FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste Alquimy Art CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ARTETERAPIA “A RELAÇÃO DO PALHAÇO COM O PACIENTE ONCOLÓGICO EM AMBIENTE HOSPITALAR: ARTETERAPIA OU ARTE EM ESPAÇOS NÃO CONVENCIONAIS?” Clélia Arleth da Costa. Uberlândia /MG 2006 1 FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste CLÉLIA ARLETH DA COSTA. “A RELAÇÃO DO PALHAÇO COM O PACIENTE ONCOLÓGICO EM AMBIENTE HOSPITALAR: ARTETERAPIA OU ARTE EM ESPAÇOS NÃO CONVENCIONAIS?” Monografia apresentada à FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste, SP e ao Alquimy Art de São Paulo como parte dos requisitos para a Obtenção do título de Especialista em Arteterapia. Orientadora: Flora Elisa de Carvalho Fussi. Uberlândia 2006 2 FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste COSTA, Clélia Arleth A relação do palhaço com o paciente oncológico em ambiente hospitalar: arteterapia ou arte em espaços não convencionais? / Clélia Arleth da Costa – Uberlândia; 2006 xxp. Monografia (Especialização em Arteterapia) FIZO – Faculdade Integrativa Zona Oeste. Alquimy Art 1. Arteterapia MG/BGSF 2.. Arte do Palhaço. CDV.51 3 FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste Alquimy Art Pro-Reitoria de Educação Profissional “A RELAÇÃO DO PALHAÇO COM O PACIENTE ONCOLÓGICO EM AMBIENTE HOSPITALAR: ARTETERAPIA OU ARTE EM ESPAÇOS NÃO CONVENCIONAIS?” Monografia apresentada pela aluna Clélia Arleth da Costa ao curso de Especialização em Arte Terapia em 11/03/2006 e recebendo a avaliação da Banca Examinadora constituída pelos professores: ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ 4 FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste À minha filha Maria Eduarda, ao meu sobrinho João Vítor e aos meus pais pela amizade e confiança que depositaram em mim e em meus projetos. À todos os pacientes do Hospital do Câncer de Uberlândia pela partilha sincera. 5 FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste Em primeiro lugar agradeço, a Deus pela força e inspiração para cumprir minha missão. Aos professores pelo conhecimento. Às minhas colegas de curso pela companhia na criativa jornada da Arteterapia. Aos colegas de trabalho do Grupo Anjos da Alegria pelo universo de Magia partilhado e a todos que acreditam e lutam pela manutenção deste projeto. 6 FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste RESUMO Decidi pesquisar a relação do paciente oncológico com o palhaço de hospital, por acreditar que este envolvimento, mediado pela arte do palhaço, produz um encontro forte e poderoso capaz de dissipar a depressão que advêm do estado de adoecimento. Esta pesquisa parte do seguinte questionamento: a prática de palhaços em ambiente hospitalar, pode ser considerada arteterapia ou apenas arte em espaços não convencionais? Os dados coletados para esta pesquisa, foram retirados dos relatórios diários dos atores-palhaços do Grupo Anjos da Alegria que atuam no Hospital do Câncer de Uberlândia, feitos ao longo de cinco anos de trabalho e da pesquisa de Morgana Masseti, Psicóloga pesquisadora dos Doutores da Alegria. O público é constituído de pacientes adultos, crianças e seus acompanhantes. Apesar da equipe médica não ser nosso foco, também é atingida por nossa prática. Os resultados foram entendidos sob a ótica da Psicanálise tendo as teorias de Freud e os pressupostos de Winnicott, Byington, Jung e Frankl como base teórica. 7 FIZO – Faculdade Integração Zona Oeste ABSTRACT 8 SUMÁRIO RESUMO------------------------------------------------------------------------------------------7 ABSTRACT----------------------------------------------------------------------------------------8 INTRODUÇÃO----------------------------------------------------------------------------------10 DESCRIÇÃO DA SESSÃO------------------------------------------------------------------15 FISOLOGIA DO RISO-------------------------------------------------------------------------16 O ARQUÉTIPO DO PALHAÇO-------------------------------------------------------------17 MECANISMOS PSICOLOGICOS DE DEFESA ENVOLVIDOS NA RELAÇÃO PALHAÇO-PACIENTE ONCOLÓGICO--------------------------------------------------20 TEORIAS DO HUMOR------------------------------------------------------------------------24 CONSIDERAÇÕES SOBRE O BRINCAR-----------------------------------------------30 DIFERENCIAÇÃO DO TRABALHO REALIZADO COM CRIANÇAS E ADULTOS----------------------------------------------------------------------------------------32 RELAÇÃO DO PALHAÇO COM A CRIANÇA EM TRATAMENTO DO CÂNCER------------------------------------------------------------------------------------------33 RELAÇÃO DO PALHAÇO COM O ADULTO EM TRATAMENTO DO CÂNCER-------------------------------------------------------------------------------------------------------37 CRITICA AO TRABALHO DE PALHAÇOS EM HOSPITAIS------------------------44 CONCLUSÃO-----------------------------------------------------------------------------------46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS-------------------------------------------------------50 9 INTRODUÇÃO O trabalho de palhaços em hospitais ficou mundialmente conhecido a partir do filme “Patch Adams: o amor é contagioso”. Este filme narra a trajetória de um médico que tendo sido internado em um sanatório devido uma depressão, sente na pele o descaso médico e decide tornar-se médico para revolucionar as relações médicas através da humanização e do humor do palhaço. Em sua visita ao Brasil, Patch Adams afirmou que o grande mal da humanidade nos últimos tempos tem sido a depressão. A depressão paralisa e isola o indivíduo. Patch culpa o capitalismo uma vez que ele promove e reforça a individualidade, que acaba por se transformar em individualismo. As pessoas em defesa de sua “individualidade”, deixaram de se envolverem umas com as outras valorizando excessivamente o seu espaço. O lugar que antes eram destinados às pessoas e às relações, passou a ser substituído pelas coisas e por bens de consumo. O agradável passeio ao cinema deu lugar aos Home Theathers domésticos, as saudáveis conversas de botequins foram trocadas por salas de bate papo virtuais, a conseqüência dessa mudança de comportamento tem sido o aumento vertiginoso dos casos de depressão que afetam todas as faixas etárias. Para ele, a depressão é fruto da falta de amor, combater a depressão é combater o individualismo e investir no envolvimento, na relação humana. Nos casos de doenças graves como o câncer que é normalmente acompanhada pela depressão, a conduta de envolvimento é uma necessidade! 