Julho/Agosto - 2009
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editorial
O outro como altar e como cura da esterilidade
POR MAURÍCIO BRONZATTO
Isaías 58, se bem o entendo, é desconcertante. E ao mesmo tempo libertador. Explico. (Se possível, me ajude lendo
todo o texto bíblico primeiro e mantenhao aberto ao lado para alguma consulta,
pois não mencionarei as referências). O
cerne do capítulo fala em cura, iluminação, irrupção da justiça, manifestação da
glória do Senhor, permeabilidade entre o
homem e Deus. Mas tanta notícia boa é
precedida de uma séria admoestação à
casa de Jacó, numa clara referência ao
antigo regime da Lei e suas práticas.
Ao profeta pede-se que denuncie
com voz forte as transgressões e os pecados do povo, estranhamente um povo
que “tem prazer” em saber os caminhos
do seu Deus, que “pratica a justiça e não
deixa o direito do seu Deus”. De que pecado deveria ser acusada uma nação na
qual a espiritualidade não estava ausente? Ora, a grande questão da casa de
Jacó é, depois de insistentemente jejuar
e mortificar a alma, dar com os céus trancados. Nenhuma resposta.
Tanta dedicação à observância da
justiça e dos interesses ‘divinos’ deveria
conferir direitos a quem desse zelo estivesse cheio. Por que Deus não retribui
se a legislação é tão clara quanto aos
benefícios que devem se seguir ao cumprimento? Curiosamente este texto tem
uma similaridade muito grande com as
façanhas de ‘fé’, os desafios e as maratonas espirituais que superlotam as agendas das igrejas modernas. Depois de dar
cabo de um número sem conta de etapas
e exercícios de perseverança, basta ao
honesto fiel reivindicar o prêmio a que
fez jus por não ter desistido no meio do
GRUPO
NEWS
caminho, mesmo quando os sacrifícios
exigidos mais pareciam verdadeiros e irracionais atentados financeiros aos seus
já bastante diminuídos recursos.
O não atendimento de Deus às reivindicações contundentes da casa de
Jacó tem a coragem de chamar de pecado e transgressão aquilo que muitos
chamariam de perseverança, fidelidade,
obediência. Porque para Deus, pior do
que a falta de espiritualidade é uma espiritualidade egoísta, cujo objetivo não é
outro senão “que se faça todo o vosso
trabalho”. Espiritualidade que elege dias
e necessidades especiais para ‘dar o ar
da sua graça’, ainda que adornada com
fachada de mortificação pretextando severa humildade, totalmente desconectada de tudo o mais que representa a vida
de quem a põe em ação, não pode ser
recebida como oferta aceitável pelo Senhor.
Vestir saco e deitar sobre a cinza
combina com um estilo de vida quebrantado em que o outro encontra muito espaço. Combina com esforços para produzir rompimentos, ainda que relativos, nas
ligaduras da impiedade, geralmente manifestadas pelo sistema capitalista predatório à nossa volta, mas não restritas a
ele. Tais rompimentos com a impiedade,
de acordo com a jornalista Eliane Brum,
manifestam-se mais veementemente
se o olhar que escolhermos lançar, tal
qual um farol, sobre os infortunados, for
o da compaixão, aquele que reconhece
no outro a fratura que já adivinhou em
si mesmo. Tem a ver com a dissolução
da opressão espiritual, principalmente a
religiosa, que se baseia na manutenção
do sistema da culpa e da condenação
ou da recompensa, que uma postura de
É uma publicação da Associação
Grupo Unido de Irmãos e Amigos
Jornalista Responsável: Ivonete Camargo Pegnolazzo - MTB 16.844
Diagramação e Arte: Marina Venuto, Renata Ribeiro e Rubens Fernando
Revisão: Maurício Bronzatto
Tiragem: 2500 exemplares / bimestral
Impressão: Gráfica Lance
Tel.: 11 4198-4616
e-mail: [email protected]
desempenhos no sentido de conquistar
o favor de Deus e tentar agradar-lhe proporciona. Relaciona-se com a libertação
dos jugos, em especial os psicológicos,
que a vã maneira de viver que herdamos
dos nossos (o que inclui, além dos familiares, colegas, professores, patrões,
autores favoritos etc.) perpetua. Afligir a
alma faz todo o sentido quando o faminto
se beneficia da nossa mesa, até mesmo
dos afetos e conflitos que dela emanam e
nos fazem amadurecer; quando o pobre
encontra acolhimento em tudo aquilo que
temos, inclusive no nosso tempo; quando o nu, depois de se encontrar conosco,
se vê coberto não apenas de roupas e
cobertores, mas sobretudo de dignidade
e sentido para a existência. Inclinar a cabeça como o junco é uma boa pedida,
desde que paremos de brincar de esconde-esconde com o nosso semelhante,
o que muitas vezes acontece quando,
mesmo a despeito de estarmos presentes, ocultamos dele quem de fato somos,
insistimos em não andar na luz.
O que esse texto de Isaías está nos
dizendo é: esse estilo de vida que leva
em conta o outro, ameniza-lhe as dores, fornece-lhe encontros significativos,
supre-lhe necessidades concretas, guialhe o olhar para a verdade, entre outras
coisas, é a espiritualidade que faz chegar
a nossa voz lá no alto. Ou seja, é o que
afasta de nós a possibilidade de um dia
ouvirmos: “Nunca vos conheci!”. Surgenos como um convite à desmistificação
da vida espiritual. Ela se torna carne à
medida que se despe de trejeitos, de senhas linguísticas para acessar a divindade, de despachos espirituais para conseguir o favor do céu e de pretensa piedade
para angariar a simpatia e a admiração
dos que estão por perto. A espiritualidade que tem saúde e vida vai dispensando
os mediadores, inclusive os altares, vai
ficando parecida com aquela de antes
da queda, ela e a vida estão imbricadas,
adora a Deus com o ato de viver, de servir, não importa qual seja a rotina.
Se há um altar, esse se encontra no
outro. Ali Deus é bem servido. É desconcertante, mas é verdade: muita depressão, muita esquizofrenia, muita autocomiseração, para ficar só nesses exemplos,
poderiam simplesmente se evaporar se
simplesmente ousássemos desviar nos-
sos olhares ensimesmados para o outro.
É a Palavra de Deus quem está dizendo: “romperá a tua luz como a alva, a tua
cura brotará sem detença, a tua justiça irá
adiante de ti”. Isso diz respeito a viver em
verdade, sem fantasias, sem representações nem performances, iluminados por
fora e por dentro, alegres, joviais, de maneira intensa, cheios de apetite pela vida,
apaixonadamente. Fala também sobre a
cura de uma doença essencial: a de ficar
mendigando afetos, aplausos, reconhecimentos a todo custo. A alma fica serena,
pois se descobre amada até o ciúme por
um Deus possessivo, ardoroso, estável,
imutável. Fala, ainda, da descoberta de
que a minha justiça é trapo de imundície, mas Deus me abraçou com a dele,
me cobriu. Negócio resolvido. Não tenho
que expiar mais nada. O que vai à minha
vanguarda é o reconhecimento de que o
que agrada a Deus em mim é o que Deus
mesmo providenciou. Acabamos percebendo que fazemos mais pelo mundo
sendo verdadeiros e andando na luz do
que realizando milagres, pregações ou
alteando a voz para entregar uma profecia. Essa é a luz, e a cura, e a justiça
que, qual um holofote, nos precederão ou
serão o nosso ‘papel de parede’.
Nessa base há diálogo: eu clamo, e
o Senhor responde; eu grito por socorro,
e ele aparece de algum lugar misterioso
dentro de mim. A vida fica leve, não porque desapareceram aflições, mas porque a graça é melhor do que a vida. Ela
conduz e farta a alma até em lugares áridos. Cheios assim, acabamos atraentes:
outros se aproximam, se detêm e bebem.
E mais: é contagiante. Os filhos aprendem este estilo como aprendem a comer
e a beber e se habilitam a edificar ruínas
antigas, ou seja, a dar passos ligeiros em
direção à restauração da casa de Deus.
Parece muito romântico? Talvez assim
o consideremos se continuarmos profanando o sábado do Senhor. Em poucas
palavras, se continuarmos no regime antigo, insistindo em não entrar no descanso de Deus, mas suando a camisa para
manter intactos os nossos interesses,
acharemos tudo isso muito estranho.
Como resultado, não nos deleitaremos
no Senhor nem cavalgaremos sobre os
altos da terra, tampouco seremos sustentados com a herança de Jacó.
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quem tem ouvidos
para ouvir...ouça
Você crê que Ele te ama?
POR BRENNAN MANNING
Por causa dos últimos 48 anos desde que fui emboscado por Jesus numa pequena capela no Oeste do estado da Pensilvânia e por causa dos milhares e milhares
de horas de dedicação à oração, meditação, silêncio e
solitude durante esses anos, estou totalmente convencido de que, no dia do Julgamento, o Senhor Jesus fará a
cada um de nós uma pergunta somente: “Você creu que
eu o amava, que o desejei, que o aguardei dia após dia,
que ansiava por ouvir o som da sua voz?”
Os verdadeiros crentes responderão: “Sim, Senhor
Jesus, eu cri no seu amor e procurei moldar a minha
vida como uma resposta a esse amor”. Mas tantos de
nós que são tão fiéis no ministério, nos costumes, no
frequentar a igreja, terão de responder: “Francamente,
eu não, Senhor. Na verdade, eu nunca cri. Ouvi, sim,
uns maravilhosos sermões e uns ensinamentos sobre o
seu amor. E eu até mesmo dei aulas sobre isso. Mas eu
pensei que era só um jeito de se falar – uma mentirinha
amável. Alguns cristãos piedosos me incentivaram com
uns tapinhas nas costas”.
E aí está a diferença entre os cristãos verdadeiros e
os cristãos nominais, que povoam as igrejas do mundo afora. Ninguém como um crente pode mensurar a
profundidade e a intensidade do amor de Deus. Mas,
ao mesmo tempo, ninguém como um crente pode medir a eficácia com que o pessimismo, a melancolia na
escuridão, a baixa consideração, a ausência de autoestima, o ódio próprio e o desespero nos bloqueiam do
Seu amor.
Você percebe como é importante abraçarmos esse
fundamento crucial de nossa fé? Porque você só será tão
grande quanto o seu próprio conceito de Deus. Lembra
a famosa frase do filósofo francês Blaise Pascal: “Deus
fez o homem à sua semelhança, e o homem, em retribuição, fez Deus à sua imagem”? Tornamo-lo mesquinho, bitolado, rude, legalista, julgador, sem sentimentos, não perdoador e tão odioso como somos todos nós!
