CAPÍTULO 2 – O CIRCO NO BRASIL
2.1 Introdução e evolução do Circo no Brasil
Para entender o circo no Brasil, é preciso saber que o país passava por um contexto político
e social diferente do que ocorria na Europa. Este segmento cultural foi introduzido por aqui
com a vinda de famílias de ciganos e grupos de artistas vindos da Europa, cujas
apresentações de ilusionismo e outros números ajudavam no seu sustento.
Outra particularidade brasileira é o fato do país não possuir uma tradição de apresentações
militares ao gosto do britânico Astley, que agregasse a construção de locais voltados a este
segmento, como foram os primeiros circos. Em compensação, o país pôde contar com a
diversidade dos grupos mambembes, que por sua vez também beberam da fonte popular,
adaptando seus números ao gosto das regiões que visitavam, realizando um intercâmbio
cultural espontâneo e único.
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Um dos resultados dessa troca está na figura do palhaço. Na Europa, ele era muito mais
centrado na linguagem corporal para compor seus esquetes cômicos, enquanto aqui ele
assume uma postura mais satírica e malandra, de interação com os costumes e situações da
época, o que gerava empatia e identificação com o público.
Pode-se dizer que a palhaçaria brasileira, com a incorporação de expressões, hábitos e tipos,
além de gêneros musicais próprios da região, resultou num forte laço social entre o universo
de dentro e o de fora dos picadeiros.
O circo veio até o no Brasil no século XIX, com a vinda de grupos vindos da Europa, o circo
vestiu-se de cores locais, e com o tempo, sedimentou suas cores entre as classes populares
das grandes cidades. O contexto social e econômico variável entre os países fez com que as
companhias se dividissem entre pequenas, médias e grandes, com estas últimas ditando as
tendências e consolidando-se como referência para as demais.
No Brasil, a maioria dos circos não pôde investir em sua estrutura, mas em compensação a
criatividade e o carisma de seus artistas é o que ainda atrai o público. A contribuição das
trupes para as cidades aonde chegam é inegável: o comércio local pode suprir as demandas
dos artistas e gerar renda através de comércio e serviços em torno das lonas.
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A presença dos circenses também trouxe benefícios em parâmetros sociais. Nas últimas
décadas do século XX, o surgimento de escolas trouxe um caráter de mobilizador social, ao
investir no desenvolvimento humano, descobrindo novos talentos e disseminando
conhecimento em comunidades mais carentes.
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2.2 Novos vieses
O circo contemporâneo nasceu numa época de forte competição com a indústria do
entretenimento e as novas tecnologias, sem falar no patrulhamento à utilização dos animais
nos espetáculos, que foi diminuindo com o tempo. O circo precisava se reinventar, e foi na
exploração dos números temáticos musicais que mesclavam acrobacias, malabarismos,
equilíbrio, dança e aéreos, que o público foi atraído a um novo picadeiro, tendo como
principal nome o Cirque du Soleil, referência mundial nesta categoria.
Mas todo esse caráter dinâmico não poderia se resumir apenas ao espetáculo. O
comprovado poder de transmissão das expressões culturais ao longo dos séculos, a natureza
nômade que agregou linguagens e técnicas de várias nações, e as apresentações pautadas
pelas capacidades corporais de seus membros, faz do circo um canal de comunicação capaz
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de ultrapassar qualquer barreira linguística. Seus membros são forjados no constante
contato com a diversidade, enfatizando um potencial nato do picadeiro um canal propício à
construção social do indivíduo.
Para definir o que é o Circo Social, torna-se imprescindível tratar de sua história e
de como surgiu o termo, evidenciando que ele é entendido como o fenômeno no
qual se reúne todo o conjunto de atividades desenvolvidas por diferentes tipologias
de instituições que utilizam a arte circense como ferramenta pedagógica,
caracterizando-se pela diversidade dos projetos propostos e pelos sujeitos
atendidos. (DAL GALO, 2009)
O circo social tem origem no Brasil durante a década de 90, e cresceu graças à parceria
estabelecida entre diversas companhias e instituições nacionais e internacionais. A proposta
une os saberes do circo com a educação e a psicologia, trabalhando o aspecto lúdico, a
autoestima e os princípios básicos de cidadania e convivência entre crianças e jovens de
comunidades que possuem pouco acesso à iniciativas culturais. Graças ao surgimento, como
afima DAL GALO, de uma quantidade consistente de entidades sem fins lucrativos e foco no
social, nesta época chamada de FASFILs2 e ONGs3.
2
3
Fundações e Associações Sem Fins Lucrativos.
Organizações Não Governamentais.
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Não demorou em que houvesse a parceria entre uma dessas instituições, o SER4 e a
Intrépida Trupe5, com uma proposta de oferecer oficinas de técnicas circenses para as
crianças de rua, desse início ao “circo social”.
O efeito que tal ação provoca em seus praticantes é explicado pelo real significado da arte.
