesa com certeza: livro do mestre. São Paulo:
editora do Brasil, 1997. p. 11.
GONÇALVES, Maria Dativa Salles. Autonomia da escola e neoliberalismo: Estado e
escola pública. São Paulo, 1994, Tese (Doutorado em História e Filosofia da
Educação). Pontifica Universidade Católica de São Paulo.
GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. Tradução de Nelson Coutinho.
10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasiliense, 1995.
______ . Maquiavel, a política e o Estado moderno. Tradução de Luiz Mario
Gazzeano. 8. ed. Rio de Janeiro, Civilizacao Brasileira. 1991a.
______ . A organização da escola e da cultura. In: ______. Os intelectuais e a
organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991b.
______. La cittá futura: scritti 1917-1918. A cura de Sergio Caprioglio. Torino:
Einaudi, 1982.
______ . Quaderni dal Cárcere. 2. ed. Torino: Einaudi, 1977
______. L’Ordine Nuovo (1919-1920). Torino: Einaudi, 1975a.
______. Lettere dal Cárcere. Torino: Einaudi, 1975b.
190
______ . Dopo il Congresso. In: _______ : Scritti Giovanili (1914-1918). Torino:
Einaudi, 1972.
GRUPPI, Luciano. Todo começou com Maquiavel: as concepções de Estado em
Marx, Engels, Lênin e Gramsci. Tradução de Dario Canali. 15. ed. Porto Alegre-RS:
L&PM, 1998.
HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário da língua portuguesa. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2001.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. Tradução de
Orlando Vitorino. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e
civil. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção Os pensadores).
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 15 ed. Rio de Janeiro: J. Olympio,
1982.
IANNI, Octávio. Estado e capitalismo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.
KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: Que é o iluminismo? (1784). In: _______. A
paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: edições 70: 1995.
LIBÂNEO, João Batista. Ideologia e cidadania. São Paulo: Moderna, 1995.
LISZT, Vieira. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 2002.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos: ensaio sobre
a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. 2. ed. Petrópolis-RJ:
Vozes, 2001.
LUCCI, Elian Alabi. Viver e aprender: história/geografia. Com manual do professor.
São Paulo: Saraiva, 1998 (Viver e aprender). 3ª série.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. 21. reimpr. São Paulo: Cortez,
2005.
191
MACHADO, Maria Aglaê de Medeiros. O Estado, políticas sociais e a política
educacional. Brasília, 1987. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de
Educação, Universidade de Brasília.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin
Claret, 2005. (Coleção A obra prima de cada autor).
______. Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio. 2.ed. Tradução de
Sérgio Bath. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1982.
MANACORDA, Mario Alighieri. O principio educacional em Gramsci. Tradução de
William Lagos Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
MARIN, Marilú Favarin; QUEVEDO, Júlio; ORDOÑEZ, Marlene. História com reflexo:
com Manual do professor. São Paulo: IBEP, 2001 (Coleção Horizontes). 3ª série.
MARINHO, Luzia Fonseca; MORAES, Elody Nunes; BRANCO, Graça. Língua
portuguesa: manual do professor [S. c.] Moderna [S. d.].
MARSHALL, Thomas. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar,
1967.
MARTINS, José Roberto Ferreira, et alii. História: ensino fundamental. 3ª série. São
Paulo: FTD, 2001. (Coleção primeiras noções de história).
MARTINEZ, Paulo. Direitos de cidadania: um lugar ao sol. São Paulo: Scipione,
1996. (Ponto de Apoio).
MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. Tradução de Sueli T. Barros Cassal.
Porto Alegre: L&M, 2002.
______ . Manuscritos econômicos filosóficos. Tradução de Alex Marins. São Paulo:
Martin Claret, 2001. (Coleção A obra prima de cada autor).
______ . Para a crítica da economia política: do capital, o rendimento e suas fontes.
Tradução de Edgar Malagodi. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Coleção Os
Pensadores).
192
______ . O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1983, v.1.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã (I Feuerbach). 11. ed.
Tradução de José Carlos Bruni e Marcos Aurélio Nogueira. São Paulo: Hucitec,
1999.