10 NA PLATÉIA: CLÉLIA, LILIAN E ROSE. ANJOS DA ALEGRIA Peixoto (1994) pontua o fato de vivermos em uma sociedade dividida onde muitas vezes a cultura e o teatro servem aos ideais das classes dominantes, o processo criativo também deve estar presente nas classes subalternas e estigmatizadas demandando esforços pela libertação e pela construção de uma nova sociedade. Em detrimento desta opressão social de 11 classes, o teatro deixou de lado seu papel social contestador e se aliou às classes dominantes patrocinadoras da cultura das pompas e dos ideais da elite. Neste contexto, o palhaço vem resgatar esse compromisso social da arte dando voz ao doente de câncer estigmatizado na sociedade. A pesquisa do tema se justifica por dar suporte reflexivo para uma prática que vem crescendo muito nos últimos tempos: os palhaços de hospitais. Há cinco anos desenvolvo este trabalho e tive a oportunidade de entrar em contato com muitos grupos que fazem o mesmo tipo de trabalho, com objetivos e qualidades bem diferenciadas. Conheci grupos que primam pela qualidade de espetáculo sem se preocuparem com a qualidade de envolvimento com o público, já vi grupos que se dedicam ao envolvimento e deixam a desejar na qualidade artística, assim como vi grupos que se atentam aos dois eixos de ação: envolvimento humano e expressão artística. Especulo que a ação terapêutica mora no envolvimento direto do palhaço com o paciente e não no espetáculo em si. Nestes grupos pude diferenciar dois tipos de palhaços: o primeiro provoca o riso em seu publico ridicularizando características físicas ou psicológicas de alguém da platéia, muitas pessoas se esquivam de palhaços por medo de se tornarem alvos de suas brincadeiras sem limites. O segundo provoca o riso ridicularizando a si mesmo fazendo de sua imagem, espelho para que os outros possam se ver em seus fracassos, medos e debilidades. Essa segunda classe de palhaço é capaz de se fazer pequeno e incapaz para que sua platéia se sinta plena de poderes, agraciados por não estarem na pele dos palhaços. Qualquer ser humano normal é mais sedutor, mais inteligente, mais esperto que qualquer palhaço da 12 segunda espécie. O pré-requisito para seu um palhaço de hospital é pertencer ao segundo grupo descrito anteriormente, generosidade e atitude amorosa são posturas imprescindíveis para promoverem encontros terapêuticos, talvez possamos dizer arteterapêuticos entre palhaço e paciente. Ostrower (1998), afirma que a arte como terapia anula a arte. O palhaço não tem objetivos terapêuticos. Sou palhaça e sou psicóloga, enquanto palhaça, meu único objetivo é comunicar-me com alegria e provocar o paciente para que faça o mesmo. Quando me ponho a relatar os fatos em meu diário de palhaça, concluo que esses encontros foram terapêuticos além de artísticos. O fato do paciente expressar artisticamente e se sentir aliviado de suas tensões, a meu ver, não pode ser desconsiderado. Também não acho que devamos colocar os palhaços dentro de um modelo médico para ser “mais terapêutico”. Não só os grupos podem ser classificados, a postura dos pacientes também diferencia a qualidade de envolvimento, e estes podem ser enquadrados em três grupos: 1) Paciente espectador – envolve-se com a cena, mas de maneira passiva, no plano interno, da imaginação, não se torna personagem da proposta do palhaço. 2) Paciente personagem – envolve-se com a cena, participa ativamente dela desempenhando um personagem coerente com a proposta do palhaço. Este tipo de paciente é um facilitador de 13 nosso trabalho, embarca fácil na fantasia, não só cria personagens para contracenar com o palhaço como cria ciladas para ridicularizar e desafiá-lo. Esta dinâmica de jogo, normalmente aproximar as pessoas, fazendo com que elas ganhem aliados e se fortaleçam enquanto pessoas e seres em busca da cura. 3) Paciente indiferente – não se envolve, resiste ao contato com o palhaço. O medo de serem publicamente ridicularizados ou a revolta por estarem doentes em algumas vezes faz com que o paciente assuma uma postura indiferente à figura do palhaço. Neste caso, ele deve ser respeitado e não receber nenhuma retaliação visto que nosso objetivo é fortalecer o ego do paciente através do humor e generosidade, aceitando o mal momento do paciente em questão. A indiferença possui um componente agressivo, o comportamento de indiferença produz um sentimento de isolamento do mundo, é desesperador para a família quando isso acontece, fica entendido que a alegria não lhe diz respeito, que se encontra reduzida a pulsão de vida neste paciente. Respeitamos, mas nunca desistimos de pacientes neste estado, mas sem dúvida, os benefícios de nossa atuação são bem reduzidos. Quanto maior o envolvimento das partes, maior a qualidade terapêutica do encontro. 14 DESCRIÇÃO DA SESSÃO As sessões ocorrem nos leitos e corredores do Hospital do Câncer de Uberlândia. Nos leitos, a atuação é sempre desenvolvida a partir de uma visita médica de rotina onde o médico é um palhaço especialista (Besteirologista, Risologista, Pipocolaringologista, musicopiadista) que realiza exames pouco convencionais como medir o riso, medir assanhamento vital, indicar cirurgias de extração de grilos na cabeça, dentre outros. Não há um roteiro ou espetáculo pré-definido, a base da atuação dos palhaços está nos elementos encontrados nos cenários (corredores e leitos) e nas permissões e reações do público (Pacientes, Acompanhantes e Equipe médica). Os atores são orientados a não serem invasivos, brincar deve ser uma escolha livre dos envolvidos. A duração das apresentações depende da necessidade do paciente e da energia despendida para se divertir, o importante é que a brincadeira tenha começo, meio, fim e nexo para encontros posteriores. A estrutura do trabalho de palhaço, normalmente obedece a seguinte regra: um personagem Branco e um Augusto. A personalidade destes personagens são complementares, o Palhaço Branco é a elegância, a graça, a harmonia, a inteligência e a lucidez, é aquele que se propõe de maneira moralista. Normalmente está associado à imagem castradora da mãe, da professora e do pai. O Palhaço Augusto possui em sua essência a ingenuidade de uma criança, é aquele que erra sem perceber seu erro e continua seguindo seus instintos básicos, já o Branco também erra, mas não admite suas falhas e 15 em geral coloca toda sua culpa, no outro, um bom exemplo desta dinâmica são os famosos personagens conhecidos como o gordo (Branco) e o magro (Augusto). Trabalhando desta forma, as pessoas mais recalcadas podem estar se identificando com o personagem Branco ao passo que as menos reprimidas têm a chance de se identificarem com o personagem Augusto, sendo desta forma respeitadas em sua individualidade. A FISIOLOGIA DO RISO Adams (1999) relata que a tensão tem efeito na fisiologia, e que elementos como: humor, amor, surpresa, curiosidade, paixão, perdão, alegria, entusiasmo, estimula o sistema imunológico contra infecções, fortalecem as células que combatem o câncer e afetam a forma de como cuidamos de nós mesmos e dos outros. Na fisiologia do riso, as lágrimas e a saliva passam a ter mais imunoglobinas, um anticorpo que é a primeira linha de defesa contra algumas infecções virais e bacterianas, o cérebro e o corpo passam a produzir betaendorfinas, opiciáceos internos que ajudam a relaxar e a reduzir a dor. Os hormônios do estresse produzidos pelas glândulas supra-renais são reduzidos. O riso possui um efeito anti-inflamatório nas articulações e ossos, alem de promover oxigenação do sangue. (ADAMS, 1999). Carbelo (2000), conclui que os benefícios do riso abrangem tanto os aspectos psicológicos quanto físicos, estimula o sistema cardiovascular, 16 imunológico, muscular, respiratório, endócrino, nervoso central e periférico (simpático e parassimpático), promove a vasodilatação, melhorando a circulação, controlando a pressão arterial, promovendo o relaxamento muscular, uma vez que os músculos se tornam bem irrigados pelo sangue. A liberação de endorfinas e serotoninas, elimina-se toxinas, esteróides e hormônios. Em aspectos psicossomáticos o humor melhora a auto-estima e a crença de cura do corpo. Adams (1999) coloca que as pessoas precisam do riso assim como de aminoácidos essenciais e acrescenta que necessitamos de alívio cômico sempre