DESENVOLVIMENTO DE METODOLOGIA PARA DETERMINAÇÃO DE COT POR ESPECTROFOTOMETRIA LEME, Bruno de Campos Technes Agrícola Ltda. [email protected] SAITO, Bruno Orui Technes Agrícola Ltda. [email protected] RESUMO: O método oficial para determinação do COT se baseia na oxidação de toda a matéria orgânica presente na amostra em presença de um meio fortemente ácido utilizando dicromato de potássio ou sódio, seguida de titulação dos íons dicromato remanescentes com sulfato de ferro. No trabalho presente, a quantificação passa a ser feita utilizando a espectrofotometria no visível. Através de diversas análises, tanto espectrofotometricamente e titulometricamente, das mesmas amostras, verificou-se a correlação entre os resultados obtidos em cada método. Os resultados obtidos através da espectrofotometria e volumetria se apresentaram sempre muito próximos. A partir dos resultados nota-se a alta precisão do método de determinação proposto. As grandes vantagens do método espectrofotométrico em relação ao titulométrico estão no menor tempo requerido por análise, menor gasto de reagentes e diminuição de erros aleatórios. PALAVRAS-CHAVE: carbono orgânico total, COT, espectrofotometria, dicromato. ABSTRACT: The official method to determination of TOC is based on the oxidation of all organic matter present in the sample in the presence of a strongly acidic medium using potassium or sodium dichromate, followed by titration of the remaining dichromate ions with iron (II) sulfate. In this work, the measurement becomes be carried out using the visible light spectrophotometry. Over multiple analysis of the same samples (both spectrophotometrically and titulometricamente), there was a correlation between the results obtained with each method. The results obtained by spectrophotometry and volumetric are always presented very close. Based on the results it is noticed a very high precision of determination proposed. The main advantages of the spectrophotometric determination against the titrimetric one is the time required for analysis, a lower cost of reagents and reduction of random errors. KEYWORDS: total organic carbon, TOC, spectrophotometry, dichromate. 1. INTRODUÇÃO O elemento carbono (C) é o principal constituinte da matéria orgânica (MO), a MO exerce importantes efeitos que beneficiam as propriedades químicas, físicas, físico-químicos e biológicos do solo, favorecendo o crescimento e desenvolvimento das plantas. A matéria orgânica é uma importante fonte de nutrientes para plantas, microflora e fauna terrestre. Apesar da MO não ser necessária diretamente na nutrição vegetal, sua presença no solo tem como funções: disponibilizar macro e micro nutrientes presentes, corretivo de toxidez e condicionador de solo. Atualmente existem inúmeros produtos como fertilizantes organominerias fluidos e condicionadores de solo que apresentam o C da MO como um de seus “princípios ativos”, sendo então necessária a quantificação do mesmo. O método oficial descrito na Instrução Normativa (IN Nº 28) de 27 de Julho 2007 pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) para determinação do Carbono Orgânico Total (COT), desenvolvido por Ciavatta et al. (1989), se baseia na oxidação de toda a matéria orgânica presente na amostra em presença de Interciência & Sociedade 109 LEME, B. C., SAITO, B. O. um meio fortemente ácido utilizando dicromato de potássio ou sódio, seguida de titulação dos íons dicromato remanescentes com sulfato de ferro, originalmente proposto pelo método de Walkley-Black em 1934. No trabalho presente, propõe-se uma metodologia diferente do ponto de vista da quantificação dos íons dicromato, mantendo a mesma forma de extração da amostra. A quantificação passa a ser feita utilizando a espectrofotometria em comprimento de onda adequado e com curva de calibração apropriada ao problema. 1.1 Metodologia de determinação de COT por oxidação com íons dicromato (Oficial) O método empregado nessa determinação é baseado na oxidação por via úmida do carbono orgânico presente na amostra com dicromato de potássio em excesso e ácido sulfúrico concentrado seguido de aquecimento sob refluxo. A determinação do carbono é realizada indiretamente através da titulação do dicromato não reagido com sulfato ferroso amoniacal. O aquecimento sob refluxo é uma adaptação à metodologia oficial sugerida pelo Prof. Dr. Arnaldo Antônio Rodella (ESALQ/USP). 