MATURANA, Humberto, R. El sentido de lo humano. Santiago de Chile: Editorial
Universitaria, 1994.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e
criatividade. 23. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1994.
MONTESQUIEU, Barão de. Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
(Col. Os pensadores).
MORENO, Jean Carlos; FONTOURA, Antonio Jr. História/Geografia. São Paulo:
IBEP, 2000. 4ª série. (Coleção Vitória-régia).
MURRAY, Roseana. Casas. In: FITTIPALDI, Anina; RUSSO, Maira de Lourdes.
Magia do texto: ensino fundamental, livro do professor. São Paulo: Moderna, 1997.
4º série.
NEVES, Lúcia Maria Wanderley. Educação e política ano Brasil de hoje. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 1999. (Questões da nossa época: 36).
NOGUEIRA, Francis Mary Guimarães. Políticas educacionais do Paraná: uma
versão institucionalizada da proposta pedagógica dos anos 80. São Paulo, 1993.
Dissertação (Mestrado em História e Filosofia da Educação). Pontifica Universidade
Católica de São Paulo.
NOGUEIRA, Armando. Na grande área. Jornal do Brasil, 11 de fevereiro de 1996. In:
FRAGA, Julia; BENJAMIN, Norma. Língua portuguesa com certeza: livro do mestre.
São Paulo: Editora do Brasil, 1997. p. 204.
PINTO, Álvaro Vieira. 7 lições sobre educação de adultos. 13. ed. São Paulo:
Cortez, 2003.
______ . Ciência e existência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
193
PORTO, Maria do Rosário Silveira. Função social da escola. In: FISCHMANN,
Roseli. (Coord.) Escola brasileira: temas e estudos. São Paulo: Atlas, 1987.p. 36-47.
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o Socialismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal,
1990.
______ . Poder político e classes sociais. Tradução de Francisco Silva. São Paulo:
Martins Fontes, 1977.
QUIRINO, Célia, Galvão; MONTES, Maira Lúcia. Constituições. São Paulo: Àtica,
1996.
REGIS, Stephan de Castro Andrade. Kant, a liberdade, indivíduo e a república. In:
WEFFORT, Francisco. (Org.) Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 1989. 2. v.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil (1930-1973). 12.
ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1990.
ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social; Discurso sobre a origem e os
fundamentos da desigualdade entre os homens e outros. São Paulo: Abril Cultural,
1973. (Coleção Os Pensadores).
SADER, Emir Simão. A transição no Brasil: da ditadura à democracia. São Paulo:
Atual, 1990.
SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. Le Petit Prince: (avec des aquarelles de l’auteur)
Collection Folio, Paris: Gallimard, 1999.
SANTOS, Mario Vitor. Brasil tem a pior educação básica e o maior contingente
relativo de analfabetos funcionais, diz relatório ONU. Folha de São Paulo. São
Paulo, 31 jul. 1994.
SANTOS, Souza Bonaventura. Pela mão de Alice: o social e o político na pósmodernidade. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1999.
194
SAVIANI, Dermeval. A Supervisão educacional em perspectiva histórica: da função à
profissão pela mediação da idéia. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto (Org.).
Supervisão educacional para uma escola de qualidade: da formação à ação.
Tradução do espanhol de Sandra Valenzuola, 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 1338.
______ . O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In:
FERRETTI, Celso João et al. Novas tecnologias trabalho e educação: um debate
multidisciplinar. 4. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1998. p. 151-168.
______ . A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. Campianas:
Autores Associados, 1997.
______ . Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 3. ed. São Paulo:
Cortez/Autores Associados, 1992.
______ . Educação e questões de atualidade. São Paulo: Livros do Tatu, Cortez/
1991.
______ . Educação: do senso comum à consciência filosófica. 7. ed. São Paulo:
Cortez, 1986.
SCHLESENER, Anita Helena. Revolução e cultura em Gramsci. Curitiba: UFPR,
2002a.
_____ . A noção gramsciana de Estado e a leitura de Bobbio. Cadernos de ética e
Filosofia Política, 4. São Paulo: Humanitas FFLCH-USP, 2002b, p. 141-156.