que as dores da existência nos oprimem. O ARQUÉTIPO DO PALHAÇO A palavra “palhaço” provém da língua Celta. Originalmente designa um fazendeiro, um campônio, visto pelas pessoas da cidade como um indivíduo desajeitado e engraçado (MASSETTI, 2000) 17 Pensar o palhaço como arquétipo é compreender sua existência para além da idéia de espetáculo, é pensá-lo com um papel muito bem definido socialmente, pois a ele é dada a autoridade, o direito oficial de subverter a ordem. A principal característica do palhaço consiste em romper com todas as lógicas pré-estabelecidas de maneira alegre e despreocupada. O palhaço é regido pelo princípio do prazer (Freud, 1920), ele pode ser e ter tudo o que quiser, ele sempre apresenta uma saída inusitada para qualquer que seja o conflito. O palhaço tem uma característica de decompor objetos, de relativizar tudo e quebrar toda a seriedade teórica e prática seja ela qual for. Não reconhece os heróis e tem uma busca incansável pelo contrário, todo sentimento e todo impulso, todo pensamento que surge no palhaço se desdobra no contrário. A figura do palhaço enquanto arquétipo está também associada ao mendigo, ao beberrão, ao bobo da corte... Marcio Libar ator e palhaço dos Doutores da Alegria em um artigo para o site Mundo ao contrário cita Jango, um palhaço Bufão norte-americana no que diz: “Ser um bom palhaço só é possível quando você tem ridículos e fragilidades e consegue, não ter nenhum problema com isso: e não se levar à serio. O palhaço é o perdedor, aquele que perdeu para o sistema. Porém quem perdeu tudo não tem mais nada a perder e, portando, pode fazer o que quiser.”( JANGO apud LIBAR, 2004) Reconhecer-se ridículo significa romper com o que Freud (1914) chama de dor narcísica, é tirar de si a responsabilidade de ser perfeito, neste sentido, a conseqüência desta postura é um maior sentimento de liberdade em ser, ou 18 seja, reconhecer-se ridículo é o caminho mais seguro para a auto-aceitação. O palhaço, neste contexto, é o arquétipo que abre as portas, tanto para a liberdade, quanto para a auto-aceitação. Hugo Possolo, ator e diretor do grupo “Parlapatões Patifes e Paspalhões” escreve em seu artigo para o site da Cooperativa Paulista de Teatro: “O Palhaço simplesmente representa o erro humano. E o riso é a manisfestação de alívio quando o homem se entrega totalmente à sua natureza. Todos os caminhos no circo levam à superação da lei da gravidade, seja a acrobacia ou o malabarismo. O arquétipo de Palhaço é o contraponto de tudo isso. Através dos seus medos e tombos, ele mostra o quanto o homem se torna frágil e ridículo ao querer superar a natureza já que ele é infinitamente menor que ela essa é a grande lição que os palhaços nos dá.” ( POSSOLO, 2003) Atualmente encontramos alguns palhaços utilizando o termo Clown para se definir na tentativa de se diferenciar do palhaço tradicional. Federico Feline (2005), apresenta uma diferenciação para o Clown e Palhaço. O primeiro pertence ao espaço do circo e do palco, já o segundo está associado às feiras e ás praças. Não gostaria de aqui levantar esta discussão, o Palhaço de que tratarei é o que adentrou ao Hospital com o objetivo de levar sua arte e alegria ao público doente, seja ele tradicional ou não. 19 MECANISMOS PSICOLÓGICOS ENVOLVIDOS NA RELAÇÃO PALHAÇOPACIENTE ONCOLÓGICO De acordo com Afonso (2003) o humor é uma forma de relação entre os sujeitos, nele encontramos maneiras de expressarmos ou de nos defendermos contra sentimentos insuportáveis. Esta expressão pode tomar formas de ironia e sarcasmos podendo servir para desqualificar pessoas, reproduzir preconceitos, ou ainda demonstrar amor. Freud (1894) postula que o ego possui alguns mecanismos de defesa e auto-regulação. Um desses mecanismos é o da projeção. A projeção é a vivência de um fator interno como sendo externo, projetado em outra pessoa ou outra situação que aparentemente não lhe diz respeito. Os contos de fadas e seus personagens normalmente são alvos dessas projeções. Em nossa prática, palhaços doutores, contracenam com pacientes e acompanhantes na oncologia sob uma lógica particular que propicia projeções. O palhaço passa a ser depositário de desejos e medos, permite-se intermediar, trazer a tona conflitos inconscientes de maneira segura: através do humor. Geralmente o interlocutor se identifica com a história desenvolvida pelo palhaço devido a alguma semelhança com sua própria história de vida, dessa maneira, torna-se cúmplice do agente da história sendo parceiro em sua ação. Em uma de nossas atuações, adentramos a sala de quimioterapia apresentando um novo doutor-palhaço especialista em massagem. Tirou de sua maleta martelos de muitas formas, massageadores de pés, cabeça e costas e começou suas massagens em uma enfermeira que havia dado 20 plantão na noite anterior. Certo paciente começou a criticar o palhaço que estava fazendo sua massagem, seu acompanhante nos disse que o paciente crítico era massagista profissional, que inclusive já havia trabalhado com jogadores famosos. Os palhaços se dirigiram a ele estabelecendo um clima de concorrência. Elegeu-se uma enfermeira para ser massageada, tanto pelo paciente, quanto pelo palhaço, ao final ela deveria dizer qual deles era melhor. Inicialmente o paciente disse que tinha deixado de ser massagista porque havia ficado doente, uma outra doutora palhaça, encorajando-o ao desafio disse: - Ainda que o senhor tivesse sem suas duas mãos, seria melhor massagista que o nosso doutor. Num ímpeto, o paciente decidiu enfrentar o desafio demonstrando suas técnicas apesar do soro que usava em um dos braços. Todos presentes torciam pelo paciente tocados por sua iniciativa. O palhaço, atrapalhado, incapaz diante de um profissional, reconheceu o seu fracasso ao escutar da enfermeira que o paciente em questão era o melhor. A energia que fez com que o paciente participasse da cena foi a identificação com a história proposta pelo ator. Na verdade, acontece uma realização simbólica, ou seja, a energia dispensada na vivência da cena é revertida na elaboração interna dos conflitos com os quais se identificou. Neste caso, simbolicamente o paciente retornou às suas atividades profissionais que representava um conflito interno, deixou de ser conhecido pelas enfermeiras como mais um paciente com câncer para ser reconhecido como o massagista de jogadores famosos. 