1.1.1 Procedimento Pesa-se uma amostra cuja quantidade de carbono (COT) não exceda 0,1 gramas em erlenmeyer de 250 mL de boca esmerilhada, posteriormente são adicionados 20 mL de solução dicromato de potássio a 2N e 26 mL de ácido sulfúrico concentrado P.A., o mesmo é realizado com uma prova em branco sem a adição de amostra. Logo após são colocados os erlenmeyers em aquecimento sob refluxo, acoplando-os em condensadores. Ao iniciar ebulição, diminui-se o aquecimento e deixa-se por mais 10 minutos. Após este período desliga-se o aquecimento e retira-se os erlenmeyers para resfriar.Transfere-se a solução obtida da oxidação (solução extratora) para um balão volumétrico de 200 mL e completa-se com água deionizada. Usando pipeta volumétrica transferir 10 mL da solução padrão 0,1N de dicromato de potássio para erlenmeyer de 110 250 mL. Adiciona-se 4 mL de ácido sulfúrico (1+1), 5mL de ácido fosfórico (1+3), 4 gotas de indicador e água deionizada para que o volume total atinja cerca de 50 mL. Essa solução tem a cor castanha. Preenche a bureta com solução de sulfato ferroso amoniacal 0,1M a ser padronizada. Titular a solução ao erlenmeyer. A padronização da solução titulante deve ser repetida a cada dia de trabalho, isso porque o sulfato ferroso pode se oxidar com o passar do tempo. Para titulação da prova em branco e das amostras, o procedimento segue da seguinte forma: preenche-se uma bureta com 50 mL de solução de sulfato ferroso amoniacal padronizada. Transfere-se 10 mL da solução extratora para erlenmeyer de 250 mL. Se junta 5 mL de ácido fosfórico (1+3), 4 gotas de indicador e água para que o volume total atinja 50 mL. Titular com a solução de sulfato amoniacal. Proceder igualmente a titulação com a prova em branco utilizando o mesmo procedimento efetuado para solução extratora. 1.2 Dificuldades da Metodologia Oficial A metodologia oficial demanda muito tempo de um analista, já que no procedimento de aquecimento deve-se ter muito controle, pois sob alta temperatura e tempo prolongado de aquecimento irá ocorrer à degradação do dicromato resultando em valores acima do real, sendo assim, é estritamente necessário que o analista esteja cuidando da digestão. Outro fator crucial do método é a padronização da solução de sulfato ferroso amoniacal, que deve ser feita sempre no dia que a metodologia será realizada, já que há uma perda de concentração em função do tempo devido à oxidação do ferro e dependendo da forma como é estocada a solução, a concentração diminui rapidamente. Há também a dificuldade de observar o ponto de viragem na titulação, que, dependendo da natureza da amostra, não se torna evidente a mudança de cor. 2 Materiais e métodos Materiais utilizados: • Interciência & Sociedade Balões volumétricos de 100 e Desenvolvimento de metodologia para determinação de COT por espectrofotometria • • • • • • • 200 mL Pipetas volumétricas de 10, 5 e 4 mL Bureta de 50 mL Erlenmeyers, béqueres, povetas, condensadores e chapas aquecedoras Balança semi-analítica (3 casas decimais) Pipetador automático (1 mL - Digipet) Reagente: K2Cr2O7, grau analítico (Merck); H2SO4 P.A.; H3PO4 P.A.; Difenilaminasulfonato de Bário (indicador); Sulfato de Ferro (II) Amoniacal hepta-hidratado. Espectrofotômetro UV-Vis NOVA 1600UV Primeiramente foram realizadas varreduras de λ com o intuito de analisar o perfil de absorbância das amostras, extratos e padrões de K2Cr2O7, comparando-os, e também determinar o máximo de absorção, o λmáx. Realizaram-se estudos a respeito da melhor faixa de concentrações de pa- drões para confecção da curva de calibração. Através de diversas análises tanto espectrofotometricamente e titulometricamente das mesmas amostras, verificou-se se há convergência entre os resultados obtidos em cada método de determinação, correlacionando-os. Também foram feitos estudos sobre a precisão da leitura espectrofotométrica em diversas amostras. 