Nos últimos anos tenho pregado para a comunidade financeira em Wall Street – NY, para a Academia
da Força Aérea do Colorado, em milhares de visitas a
Nairobi. Estive em igrejas em todos os cantos dos EUA,
literalmente. E, honestamente, o Deus que me tem sido
apresentado é pequeno demais para mim, porque ele
não é o Deus da Palavra, o Deus que se revela através de
Jesus, e que neste momento vai até você e diz: “Eu tenho
uma palavra para você. Eu conheço toda a sua história
de vida, todos os cantos escuros de sua alma, todos os
momentos de pecado, vergonha, desonestidade e amor
degradante que escurecem seu passado. Eu sei que agora mesmo você está com uma fé superficial, uma vida
de oração frívola e discipulado inconsistente. E a minha
palavra para você é esta: desafio-o a confiar que eu o
amo do jeito que você é. E não do jeito que você deveria
ser, porque você nunca será como deveria ser”.
Fonte: www.youtube.com
Brennan Manning – Você crê que ele te ama?
...e estas histórias
tu inculcarás a teus filhos
cf. Dt 6:6-7
O Peixe e o Mar - Nós e Deus
POR NUNO TOVAR DE LEMOS
Uma vez pediram a um peixe para falar do mar.
– Fala-nos do mar – disseram-lhe.
– Dizem que é muito grande o mar – respondeu o
peixe. – Dizem que sem ele morreríamos. Não sou o peixe mais indicado para vos falar do mar. Eu, do mar, o que
conheço bem são só estes dez metros à superfície. É só
deles que vos posso falar. É aqui que passo o meu tempo,
quase sempre distraído. Ando de um lado para o outro,
à procura de comida ou simplesmente às voltas com o
meu cardume. No meu cardume não se fala do mar. Falase das algas, das rochas, das marés, dos peixes grandes
e perigosos, dos peixes pequenos e saborosos e de que
temperatura fará amanhã. O meu cardume é assim: eles
vão, e eu vou atrás deles.
– Mas tu, que és peixe, nunca sentiste o mar?
– Creio que o sinto, às vezes, ao passar-me nas guelras.
Umas vezes sinto-o, outras não. Às vezes sinto-o, quando
não me distraio com outras coisas. Fecho os olhos e fico a
sentir o mar. Isto tudo de noite, claro, para que os outros
não vejam. Diriam que sou louco por dar tempo ao mar.
– Conheces o mar, portanto. Podes falar-nos do mar?
– Sei que é grande e profundo, mas não vos quero
enganar. Sei de peixes que já desceram ao fundo do mar.
Quando os ouvi falar, percebi que não conheço o mar.
Perguntai a eles, que vos saberão falar do mar. Eu nunca
desci muito fundo. Bem, talvez uma ou duas vezes... Um
dia as ondas eram tão fortes que eu tive de me deixar
levar muito fundo, para não morrer. Nunca lá tinha estado e nunca esquecerei que lá estive. Apenas vos sei falar
bem da superfície do mar...
– Foi mau, quando desceste? Por que voltaste à superfície?
– Não foi mau. Foi muito bom. Havia muita paz, muito silêncio. Era como se fosse lá a minha casa, como se ali
eu estivesse inteiro.
– Por que não voltaste lá ao fundo? Por preguiça?
– Às vezes acho que é preguiça, outras vezes acho que
é medo.
– Medo? Mas tu não disseste que era bom? Medo de
quê?
– Medo do desconhecido, medo de me perder. Aqui à
superfície já estou habituado. Adquiri certo estatuto para
mim mesmo. Controlo as coisas ou, pelo menos, tenho a
sensação de as controlar. Lá em baixo não sei bem o que
me pode acontecer. Estou todo nas mãos do mar.
– Tiveste medo, quando chegaste ao fundo do mar?
– Não tive medo algum. Era tudo muito simples... E,
no entanto, agora tenho medo... Mas eu não cheguei ao
fundo do mar! Apenas estive menos à superfície.
– E que dizem os outros, os que lá estiveram?
– Dizem coisas que eu não entendo. Dizem que é
preciso ir para perceber. E dizem que nada há de mais
importante na vida de um peixe.
– E explicaram como se vai?
– Aí é que está. Explicam que não se chega lá por
esforço, que só podemos fazer esforço em deixar-nos ir.
Que é só o mar que nos leva ao mar.
Então veio uma corrente mais forte que o fazia descer.
O peixe tentou lutar contra ela com quantas forças tinha,
à medida que via distanciarem-se as coisas da superfície.
Talvez para sempre... Mas depois fechou os olhos, confiou e já sem medo deixou-se ir.
Fonte: O príncipe e a lavadeira, Editora Paulinas
Contribuição: Renata Ribeiro
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Henri Nouwen: o sacerdote trapezista
POR MICHAEL FORD
Em um trailer estacionado na zona
oeste de Frankfurt, está sendo projetado um vídeo. Na tela estão as imagens
em câmera lenta de uma figura alta e
magricela subindo por uma escada de
aço e se amarrando a um cinto para realizar seu segundo voo no trapézio. Não
é bem o lugar em que alguém espera
encontrar um sacerdote de 64 anos, de
aparência cansada, apenas dois meses
antes de sua morte, mas Henri Nouwen
havia desfrutado tanto sua primeira
experiência três anos antes que agora
voltava para provar novamente.
Quando Nouwen caiu na rede naquela primeira ocasião, disse que havia
sido a experiência mais emocionante
de sua vida. E pediu para voltar a subir
uma e outra vez, intentando em cada
ocasião voar mais alto. O atrativo do
vídeo era o evidente deleite infantil de
Nouwen ao voar. Era possível que aquele homem que cruzava o ar e caía na
rede fosse um ex-professor de Yale e de
Harvard?
Tudo havia começado quando o circo alemão Simoneit-Barum se instalara
em Friburgo enquanto Nouwen estava visitando seus amigos editores. Foi
por curiosidade e acabou tão fascinado
pela técnica que continuou retornando
para ver a troupe em ação, chegando,
inclusive, a alugar um trailer e a viajar
com eles. Planejava escrever um novo
estilo de livro, e quanto mais observava os duplos e os triplos mortais, mais
absolutamente nova era a teologia que
elaborava. A arte do trapézio constituía
muito mais que um alegre trabalho: era
toda uma imagem da vida. Henri queria
aprender o máximo possível acerca da
vida profissional dos artistas e compreendeu que os dez minutos de emoção tinham por detrás uma estrita disciplina
que ele queria captar desde o interior.
Quando conheceu os “Voadores Rodleighs”, um grupo de trapezistas sulafricanos, estava há vários anos trabalhando na Arca Amanhecer e havia
visto como voluntários de 21 nações
diferentes conseguiam criar comunidades em torno de pessoas cujos corpos
eram fracos e tinham dificuldades para
se expressarem. Quando viu os Rodleighs no ar, percebeu neles algo similar.
Tratava-se de um grupo de artistas que
não falavam durante sua atuação, que
faziam algo com seus corpos e formavam uma comunidade, a princípio entre
eles mesmos, e depois com as pessoas
que vinham vê-los. Segundo Nouwen
percebia, reuniam um grupo de pessoas e, mediante seus corpos, sua beleza
e interação, convidavam-nas a criar
uma comunidade em forma de amizade, pertencimento, união, riso, aplauso,
liberdade e disciplina. “Está tudo aí em
um só ato – dizia Nouwen. – Nisso consiste a vida e é o que o mundo necessita
desesperadamente”.
Assim os Rodleighs se converteram
para Nouwen não em instrutores de
acrobacia, mas em professores de teologia. Do mesmo modo que os membros deficientes da Arca se haviam convertido em seus mestres do coração,
convencendo-o, mediante seu silêncio,
de que ser é mais importante que fazer, os artistas do trapézio revelaramlhe “a incrível mensagem que o corpo
pode transmitir”, especialmente por
sua habilidade para estar “totalmente
Rede, filme sobre sua teologia do trapézio: “Se vamos assumir riscos, para
ser livres, no ar, na vida, temos que
estar seguros de que há um aparador.
Temos que estar convencidos de que,
quando nos tivermos soltado, seremos
firmemente seguros, estaremos a salvo.
O grande herói é o menos visível. Confiemos no aparador”.
Entram em cena os palhaços
Apesar desta fixação com o trapézio
ter surgido já em sua idade avançada,
o amor de Henri Nouwen pelo circo
remontava a sua infância. O mundo
de risco e celebração circense o atraía
muitíssimo, e pôde mesmo reconhecer nele alguns dos riscos e emoções
de sua própria vida. O circo habitualmente relaciona-se com a confusão ou
o pandemônio, ou seja, com um caos
organizado, o que também poderia se
constituir numa descrição da vida de
Quanto mais observava os duplos e os triplos
mortais, mais absolutamente nova era a teologia
que Henri Nouwen elaborava
presente aos presentes”. Tratava-se de
um símbolo da vida contemplativa que
oferecia, no mesmo instante, tanto uma
sensação de liberdade temporária como
um vislumbre de eternidade.
Nouwen terminou compreendendo
também que a estrela não é o trapezista
acrobata – a figura que cruza o espaço
e confia –, mas o aparador, cujas mãos
estão sempre prontas para receber e
acolher. O produto desta ideia foi um
novo modo de ver e experimentar o divino: “Só posso voar livremente quando há um aparador para receber-me”,
comentava Nouwen em Anjos sobre a
Henri. Sua atração pela vida circense
tinha também a ver com o fato de que
os espectadores gozavam de liberdade
para responder às muitas atuações silenciosas do modo que desejavam. E a
Nouwen agradava a liberdade de interpretação.
Apesar de se divertir com muitos
artistas – malabaristas, engolidores de
espadas, bailarinos exóticos... –, eram
sempre os grupos de trapezistas que o
faziam retornar. Para ele, não se tratava
apenas da mais elegante e emocionante
das atuações, mas de que, além disso,
ele se aproximava do voo, do seu secre-
to anseio de ser capaz de mover-se de
modos que seu corpo desproporcional
nunca lhe havia permitido. Também lhe
agradavam os palhaços, porque Nouwen era capaz de rir-se de si mesmo,
do mesmo modo que outros, algumas
vezes, se riam de suas palhaçadas na
vida real. Quando, por exemplo, a água
que havia posto para ferver antes de ter
podido preparar o chá se evaporava, ou
quando metia a manga do moletom na
marmelada enquanto perguntava a alguém sobre sua vida de oração durante o café da manhã, ou quando batia o
carro enquanto dirigia gesticulando e
olhando para trás, Henri aceitava sua
falta de jeito com um sorriso.
Quando Nouwen completou seu sexagésimo aniversário, seus amigos lhe
prepararam uma festa com tema circense e dispuseram que voltasse a nascer como palhaço frente a cem convidados, incluindo um palhaço profissional.
Henri tinha que entrar num saco como
ele mesmo e depois sair como palhaço. Desfrutou daquilo tudo como uma
criança e, uma vez dentro do saco, correu tudo tão bem que o episódio completo durou quarenta e cinco minutos.