______ . Antonio Gramsci e a política italiana: pensamento, polêmicas,
interpretações. Curitiba: UTP, 2005.
SEMERARO, Giovanni. Da sociedade de massa à sociedade civil: a concepção de
subjetividade em Gramsci. In: Antonio Gramsci: da um secolo all’altro. Congresso
Internacional. Organizado pela Internacional Gramsci Society, no Instituto per gli
Studi Filosófici. Nápoli, 16-18 out. 1997.
______. Gramsci e a sociedade civil: cultura e educação para a democracia. 2. ed.
Petrópolis-RJ, Vozes, 2001.
195
SEVERINO, Antonio Joaquim. Os embates da cidadania: ensaio de uma abordagem
filosófica da nova LDB. In: BRZEZINSKI, Iria (Org.). LDB interpretada: diversos
olhares se entrecruzam. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2003. p. 57-60.
______ . Filosofia da educação: construindo a cidadania. São Paulo: FDT, 1994.
SHIROMA, Eneida Oto; MORAES, Maria Célia M. de; EVANGELISTA, Olinda.
Política educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
SHRESTHA, Urijana. Eu tenho um sonho. In: Todos temos direitos. Ática/Peace
Child International, 2000.
SILVA, José Alfonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 23. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004.
SILVA JUNIOR, João dos Reis. Estado moderno, cidadania e educação. In: _____
Reforma do Estado e da educação. São Paulo: Xamã, 2002, p. 09 – 39.
SILVA, Rafael Luiz Medeiros da. Menino de rua. 1994. In: FRAGA, Julia; BENJAMIN,
Norma. Língua portuguesa com certeza: livro do mestre. São Paulo: editora do
Brasil, 1997. p. 11-12.
SILVA, Tomaz Tadeu da. A “nova” direita e as transformações na pedagogia da
política e na política da pedagogia. In: GENTILI, Pablo. Neoliberalismo, qualidade
total e educação: visões críticas. 11. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1994. p. 9-30
SIMIONATTO Ivete. O social e o político no pensamento de Gramsci. Disponível em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv41.htm>. Acesso em: 24.11.2005.
SOUZA, Paulo Nathanael Pereira de; SILVA, Eurides Brito de. Como entender e
aplicar a nova LDB (Lei nº 9.394/96). São Paulo: Pioneira, 1997.
SPINK, Mary Jane Paris (Org). A Cidadania em construção: uma reflexão
transdisciplinar. São Paulo: Cortez, 1995.
TORRES, Raimundo Negrão. 1964 uma revolução perdida. Curitiba: Torre de papel,
2002.
196
VASCO, Standler Sérgio, et. al. O Paraná de todas as cores. História: Manual do
professor. 2. ed. Curitiba: Base, 2004
WEBER, Max. O Político e o Cientista. 2. ed. Tradução de Carlos Grifo. Rio de
Janeiro: Rocco, 1997.
197
ANEXOS
ANEXO 1 - Textos selecionados, mas não referenciados
ANEXO 2 - Textos selecionados e referenciados
ANEXO 3 - Quantidade de alunos por série e por escola
198
ANEXO 1 - TEXTOS SELECIONADOS, MAS NÃO REFERENCIADOS
BLEY, Berenice. Aprendendo a geografia do Paraná: geografia regional. Curitiba:
Positivo, 2004. 3ª série. 37
BRAGANÇA, Angiolina, Domanico; CARPANEDA , Isabella, Pessoa de Mello.
Língua portuguesa: manual do professor. São Paulo: FDT/Scipione. (Col. Porta
aberta) 38
DARIN, Aurea; MEDEIROS, Ieda. Geografia. São Paulo: Lago, 2001 (Coleção
Vitória Regia) 3ª série. 39
DREGNER, Ricardo; MACONI, Cássia. História. 3ª série.
(Manual do professor). 40
São Paulo: Moderna.