3 Resultados e discussão Abaixo estão os espectros de absorção de UV-Vis, das diferentes soluções que foram usadas em laboratório. As soluções utilizadas para obtenção dos espectros de varredura, foram escolhidas em função de questionamentos sobre a influência da matriz no perfil espectral, e do ácido sulfúrico, visto que quando o mesmo é adicionado à solução de dicromato ocorre aumento na intensidade da cor. Foi observado, no entanto, que a intensificação da coloração está relacionada com o forte aumento da temperatura do meio. Figura 1: Espectros de absorção UV-Vis de diferentes amostras. Fonte: Os autores. Interciência & Sociedade 111 LEME, B. C., SAITO, B. O. 112 Observa-se na Fig. 1 que a presença da matriz amostral não interfere no perfil de absorbância das soluções de K2Cr2O7, ou seja, tanto ensaios em branco (solução de K2Cr2O7) como as soluções preparadas segundo a metodologia oficial apresentam pico de absorção quantitativo mais definido em λ=350 nm. Outra observação refere-se a presença de ácido sulfúrico concentrado e aquecimento na extração da amostra, e observa-se também que estes fatores não interferem no perfil espectral. Assim sendo a determinação da concentração de K2Cr2O7 nas diferentes soluções (branco e amostra) pode ser feita através da espectrofotometria no visível, em λ=350 nm. Também foi observado um pico na região do Ultravioleta, porém este não foi usado, pois apresenta menor definição e por questões de custos, visto que um colorímetro é mais barato do que um espectrofotômetro de UV. Foram realizados também varreduras de comprimento de onda nos padrões de dicromato de potássio. Nota-se na Fig. 2 que a absorbância dos padrões é quantitativa, ou seja, a relação entre a Abs e a concentração em λ= 350 nm, é diretamente proporcional, o que também foi comprovado quando se fez a curva de calibração (Fig. 3). Figura 2: Espectros de absorbância no Vis dos padrões utilizados para curva de calibração. Figura 3: Curva de calibração para os padrões de 20, 60, 80, 100 e 120 ppm de K2Cr2O7. Fonte: Os autores. Fonte: Os autores. Nota-se o alto grau de linearidade na curva de calibração, R = 0,999671, permitindo a quantificação de analitos desconhecidos através de comparação com os padrões, ou seja, através da Abs obtida pode-se determinar a concentração dessas amostras fazendo-se uso da curva de calibração. Finalmente, foram realizadas as análises de COT em diversas matrizes, comparando os resultados obtidos com a determinação convencional (por titulação redox). Os resultados obtidos são mostrados na Tabela 1. Interciência & Sociedade Desenvolvimento de metodologia para determinação de COT por espectrofotometria Tabela 1. Resultados de determinação de % COT por espectrofotometria e titulometria. Amostra Titulação Espectrofotometria % Esp/Tit 1 15,86 15,27 96,30 2 15,15 14,49 95,66 3 15,14 14,76 97,51 4 16,35 16,21 99,19 5 3,91 3,37 86,17 6 3,18 2,78 87,53 7 15,60 14,91 95,58 8 3,73 3,50 93,83 9 15,30 14,63 95,62 10 15,01 14,85 98,93 11 28,04 26,87 95,83 12 4,41 4,13 93,65 14 3,12 3,10 99,36 15 3,82 3,73 97,64 16 4,17 4,14 99,28 17 1,85 1,81 97,84 18 13,65 13,82 101,26 19 12,01 12,16 101,27 20 10,84 10,86 100,18 21 9,91 9,76 98,48 22 11,69 11,77 100,67 23 11,29 11,40 100,98 24 3,32 3,35 100,91 Fonte: Os autores. Figura 4: Valores obtidos de COT por titulometria versus espectrofotômetria. Fonte: Os autores. Interciência & Sociedade 113 LEME, B. C., SAITO, B. O. Os resultados obtidos através da espectrofotometria e volumetria se apresentaram sempre muito próximos, sendo que existe um pequeno decréscimo no valor de % COT, na maioria dos casos, quando se realiza por espectrofotometria. Provavelmente por dois motivos: a presença de imprecisão na detecção do ponto final da titulação redox dos íons Cr2O72- com Fe2+, além de desvios no valor de concentração desta solução titulante de Fe (II) e também desvios acumulados na confecção dos padrões analíticos para a curva de calibração. Os estudos de precisão da determinação de COT por espectrofotometria são apresentados nas Tabelas 2 a 5. Tabela 2. Valores de % COT obtidos com leitura espectrofotométrica e valores de desvio padrão, média e coeficiente de variação. Amostra 1 C (ppm) %COT 1 47,569 4,616681 2 48,065 4,664819 3 47,596 4,619301 4 47,506 4,610566 5 47,37 4,597367 6 47,163 4,577278 7 47,497 4,609693 8 47,172 4,578151 9 47,118 4,57291 10 47,118 4,57291 Desvio padrão Média % Coef. Var 0,028843 4,601968 0,626762 Fonte: Os autores. Tabela 2. Valores de % COT obtidos com leitura espectrofotométrica e valores de desvio padrão, média e coeficiente de variação. Amostra 2 C (ppm) %COT 1 44,25 4,291164 2 44,404 4,306098 3 44,503 4,315699 4 44,395 4,305225 5 44,214 4,287673 6 44,539 4,31919 7 44,728 4,337518 8 44,837 4,348088 9 44,755 4,340137 10 44,566 4,321808 Desvio padrão Média % Coef. Var 0,020376 4,31726 0,471977 Fonte: Os autores. 