Mas Nouwen também era capaz de
ver o lado sério da palhaçada. A capa de
um de seus livros, Clowning in Rome,
mostra um bufão observando a cidade
eterna. O livro, escrito durante os cinco meses em que fez parte do corpo de
professores do North American College, foi produto das conferências que
ministrou à comunidade de fala inglesa
sobre a solidão, o celibato, a oração e a
contemplação: “quatro elementos bufonescos da vida espiritual”:
Os palhaços não se encontram no
centro dos acontecimentos. Aparecem entre os números importantes,
desajeitados e excessivos, e nos fazem sorrir de novo depois das tensões criadas pelos heróis que acabamos de admirar. Os palhaços fazem
quase tudo errado, não obtêm êxito no que intentam, são palermas,
ridículos e inábeis, mas... estão do
nosso lado.
Nouwen se dava conta de que as
pessoas reagiam diante dos palhaços
não com admiração, assombro ou tensão, mas com compaixão, compreensão
e um sorriso. Dos grandes artistas as
pessoas perguntam: “Como conseguem
fazer isso?”, mas a respeito dos palha-
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ços reconhecem: “São como nós”. Com
risos e choros, os palhaços – na realidade, pessoas marginais que “suscitam
um sorriso e despertam a esperança”
mediante suas vidas humildes e angelicais – compartilham com o resto do
mundo as mesmas fraquezas humanas.
É significativo (e Nouwen o destacava)
que psicólogos pastorais como Heije
Faber e Seward Hiltner tenham utilizado a imagem do palhaço para aludir ao
papel do pastor na sociedade contemporânea. Em um sermão dirigido a uns
seminaristas, Nouwen disse que o circo
seria deprimente se as pessoas somente se fixassem nos artistas cujos heroísmos assustadores são extremamente
difíceis de igualar:
Mas o palhaço nos salva: é nosso
homem, porque fracassa como nós,
comete erros como nós e nos diz que
nossa falta de virtuosismo também
está perdoada. E em sua cara branca nos reconhecemos em nossas
tarefas cotidianas, que em muitas
ocasiões são um fracasso... Cristo
é o palhaço que veio ao nosso circo
e nos fez rir, porque veio dizer-nos
que não somos o que interpretamos. Veio para os que choram, os
perseguidos, os fracos, os famintos,
os pobres... Quem é chamado a ser
pastor é chamado a ser palhaço.
Nouwen percebia que na vulnerabilidade do palhaço subjazem segredos
acerca do discipulado. Os pastores não
são unicamente curadores, reconciliadores e doadores de vida, mas também
seres doentes que necessitam tantas
atenções como qualquer das pessoas
que eles atendem, e isso era especialmente verdade em seu caso. Do mesmo
modo que o palhaço não pode seguir
adiante sem os risos e as gargalhadas
dos espectadores, tampouco o apóstolo
pode ser enviado sem o amor e o apoio
de uma comunidade. Quando foi enviado a pregar com outros membros da comunidade Amanhecer, considerou que
o simbolismo do circo era adequado
para descrever como A Arca havia mudado sua perspectiva:
Ao viver em uma comunidade com
pessoas muito feridas, compreendi
que havia passado a maior parte
da minha vida como um equilibrista que tentara atravessar, andando por um alto e finíssimo cabo,
de uma torre a outra, esperando
sempre que me aplaudissem quando conseguia me sustentar sem cair
nem quebrar uma perna.
5
guma razão para idealizar a igreja.
Algo de trapezista em cada
Grande parte do que ocorre nela é
sacerdote
muito pouco espiritual. E, contudo,
Ao longo de sua vida adulta nunca
o coração humano busca algo mais
perdeu a capacidade de assombrar-se
amplo, algo maior que sua própria
por coisas que a maior parte das pessomesquinharia, e quem entra no ciras nem notava. Nouwen era capaz de esco ou na igreja busca algo que chetabelecer uma conexão entre as cambague até as estrelas ou mais além!
lhotas em uma pista de circo e a prática
Não deveria haver algo de trapeda vida espiritual. Também sabia como
zista em cada sacerdote e algo de
utilizar o exagero convenientemente, a
sacerdote em cada trapezista?
fim de revelar aos demais os milagres
escondidos de suas vidas. Representava
A vida espiritual é uma vida
com grande efeito, para que as pessoas
pudessem ver o extraordinário no ordi- encarnada
Estas novas questões o estavam
nário e o ordinário no extraordinário.
O artista que havia em Nouwen escul- introduzindo em um novo território
pia as sensibilidades das pessoas para quanto ao modo que queria escrever
que vissem o mundo de um modo que e à mensagem menos cerebral e mais
ainda não o tinham feito. Com a arte corpórea que queria transmitir. O circo
podia acontecer o mesmo que com a incluía muitos elementos do modo de
música. Como consumado pianista, na viver de Henri, e ele queria vivê-los de
combinação de tons e sequências de um maneira ainda mais intensa, oferecendo
concerto de piano de Mozart, descobria seus braços com uma fé absoluta para
sempre algum aspecto do harmonioso que Deus pudesse sustentá-lo, abraçámodo como Deus sustenta as pessoas lo e levá-lo a um lugar seguro. Como
os “Voadores Rodleighs”, ele sabia que
durante suas vidas.
somente podia fazer
Nouwen refleuma autêntica celetia também soO amor de Henri pelo bração depois de ter
bre o significado
de seu ministério
circo remontava a sua assumido os riscos.
isso constituía
e se ele entrava
infância. O mundo de Tudo
um material magníliteralmente na
risco e celebração
fico para um livro,
categoria de “enmas, por alguma
t r e t e n i m e nt o”.
circense o atraía
razão, foi adiado,
Examinando as
muitíssimo
apesar da enorme
raízes da palainvestigação que havra latina – inter
(entre) e tenere (ter) –, questionava sua via realizado.
Nouwen estava convencido de ter
capacidade de sus-ter as pessoas entre
os momentos fragmentados de suas vi- sido enviado aos Rodleighs para desdas. Pretendia proporcionar-lhes um cobrir algo novo sobre a vida e a morvislumbre de algo além? Sabia que sua te, o amor e o medo, a paz e o conflito,
vida não se distanciava muito da de um o céu e o inferno, que não poderia ter
artista nômade que se transfere de um conhecido nem escrito de nenhuma
lugar a outro fazendo com que as pesso- outra maneira. Enquanto os palhaços,
as se sintam seguras ou emocionadas, os mágicos, os domadores e os músiajudando-as a aceitar seus sentimentos cos permaneciam na periferia de sua
de perda ou fracasso, assim como seus visão, o trapézio era o objetivo em que
momentos de maturidade e êxito. Tam- ele fundamentalmente se centrava e
bém estabelecia uma conexão direta que o levava em direção a uma revelaentre o recinto circense e a igreja: acaso ção interior. Mas, apesar de sua enorme
ambos não tratam de elevar o espírito investigação, nunca chegou a escrever o
humano e de ajudar as pessoas a ver livro. Algumas reflexões de 1993 mosalém dos limites de sua vida cotidiana? tram que estava buscando uma nova
Contudo, ao mesmo tempo, não cor- forma de narrar:
riam também o perigo de se tornarem
Muitos de meus livros já não reflelugares de rotinas inanimadas que pertem minha visão espiritual e, apesar
deram sua vitalidade e seu poder transde não rejeitar meus escritos antecendente? A propósito desse assunto,
riores nem deixar de considerá-los
Nouwen dizia o seguinte:
válidos, sinto que se me exige algo
distinto. Meus constantes encontros
Não há razão para idealizar o circo.
com pessoas que não têm conexão
Grande parte do que ocorre nele,
com a igreja, meu contato com patanto dentro como fora do recinto, é
cientes aidéticos, minha experiência
pouco espetacular. Tampouco há al-
no circo e numerosos acontecimentos sócio-políticos dos últimos anos
exigem um novo modo de falar de
Deus. E a novidade deve afetar não
só o conteúdo, mas também a forma. Não apenas deve ser diferente
o que se diz, mas também como se
diz. O que principalmente me vem
à mente são histórias. Sei que tenho
que escrever histórias. Não ensaios
com argumentos, citações e análises, mas histórias que sejam curtas
e simples e que nos proporcionem
um vislumbre de Deus em meio a
nossas vidas multifacetadas. Mas
escrever histórias, histórias reais e
humanas, histórias divinas, exigirá
de mim o máximo.
Durante seu ano sabático de 1996,
que foi também o último, Nouwen levou as notas e entrevistas em cassete de
seus dias de circo e planejou começar o
novo livro, mas em seu lugar escreveu
outra série deles. Todavia, deixou muitas pistas de como poderia ter sido:
O corpo conta uma história espiritual. O corpo não é meramente corpo, mas uma expressão do espírito
do ser humano, e a vida realmente
espiritual é uma vida encarnada.
Por isso creio na encarnação. Não
há vida divina fora do corpo, porque Deus decidiu revestir-se de um
corpo, converter-se em corpo.
Henri Nouwen, como orador célebre, utilizava principalmente seu corpo
para comunicar profundas verdades
sobre o espírito. Sua audiência observava cativa como punha em ação todos
os músculos faciais e das extremidades,
o que um amigo descrevia como “o sistema vibratório de Henri”. Suas espetaculares intervenções públicas se converteram em assunto de conversas em
catedrais, universidades e conventos,
embora a alguns não lhes parecessem
tão boas como esperavam.
Fonte: Henri Nouwen – el profeta herido (Henri Nouwen,
o profeta ferido), de Michael
Ford, Editora Sal Terrae (2000)
– Tradução e adaptação do capítulo 3 – “En el alambre” (No
arame) – por Maurício Bronzatto.
Julho/Agosto - 2009
6
O outro: o lugar onde Deus deseja ser encontrado
POR PEDRO ARRUDA
Reforma,
Comunhão
Avivamento
e
Fazendo uma retrospectiva da
restauração que Deus vem promovendo
na igreja, podemos notar com grande
destaque:
• A Bíblia, redescoberta como
Palavra de Deus a todos, por meio
do Protestantismo, movimento
que teve origem no início do século
XVI;
• A Oração, especialmente a coletiva, mais conhecida como reunião
de oração, reintroduzida a partir do
Avivamento, já no início do século
XX, com os Pentecostais, seguidos
dos Carismáticos e, contemporaneamente, dos Neopentecostais.
As contribuições da valorização
da Bíblia pelo Protestantismo e
a restauração da oração como
experiência pelos avivados não
produziram comunhão e unidade.
Muito pelo contrário, o que se obteve
foi uma avassaladora sucessão de
divisões! Continuamos a desprezar
a comunhão e a unidade, estas ainda
tão estranhas e ocultas como a Bíblia
antes da Reforma ou a oração antes do
Avivamento.
A história recente da igreja
se desenrola com o Movimento
Pentecostal. Esse mover de Deus trouxe
uma força e um poder desconhecidos à
época, e por isso logo tornados motivo
de escândalo aos mais conservadores. A
situação de conflitos e rupturas que se
seguiu foi abrandada com a Renovação
Carismática, um desdobramento do
movimento anterior, que se difundiu de
maneira mais palatável e equilibrada
entre as denominações, tornando
possível a muitos conservadores a
experiência do batismo no Espírito
Santo e a prática dos dons espirituais.