Basta acompanhar qualquer contexto social e político mundial, para ver que a arte de cada
época observou e exprimiu o seu olhar sobre diversos assuntos, utilizando variadas
linguagens e processos de criação. Ao contrário de um senso comum que a enxerga como
algo capaz de “dopar” o indivíduo com espasmos de entretenimento para amenizar a dura
realidade, a arte questiona, impulsiona o desejo, aguça o querer.
Aí reside o poder transformador do circo social, atualmente organizado em coletivos como a
Rede Circo do Mundo Brasil, criada em outubro de 2000, a partir da integração entre seis
organizações que já trabalhavam este potencial em suas rotinas: a Escola Pernambucana de
Circo, Arricirco (PE), Grupo Cultural Afro Reggae, Se Essa Rua Fosse Minha e Federação de
4
“Se Essa Rua Fosse Minha (SER), associação com proposta de ação direta de sensibilização da sociedade e do
poder público sobre a situação das crianças de rua.
5
Companhia do Rio de Janeiro que revolucionou o cenário circense.
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Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) (RJ) e Acende/Acess. Atualmente, a rede
reúne cerca de 22 instituições, pelo Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país.
A rede brasileira por sua vez é associada a Cirque du Monde, criada em 1995 a partir da
parceria entre a ONG canadense Jeunesse du Monde e o Cirque du Soleil.
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2.3 Casos significativos
Com toda diversidade artística, frente a amplitude territorial em que esses grupos atuavam e
a criatividade característica, seria desequilibrado citar alguns poucos casos. Mas os palhaços
merecem destaque, em especial os que veremos a seguir:
BENJAMIN DE OLIVEIRA: UM ÍCONE DO CIRCO BRASILEIRO
Ao assumir sua faceta nômade, o circo se firmou como uma expressão popular mutante,
capaz de tocar a ser tocada, ao se adaptar ao contexto do meio onde está inserido. Essa é a
sua arma de sobrevivência. E é justamente na batalha diária do indivíduo para exercer a sua
cidadania, que o alicerce do circo brasileiro é construído. Na grande malha de talentos
pioneiros do Brasil, um nome se destaca: Benjamin de Oliveira.
Fig. 20– Benjamim de Oliveira.
(Fonte: Disponível em <http://tchiasko.blogspot.com.br>,
acesso em 01/09/2013)
Nascido Benjamin Chaves em 11 de junho de 1870, na Fazenda dos Guardas, numa cidade
chamada Patafufo, hoje Pará de Minas, interior de Minas Gerais. Filho de Malaquias, um
caçador de escravos fugidos, e Leandra, uma escrava doméstica, Benjamin veio ao mundo
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liberto, segundo um decreto do senhor das terras onde sua família servia: as crianças
nascidas a partir daquele ano estariam livres daquela condição desumana. Um ano depois, a
Lei do Ventre Livre entraria em vigor.
Caçula de quatro irmãos, Benjamin entrou em contato com o universo dos picadeiros aos 12
anos, durante a temporada do Circo Sotero em sua cidade. Impressionado com todos
aqueles números, cores, sorrisos e aplausos, ele decidiu deixar sua terra e seguir com a
companhia. Infelizmente, ele não encontrou um cenário muito diferente daqueles que seus
pais viveram. Por conta de sua cor, tratavam-lhe da mesma forma que seus antepassados, e
após três anos, abandonou a trupe.
Mas como era curioso e atento, não saiu de mãos abanando. Levou dessa primeira
companhia duas coisas: sobrenome e números acrobáticos, obtidos com seu orientador de
picadeiro, Severino de Oliveira. E de posse daquele pouco conhecimento, foi chegando a
Fig. 21 – Benjamim de Oliveira.
(Fonte: Disponível em <http://tchiasko.blogspot.com.br>,
acesso em 01/09/2013)
outras companhias, e a cada parada, aprendia um pouquinho mais.
De acrobata ele passou a palhaço, num dia em que precisou substituir um artista de sua
equipe. E ali estava mais um passo importante dado por Benjamin, como artista e cidadão:
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Ele foi o primeiro palhaço negro que se tem registro no país, e conquistou um público que
não estava acostumado a ver pessoas de cor em números de destaque nos espetáculos. A
partir daí, ele só ascendeu, acumulando mais conhecimento e atuando como músico,
instrumentista, cantor, ator e produtor. Por isso, além de palhaço, ele é conhecido como um
dos responsáveis por ampliar o campo de ação do artista circense, agregando a produção
teatral e musical ao circo.
Além de multiartista, Benjamin contribuiu de forma política para o reconhecimento do circo
no Brasil. Durante sua temporada com o Circo do Caçamba, de propriedade do português
Manuel Gomes, no Rio de Janeiro, ele conquistou o público com seu carisma, e em especial
o então presidente Floriano Peixoto, que apreciava a arte circense.