21 A identificação é conhecida pela Psicanálise como a mais antiga expressão de um laço emocional com outra pessoa. O laço mútuo entre os membros de um grupo está na natureza de uma identificação baseada numa importante qualidade emocional comum. (ROTHGEB, 2001) Algumas vezes, o personagem/paciente que contracena com o palhaço encontra saídas e soluções que orienta o interlocutor que internaliza esta qualidade de ação. Freud chama este processo de internalização de introjeção, colocar dentro o que está fora. O interlocutor passa a incorporar o padrão de ação do personagem, ainda que seja só no plano das idéias. Essa elaboração, na maioria das vezes é feita de maneira inconsciente. A arte é uma forma de comunicação e de linguagem simbólica, de acordo com Freud (1915), o inconsciente se manifesta mais por imagens do que por palavras, as imagens são mais livres da censura da mente que as palavras. Dessa forma, a arte e seus simbolismos permitem ao homem expressar suas angústias individuais sem descrições reais comprometedoras. Criar é uma forma de externar e viabilizar uma nova apreensão da realidade. Ao utilizar as práticas artísticas com função terapêutica, postula-se a capacidade da vida psíquica organizar-se em suas percepções, sentimentos e sensações. (ANDRADE, 2000) Ser criativo promove sanidade mental, consiste em uma forma do indivíduo diferenciar-se. Criar é para o criador uma maneira de reeditar-se. Quando o paciente entra na cena e cria um personagem para contracenar com o palhaço, que na maioria das vezes é o próprio paciente numa versão mais 22 livre, ele cria uma oportunidade de reeditar-se, de se enxergar de maneira diferenciada. Em resumo, os mecanismos psicológicos mais evidentes na relação palhaço-paciente são a identificação, projeção, introjeção e a elaboração simbólica. Para Freud (1908), a criação artística é produto da sublimação. A energia psíquica primária (desejos sexuais e agressivos) estaria canalizada para a criação artística, ocorrendo à satisfação por outros meios através da representação simbólica. Jung na década de 20 utiliza a arte como tratamento acreditando que elas sejam representações do inconsciente individual ou coletivo. Para ele, a criatividade é uma função psíquica natural da mente humana, uma outra necessidade básica e não a sublimação de outros impulsos. O recurso da arte aplicado à psicopatologia originou-se, quando Jung passou a trabalhar com o fazer artístico, em forma de atividade criativa e integradora da personalidade. ”Arte é a expressão mais pura que há para a demonstração do inconsciente de cada um. É a liberdade de expressão, é sensibilidade, criatividade, é vida.” (JUNG, 1920 ) Felini (2005), diferencia Freud de Jung dizendo que o primeiro representa um Clown Branco (superego) e o segundo um Clown Augusto (id). Seja a arte uma sublimação ou uma necessidade psíquica humana, nosso objetivo enquanto propagadores da arte do Clown, é promover saúde através de nossa arte. 23 TEORIAS DO HUMOR A primeira teoria do humor que temos registro data do séc. IV a. C., trata-se da teoria humoral de Hipocrates que constitui o principal corpo de explicação racional da saúde e doença que teve respaldo cientifico até o séc. XVII. Esta teoria diz que a vida é mantida pelo equilíbrio dos 4 humores: Sangue, Fleuma, Bílis amarela e Bílis negra, procedentes respectivamente do coração, cérebro , fígado e baço. O predomínio natural de um destes humores na constituição do individuo, teríamos os tipos fisiológicos: o sanguíneo, o fleumático, o bilioso ou colérico e o melancólico. O papel da terapêutica seria ajudar a physis a seguir os seus mecanismos normais ajudando a expulsar o humor em excesso ou contrariando suas qualidades. Atualmente muitos profissionais de saúde defendem a importância de se estimular o bom humor tendo em vista a saúde. (LAMBERT,1999) Viktor Frankl (1997) psiquiatra judeu que sobreviveu ao campo de concentração, em sua autobiografia conta que a arte se fazia presente nas noites difíceis no campo, apresentações musicais, recitais de poesias e teatros cômicos com sátiras alusivas à vida no campo de concentração eram realizadas entre os prisioneiros para ajudar a esquecer o horror do Nazismo. Prisioneiros exaustos da labuta do dia se reuniam para apreciar estes teatros muitas vezes perdendo a distribuição da sopa do dia. Não só a arte se fazia presente neste lugar de terror como também o humor. Para Frankl o humor constitui uma arma da alma na luta pela auto preservação, a partir desta 24 vivência, teoriza a vontade de humor, a tentativa de enxergar as coisas numa perspectiva engraçada constituindo um truque útil para a arte de viver. Freud possui dois significativos trabalhos sobre o humor. O primeiro constituído em 1905 sob o título “Os chistes e sua relação com o inconsciente”, onde afirma que e chiste funciona como um meio de driblar a censura do inconsciente, descarregando o impulso reprimido. Os chistes são gracejos pesados, não amáveis que para Freud ser de duas naturezas: agressiva ou sexual. Basicamente, a metapsicologia do chiste se descreve da seguinte forma alguém constrói uma frase que desafia as leis da convenção social, a partir dela o ouvinte recebe uma permissão para rir e desvalorizar o objeto do chiste. Isto significa que o impulso proibido existia neste ouvinte e permanecia reprimido até a oportunidade de ser liberado através do riso. Em outras palavras, “ri-se com o chiste porque, apesar de deseja-lo, não se pode bolinar ou agredir ágüem diretamente, e ri-se porque algo tornou permitido ao menos manifestar a intenção de fazer o que não se pode.” (BOGOMOLETZ,1995). Rothgeb (2001) define chiste como sendo habilidade em encontrar semelhanças entre coisas dessemelhantes, ou ainda semelhanças ocultas. Os chistes se caracterizam pelo julgamento jocoso, idéias contrastantes, o sentido do nonsense, a sucessão da confusão e da compreensão, trazer a tona que se achava oculto. A técnica do chiste consiste em substituições de palavras que são ininteligíveis em si mesmas, mas compreensível em seu contexto, quanto mais leve a modificação, melhor a piada, um bom exemplo são as palavras com duplo sentido ou condensadas que promove interpretações cômicas. As 25 diferentes técnicas dos chistes se resumem em: condensação com formação de palavras compostas ou com modificações, uso múltiplo do mesmo material como um todo, representação pelo oposto. Os efeitos que levam ao riso são atingidos de diversas maneiras: a) bola de neve, os acontecimentos vão numa crescente; b) repetição, um mesmo acontecimento pode ocorrer diversas vezes, seja com o mesmo personagem ou com outros; c) inversão, consiste em uma armadilha preparada para outro e o próprio autor da armadilha acaba por cair nela, e; d) a interferência das séries ou o qüiproquó, “uma situação que apresenta ao mesmo tempo dois sentidos diferentes, um simplesmente possível: o que os atores lhe atribuem, e o outro real: o que o público lhe dá”. ( BÉRGSON, 1983) Em seu segundo trabalho, “O humor – 1927, Freud revê seu pensamento sob o cômico passando a abranger a sua pesquisa direcionando-a ao humor e não mais o chiste. Diferencia o chiste do humor descrevendo o primeiro como tendo sempre conotação agressiva, ausente no humor, já o segundo, provoca o riso por sua natureza estapafúrdia, ridícula e inconvencional.“Freud não se aventura a explicar porque razão o cômico é cômico. Ele acredita que a gênese do humor esta na comparação de alguma situação com aquilo que é caracteristicamente infantil: assim como rimos de uma criança quando vemos a grande importância que ela dá ao que aos nossos olhos é irrisório, assim nos rimos de algo adulto que nos parece incongruente ou inadequado. “(BOGOMOLETZ,1995) 26 De acordo com a psicanálise, a motivação básica do homem para rir é a descarga dos impulsos reprimidos, levando-nos acreditar que o humor obedece ao modelo das necessidades fisiológicas como comer, dormir... Para Freud (1908) o estado de seriedade é normal e o riso um acidente. Para ele, a brincadeira de criança é determinada por um único desejo que auxilia sua evolução: o de crescer e ser adulto. O oposto da brincadeira não é o que é sério. Ao crescer, as pessoas renunciam ao prazer que obtinham brincando, passam a fantasiar e a envergonhar-se de expor suas fantasias. Winnicott (1990) afirma sua crença na terapêutica do humor e do lúdico dizendo: “No meu entender, a análise não começa até que consigo ensinar o paciente a brincar”. Esta fala nos leva a pensar