Com isso, houve uma revitalização do
Pentecostalismo, que já começava a
experimentar seu esgotamento. Por sua
vez, o movimento chamado Gospel, ou
Neopentecostal, vem se consolidando
nos últimos anos como uma espécie
de sucessor, ocupando o espaço que
surge com o enfraquecimento dos
movimentos anteriores. Contudo temos
que reconhecer que o Avivamento
original está em decadência, pois há
muitos cristãos e igrejas que se dizem
participantes dele, mas não praticam
os carismas que lhe são inerentes,
enquanto que a Teologia, dita da
prosperidade – marca distintiva da
era Gospel –, está avançando cada
vez mais sobre o segmento ‘avivado’
do cristianismo, impondo seus
valores sobre os demais e destacando
enfaticamente o acúmulo financeiro.
O esgotamento do Avivamento é
acompanhado da frustração cada vez
mais forte e latente de não se terem
alcançado a comunhão e a unidade.
Por isso, como ocorreu às vésperas da
Reforma e do Avivamento, cresce a
expectativa de que Deus faça algo novo,
diferente e impactante. Embora alguns
não percebam e estejam satisfeitos
com a situação atual, há muitos
outros, dos quais Deus tem despertado
o espírito, que estão descontentes e
inconformados e não cessam de pedir
uma intervenção do alto. Se nas vezes
anteriores Deus respondeu com a
Reforma e com o Avivamento, agora
a sua resposta deve ser Comunhão.
Vamos experimentar o batismo no
Corpo e aprender a encontrar Cristo
nos outros membros tanto quanto o
encontramos na Bíblia e na oração.
Deus. Todas as coisas
foram criadas por
causa do homem, mas
este, que arrancou de
Deus um “muito bom”
ao final do sexto dia
(Gn 1.31), formou-o
o Criador para Si
mesmo, fazendo de
Sua comunhão com
ele e dos homens
entre si a plenitude
daquele que a tudo
enche em todas as
coisas (Ef 1.23).
Sendo o homem
tão precioso, feito um
Missão da Rua Azusa, Los Angeles, Califórnia, 1906: berço do
pouco menor que Deus
Movimento Pentecostal Mundial
(Sl 8.5), como nós
ousamos desprezá-lo
tanto? A maneira mais contundente de parâmetro é o insuperável padrão de
ofender a Deus é desprezar o que lhe é Deus. Vemos isso de forma clara no
caro. Quando agimos assim em relação “assim como” expresso na oração do
ao homem, também depreciamos o Pai-nosso. O mesmo padrão se repete
incomparável sangue de Jesus. Pode na parábola do servo incompassivo,
parecer ufania humana, mas enquanto que, mesmo perdoado de uma grande
não enxergarmos o homem sob a ótica dívida, anulou o indulto recebido ao
O lugar preferido de Deus de Deus, pouca serventia teremos à sua não estendê-lo a um conservo que
pouco valorizado
obra, pois ela é voltada para o homem. lhe devia uma ninharia. Outra lição
Valorizamos muito a Bíblia como
Os judeus nacionalistas e religiosos sobre o perdão foi protagonizada pela
a “voz de Deus”, pois compreendemos com toda razão consideravam os pretensa generosidade de Pedro ao
que Ele também a valoriza como sua
publicanos
e propor uma medida de aplicação de
Palavra.
Igual
as
prostitutas tão magnânimo gesto ao longo de um
reverência temos
pessoas dia: sete vezes. Jesus, no entanto, ao
O atual esgotamento como
para com a oração
e x e c r á v e i s , multiplicar essa medida por setenta,
do Avivamento é
como mecanismo
mas
Jesus demonstrou que o discípulo estava
muito longe do padrão celestial.
de contato com
os
enxergava
acompanhado da
Jesus também alertou que se
os céus. Quanto
nos primeiros
ao
homem,
frustração cada vez
lugares na fila de a nossa justiça não excedesse em
entretanto,
não
ao reino muito a dos escribas e fariseus (que
mais forte de não se ter entrada
lhe
damos
o
de Deus. Que jejuavam duas vezes por semana e
mesmo
valor
c o n t r a d i ç ã o ! davam o dízimo até do coentro e da
alcançado a comunhão
que
observamos
E n q u a n t o hortelã, além de distribuírem esmolas
e a unidade
sendo dispensado
aqueles
se e fazerem longas orações), não
por Deus. Nossa
pautavam pelo poderíamos entrar no reino dos céus.
valorização
mecanismo do Ora, como superar esses campeões de
geralmente acontece de maneira conhecimento do bem e do mal, Jesus justiça? Quando olhamos para outros
equivocada, partindo de pressupostos o fazia pela vida, cuja manifestação é ensinamentos como “misericórdia
quero e não sacrifícios” (Mt 9.13;
humanos, todos eles baseados no dom de Deus!
egoísmo e no orgulho. O resultado
Jesus ensinou que a Lei que eles 12.7), nós podemos entender que não
é alçar o homem a uma posição tanto respeitavam estava a serviço vamos superar a justiça dos escribas
pretensiosa e ilusória.
da vida humana, por isso quem não e fariseus sendo mais justos que eles.
Seu real valor é aquele que Deus era sacerdote podia comer os pães da Aliás, a própria Bíblia nos ensina que
lhe dá, tão imensurável quanto o foi proposição, colher espigas e também não devemos ser demasiadamente
a eloquente entrega de Seu próprio fazer curas no dia de sábado (Mt justos para não destruirmos a nós
Filho através da encarnação e morte 12.1-14). Afinal o sábado fora criado mesmos (Ec 7.16). Confrontando
na cruz. Jamais compreenderemos o para o homem (Mc 2.27) e não podia estas afirmações com a injustiça feita
sentido completo da expressão “de tal contribuir para a extinção da vida, aos trabalhadores da primeira hora e
maneira” que o evangelista usou para senão para preservá-la. Provavelmente ao irmão mais velho do filho pródigo
se referir ao amor de Deus pelo homem ainda conservemos muitos dos (Mt 20.1-16; Lc 15.11-32), vemos que
(Jo 3.16). Qualquer palavra que se conceitos desses religiosos que nos o excedente ou transbordar da justiça
empregue ainda será insuficiente para impedem de ver o homem como Jesus não é uma dose maior dela, mas sim
a misericórdia, que foi conferida aos
explicar tão grande demonstração. via.
trabalhadores da última hora, ao filho
Impossível alcançar tamanha altura,
pródigo e também a um moribundo,
largura ou profundidade.
Muito além da justiça
Podemos dizer com segurança que o
Dentre os ensinamentos mais vítima de salteadores, pelo chamado
homem é o principal objeto do amor de enfáticos de Jesus está o perdão, cujo “bom samaritano” (Lc 10.25-37).
Julho/Agosto - 2009
Portanto Deus se importa muito
mais com o perdão do que com a ofensa,
muito mais com a misericórdia do que
com a justiça, e espera a mesma atitude
de nossa parte. O preceito geralmente
colocado é que devemos amar o
próximo como a nós mesmos e fazer
aos outros aquilo que gostaríamos que
fizessem a nós. Contudo, aos nascidos
de novo, que creem e compreendem
estas coisas, Deus espera levar além:
ele ensina que devemos amar nossos
irmãos como ele nos amou e, portanto,
fazer pelo outro aquilo que ele fez por
nós, ou seja, dar a própria vida como
maior prova de amor (1 Jo 3.16).
Há, como podemos observar, dois
padrões estabelecidos para nossas
atitudes. O primeiro diz respeito à
relação com o próximo ou o mundo
de uma maneira geral, e tem a
nossa vontade como referência, ou
seja, devemos fazer ao outro aquilo
que gostaríamos que fosse feito a
nós. Traduz-se, portanto, com o
mandamento de amar ao próximo
como a nós mesmos. O segundo é com
relação ao irmão, membro como eu do
mesmo corpo, e se situa num degrau
mais elevado, pois tem a vontade de
Deus como referência. Encontra-se,
assim, na dimensão da comunhão.
Neste caso o padrão deixa de ser o
meu amor e passa a ser o de Jesus por
mim. O desejo de Deus, expresso pela
expectativa de que nos amemos uns aos
outros como Cristo nos amou, assume
o lugar do desejo humano, o que nos
introduz na cadeia da vontade divina:
Jesus fez o que viu o Pai fazer e falou o
7
que ouviu do Pai, logo devemos praticar
o que vimos em Jesus e ouvimos dele.
Afinal, ele também nos deu o Espírito
Santo para nos transmitir tudo o que
ouviu, a fim de que participemos do
conselho de Deus e sejamos guiados a
toda a verdade. Isso é comunhão.
A comunhão é o reconhecimento da
presença viva de Jesus Cristo na igreja
e tem início quando O percebemos uns
nos outros. A prática do evangelho
é essencialmente de mutualidade:
estamos vinculados a um organismo,
o corpo de Cristo, do qual ele próprio
é a cabeça. Enquanto não agirmos em
comunhão, ou seja, de acordo com o
estilo de vida da Trindade, guiados,
como vimos, por uma justiça superior
e sendo capazes de ver Cristo uns nos
outros, o mundo não o reconhecerá na
igreja e tampouco poderá crer nele.
Mas perceber o Cristo no outro não
se consegue se estivermos confiando
apenas em “carne e sangue” (Mt
16.17).
A necessidade de revelação
A falta de revelação é o fator comum
que impede muitos de encontrarem
Cristo quando leem a Bíblia e a usam
para fins diversos, tais como adivinhar
o futuro ou fazer de Judas um herói, de
Davi e Jônatas parceiros homossexuais
etc. Igualmente muitos também
não encontram Cristo nas orações.
Contudo, e esta é a nossa preocupação
neste artigo, a grande maioria não
consegue encontrá-lo no outro. Faltanos a mesma revelação que fez a opinião
de Pedro se distinguir das de seus
pares, estas baseadas no conhecimento
humano extraído das escrituras,
quando Jesus lhes perguntou o que
pensavam acerca dele. “Tu és o Cristo,
o Filho do Deus vivo!”, foi a resposta
de Pedro (Mt 16.13-20). Semelhante
revelação possibilitou a Simeão (Foralhe revelado, pelo Espírito Santo, que
ele não morreria antes de ter visto o
Cristo do Senhor. - Lc. 2.26) olhar para
o menino Jesus e ver o que os sacerdotes
que o circuncidavam não viam: “...
os meus olhos viram a salvação que
preparaste...” (v.30). Crer que Cristo
está no outro é o primeiro passo para
se abrir à revelação, pois é necessário
que aquele que se aproxima de Deus
creia que ele existe...! (Hb 11.6).
Temos que considerar que encontrar
Cristo no outro não depende deste,
mas da revelação de Deus em nós. Nem
mesmo em Jesus houve unanimidade,
ou seja, nem todos viram o Cristo nele.