114 Interciência & Sociedade Desenvolvimento de metodologia para determinação de COT por espectrofotometria Tabela 4. Valores de % COT obtidos com leitura espectrofotométrica e valores de desvio padrão, média e coeficiente de variação. Amostra 3 C (ppm) %COT 1 53,034 5,142996 2 53,349 5,173544 3 53,196 5,158706 4 53,025 5,142124 5 53,187 5,157834 6 53,349 5,173544 7 53,349 5,173544 8 53,178 5,156961 9 52,989 5,138632 10 53,304 5,16918 Desvio padrão Média % Coef. Var 0,013738 5,158706 0,266314 Fonte: Os autores. A partir dos resultados presentes nas Tabs. 2 – 4 nota-se a alta precisão do método de determinação, o que também é confirmado através dos resultados obtidos de % Coeficiente de Variação que mostram-se aceitáveis, pois segundo WOOD: o coeficiente de variação (ou desvio-padrão relativo) máximo aceitável está relacionado com o nível de concentração do analito na amostra, definido pela equação: CV(%) =2(10,5logC) , na qual C é a concentração do analito (p/p). 4 Metodologia proposta – espectrofotometria Através dos resultados obtidos, pode-se então sugerir um método para determinação da % de COT por espectrofotometria, realizando a extração da amostra pelo método oficial. A curva de calibração foi feita com padrões de K2Cr2O7 de 20, 60, 80, 100 e 120 ppm, usando como zero de absorbância o padrão de 20 ppm. O aparelho utilizado foi um espectrofotômetro NOVA 1600UV ajustado em comprimento de onda (λ) de 350 nm. A extração das amostras foi realizada de forma convencional, como descrito na metodologia oficial. A partir da solução extratora diluída em balão de 200 mL, retira-se 1 mL e transfere-se para balão volumétrico de 100 mL completando o volume com água destilada. Finalmente são realizadas as leituras de absorbância das amostras dos balões de 100 mL em comprimento de onda de 350 nm utilizando a solução-padrão de 20 ppm para zerar o aparelho. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O alto grau de correlação entre os resultados leva a inferir que o método é válido para a detecção da % COT nas amostras utilizadas, que representam as amostras de rotina do centro de qualidade de uma empresa que fabrica fertilizantes organo-minerais fluidos. A presença de pequenos desvios quando são comparados os métodos de espectrofotometria e titulação é natural, visto o grande número de erros sistemáticos e aleatórios que estão presentes na realização de uma análise, principalmente nas que demandam um grande número de etapas. Assim sendo, o uso de uma aparelhagem simples em substituição à “mão humana” é um ganho, pois minimiza os erros aleatórios que podem ocorrer, sem tornar a análise cara. Interciência & Sociedade 115 LEME, B. C., SAITO, B. O. As grandes vantagens do método espectrofotométrico em relação ao titulométrico estão no menor tempo requerido por análise, menor gasto de reagentes, diminuição de erros aleatórios como detecção de ponto de viragem por exemplo, e possivelmente em maior exatidão nos resultados, sendo que estudos futuros na parte de extração de amostra podem fornecer mais embasamento sobre as variáveis envolvidas no método, e consequentemente um maior controle das mesmas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CIAVATTA, C.; VITTORI ANTISARI, L.; SEQUI, P. Communication in soil and plant analysis. V 20, n 7-8, p 759-773, 1989. KIEHL, E.J. Fertilizantes Orgânicos. São Paulo: Ed. Agronômica Ceres, 1985. MAPA, Instrução Normativa, Nº 28. 2007. WALKLEY, A.; BLACK, I. A. Soil Science. 37: 29-38, 1934. WOOD, R. Trends Anal. Chem., v. 18, p. 624-632, 1999. Bruno de Campos Leme é bacharel em Química pela Universidade Federal de São Carlos (2011), Campus de São Carlos / SP. Atualmente é profissional contratado pela Technes Agrícola. Bruno Orui Saito é Engenheiro Químico pela Universidade Federal de São Carlos, mestrando em processos industriais pelo Instituto de pesquisa tecnológica do estado de São Paulo. Atualmente é profissional contratado pela Technes Agrícola. 116 Interciência & Sociedade