que Winnicott, diferentemente de Freud, acredita que o self verdadeiro é um self que ri. O self verdadeiro é a porção da psique que é livre, diferentemente do falso self, que é organizado inconscientemente de acordo com uma fachada para ser aceito socialmente. Apesar de ser uma defesa eficaz, não constitui um componente de saúde. (WINNICOTT, 1989) Nos momentos de luto e depressão, a atenção está voltada inteiramente para o interior. O paciente oncológico, na maioria das vezes, encontra-se em processo de enlutamento. Ao receber a notícia da doença, o paciente passa por um processo normal de enlutamento não só pela reflexão da possibilidade da própria morte, mas pela adaptação obrigatória ao tratamento e às perdas advindas da doença. De acordo com Baldessi (2000), a pessoa enlutada atravessa dez estágios do luto, acionando algumas defesas de ego. 27 1) CHOQUE: A pessoa sente-se temporariamente anestesiada, submersa pela experiência que enfrenta. Nesta fase, utiliza-se da defesa de negação, importante para que ela não compreenda de imediato a grandeza de sua perda e tenha tempo para elaboração e adaptação à nova realidade. 2) SOLTURA EMOCIONAL: Essa fase acontece quando a pessoa aceita a realidade da doença e age em consonância com ela, manifestando seus sentimentos de dor e de perda com autenticidade. Freud (1894) nomeia este momento em que o paciente se permite entrar em contato com a dor como catarse. A catarse bem vivida é bastante benéfica ao tratamento visto que a explosão de sentimentos alivia tensões além de organizar os sentimentos confusos. 3) DEPRESSÃO, SOLIDÃO E SENSAÇÃO DE ISOLAMENTO: O indivíduo sente-se sozinho ao perceber que nem todas pessoas ao ser redor conseguem lidar positivamente com sua doença e que qualquer esforço que venha do outro, por mais bem intencionado que seja, ainda é pequeno diante de sua dor e de suas perdas. Sentindo-se só, passa a se preocupar consigo mesmo, este acontecimento é um bom indício, mostra que a pessoa está preparada para buscar dentro de si, recursos para reagir à doença. 4) SINTOMAS FISICOS DE TRISTEZA: A situação de perda desencadeia sintomas físicos advindos dos sentimentos de tristeza, normal dentro do processo de enlutamento. O individuo neste estágio, normalmente 28 sensibiliza e instiga a compaixão de familiares e amigos a agirem de maneira mais presente e acolhedora. 5) PÂNICO: O paciente por estar obsessivamente concentrado em sua doença, sente-se ameaçado psiquicamente pela hipótese de estar enlouquecendo, por muitas vezes, assustam com o próprio comportamento frente às diversidades da nova situação confundindo também seus amigos e familiares entrando em um processo de crise de identidade. 6) CULPA COM TUDO RELACIONADO AS SUA PERDA: A culpa atinge tanto o paciente quantos seus familiares. Em alguns casos o acompanhante se sente culpado por estar saudável e não poder fazer quase nada, os casos de desafetos passados são revividos pelo paciente. O paciente por sua vez sente-se culpado pelo descuido com a própria saúde e com todo comportamento errado do passado.Neste estágio, o exercício do perdão é altamente terapêutico. 7) HOSTILIDADE: A vivência da culpa é muito dolorosa desencadeando um processo de hostilidade com as pessoas que imagina que possa ter contribuído para o problema que ora enfrenta, com as pessoas saudáveis que lhe causa inveja, com a equipe médica e com Deus. A hostilidade é uma espécie de defesa onde o paciente catarticamente compartilha sua culpa com outrem. 8) INCAPACIDADE PARA RETORNAR AS FUNÇOES NORMAIS: Por mais que as pessoas se esforcem para voltar a sua vida normal, não conseguem faze-lo. Uma das razões é que a sociedade tem muito medo 29 da doença do câncer e tendem a reagir negando a existência dela impedindo que o paciente oncológico manifeste abertamente a sua dor, levando-o a se excluir de atividades rotineiras. 9) INICIO DA SUPERAÇÃO DO LUTO: Se a pessoa for sustentada e encorajada por aqueles que a rodeia, voltará a seu equilíbrio emocional, mas pra tanto, é necessário que ela não reprima seus sentimentos. 10) REAJUSTAMENTOS A REALIDADE: O ser humano jamais será o mesmo depois de uma experiência de grande dor. As pessoas se diferenciam, se tornam mais fortes, mais profundas e mais capazes de ajudar outras pessoas por causa da experiência vivida. Em resumo, o processo de enlutamento instiga o paciente a acionar recursos internos que muitas vezes transcendem sua condição humana, estabelece uma constante luta entre as pulsões de vida contra as pulsões de morte, neste sentido, surge a figura do Palhaço no hospital com a função de burlar a lei da seriedade trazendo a atenção do indivíduo para fora de si até que alcance o riso. CONSIDERAÇÕES SOBRE O BRINCAR Winnicott tem uma ampla pesquisa sobre a importância do brincar para a criança, através da brincadeira ela absorve e compreende o mundo, brincar é uma necessidade e uma forma de comunicação. 30 Para Winnicott (1990) é através do ato de brincar que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que descobre o eu (self). Viver criativamente constitui um estado saudável de vida. Apenas no brincar, que a criança ou o adulto fruem sua liberdade de criação. Winnicott (1990) diz que as crianças brincam algumas vezes para dar vazão a sua agressividade e ao seu ódio que podem ser encarados pela criança como uma coisa má dentro delas. A importância do brincar para elas está associada ao fato destes impulsos coléricos e de agressividade poderem se expressos num meio conhecido sem retorno do ódio e da violência contra si. Na brincadeira, este impulsos são melhor aceitos. As crianças brincam para dominar angústias e para controlar idéias e impulsos que levam a angústia. Cabe ao adulto compreender e respeitar esta necessidade de brincar da criança. A criança adquire experiência brincando, a personalidade dos adultos se desenvolve através de suas experiências de vida, a criança se desenvolve a partir da brincadeira que é de grande riqueza para o seu crescimento pessoal, principalmente quando a brincadeira fornece uma organização para a iniciação de relações emocionais e assim propicia o desenvolvimento de contatos sociais. (IWINNICOTT, 1990) A criança que brinca, trabalha o seu inconsciente sem repressões, com o passar do tempo essa naturalidade no brincar se reduz. Desse modo, crianças e palhaços são uma química perfeita, ambos anseiam por momentos descontração. O palhaço quando visita uma criança no 31 hospital, não se relaciona com a doença dela e sim com a sua porção saudável que tem necessidade de brincar. Assim como a criança não fica adulta porque ficou doente e continua sendo criança, com pensamentos e desejos de criança, o palhaço é uma figura adulta que não perdeu a sede de se divertir. O palhaço respeita essa sua condição de criança e é por isso que são tão queridos nos hospitais. A brincadeira nunca é técnica, mas a maneira de brincar dos palhaços de nosso grupo com crianças é diferente da maneira de brincar com adultos. A DIFERENCIAÇÃO DO PALHAÇO COM A CRIANÇA EM TRATAMENTO DO CÂNCER O sujeito desta pesquisa se encontra em tratamento oncológico no Hospital do Câncer de Uberlândia em seus diversos estágios, inclusive terminal. Para melhor compreensão, o publico será dividido em dois grupos para serem caracterizados: 1 – Crianças em tratamento 2 – Adultos em tratamento. 