Portanto, muito menos nós devemos
ter essa pretensão. Assim como o
buscamos na sua Palavra e na oração,
também devemos buscá-lo em nosso
irmão, sabendo que quem procura
acha! (Mt 7.7). “Buscar-me-eis e me
achareis quando me buscardes de todo
o vosso coração” (Jr 29.13). Quando
não estiver vendo Cristo no outro,
devo ter o mesmo desespero por não
encontrá-lo na Palavra e na oração e
jamais atribuir essa deficiência àquele
que é o ‘lugar’ de minha procura, da
mesma forma como não o fazemos
à Palavra ou à oração. Vale dizer que
somente depois de nos livrarmos da
trave de nossos olhos é que poderemos
enxergar o cisco no olho do irmão (Mt
7.3-5). Isso equivale a afirmar que
não é o mau testemunho do outro que
produz um eclipse e me impede de
enxergar Cristo nele. O eclipse está nos
olhos de quem vê. Não perceber Cristo
no outro deveria me fazer questionar o
quanto dEle está presente em mim.
Diante
de
nossa
própria
imperfeição, temos que considerar que
é absolutamente certo nos confiarmos
a pessoas imperfeitas, pois assim
Jesus agiu com os seus. Ele não fez
um processo seletivo procurando os
melhores e mais capacitados homens
da elite de Israel. A escolha de homens
absolutamente simples, desprovidos
de grandes potenciais naturais, era
coerente com a simplicidade de Jesus.
Embora não tendo a expectativa da
perfeição de seus discípulos e apóstolos,
Jesus confiou-se a eles. Igualmente não
podemos ter expectativas de perfeição
dos irmãos para nos confiarmos a eles.
Para superar essa desconfiança,
temos que aprender a ver Cristo neles. À
medida que vejo Cristo no outro, o meu
referencial deixa de ser o irmão e passa
a ser Cristo. Isso resulta em mudança
das minhas atitudes, de forma que
Cristo passa a crescer em mim e, nessa
mutualidade, todos nós poderemos
chegar à perfeita varonilidade (Ef 4.13).
Ao mesmo tempo, nos sentiremos
parte ativa de um organismo vivo que
vai produzindo “o seu próprio aumento
para a edificação de si mesmo em
amor” (Ef 4.16).
LaGuardia suspirou, virou-se para
a mulher e disse:
– Tenho de punir a senhora. A lei
não abre exceções: são dez dólares ou
dez dias na cadeia.
Mas, ainda enquanto falava, o prefeito já colocava a mão no bolso. Ele tirou uma nota para fora e arremessoua no seu famoso chapéu de abas largas,
dizendo:
– Aqui está a multa de dez dólares,
que eu agora perdoo. Além disso,
vou impor uma multa de cinquenta
centavos para cada um presente neste
tribunal, por morarem numa cidade
em que uma pessoa tem de roubar
pão para que seus netos tenham o
que comer. Senhor Bailliff, recolha as
multas e entregue-as à ré.
Assim, no dia seguinte, os jornais
de Nova York anunciaram que 47,50
dólares haviam sido entregues a uma
perplexa senhora que havia roubado
um pão para alimentar os netos
famintos, cinquenta centavos dos quais
haviam sido doados pelo ruborizado
dono da mercearia, enquanto cerca de
setenta pessoas, acusadas de pequenos
crimes e de violações de tráfego, lado a
lado com policiais da cidade de Nova
York, aplaudiam o prefeito em pé.
Os retos e os bons
Por Brennan Manning¹
Conta-se uma história sobre Fiorello
LaGuardia, que, quando era prefeito
de Nova York durante os piores dias da
Depressão e durante toda a Segunda
Guerra Mundial, era carinhosamente
chamado de “Little Flower” pelos seus
admiradores nova-iorquinos, porque
tinha apenas 1,65 m e trazia sempre
um cravo na lapela. Era um personagem pitoresco que costumava andar
em caminhões do Corpo de Bombeiros, participar de batidas em bares
ilegais junto com o departamento de
polícia, levar orfanatos inteiros para
partidas de baseball e, quando os jornais de Nova York estavam em greve,
ia à rádio ler quadrinhos humorísticos
para as crianças.
Numa noite terrivelmente fria de
janeiro de 1935, o prefeito compareceu
a um tribunal noturno que servia a
região mais pobre da cidade. LaGuardia
dispensou o juiz por aquela noite e
assumiu a tribuna ele mesmo. Minutos
depois, uma senhora esfarrapada foi
trazida à presença dele, acusada de
roubar um pão. Ela disse a LaGuardia
que o seu genro havia ido embora,
que sua filha estava doente e que seus
dois netos estavam passando fome.
Mas o merceeiro, de quem o pão havia
sido roubado, recusava-se a retirar a
acusação.
– É uma vizinhança ruim, meritíssimo – o homem disse ao prefeito.
– Ela deve ser punida para ensinar às
pessoas daqui uma lição.
Quando os jornais de
Nova York estavam
em greve, o prefeito
Fiorello LaGuardia ia
à rádio ler quadrinhos
humorísticos para as
crianças
Que tremendo momento de graça
foi aquele para todos que estavam
presentes naquele tribunal. A graça de
Deus opera num nível profundo na vida
de uma pessoa afetuosa. Ah! Quem
dera fôssemos capazes de reconhecer a
graça de Deus quando ela vem a nós!
¹Brennan Manning utiliza como fonte o capítulo “The righteous and the good” (que emprestamos para título deste artigo), do livro “Best sermons” (Os melhores sermões), de James N. McCutcheon (San Francisco: Harper & Row, 1988).
Fonte: O Evangelho
Maltrapilho, Ed. Mundo Cristão
Julho/Agosto - 2009
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Um legado pessoal de coisas novas e velhas
Ele lhes disse: “Por isso, todo mestre da lei instruído quanto ao Reino
dos céus é como o dono de uma casa que tira do seu tesouro coisas novas
e coisas velhas” (Mateus 13.52).
POR RICARDO RODRIGUES DE SOUZA
Segundo o escritor português
José Saramago, as palavras são como
pedras que nos levam a outra margem
do rio. No texto bíblico acima, Jesus
parece destacar a figura do “mestre
da lei instruído quanto ao Reino dos
céus”. Ele é a ponte, aquele que coloca
as pedras que serão pisadas até a outra
margem. E a margem, neste contexto,
é o Reino de Deus.
Infelizmente, a leitura bíblica
no Ocidente se tornou pragmática,
e ao invés de uma prática que
extrai sabedoria para a vida, acaba
influenciada pelos manuais de
autoajuda e liderança corporativa.
Uma das características desse tipo
de literatura é o seu imediatismo,
ou seja, as soluções propostas têm
que funcionar em alguns meses,
caso contrário são abandonadas. No
entanto, a proposta de Jesus é o REINO
de DEUS, um projeto de longo prazo e
que tem sido enriquecido geração após
geração. Sem a sabedoria daqueles que
nos antecederam, sejam nossos pais,
sejam mentores espirituais, podemos
gastar parte da nossa vida “testando
caminhos”, o que pode em algum
momento ser interessante. Por outro
lado, podemos nos tornar como o filho
pródigo que desperdiçou sua vida.
O cristianismo, durante todos
estes séculos, tem criado uma base
“tradicional” sobre a qual as novas
gerações são chamadas a trabalhar
as novas realidades que se impõem,
utilizando o material ou ambiente
“antigo” ou “velho” juntamente
com o novo. A expressão “tira do”
de Mateus 13.52 dá a ideia de algo
pronto que precisa apenas ser pego,
porém a respectiva palavra grega
do texto original tem o sentido de
“brotar”, “extrair”, algo que precisa
ser trabalhado, recriado a partir do
tesouro. Mas o que é tesouro?
A palavra tesouro usada por Jesus
tem um emprego figurativo. Tesouro,
de acordo com o vocábulo grego, não
está associado a piratas e baús com
joias, mas àquilo que consideramos
de elevado valor – literal ou figurado
(“Porque onde estiver o vosso tesouro,
aí estará também o vosso coração” –
Mt 6.21). Por exemplo, uma grande
amizade é tratada como um tesouro
dentro do peito. As ferramentas de um
profissional podem ser o seu tesouro.
Nossa história de vida pode se tornar
um tesouro. Jesus ensina a “ajuntar
tesouros no céu”.
Estamos entrando em um tempo
de decadência institucional. Grandes
corporações econômicas, financeiras e
religiosas estão perdendo sua relevância
e testemunho. Temos que aprender a
viver sem o testemunho institucional e
passarmos a um testemunho pessoal.
Jesus sempre se dirigiu pessoalmente
aos seus interlocutores, e as histórias
bíblicas são testemunhos pessoais.
Por essa razão, vamos substituir a
palavra tesouro por legado, que parece
sintetizar o testemunho pessoal,
que precisa ser transmitido para as
próximas gerações.
de nossos irmãos do passado é que
apesar de tudo, o evangelho chegou
até nós, e deveríamos ser gratos por
isso. Sempre haverá uma tensão entre
o novo e o velho, entre o atual e o
antigo. Dessa forma, a interpretação
dos textos bíblicos é fundamental na
construção do Reino; é a partir disso
que as ações deste Reino são aferidas e
validadas. Se os óculos da interpretação
permanecerem os mesmos, não haverá
ponte entre o texto (antigo) e o Reino
de Deus (novo). Segundo Leonardo
Boff, qualquer mudança séria precisa
passar por uma revisão da dogmática
cristã (verdades certas, indubitáveis e
não sujeitas a qualquer tipo de revisão
ou crítica). Jesus, ao falar do Reino de
Deus, precisou questionar a dogmática
judaica. Uma geração relevante tem
que ter profundos leitores da Bíblia.
2. As comunidades cristãs não
são nem devem ser homogêneas.
Sou de uma geração em que a transmissão da
fé se deu de maneira institucional, mas reconheço
que esse modelo vive seus últimos dias
O teólogo irlandês James Houston
aos 83 anos foi indagado por seus filhos
sobre como viver uma vida frutífera.
Sua resposta a eles rendeu o livro “Meu
Legado Espiritual”, ensinamentos que
não se restringiram apenas a seus
filhos naturais, mas se estenderam aos
diversos filhos espirituais espalhados
pelo mundo. James Houston entende
que os cristãos que deveriam estar
lúcidos também estão confusos quanto
a como viver a vida cristã de maneira
frutífera e construir um legado para
sua família e para o testemunho de
Deus neste mundo. Farei a seguir
uso de algumas propostas e lições
transmitidas por ele em seu livro.
1. Toda geração terá que lidar
com as tensões do presente e do
passado. A Bíblia tem pelo menos
cinco mil anos e sempre será o livro
dos cristãos. A morte e ressurreição
de Jesus se deram no passado. Nossa
fé é uma fé histórica, ela tem sido
transferida de geração em geração.