O Rio de Janeiro tornou-se a casa de Benjamin, onde encontrou terreno fértil para abraçar
as diversas linguagens artísticas. Sem saber, acabou deixando para as novas gerações a
necessidade do artista estar pronto para dominar várias funções e talentos. Ele gravou
canções, escreveu, atuou e dirigiu peças, se fez presente na cenografia, coreografia, tendo
ingressado também na sétima arte, participando da primeira adaptação cinematográfica de "
Guarani", de José de Alencar, uma pantomima intitulada "Os Guaranis". O primeiro palhaço
negro do Brasil faleceu em três de maio de 1954.
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PALHAÇO ARRELIA: COMO VAI? MUITO BEM, BEM, BEM!
“Como vai? como vai? como vai? muito bem, muito bem, bem, bem!” Era com essa
credencial que o Brasil entrava em contato com Arrelia, nascido Waldemar Seyssel,
paranaense de Jaguariaiva, nascido no dia 31 de dezembro de 1905. Integrante de uma
família circense com origens na França, Arrelia encarou o universo dos picadeiros de forma
espontânea como grande parte dos filhos da lona.
Junto a seus irmãos, apresentou-se com números de malabarismo na cama elástica, nas
barras e no trapézio. Assim como outros palhaços ícones da história circense brasileira,
Waldemar assumiu o posto de palhaço para substituir um artista de última hora. Tal chance
veio em 1927. De início, a situação o surpreendeu, mas antes que atestasse não se sentir
preparado, seus irmãos trataram de arrumar o figurino e a maquiagem praticamente
jogando o jovem no picadeiro. A entrada foi marcada por um tropeço que arrancou
gargalhadas da platéia. Nascia ali Arrelia.
Fig. 22 – Palhaço Arrelia.
(Fonte: Disponível em
<http://clubedosentasdecatanduva.blogspot.com.br>
acesso em 01/09/2013)
O nome é uma referência ao comportamento espontâneo do menino Waldemar, que
segundo o próprio, era inquieto e gostava de “arreliar” com os outros. Sua atuação o levou a
ganhar notoriedade no meio, e em 1953 foi convidado a estrelar seu próprio programa de
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TV, intitulado “Cirquinho do Arrelia”, transmitido até 1974, primeiramente na TV Paulista, e
posteriormente na TV Record.
Arrelia faleceu em 2005, aos 99 anos, de pneumonia e falência múltipla dos órgãos. Seu
legado para os palhaços de todo o país é incomensurável, pelo próprio incorporar elementos
de diversos tipos facilmente encontrados no cotidiano. Uma de suas características era fazer
graça com o hábito das pessoas tentarem falar difícil e cometer gafes com tal ato.
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PALHAÇO PIOLIN: UMA LEMBRANÇA
Abelardo Pinto nasceu em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, em 27 de março de 1897, no
seio de uma família circense. Como integrante de tal comunidade, iniciou cedo a sua
vivência no picadeiro, dedicando-se
se à diversas atividades, como acrobacia, contorcionismo,
salto e outros.
Mas só viria a ser palhaço do Circo Americano, de propriedade de sua família, quando o
profissional titular entregou o cargo. Nascia aí o palhaço Pi
Piolim, nome que nasceu do apelido
de infância dado a Abelardo por um grupo de artistas espanhóis que, ao verem o pequeno
garoto trabalhando, o compararam a um “piolin”, ou um barbante fino, frente à grandeza de
suas responsabilidades. Outras fontes dizem q
que o apelido fazia referência às suas pernas
finas.
O auge de sua carreira se deu com o Circo Irmãos Queirolo, no início da década de 20, onde
cativou personalidades como os intelectuais da Semana de Arte Moderna e o então
presidente Washington Luiz. Fortee entusiasta da disseminação da arte circense, ele esteve à
frente de diversas ações em prol da manutenção e continuidade da linguagem circense.
Fig. 23 – Palhaço Piolim.
(Fonte: Disponível em
<http://www.iar.unicamp.br/docentes/luizmonteiro/piolim.h
http://www.iar.unicamp.br/docentes/luizmonteiro/piolim.h
tm>, acesso em 01/09/2013)
Seu maior sonho era fundar uma escola de circo, fato que não pôde concretizar em vida.
Piolin faleceu em 1976, com 73 anos de idade. Em seus últimos anos de vida, um dos mais
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respeitados palhaços brasileiros residia em um camarim de madeira, entre roupas e objetos
de seus tempos áureos. Em sua homenagem, uma escola foi fundada com seu nome em São
Paulo, em 1978.
Piolin é lembrado até hoje por seu desempenho cheio de energia e tiradas inteligentes, de
um repertório formado a partir dos costumes do cotidiano, por meio dos quais ele
apresentava um olhar crítico aos conceitos sociais da época. Ele conseguiu provocar risadas
e sintetizar o contexto de seu tempo na mesma medida.
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CAP. 2 - O CIRCO NO BRASIL - Dentro e Fora dos Picadeiros