FERREIRA, Sonia Maria, et al. Ensino Fundamental. 3ª série-2º Bim. Curitiba:
Posigraf, 2005. (Manual do professor) 41
_____ Ensino fundamental. 4ª série -2º Bim. Curitiba: Posigraf, 2005. (Manual do
professor)
_____ Ensino fundamental. 3ª série -3º Bim. Curitiba: Posigraf, 2005. (Manual do
professor)
_____ Ensino fundamental. 3ª série -1º Bim. Curitiba: Posigraf, 2006. (Manual do
professor)
37
O texto apresenta-se fragmentado no que se refere ao tema Cidadania.
Não consta o ano de publicação.
39
O livro apresenta poucos textos significativos a respeito do conceito de Cidadania.
40
Não consta o ano de publicação.
38
41
Todos os testos apostilados da editora Posigraf contêm as seis disciplinas básicas:
Língua Portuguesa
Língua Inglesa
Matemática
Ciências Naturais
História
Geografia
199
_____ Ensino fundamental. 4ª série -1º Bim. Curitiba: Posigraf, 2005. (Manual do
professor)
GOMES, Solange. Língua portuguesa: manual do professor. 2ª série. 4. ed. São
Paulo: IBEP, 2005 (Coleção Vitória regia). 42
NEMI, Ana Luci Lana; MARTINS, João Carlos. Novo tempo: História e geografia. 1ª
série São Paulo: Scipione, 1999 (Coleção Novo tempo). 43
PEIXOTO, Marilze Lopes,; et. Al. Bom tempo: história. 3ª série.
Moderna, 2005. (Manual do professor) 44
São Paulo:
PETRY, Silvia Eliana Dumont; et al. Ensino fundamental. 1ª série -1º Bim. Curitiba:
Posigraf, 2004. (Manual do professor) 45
_____. Ensino fundamental. 1ª série -2º Bim. Curitiba: Posigraf, 2005. (Manual do
professor)
_____ . Ensino fundamental. 1ª série -3º Bim. Curitiba: Posigraf, 2006. (Manual do
professor)
_____. Ensino fundamental. 1ª série -4º Bim. Curitiba: Posigraf, 2005. (Manual do
professor)
_____. Ensino fundamental. 2ª série -1º Bim. Curitiba: Posigraf, 2005. (Manual do
professor)
_____. Ensino fundamental. 2ª série -2º Bim. Curitiba: Posigraf, 2006. (Manual do
professor
42
A edição de 2005 não apresenta alterações significativas em relação à 1. ed. do ano de 1997.
Muito embora elaborado no ano de 1999, não apresenta sugestões, referentes ao tema Cidadania,
conforme a LDB 9394/96,
44
Textos fragmentados, breves e sem originalidade respeito aos livros analisados.
45
O texto apresenta basicamente os mesmos itens e as mesmas expressões do CHIANCA, Rosaly
Braga; TEIXEIRA, Francisco M. P. História. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 1ª série. (Pensar e
viver)
43
200
_____. Ensino fundamental. 2ª série -3º Bim. Curitiba: Posigraf, 2005. (Manual do
professor)
_____ Ensino fundamental. 2ª série -4º Bim. Curitiba: Posigraf, 2006. (Manual do
professor) 46
SARGENTIM, Hermínio.: Língua português: manual do professor. São Paulo: IBEP,
2001. Coleção montagem e desmontagem de textos 1ª série. 47
SILVA, Antonio de Siqueira; BERTOLIN, Rafael; OLIVEIRA, Tânia, Amaral.
Linguagem e vivência: Língua portuguesa. São Paulo: IBEP, 2001. (Suplementado
por manual do Professor). 48
SCHMIDT, Dora. Historiar: fazendo contato e narrando a história. 2ª série. São Paulo:
Scipione, 2001 (Coleção historiar). 49
SOURIENT, Lílian; RUDEK, Roseni; CAMARGO, Rosiane de. Interagindo e
percebendo o Paraná: história. São Paulo: Editora do Brasil, 2001 (Suplementado
por manual do Professor).50
OAKI, Virginia. Geografia: ensino fundamental. São Paulo: Moderna. 2005. 3ª
série.51
46
As apostilas da editora Posigraf, tanto as de autoria de FERREIRA, et alii, assim como as de
PETRY, et alii; são atualizadas segundo um ciclo de quadriênio, acompanhando o seguinte esquema:
4ª série: 2007; 2004; 2001.