Fico preocupado quando ouço críticas
à Reforma Protestante do século XVI,
já que cinco séculos depois é fácil
apontar os caminhos que não deram
certo, no entanto o grande legado
Paulo, em Efésios 3.10, trata essa questão
escrevendo que somos expressão da
multiforme (do grego polupoikilos)
sabedoria de Deus (polu significa
multiplicar muitas vezes; poikilos
traz a ideia de colorido, várias cores,
algo engenhosamente construído, no
sentido artístico). A bíblia King James
traduz o termo como “manifold”, que
é uma palavra muito usada no campo
da mecânica e significa “distribuidor”,
ou seja, a imagem é a de um produto
que, partindo de uma entrada comum,
acaba sendo distribuído por várias
saídas. Os diversos ministérios no
corpo de Cristo são complementares
e não beligerantes. Por não sabermos
lidar com as heterogeneidades da
igreja, usamos palavras que dão sempre
a ideia de um espírito de competição:
“geração que precisa superar”, “ir
além”, “sobrepujar” e “guerrear”. Esse
não parece ser o espírito do Reino de
Deus. Uma geração relevante precisa
entender que o Espírito Santo está em
todos e age por meio de todos (Ef 4.6).
3. Investir mais no tempo,
que é o bem mais precioso e
não renovável da vida, do que
em espaços e coisas. Temos
gastado muito tempo construindo
espaços e adquirindo bens, ao invés
de relacionamentos frutíferos. A fé
precisa ser transmitida de maneira
pessoal. Eventos e encontros podem
nos transmitir generalizações e muito
proselitismo, dando-nos uma falsa
impressão de crescimento. Temos
que resgatar a Bíblia como a fonte que
responde à necessidade de se “remir
(resgatar) o tempo”. As pessoas não
estão interessadas nas diferenças entre
a bíblia católica e protestante, sobre os
atributos invisíveis de Deus, mas em
como viver. “Examinais as Escrituras,
porque vós cuidais ter nelas a vida
eterna” (Jo 5.39). Não podemos falar de
vida plena sem o resgate do tempo, não
em uma perspectiva Kronos (tempo
em que vou viver), mas em um tempo
kairós (o que vou fazer e como vou viver
com o tempo que recebi). Uma geração
relevante precisa aprender a santificar
momentos em qualquer espaço.
4. Não estamos em uma
disputa histórica de gerações.
Cada qual tem que lidar para ser
relevante no momento histórico em
que está e enfrentar os desafios que
estão postos. A geração de Josué tinha
um desafio, a de Samuel outro, a de
Davi outro, e assim sucessivamente.
A igreja de Atos lidava com problemas
diferentes dos nossos, mas dentro
daquelas circunstâncias históricas, ela
foi relevante, e por isso é tão admirada.
Historicamente diversas comunidades
foram tão importantes quanto.
Israel tinha um ano chamado de
Jubileu, que acontecia a cada 50 anos.
Nessa ocasião, todas as dívidas eram
perdoadas, o que dava a oportunidade
de um novo começo. O recado que
esse evento nos dá é que pela graça de
Deus cada geração pode começar de
novo, sem dívidas passadas. O sangue
de Jesus é o pagamento das dívidas,
e podemos recomeçar geração após
geração. Pessoalmente, vivi em uma
geração em que a transmissão da fé
se deu de maneira institucional, mas
reconheço que esse modelo cumpre
seus últimos dias. Quando a fé é
transmitida de maneira pessoal, ela
exige de nós maior responsabilidade e
experiência pessoal com Deus.
Uma geração relevante vai perceber
que a cultura brasileira precisa ser
redimida por meio do testemunho
pessoal e que até esse momento essa
cultura é rebelde e injusta quando
tomamos o Reino de Deus como
parâmetro.
Julho/Agosto - 2009
9
um lugar chamado
Nárnia
Parte V - O dragão que há em nós
Este artigo é o quinto de uma sequência de sete sobre “As Crônicas de
Nárnia”, criação do escritor irlandês C. S. Lewis, que teve, recentemente,
dois episódios da série adaptados para o cinema: “O leão, a feiticeira e o
guarda-roupa” e “Príncipe Caspian”.
POR RENATA RIBEIRO
Um rato falante. Um príncipe
recém-coroado. Dois irmãos em férias
escolares. Um menino resmungão
metido a adulto. Um capitão. E o
Peregrino da Alvorada. Os personagens
são impressionantes, alguns até já
conhecidos. A partir deles, C. S. Lewis
descreve mais uma aventura nas terras
longínquas de Nárnia.
O primeiro de que falei é Ripchip,
o líder dos ratos narnianos. Conhecido
por sua hombridade (será isso possível
a um rato?) e lealdade, conquistou
prestígio no reinado de Caspian. A
propósito, como Nárnia é, sobretudo,
um lugar mágico, isso explica um
garoto conseguir reinar com sabedoria
e bom senso. É o poder que alcança
os que conhecem o Grande Leão,
Aslam. Lúcia e Edmundo retornam
ao país de Nárnia sem os irmãos mais
velhos, mas acompanhados de outra
criança. Trata-se de um primo não
muito querido, o Eustáquio. Seu nome
é tão interessante quanto sua pessoa.
Imagine! Por fim temos o capitão e o
navio: lorde Drinian fora o escolhido
para comandar o antigo mas reformado
Peregrino da Alvorada.
Agora que você já consegue ao
menos imaginar os seres que estão
reunidos na embarcação, é importante
considerar que eles ficarão juntos
por muitos dias. Lúcia, Edmundo e o
primo indesejado se juntaram à troupe
já em mar, o que causou extremo
mal-estar ao novato. Eustáquio não
compreendia que estava num outro
mundo governado por outras regras.
Por isso vez ou outra ameaçava
comunicar à embaixada inglesa que
havia sido sequestrado ou algo assim.
Um menino impertinente!
A viagem era na verdade uma busca
por sete fidalgos do reinado do pai de
Caspian. Eles tinham sido mandados
para bem longe durante o governo
seguinte, o de Miraz, tio e usurpador,
por algum tempo, do trono que
pertencia a Caspian. Agora, por uma
questão de honra, este iria à busca dos
antigos amigos do pai. E o percurso
envolvia mares nunca antes navegados.
O alvo eram as Ilhas Solitárias. Mas
até o destino final, a embarcação
passará por diversas ilhas nas quais
muitas emoções e aprendizados serão
experimentados. No entanto, vou me
prender ao episódio de apenas uma
dessas ilhas.
Os tripulantes viviam bons
momentos em alto-mar quando
tiveram de enfrentar doze dias de
tempestade. Depois de muita luta
contra a correnteza, finalmente chegou
a calmaria, e conseguiram ancorar o
navio numa ilha com o fim de obter
alguma caça, reconstruir barris de
água e consertar partes do Peregrino
que haviam sido quebradas.
O primo inconveniente, ao perceber
que não haveria muito descanso, e por
se achar mais digno que outros, numa
demonstração acentuada de egoísmo,
resolve afastar-se dos demais para dar
uma descansadinha. Foi o início de
longas noites.
Em geral, um menino mimado
não tem noções de sobrevivência em
mata fechada, por isso ele acabou
sumindo por um bom tempo.
Quando perceberam sua ausência, os
companheiros formaram grupos de
busca, mas não encontraram ao menos
um sinal do garoto.
Enquanto isso, Eustáquio foi parar
numa caverna, daquelas em que há
milhares de joias, mas que você quase
não consegue ver, tão escuras são
essas cavidades. Era a caverna de um
dragão, que momentos antes morrera
bem ali na frente do menino medroso.
Fugindo da chuva, Eustáquio foi
abrigar-se na caverna. Assim que
percebeu estar envolto por joias,
começou a imaginar o lucro que
poderia tirar disso, e como estava
cansado, acabou adormecendo. Ao
acordar, levou um susto.
A bordo do Peregrino
da Alvorada, Lúcia,
Edmundo e outros
partem à procura de
pessoas desaparecidas.
Inesperadamente, um
garoto é transformado
em dragão...
Por dormir sobre o tesouro de um
dragão, o garoto, cheio de ganâncias,
acabara transformado num monstro
semelhante. Uma cilada, do tipo que só
acontece em Nárnia! Mas nós acabamos
quase comemorando a transformação,
pensando algo como: “bem feito”, ou
ainda: “ele fez por merecer”. É o que
elaboramos o tempo todo a respeito
de várias pessoas ao nosso redor.
Obviamente nunca sobre nós mesmos.
Chegamos até a pensar que Deus
poderá fazer isso conosco se não nos
comportarmos adequadamente, numa
espécie de castigo pelos pecados.
Entretanto esta narração mostra
bem o contrário, o cuidado de Deus.
Somos em grande parte responsáveis
pelo que nos tornamos, e talvez muitos
já sejam verdadeiros dragões, soltando
fogo pelas narinas, sendo indelicados,
gananciosos, além de, como nosso
pequeno dragãozinho, julgando-se
sempre superiores aos outros.
Ao perceber a mutação que havia
sofrido, olhando sua terrível aparência
no reflexo das águas do rio, Eustáquio
se deu conta de que talvez não fosse
tão bonzinho quanto pensava. Vou
poupar os detalhes de como ele viveu
alguns dias como dragão, partindo
para o brilhante desfecho.
Por graça, Eustáquio voltou a
ser humano, mas seu caminho foi
doloroso, uma vez que havia se tornado
uma pessoa quase insuportável.
Aconteceu que o próprio Aslam foi
encontrá-lo, e ele nem ao menos sabia
de quem se tratava, mas teve respeito.
Aslam olhou para Eustáquio, e este de
alguma maneira captou a mensagem:
deveria tirar a roupa. Mas pensou
que dragões não se vestem. Entendeu
então que deveria arrancar sua pele,
uma espécie de escama, como as
de cobra, que os dragões possuem.
Ele nem desconfiava, porém, que
possuía muitas destas peles. Estando
Eustáquio na terceira camada, o Leão
falou: “eu tiro sua pele”:
A primeira unhada que me
deu foi tão funda que julguei ter
atingido o coração. A única coisa
que me fazia aguentar era o prazer
de sentir que me tirava a pele. É
como quem tira um espinho de um
lugar dolorido. Dói pra valer, mas
é bom ver o espinho sair.
Depois disso, Eustáquio sofreu
uma mudança notável. Às vezes tinha
alguma recaída, mas a cura em seu
caráter, provocada pela ação de Aslam,
havia começado.
Quando li esta história pela primeira
vez, me identifiquei muito. Pensei no
quanto eu precisava me despir das
cascas do pecado e do mal. Por outro
lado, pensei que isso só é possível
quando, após olhar nosso reflexo,
descobrimos o dragão que há em nós.
E, por fim, que qualquer tentativa de
arrancar nossa própria casca é vã.
Jesus, ele mesmo, trata de vir nos
transformar. Seu “tratamento” talvez
lembre as unhas de Aslam entrando
fundo em nosso coração. Mas a
sensação de limpeza e liberdade valem
qualquer dor. E para nós, pecadores
de nascença, essa é a melhor solução
possível, queira crer!