32 1 – A RELAÇÃO DO PALHAÇO COM A CRIANÇA EM TRATAMENTO DO CÂNCER As reações das crianças hospitalizadas dependem do seu desenvolvimento psíquico, do grau de apoio da família, do tipo de doença e das atitudes do médico. (BALDINI, 2006) Como já foi considerado anteriormente, o brincar é uma necessidade básica da criança, esteja ela saudável ou não, no caso da criança doente, o brincar ajuda a elaborar os conflitos de seu adoecimento, neste contexto, os palhaços são responsáveis por garantir este espaço dentro do hospital. Nas brincadeiras, utilizamos o universo da criança para nos comunicar com ela, suas preferências e sua rotina nos dá um amplo repertório de ação. Para comunicar com crianças existem inúmeras formas, mas quando o 33 palhaço, um ser adulto, utiliza uma lógica tola, quando desrespeita um pedido ou tem um entendimento torto da situação, o jogo está garantido. Neste processo, o acompanhante da criança é fundamental, quando a criança não quer brincar isso é um péssimo sinal, diríamos um sinal de doença geral, não só do corpo mas da psique. Quando isso acontece, utilizamos o acompanhante para ser a ponte entre a criança e o palhaço, fazendo dele um personagem na cena proposta pelo palhaço. Para ilustrar, transcreverei um trecho do diário de um palhaço de nosso grupo: “ Oba!!! Hoje é dia das crianças... tem guaraná, salgadinho, bala, sorvete... Epa!!! Porque o Gui tá de cara fechada em nossa super festa? Vou mostrar meu grilo saltador para ele! _ Oi Gui, vim mostrar o Teobaldo meu grilo salteador. (O grilo salta muitas vezes e Gui não ri) _ Você não gostou do Teobaldo? A mãe responde: _ Não quer mais saber do Hospital, avisou ao médico que não virá mais e quer parar o tratamento. _ Como assim?! Não nos veremos mais?! (Chora, desmaia, limpa catarro na blusa da mãe, enxuga as lágrimas no cabelo da mãe...) O menino ri e consola o palhaço: _ Ta bom, não precisa deste escândalo todo eu volto semana que vem. Quando a criança não quer brincar, nós não a violentamos, mas entendemos que há algo errado e não nos entregamos a este fato. No relato acima, a criança não queria brincar em decorrência de sua decisão de 34 abandonar o tratamento, em outras palavras, desistir de brincar significa desistir de viver. A mãe ao nos contar o que estava acontecendo, nos comunicou sua impotência diante da decisão do filho, nós captamos este sentimento da mãe e o exageramos até o ponto da comicidade. A criança através do riso se rende, libera uma tensão, encontra uma força para continuar, compreende o sofrimento da mãe através do exagero do palhaço e modifica seu comportamento. Os melhores resultados deste tipo de trabalho se dão quando o palhaço se faz espelho para que as pessoas possam se ver. Um outro exemplo que me vem à mente onde o acompanhante funcionou como ponte entre o palhaço e o paciente é o de O.T. estava acompanhado do pai e também não queria brincar nos mandando sair do quarto. Dissemos que iríamos depois de fazermos uma perguntinha a seu pai. Fizemos uma cúpula de palhaços dizendo que ele não nos enganava mais, que já tínhamos certeza que ele era o super-man. Tiramos os seus óculos, amarramos um lençol de uma das camas em seu pescoço e o fizemos subir em um banco e pular, a partir daí desenvolvemos uma divertida trama de aventuras onde o paciente participava passivamente, como espectador, mas com alegria e profundidade até que nos mandou ir embora dizendo ser o filho do super-man e que poderia nos destruir com seu olhar infra-vermelho. Soubemos depois, que contava a todos os familiares a cena do super-man. O acompanhante entende o sorriso de sua criança como sinal de saúde e isto reforça sua crença no sucesso do tratamento, a força da esperança do 35 acompanhante aumenta a confiança da criança na equipe médica e no seu restabelecimento, dessa maneira, provocar o riso, significa aumentar a esperança dos envolvidos no tratamento. O contrário também é verdadeiro, quando o acompanhante, principalmente os pais, desanimam no processo de tratamento, as crianças absorvem este sentimento. Se até mesmo as pessoas que eles mais confiam estão sem esperanças, é sinal de que não há possibilidade de cura. A partir desta compreensão, estimular o humor do acompanhante é tão importante quanto estimular o humor da criança. Um processo natural de brincadeira Palhaço/criança possui os seguintes indicadores de mudanças: Antes da visita do doutor /palhaço As crianças se encontram entediadas, apáticas sem parceiros para brincarem, logo, sem ninguém para os acolher enquanto crianças. Durante a visita do doutor/palhaço È como se a doença não existisse e a porção saudável saísse para brincar e fortalecer os músculos e o ego da criança que brinca. Depois da visita dos doutores/palhaços Fica assunto a ser comentado com os outros que não estavam presentes, ficam as lembranças do momento mágico deste encontro e o bem estar de ter vivido intensamente, ainda que por poucos minutos e entre aparelhos de hospitais, além do desejo de rever novamente o amigo que entende que brincar é tão importante quanto à agulhada. De acordo com Massetti (2000), o resultado do trabalho de palhaços dos Doutores da Alegria com crianças hospitalizadas consiste na melhora da 36 comunicação, diminuição da ansiedade, melhora na aceitação dos alimentos, aceleração da recuperação no pós-operatório, maior colaboração com o tratamento médico e melhoria na imagem da hospitalização. Segundo Françani (1998), utilizando a arte como instrumento na assistência à criança hospitalizada, pode-se observar algumas transformações no dia a dia, o espaço hospitalar torna-se mais informal e descontraído, o riso pode ser ouvido com maior freqüência e objetos, sons, movimentos, cores, espaços e personagens podem se tornar brinquedos. 2 – A RELAÇÃO DO PALHAÇO COM O ADULTO EM TRATAMENTO DO CÂNCER Não é fácil romper com as cristalizações sócio-emocionais dos adultos. O adulto tem uma compreensão maior e mais clara dos processos de seu adoecimento. Para o grupo de palhaços do Hospital do Câncer de Uberlândia, isto não configura um problema e sim um desafio. Byinton (1996), afirma que a situação de dor não deve ser ignorada ou reprimida. Pela própria força emocional a dor passa a ser uma ótima oportunidade para resignificar a vida e a qualidade dos afetos. É importante saber que o amor inclui, tanto a afetividade quanto a agressividade, se conseguirmos disponibilizar meios para que a agressividade seja vivenciada de maneira criativa, estaremos ensinando não só elaborar um conflito mas também a estruturar o ego deste paciente. A função estruturante da agressividade é tão importante quanto à função estruturante da afetividade. Neste sentido, perceber a agressividade na relação 37 transferencial é aproveitar situações para extrair a sua criatividade e evitar sua destrutividade. Pulsionar veias é parte do tratamento mais temida pelos pacientes e é sempre carregada de hostilidade em relação às enfermeiras. Neste momento a agressividade fica mais aflorada. Certo dia, na qualidade de palhaços, resolvemos agredir verbalmente uma enfermeira e posteriormente transformamos nosso diálogo agressivo na canção mais cantada do hospital: “Ei doutor, esta enfermeira precisa se casar Ela não dorme bem Só quer saber de me picar. Ei doutor. Ela é séria mas pode desencalhar se ela dormisse bem Eu poderia sossegar.” 