3ª série: 2007; 2004; 2001.
2ª série: 2006; 2003; 2000.
1ª série: 2006; 2003; 2000.
As atualizações são de ordem metodológica, pequenos ajustes e sempre em sintonia com as
mudanças terminológica e de legislação, de acordo à política da editora (ENSINO FUNDAMENTAL,
2005, p. 38-39)
47
O texto apresenta basicamente os mesmos itens e as mesmas expressões do CHIANCA, Rosaly
Braga; TEIXEIRA, Francisco M. P. História. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 1ª série. (Pensar e
viver)
48
O texto apresenta basicamente os mesmos itens e as mesmas expressões do CHIANCA, Rosaly
Braga; TEIXEIRA, Francisco M. P. História. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 1ª série. (Pensar e
viver)
49
O livro apresenta poucos textos significativos a respeito do conceito de Cidadania.
50
O texto apresenta-se como não identificável unicamente com as primeiras séries do ensino
fundamental, sendo adaptável, pelo conteúdo, até a 8ª série.
51
A edição é muito recente bem como a adoção do texto por parte da escola AFP.
201
ANEXO 2 - TEXTOS SELECIONADOS E REFERENCIADOS
CAPARELLI, Sergio. Dorme pretinho. In: BERALDO, Alda (Org.) Trabalhando com
poesia. São Paulo: Ática. [S.d.] 52
CHIANCA, Rosaly Braga; TEIXEIRA, Francisco M. P. História: manual do
professor. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 1ª série. (Pensar e viver) 53
______ . História. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 2ª série. (Pensar e viver)
______ . História. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 3ª série. (Pensar e viver)
______ . História. 2. ed. São Paulo: Àtica, 2007. 4ª série. (Pensar e viver)
DIMENSTEIN, Gilberto. O cidadão de papel: a infância, a adolescência e os direitos
humanos no Brasil. São Paulo: Ática, 1997. 54
DINORAH, Maria. Desistência. In: BERALDO, Alda (Org.) Trabalhando com poesia.
São Paulo: Ática. [S.d.] 55
ECO, Umberto; CARMI, Eugenio. Os três astronautas. São Paulo: Àtica, 1984. 56
FITTIPALDI, Anina; RUSSO, Maira de Lourdes. Magia do texto: ensino fundamental,
livro do professor. São Paulo: Moderna, 1997. 4º série. 57
FRAGA, Julia; BENJAMIN, Norma. Língua portuguesa com certeza: livro do mestre.
São Paulo: editora do Brasil, 1997.58
52
Texto de apoio.
53 A primeira edição dos quatro volumes é do ano de 2004 e vem sendo usada desde este ano na
escola municipal AFP e ESI.
54
Texto de apoio.
55
Texto de apoio.
56
Texto de apoio.
57
Muito embora datado de 1987 em uso desde o ano de 1989 no AFP e desde o ano de 2001 no
IDL.
58
Muito embora datado de 1999 em uso desde o ano de 1999 no AFP e IDL .
202
GARCIA, Eliana Farias de Albuquerque. Língua e linguagem. São Paulo: Saraiva. 4ª
série. 1998. 59
GONÇALVES, Camila Marques. Quando eu crescer. In: FRAGA, Julia; BENJAMIN,
Norma. Língua portuguesa com certeza: livro do mestre. São Paulo: editora do
Brasil, 1997. p. 11. 60
LUCCI, Elian Alabi. Viver e aprender : história/geografia. Com manual do professor.
São Paulo: Saraiva1998 (Viver e aprender). 3ª série. 61
MARIN, Marilú Favarin; Quevedo. Júlio; Ordoñez, Marlene. História com reflexo: com
Manual do professor. São Paulo: IBEP, 2001 (Coleção Horizontes). 3ª série. 62
MARINHO, Luzia Fonseca; MORAES, Elody Nunes; BRANCO, Graça. Língua
portuguesa: manual do professor. [S. c.] Moderna [S. d.]. 63
MARTINS, José Roberto Ferreira, et al. História: ensino fundamental. 3ª série. São
Paulo: FTD, 2001. (Coleção primeiras noções de história) 64
MORENO, Jean Carlos; FONTOURA, Antonio Jr. História/Geografia. São Paulo:
IBEP, 2000. 4ª série. (Coleção vitória-régia) 65
MURRAY, Roseana. Casas. In: FITTIPALDI, Anina; RUSSO, Maira de Lourdes.