Julho/Agosto - 2009
10
desenvolvendo os
dons proféticos
Parte III - Como Deus fala
Este artigo é o terceiro de uma sequência sobre dons proféticos, assunto
que o autor vem pesquisando desde 2002 e compartilhando em muitos
lugares
POR EZEQUIEL NETTO
Muitas pessoas dizem que não
conseguem ouvir a voz de Deus. Elas
ficam admiradas quando alguém alega ter ouvido isso ou aquilo da parte
dEle com certa facilidade. Elas não
percebem que Deus pode até estar
lhes falando, mas de uma maneira
diferente do que estavam esperando.
“Pois a verdade é que Deus fala, ora de
um modo, ora de outro, mesmo que o
homem não perceba” (Jó 33.14). Deus
fala de formas diferentes com cada
pessoa.
Uma outra razão pela qual a
pessoa não reconhece que Deus está
lhe falando é que ele prefere fazê-lo
de um modo estranho, por enigmas
(questões propostas em termos
obscuros para serem interpretadas;
aquilo que é difícil compreender;
mistérios), e raramente nos fala com
uma voz audível (Nm 12.6-8; Jz 14.12;
Jó 33.14-17; Ez 17.2).
Deus é um Ser que se comunica, e a
expressão da palavra é algo importante
em sua natureza (Jo 1.1; Gn 1; Hb 1.2;
Gn 3.8; Jo 6.45). Saber ouvir a voz de
Deus é essencial para se comunicar
com ele, até mesmo para atender
ao chamado inicial de seguirmos os
seus passos. Em contrapartida, Deus
colocou o espírito no homem para o
capacitar neste relacionamento com
ele (Jó 32.8; 2 Co 3.18). Assim:
• É fundamental na natureza de
Deus o fato de ele ser um ser que se
comunica.
• É fundamental na natureza de
todo crente ser capaz de ouvir a voz de
Deus.
Embora não haja instruções claras
de como ouvir Deus nas Escrituras, encontramos uma série de exemplos em
que Deus se comunica de diversas maneiras, muitos deles no livro de Atos
(5.2-5,19; 8.26-30; 9.3-4,10; 10.3,1020; 12.7; 13.2; 14.9; 16.9; 18.9).
E quando temos dúvidas se
o que ouvimos é ou não a voz
de Deus? Podemos pedir uma
confirmação?
Em Êxodo 3.10-12, vemos que a
dúvida é um elemento que acompanha
muito de perto o ministério profético.
Deus fala com Moisés e pede que vá ao
governante da maior nação da época e
diga-lhe para que simplesmente liberte mais de 600 mil trabalhadores (603
mil homens maiores de 20 anos – Nm
1.46), deixando-os voltar para sua terra natal.
Moisés vacila, achando que a tarefa
é muito grande para ele, e duvida se é
mesmo a voz de Deus que está escutando. Mas Deus promete-lhe uma confirmação de que era ele mesmo quem
estava falando com Moisés: “quando
houveres tirado do Egito o meu povo,
servireis a Deus neste monte”.
Muitas vezes quando recebemos
uma palavra profética para alguém,
queremos uma ou várias confirmações
antes de falar. Deus não se nega a
confirmar a palavra, mas precisamos
compreender como ele fará isso. Com
Moisés, a confirmação só viria após
ele ter dado o passo de fé em obedecer
à voz de Deus, e depois que tudo fosse
realizado!!!
Em Jeremias 32.6-8, vemos que
o profeta recebeu uma palavra, e foi
somente depois de tudo se cumprir,
que ele entendeu que ela vinha mesmo
do Senhor.
Este é o estilo que Deus adota para
confirmar suas palavras. Precisamos
aprender a ministrar em fé, no
escuro, confiando nele, e com toda
humildade – depois de tudo, teremos
plena certeza de que foi ele mesmo
quem falou conosco. Muitos que
entenderam bem este processo têm
sido usados com poder para abençoar
significativamente muitas vidas.
Impressões proféticas
Impressões
são
influências
do Espírito Santo sobre nossos
sentimentos, sentidos e mentes. Elas
não possuem a precisão das frases
ou das palavras e são semelhantes a
intuições, pois não possuem nenhuma
comprovação racional ou conclusão
lógica em apoio deste conhecimento
(as impressões divinas partem do
Espírito Santo, ao passo que as
intuições têm origem no espírito
humano). É muito comum que as
impressões venham contradizer todos
os sentidos naturais.
Representam a forma
mais simples de revelação.
Muitos cristãos recebem
revelação dessa forma, mas
não atentam para isso por
não reconhecerem nela a
voz de Deus, considerando-a
como um pensamento vago
ou coincidência. Por sua
simplicidade, é a porta de
entrada para a revelação
profética para a maioria das
pessoas.
Deus nos criou com
sentimentos, mente e corpo
e pode falar por meio destes
três canais. Todos eles
podem ser fontes de bênçãos
ou maldições, dependendo
da forma como os usamos.
Podemos dar ouvidos aos
nossos sentimentos, mente
e corpo, em contradição
à Palavra de Deus, e eles
estarão sendo usados como
instrumentos de rebelião. Mas
podemos também discernir
a voz de Deus através desses
canais, tornando-nos servos
com melhores ferramentas e
mais úteis para o serviço na
casa de Deus.
Muitas pessoas têm tido
impressões cada vez mais
frequentes e específicas, talvez
por adotarem o seguinte
comportamento:
Em alguns casos, temos
dificuldade em ouvir algo de
Deus para uma pessoa, e a
revelação só chega quando
a abraçamos, impomos-lhe
as mãos ou a tocamos de
alguma forma
• Creem que Deus lhes falará por
meio de impressões proféticas;
• Querem estas impressões para
servir a Deus e a seu povo;
• Oram regularmente pedindo que
Deus lhes fale;
• Agem de acordo com a impressão
quando a têm, mesmo correndo o risco
de parecerem tolos diante dos outros.
Ao orar por alguém, algumas vezes
somos tomados por um sentimento
de alegria, tristeza, vergonha, medo.
Deus pode estar permitindo que
sintamos em nossa alma o que a
pessoa está passando ou o que Deus
tem em relação a ela. Este sentimento
também pode estar relacionado com
alguma experiência nossa, na qual
sentimos algo semelhante, indicando
que a pessoa está passando pela
mesma experiência. Também pode
significar o que está no coração de
Deus em relação àquela pessoa (Sf
3.17; Zc 2.8). Outros exemplos de
impressões proféticas:
• Pensar em uma pessoa que não
vemos há muito tempo, em algo que
ela deveria fazer... e logo em seguida
encotrar a pessoa;
• At 14.9 – Paulo viu que o homem
tinha fé para ser curado (como se vê a
fé em alguém?);
• At 27.10 – Paulo percebeu que a
viagem ia ser trabalhosa (como se percebe isso?);
• Lc 8.45-46 – Jesus sentiu (saber
mediante um sentimento) que dele
saiu poder;
• Ne 7.5 – “... o meu Deus me pôs no
coração que ajuntasse os nobres...”;
• Mc 2.6-8 – Jesus percebeu em
seu espírito o que estavam pensando.
Sentidos naturais
Deus também pode usar, além da
nossa mente, nossos cinco sentidos
naturais (visão, audição, tato, olfato e
paladar) para nos trazer alguma revelação. Esta pode vir quando:
Julho/Agosto - 2009
• Você vê uma pessoa, um lugar ou
objeto;
• Quando ouve a voz de alguém,
diretamente ou ao telefone; pode ser
que você tenha uma revelação quando
o nome de alguém é citado;
• Podemos sentir cheiros agradáveis (incenso, orvalho, perfume, chuva, pão etc) ou ruins (enxofre, morte),
durante uma oração ou ministração;
precisamos estar atentos, pois Deus
pode estar querendo falar algo através
disso;
• Podemos sentir em nossa boca um
sabor diferente ao orar por uma pessoa
enferma ou em outra situação. Apesar
de estranho, Deus usou maneiras
estranhas de curar e expressar sua
vontade na Bíblia (Is 55.8; Mc 7.3134; 1 Co 1.27).
Recebemos uma revelação de Deus
quando ouvimos alguém falar, quando
é citado um nome, quando se comenta
algo sobre alguém. Não se trata do
que a pessoa demonstra pelo tom de
sua voz, mas algo que discernimos
espiritualmente.
Em alguns casos, temos dificuldade
em ouvir algo de Deus para uma pessoa, e a revelação só chega quando a
11
comunicou algo através
de impressão, visão ou
qualquer outro meio.
Entretanto não podemos
esquecer que Ele pode
se comunicar conosco
através de sua voz.
Mesmo no ouvir a voz de Deus há
diferentes níveis de revelação.
É fundamental na natureza de
todo aquele que crê ser capaz
de ouvir a voz de Deus
abraçamos, impomos-lhe as mãos ou
a tocamos de alguma forma. Será que
Deus, além da mensagem falada, não
quereria também dizer que está bem
próximo a ela ou quer que ela tenha
mais intimidade com ele, usando os
braços do profeta para expressar esse
sentimento? Você também pode ser
um profeta parecido comigo, avesso ao
toque físico, e Deus quer que você tenha mais proximidade com os irmãos,
em vez de simplesmente mandar recados a distância. Se você for assim e estiver tendo dificuldades em obter uma
revelação para alguém, experimente
abraçar a pessoa ou simplesmente
tocá-la – em meu caso, isso funciona
muito bem. Deus precisa de profetas
que expressem não somente a sua voz,
mas o que está em seu coração!
A voz do Senhor
Quando dizemos que Deus nos
falou alguma coisa, na realidade
estamos querendo dizer que Ele nos
1)Sussurros suaves: é a suave
e meiga voz de Deus que nos vem ao
estarmos orando ou meditando. Como
esta voz vem em nosso interior de
forma silenciosa, precisa ser julgada à
luz dos desejos de nosso coração.
2) Voz audível somente
em nosso interior (Ez 14.2-4):
geralmente se trata de uma voz alta
e forte, vindo de encontro aos nossos
pensamentos e interrompendo-os.
Está em um nível de revelação mais
alto que o sussurro, pois é menos
subjetiva. Embora não sendo uma voz
realmente audível, ela dá a impressão
de que é, pois ressoa muito forte em
nosso interior. Temos a consciência de
que estes pensamentos são diferentes
dos nossos pensamentos normais,
além de terem uma autoridade
superior à nossa própria autoridade.
3) Voz audível de Deus: é uma
revelação em nível bem elevado, não
sendo com frequência que Deus fala
deste modo. É inconfundível e imensa
em sua natureza. Quando Deus formou a nação de Israel, o povo vivia
num mundo de deuses impessoais. Era
comum a adoração do sol, da lua, das
estrelas e de uma infinidade de ídolos.
Deus falou por meio de uma voz audível com todo Israel, mostrando ser um
Deus pessoal, acima de toda a criação
(Dt 4.15-20), e que era único, acima
de todas as divindades pagãs (v.35).
Porque ouviram a voz, os israelitas
souberam que eram um povo singular
entre todos os outros da terra (v.33).