38 A partir dessa canção, muitos sentimentos agressivos destinados às enfermeiras puderam ser resignificados tendo a criatividade como base de elaboração, o que antes tinha uma atmosfera de silêncio e ódio, hoje se transformou em música e humor, além de longas conversas e brincadeiras sobre o tema da música. Este exemplo foi uma relação de transferência e contra-transferência medida pela arte do palhaço que se deu de maneira criativa, simbólica, intensa aproveitando o conteúdo agressivo original. O palhaço nunca ignora o que vê e o que sente, sua ação consiste em emprestar sua lógica, que não nasce na lógica linear, para que as pessoas passam ver as situações sob outra ótica diferente das pré- concebidas. Como já foi dito, tanto a agressividade quanto a afetividade tem função estruturante do ego. Byinton (1996) fala da relação transferencial professoraluno e aconselha aos professores que busquem um relacionamento individual por menor que seja, com cada aluno da classe. Podemos dizer que este seria o caminho para a humanização escolar. No hospital, o processo de humanização é semelhante. Transferindo a situação professor-aluno para palhaço-paciente, quanto mais individualizada for a intervenção, melhores são os resultados. O paciente oncológico normalmente sente-se fragilizado em sua auto-estima, neste sentido a figura do palhaço galante que corteja a paciente ou da palhaça casamenteira que vê no paciente terminal uma possibilidade de se casarem e serem felizes num apartamento em Nova York, cria uma atmosfera de fantasia capaz de fazer renascer a força de auto-estima. 39 A auto-estima é a confiança na capacidade de pensar, na habilidade de dar conta dos desafios básicos da vida e confiar no direito de vencer e ser feliz, confiar na sensação de ter valor e de merecê-lo, poder afirmar as necessidades para alcançar metas, colhendo os frutos dos esforços. Quanto mais elevada a auto-estima, mais ambiciosa será a pessoa em relação ao que espera experimentar na vida emocional, intelectual, criativa e espiritual.(BRANDEM apud ALVES 2004) Duas energias são exploradas na relação palhaço-paciente adulto: a energia da afetividade e da sexualidade. Segundo Freud (1940), a sexualidade está associada à pulsão de vida. É com a pulsão de vida do paciente que o palhaço gosta de estabelecer diálogo, de acordo com a permissão do paciente o palhaço vai explorando o universo da sexualidade humana e canalizando-a para o humor. O melhor instrumento de que dispõe é a ambigüidade. Perguntas como : Você quer ver minha perereca? Você viu o meu pintinho por aí? Você também está encalhada? Dentre outras, dão margem para longos diálogos de conteúdo ingênuo com componente sexual. Uma das palhaças mais queridas de nosso grupo possui um jogo que faz alusão ao ato sexual. De acordo com sua percepção, escolhe um paciente, pergunta se é solteiro, casado, desquitado ou viúvo e logo em seguida diz que gosta de ir direto ao que interessa e lança uma pergunta que ficou famosa no hospital: Você quer ver minha perereca? (perereca em nossa região é pejorativa do órgão sexual feminino). 40 Depois do constrangimento inicial e das risadas, a atriz retira de dentro da calçola uma perereca de borracha e brinca com a questão da ambigüidade. No momento da brincadeira, o prazer da risada, arriscaria dizer ser um prazer sexual. Este jogo permite que muitos conflitos de natureza sexual sejam expressos, comumente escutamos de mulheres mastectomizadas que não mostram a “perereca” porque ficariam feias, que ninguém as desejam mais, algumas relatam a dor de terem sido trocadas por seus companheiros, os homens por sua vez brincam que já nem lembravam mais como era... São comentários reais que só encontraram espaço para serem expressos na presença do palhaço. O palhaço ouvinte resignifica a fala deste paciente ressaltando sua auto-estima. A freqüência deste assunto me fez compor uma música para dedicar as paciente que traziam este conflito. O título da música: Mulher fogosa: Fogo, fogo, fogo Que fogo é este que esta mulher tem Fogo, fogo, fogo Apague antes que incendeie alguém Fogo, fogo, fogo Se aproxime quem quiser queimar Porque é muito fogo, muito fogo É muito fogo que esta mulher tem. Esta canção é interpretada em ritmo de marcha de carnaval. Com a freqüência das apresentações, pude perceber que este ritmo foi escolhido intuitivamente par representar a energia sexual que está associada à imagem 41 do carnaval. Quando homenageamos nossas pacientes cantando esta música, nós dizemos através dela que nós as vemos de maneira completa, com direito de desejar e serem desejadas, com vida o bastante para provocarem o desejo do outro. O efeito desta canção na auto-estima delas é visível. O paciente deve ser compreendido em sua individualidade e nem sempre se identifica com o humor escachado, para tanto temos outra atriz que trabalha o romantismo da sexualidade. Ao invés da perereca, mostra o coração para conquistar o paciente pretendido, faz serenatas e no máximo mostra a canelinha em sinal de compromisso. Esta atriz resgata os costumes e comportamentos da moça de nossa região, nossa atual idosa. Sempre que atua, recebe identificação dos idosos principalmente quando canta uma canção que é bastante representativa para os idosos de nossa região: “ O beijinho doce” “Que beijinho doce, que você tem Depois que beijei ele nunca mais amei ninguém Que beijinho doce, foi ele quem trouxe de longe pra mim Um abraço apertado um sorriso dobrado de amor sem fim Coração quem manda, quando a gente ama Se fico um só dia sem dar um beijinho coração reclama Que beijinho doce foi ele quem trouxe de longe pra mim Um abraço apertado, um suspiro dobrado de amor sem fim.” 42 Ao ouvir esta música, muitas lembranças da mocidade são expressas, os bailes da roça são relembrados, os namoros escondidos, os beijos roubados são relatados com euforia e prazer. Nestas cenas, são claras as manifestações da pulsão de vida a partir do componente sexual. Através da arte do palhaço, visitamos momentos marcantes da história como marchinhas de carnaval da década de 50, passamos pela Jovem Guarda e percebemos que as pessoas vão trazendo boas lembranças de si que reforçam sua auto-estima, neste momento em que revivemos com o paciente o seu passado, temos a nítida imagem de um ser saudável, transfigurado. Quando saímos de corredor ou do quarto, o local fica impregnado de fantasias e boas memórias. 43 CRÍTICA AO TRABALHO DE PALHAÇOS EM HOSPITAIS Normalmente o trabalho de palhaços em hospital associado a doenças graves como é o câncer é criticado pelo risco desta prática desenvolver defesas maníacas de negação da realidade. Suponho que Winnicott (1990) tenha sofrido a mesma crítica quando afirma que começa a analise só depois que consegue ensinar seus pacientes a brincar. Bogomoletz (1995), reflete sobre esta possível critica a Winnicott e o defende dizendo que seu brincar está mais próximo da generosidade que da negação. Afirma que a pessoa bem humorada tem um olhar livre da inveja e da depressão cotidiana e possui uma maior capacidade em aceitar a perda da onipotência. Padre Júlio Lancelotti, Coordenador da Pastoral do Menor, no III Congresso Internacional de Tanatologia e Bioética realizado em São Paulo no ano de 2004, disse em uma conferência que o mecanismo da negação no adoecimento de doenças graves não é um fator ruim e sim uma fase natural e necessária ao processo de adaptação à nova situação, é nesta fase que a pessoa se fortalece para suportar as fases posteriores. Em nosso trabalho é fácil distinguir uma situação da outra. Não objetivamos que