Magia do texto: ensino fundamental, livro do professor. São Paulo: Moderna, 1997.
4º série. 66
NOGUEIRA, Armando. Na grande área. Jornal do Brasil, 11 de fevereiro de 1996. In:
FRAGA, Julia; BENJAMIN, Norma. Língua portuguesa com certeza: livro do mestre.
São Paulo: editora do Brasil, 1997. p. 204. 67
59
Muito embora datado de 1998 Em uso desde o ano de 2000 no ESI.
Texto de apoio.
61
Muito embora datado de 1998 em uso desde o ano de 1999 no ESI e IDL.
62
Em uso desde o ano de 2001 no AFP e ESI.
63
Em uso desde o ano de 2001 no AFP.
64
Em uso desde o ano de 2001 no ESI e IDL.
65
Em uso desde o ano de 2000 no ESI e AFP.
66
Texto de apoio.
67
Texto de apoio.
60
203
SHRESTHA, Urijana. Eu tenho um sonho. In: Todos temos direitos. Ática/Peace
Child International, 2000. 68
SILVA, Rafael Luiz Medeiros da. In: FRAGA, Julia; BENJAMIN, Norma. Língua
portuguesa com certeza: livro do mestre. São Paulo: editora do Brasil, 1997. p. 1112. 69
VASCO,Standler Sérgio, et. al. O Paraná de todas as cores. História: Manual do
professor. 2ª ed. Curitiba: Base, 2004. 70
68
Texto de apoio.
Muito embora datado de 1997 em uso desde o ano de 1999 no AFP e IDL.
70
Em uso desde o ano de 2004 no ESI e AFP.
69
204
ANEXO 3 - QUANTIDADE DE ALUNOS POR SÉRIE E POR ESCOLA 71
QUADRO 1 - COLEGIO IMPERATRIZ DONA LEOPOLDINA
Serie/Ano
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
1ª
32
21
35
31
17
20
20
2ª
36
30
21
34
32
17
20
3ª
21
36
27
21
33
32
16
4ª
32
22
36
26
20
33
31
TOTAL
121
109
119
112
102
102
87
TOTAL
GERAL
FONTE: Dados fornecidos pela Secretaria do Colégio Imperatriz Dona Leopoldina.
71
Os dados foram repassados pelas respectivas secretarias do Colégio e da Escola.
752
205
QUADRO 2 - COLEGIO NOSSA SENHORA DE BELÉM – ESI
Serie/Ano
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
1ª
30
47
40
37
23
28
25
2ª
35
34
47
37
37
27
28
3ª
57
32
35
56
35
36
32
4ª
48
56
40
38
47
34
42
TOTAL
170
169
162
168
142
125
127
TOTAL
GERAL
FONTE: Dados fornecidos pela Secretaria do Colégio N.S. de Belém – ESI. 2007
1.063
206
QUADRO 3 - ESCOLA MUNICIPAL ALCINDO DE FRANÇA PACHECO
Serie/Ano
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
1ª
198
109
141
100
110
100
100
2ª
114
129
97
140
132
142
139
3ª
104
107
124
78
94
89
96
4ª
134
109
105
111
83
99
96
TOTAL
550
454
467
429
419
429
431
TOTAL
GERAL
3.179
FONTE: Dados fornecidos pela Secretaria da Escola Municipal Alcindo de França Pacheco. 2007
207
QUADRO 4 - TOTAL DE ALUNOS ATINGIDOS - 2007
Escola
Total alunos
Imperatriz
Dona Leopoldina
752
Nossa Senhora de
Belém – ESI
1.063
Alcindo de França
Pacheco
3.179
TOTAL
4.994
FONTE: Quadro elaborado pelo pesquisador.
Download

estado e políticas públicas educacionais: uma análise - início