Mesmo no Novo Testamento, quando
a Voz Audível se tornou uma pessoa, o
Pai continuou a falar dos céus: no batismo de Jesus (Mt 3.17); na transfiguração (Mt 17.5); antes da crucificação
(Jo 12.27-33); com Paulo no caminho
de Damasco (At 9.1-9; 22.9); com Ananias, para que fosse ajudar a Paulo (At
9.10-16); com Pedro, para incluir os
gentios na igreja (At 10.9-16); a João,
sobre os últimos dias (Ap 1.10-20).
Deus ainda fala de forma audível em
nossos dias, mas esta é a forma mais
rara de Deus falar.
dica de leitura
Uma história sobre o verdadeiro sentido do amor de Deus
Título: Por que você não
quer mais ir à igreja?
Autores: Wayne Jacobsen e
Dave Coleman
Editora: Sextante
Ano: 2009
POR PEDRO ARRUDA
“Este livro é uma obra de ficção”.
Esta informação explícita, logo observada na ficha catalográfica, retirou um
pouco do meu ânimo inicial pelo título
do livro. Além de não ser meu gênero
preferido de leitura, senti uma prévia
frustração enquanto pensava: “mais
um livro de ficção; quando vamos
ter a realidade?” Porém, no decorrer
da leitura, notei que esta informação
não somente cumpria seu caráter de
honestidade, mas também se fazia necessária, em virtude de tamanha integração do enredo com a realidade. Por
outro lado, podemos atribuir à ficção
o sinônimo de sonho. Visto assim, há
o consolo de que muita
gente, em muitos lugares, já há algum tempo,
vem sonhando as mesmas coisas. Por isso
esses sonhos começam
a ganhar nitidez cada
vez maior, como se a
concretização deles estivesse vindo à luz.
O conteúdo do livro
aponta para uma igreja baseada em relacionamentos qualificados
(ou, para ser mais exato, comunhão): relacionamento entre os
irmãos que deriva de
relacionamento pessoal de cada um com Jesus. Tais vínculos se colocam acima das regras e das
organizações humanas, o que permite
que Jesus edifique a igreja ao assumir
completamente o controle, depois de
o homem depositar toda a confiança
na providência divina sem, contudo,
tornar-se um alienado passivo. Reconceitua-se a igreja, deixando de lado
todas as definições que
se amontoaram sobre
ela no transcorrer da
história. Privilegia-se
o ser igreja a partir do
relacionamento (comunhão). Cai a ênfase
no edifício, programas,
reuniões etc.
Para aqueles que
saíram do sistema religioso (e acham que
o reunir em casas ou
o não reunir é o máximo) fica o alerta: não
existem modelos em
que se engajar, pois só
se pode sair do sistema
à medida que se retira
o sistema de dentro de si. Até mesmo
o combate explícito ao sistema pode
fazer parte do jogo e da estratégia de
nos envolver no próprio sistema! Isto
feito, outras coisas são secundárias.
Nestas condições, obviamente que
divisão é algo fora de cogitação, e as
pessoas estão sujeitas ao amoroso tratamento do Senhor e têm igual consi-
deração por aqueles que estão passando por situações semelhantes.
Como todos os ensinamentos são
proferidos pela personagem chamada
João, tendo uma enigmática identificação com o apóstolo dos evangelhos,
que não morreria até que Jesus viesse,
fica subliminarmente a ideia da necessidade de apóstolos atualmente.
Por ser uma obra que circula no
meio secular, é bom se preparar para
uma tradução fora do “evangeliquês”
costumeiro. De forma sensata, os editores misturaram indiferentemente
termos como orar e rezar, culto, missa
ou reunião, entre outros, além de citações bíblicas numa linguagem não
convencional. No contexto, isto não
é negativo, pois se torna mais um elemento de nossa reflexão.
Adquiri este livro e o li em menos
de uma semana. Achei formidável
a possibilidade de ele se tornar
um best-seller e provocar uma
reviravolta eclesiástica se as pessoas
“descobrirem” que não precisam de
instituições, mas sim de Jesus.
Julho/Agosto - 2009
12
O novo ateu
POR RICARDO BARBOSA DE SOUSA
Hoje, o ateu não é mais aquele que
não crê, mas aquele que não encontra
relevância para Deus na sua rotina. O
novo ateísmo não precisa negar a fé;
apenas cria substitutos para ela. Mantém o crente na igreja, mas longe do seu
Salvador.
Sabemos que existem vários tipos
de ateus. Existem aqueles que não creem em Deus por não encontrarem
respostas para os grandes dilemas da
humanidade como violência, miséria e
sofrimento. Não conseguem relacionar
um Deus de amor com o sofrimento
humano. Outros não creem porque não
encontram uma razão lógica e racional
que explique os mistérios da fé, como
a criação do mundo, o dilúvio, o nascimento virginal, a ressurreição, céu, inferno etc. Diante de temas tão complexos que requerem fé num Deus pessoal,
Criador e Redentor, muitos não conseguem crer naquilo que lhes parece racionalmente absurdo.
Os dois tipos de ateus já mencionados são inofensivos. Na verdade, são
pessoas que buscam respostas, são honestos e não aceitam qualquer argumento barato como justificativa para
suas grandes dúvidas. São sinceros e
lutam contra uma incredulidade que
os consome, uma falta de fé que nunca encontra resposta para os grandes
mistérios da vida e de Deus.
No entanto há um outro tipo de
ateu, mais dissimulado, que cresce
entre nós, que crê em Deus e não
apresenta nenhuma dúvida quanto
aos mistérios da fé nem em relação
aos grandes temas existenciais. Ele
vai à igreja, canta, ora e chega até a
contribuir. É religioso e gosta de conversar sobre os temas da religião. Contudo,
a relevância de Cristo, sua morte e ressurreição para a vida e a devoção pessoal são praticamente nulas. São ateus
crédulos. O ateu moderno não é mais
somente aquele que não crê, mas aquele
para quem Deus não é relevante.
Este é um novo quadro que começa
a ser pintado nas igrejas cristãs. Saem
de cena os grandes heróis e mártires
da fé do passado e entram os apáticos e
acomodados cristãos modernos. Aqueles cristãos que entregaram suas vidas
à causa do Evangelho, que se deixaram
consumir de paixão e zelo pela igreja de
Cristo, que viveram com integridade e
honraram o chamado e a vocação que
receberam do Senhor, que sofreram e
morreram por causa de sua fé, convicções e amor a Cristo fazem parte de
uma lembrança remota que às vezes
chega a nos inspirar.
Os cristãos modernos creem como
os outros creram, mas não se entregam
como se entregaram. Partilham das
mesmas convicções, recitam o mesmo
O ateu moderno não é
mais somente aquele
que não crê, mas aquele
para quem Deus não é
relevante
credo, frequentam as mesmas igrejas,
cantam os mesmos hinos e leem a mesma Bíblia, mas o efeito é tragicamente
diferente. É raro hoje encontrar alguém
em cujo coração arde o desejo de ver um
amigo, parente, colega de trabalho ou
escola convertendo-se a Cristo e sendo
salvo da condenação eterna. Os desejos,
quando muito, se limitam a visitar uma
igreja, buscar uma “bênção”, receber
uma oração; mas a conversão a Cristo,
o discipulado com todas as suas implicações são coisas que não os atraem
mais.
Os anseios pela volta de Cristo, o desejo de nos encontrarmos com Ele e ver
restaurada a justiça e a ordem da criação ficaram para trás. Somente alguns
saudosos dos velhos tempos lembramse ainda dos hinos que enchiam de esperança o coração dos que aguardavam
a manifestação do Reino. A preocupação com a moral e a ética, com o bom
testemunho, com a vida santa e reta
não nos perturba mais – somos modernos, aprendemos a respeitar o espaço
dos outros. O cuidado com os irmãos,
o zelo para que andem nos caminhos
do Senhor, as exortações, repreensões e
correções não fazem parte do elenco de
nossas preocupações. Afinal, cada um é
grande e sabe o que faz.
Enfim, somos ateus modernos, o
pior tipo que já apareceu. Citamos com
convicção o Credo Apostólico, mas o
que cremos não tem nenhuma relevância na forma como vivemos. A pessoa de
Cristo para muitos é apenas mais uma
grife religiosa, não uma pessoa que nos
chama para segui-lo. O ateísmo moderno se caracteriza pela irrelevância da fé,
das convicções, do significado da igreja
e da comunhão dos santos.
A irrelevância de Deus para a vida
moderna é intensificada pela cultura
tecnocrática. Temos técnicas para tudo:
para ter um matrimônio perfeito, criar
filhos felizes e obedientes, obter plena
satisfação sexual no casamento, passos
para uma oração eficaz, como conseguir a plenitude do Espírito Santo e
muitos outros “como fazer” que entopem as prateleiras das livrarias e o
cardápio dos congressos. A sociedade
moderna vem criando os métodos e
as técnicas que reduzem nossa necessidade de Deus, a dependência
dEle e a relevância da comunhão com
Ele. Chamamos uma boa música de
adoração, um convívio agradável de
comunhão, uma moral sadia de santificação, assiduidade nos programas da
igreja de compromisso com o Reino de
Deus.
As técnicas não apenas criam atalhos para os caminhos complexos da
vida, como procuram inverter os polos
de atenção e dependência. Tornamonos mais dependentes de nós do que de
Deus, acreditamos mais na eficiência do
que na graça, buscamos mais a competência do que a unção, cremos mais na
propaganda do que no poder do Evangelho. Tenho ouvido falar de igrejas que
são orientadas por profissionais de planejamento estratégico. Estudam o perfil
da comunidade, planejam seu desenvolvimento, arquitetam seu crescimento e,
de repente, descobrem que funcionam,
crescem, são eficientes e não dependem
de Deus para nada do que foi planejado.
Com ou sem oração a igreja vai crescer,
vai funcionar. Deus tornou-se irrelevante. Tornamo-nos ateus crentes.
A minha preocupação não é simplesmente criticar o mundo religioso
abstrato, superficial e impessoal que
criamos ou criticar a tecnologia moderna que, sem dúvida, pode e tem nos
ajudado. Minha preocupação é com o
coração cada vez mais distante, mais
abstrato, mais centralizado naquilo que
não é Deus, mais dependente das propagandas e estímulos religiosos, mais
interessado no consumo espiritual do
que numa relação pessoal com Deus.
Como disse, o ateu hoje não é mais
aquele que não crê, mas aquele que não
encontra relevância para Deus na sua
rotina, não precisa da comunhão dEle
para a vida. A sutileza do novo ateísmo
é que ele não precisa negar a fé, apenas
cria substitutos para ela. Mantém o
crente na igreja, mas longe do seu Salvador. Este ateu está muito mais presente entre nós do que imaginamos.
Fonte: www.edificando.com.br
Ricardo Barbosa de Sousa é pastor
da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão
de Estudos, em Brasília. É autor de
Janelas para a Vida e O Caminho do
Coração.
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