o paciente ignore sua realidade, mas que saiba lidar com suas dificuldades com criatividade e humor, que ele possa retornar para sua realidade depois de ter visitado o nosso mundo de fantasia com a qualidade de vida e com a sensação que encontrou por lá. 44 Certa vez, fomos para o Hospital como se estivéssemos indo para uma sauna. Tínhamos patinhos de banho, shampoo, esponjas, toalhas nos cabelos e todos os aparatos necessários para uma boa hora de sauna, entramos no saguão da quimioterapia com nossos apetrechos perguntando às pessoas se elas estavam gostando da sauna (era um dia de muito calor), conversamos sobre assuntos que se conversa em uma sauna, oferecemos sabonetes, dissemos que algumas pessoas precisavam de cremes anti-acnes que na sauna era bom retirá-los, ensinamos receitas caseiras de cremes hidratantes para cabelo, em contrapartida aprendemos outros... foram uns bons momentos em uma sauna. Quando já estávamos nos despedindo, uma senhora me puxou pelo braço e me disse espantada que estava se sentindo como se realmente tivesse estado em uma sauna, que seu relaxamento era equivalente à pelo menos uma hora de sauna e que se sentia revigorada. Sua fala tinha tanta expressão e verdade que me comoveu enquanto pessoa mostrando-me a profundidade de nosso trabalho, este é nosso objetivo: trazê-los de nossas fantasias para a realidade com um olhar mais positivo frente suas histórias pessoais ou simplesmente com mais disposição para enfrentá-la. 45 CONCLUSÃO A maioria dos autores definiram Arteterapia, com conceitos semelhantes ao que diz respeito à auto-expressão. A Arteterapia resgata o potencial criativo do homem, buscando a psique saudável e estimulando a autonomia e transformação interna, para reestruturação do ser. Partindo do princípio, de que muitas vezes não consegue-se falar de conflitos pessoais, a Arteterapia possui recursos artísticos para que sejam projetados e analisados, todos esses processos, obtendo uma melhor compreensão de si mesmo, e podendo ser trabalhado no intuito de uma libertação emocional. É através da expressão artística que o homem consegue colocar seu verdadeiro self da maneira mais pura e direta para que possa existir. A Arteterapia tem como objetivo, favorecer o processo terapêutico, de forma que o indivíduo entre em contato com conteúdos internos e muitas vezes inconscientes. A Arteterapia hospitalar visa: . Resgatar o desejo de cura, auto regeneração; . Fornecer ao paciente meios para catarse (liberação de sentimentos de raiva e revolta por estar doente); . Desenvolver formas criativas de se lidar com a doença e diminuir o stress; Ao final deste trabalho, concluo que é possível fazer arteterapia a partir da técnica do palhaço pelos seguintes motivos: 46 1) Trata-se de uma arte que atravessa milênios. Andrade (2000) aponta uma condição “sine qua non” que a arte esteja no centro do trabalho para este poder ser considerado como arteterapia. 2) Obtém resultados terapêuticos apresentando os seguintes indicadores de mudanças: melhora da comunicação, diminuição da ansiedade, melhora na aceitação dos alimentos, aceleração da recuperação no pós-operatório, maior colaboração com o tratamento médico e melhoria na imagem da hospitalização. (Massetti, 2000) Além do espaço hospitalar torna-se mais informal e descontraído. (Françani,1998) Reis (2000) acredita que frente ao adoecimento, o Psicólogo, através do encontro com o paciente, pode leva-lo a transcender seu sofrimento levando o individuo a ter uma identidade. Estando doente, o ser humano busca outros sentidos para a sua existência a não ser no ser doente, ele também é outras possibilidades enquanto pessoa e pode encontrar sua integridade através do encontro com o outro. Quanto mais diferenciado este paciente se sente, maior a disponibilidade para se atirar a situações novas, muitas vezes ameaçadoras, e maior capacidade em buscar recursos próprios para curar-se ou para a aceitação de um processo de doença. O que Reis (2000) valida para a ação do Psicólogo pode ser aplicável a alguns trabalhos de palhaços em hospitais, dando nos sinais de que esta prática é no mínimo terapêutica. 3) Por contemplar o objetivo da arteterapia no que diz respeito a facilitar a expressão e o autoconhecimento do paciente. 47 4) Porque se trata de uma arte de fácil acesso e de identificação social, a comunidade aceita, valida e consegue interagir artisticamente expressando seus conflitos espontaneamente como se espera em setting arteterapêutico. Penso também que este trabalho não pode ser considerado indiscriminadamente arteterapia, acredito que o trabalho de palhaços em hospitais para ser considerado arteterapia deve obedecer dois critérios: 1) Domínio da técnica e arte do palhaço aplicado ao hospital. 2) Embasamento nos pressupostos da arteterapia. A arteterapia se firmou e se desenvolveu a partir das artes plásticas e para se consolidar terá que abranger outras formas de arte. Penso que a arteterapia está em construção e para tanto necessita da pesquisa e da colaboração das pessoas que tem utilizado a arte em caráter terapêutico em suas diversas formas, música, artes plásticas, dança e teatro. Além de expandir para outros espaços que não os convencionais como a clínica e a escola onde são mais comumente encontradas. Para ser arteterapeuta é preciso ter uma atitude amorosa acreditando no potencial do outro e facilitando o encontro dele consigo mesmo. É preciso acompanhar o outro na sua busca de um sentido para a vida, estar com o outro, e agir com cuidado, responsabilidade, respeito e conhecimento. Os pacientes precisam acreditar no seu potencial criativo, na capacidade de se sentirem fortalecidos por sua própria força. Por meio de uma intervenção poderão, através das imagens mentais positivas, atribuir um significado positivo para continuarem vivendo. 48 Para Viktor Frank (1997) na medida que as pessoas encontram um sentido para continuarem vivendo, vão se tornando mais fortes, mais conscientes, e mais seguras em busca a sua auto-realização. Acredito que as atitudes amorosas do arteterapeuta facilitam o desenvolvimento do potencial de amor do cliente, e assim uma relação de amor se desenvolve. Nessa relação de confiança, mediada pela arte, pode brotar no indivíduo o que Viktor Frankl chama de “sentido da vida”, força interna para superar qualquer que seja o conflito, inclusive um câncer. Levando em consideração a técnica e postura profissional do grupo estudado: Anjos da Alegria, diria que sua prática pode ser considerada arteterapêutica podendo inclusive sua técnica se concretizar em um instrumento para a arteterapia. 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADAMS, P. Patch Adams: o amor é contagioso. Tradução Fabiana Colasanti. Rio de Janeiro: Sextante, 1999, 158p. Tradução de: House Calls: how we can all heal the world on visit at time. AFONSO, L. Brincadeira tem hora? Uso e abuso das técnicas em processos grupais. In Oficinas em dinâmicas de grupo na area de saúde. Belo Horizonte Edições Campo Social, 2003 p. 157-168. ALVES D. M Oficinas criativas, um recurso para a construção do ser pessoa. Goiás Fizo- Alquimy-Art Monografia especialização em Arteterapia, 2004 ANDRADE L. Q. Terapias expressivas: arte-terapia, arte-educação, terapia artística. São Paulo, Vetor, 2000. BALDESSI, P. A. Como fazer Pastoral da Saúde. São Paulo: Loyola, 2000. BALDINI S. M. KREBS V. L. J. 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