O CORPO E A EXPERIÊNCIA DE SER PALHAÇO NO CONTEXTO HOSPITALAR Vitor Santos Serrato, Pâmella Batista de Souza, Karina Vogel da Silva, Gisele Pedroso, Eduarda Nunes de Siqueira, Gláucia Andreza Kronbauer (APOIO A INCLUSÃO-UNICENTRO/FA) Orientador: Emerson Luís Velozo - [email protected] Universidade Estadual do Centro-Oeste/Departamento de Educação Física/Irati, PR. Palavras-chave: Corpo, Palhaço, Hospital, Ludicidade. Grande Área: Saúde Área: Educação Física Resumo: O trabalho ora apresentado pretende refletir aspectos pertinentes ao corpo na construção do palhaço para atuação nos hospitais, bem como os significados que esse corpo assume frente às peculiaridades da rotina de pacientes e funcionários dessas instituições. Trata-se de um estudo bibliográfico com base nas obras de Mario Fernando Bolognesi e Alexandre Fernandes Vaz, associado a relatos de experiência vivenciados por acadêmicos dos cursos de Educação Física e Psicologia da UNICENTRO, que atuam no Hospital Santa Casa de Irati, Município de Irati, Paraná. Acredita-se que o corpo do palhaço assume uma perspectiva de liberdade frente às limitações impostas pela rotina hospitalar. Seu aspecto grotesco, o nariz vermelho, pés desproporcionais e cores vivas, contrastam com a apatia dos jalecos brancos, das paredes desbotadas e dos padrões de comportamento permitem que o paciente incorpore diferentes situações e assim perceba potencialidades que o auxiliem a superar suas limitações. Introdução Partindo do pressuposto de que estamos em constante necessidade de nos relacionar, conversar, interagir com o próximo, e são o corpo e as práticas corporais os meios que nos permitem essas relações, tem-se claro que é pelo corpo que o sujeito se torna materialidade, concretude. Nesse sentido, a figura do palhaço possui uma forma singular de interagir e se relacionar por meio do corpo, pois sua figura peculiar, seus Anais da III SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 24 a 26 de setembro de 2013, UNICENTRO, Guarapuava –PR, ISSN – 2236-7098 trejeitos e a ridicularização do cotidiano destroem as barreiras criadas por nós frente ao receio de parecermos tolos, fator que amplia as possibilidades do agir. Dessa forma, o palhaço no ambiente hospitalar permite ao paciente reinventar sua condição (MASETTI, 2003). Além disso, o palhaço tem a facilidade de se ajustar e adequar à realidade em que o paciente se encontra. Seu nariz vermelho, sua maquiagem e seu sorriso suave ou sua gargalhada perturbadora levam o paciente para outro ambiente onde aquela realidade de médicos, enfermeiros, agulhas, remédios, se tornam irrelevantes frente às potencialidades criativas de uma nova realidade. Como aponta Vaz et al (2005), no ambiente hospitalar o corpo, esse nosso meio de relação, se reduz a objeto operacional, manipulável, tratável e se torna quase que um corpo-máquina do qual algumas peças precisam ser consertadas ou substituídas. Ou seja, as rotinas hospitalares menosprezam o corpo-sujeito, e o palhaço o coloca novamente em evidência. No entanto, ainda segundo os autores supracitados, essas formas de relação não são inatas e sim aprendidas ou construídas ao longo da nossa vida. Da mesma forma o palhaço, foco deste trabalho, não pode ser caracterizado como algo estático e finalizado, pois evolui, se aprimora com o passar do tempo e com suas vivencias, e se adapta. Por isso, não basta somente escolher e se tornar um palhaço, é preciso preparação e aprendizado para saber interagir e agir com as varias realidades encontradas nas mais diversas circunstâncias da vida que constituem seu palco. Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é discorrer sobre a importância do corpo para a atuação do palhaço no ambiente hospitalar, não só para o palhaço, mas também para o paciente. Para as discussões, buscamos referências no trabalho de Bolognesi (2001), que versa sobre o palhaço, seu papel social e a importância do corpo e a contradição entre o grotesco e o sublime nos espetáculos circenses. Utilizamos ainda os trabalhos de Alexandre Fernandes Vaz et al (1999; 2005), que têm seus estudos direcionados ao corpo e tratam da educação do corpo no contexto hospitalar. Materiais e Métodos Este trabalho tem sido desenvolvido entre as atividades do projeto de extensão “O Circo em Contextos”, lotado no Departamento de Educação Física da Universidade Estadual do Centro-Oeste, campus Irati, Paraná desde 2011. Busca oferecer atividades circenses para a comunidade de Irati e da UNICENTRO. Entre suas ações, destacam-se as oficinas realizadas em escolas, as oficinas com idosos em grupos de convivência e as visitas no Hospital Santa Casa de Irati. Quanto às oficinas no hospital, em ênfase neste trabalho, ocorrem semanalmente, nos diversos ambientes. Os participantes do projeto preparam suas vestimentas e maquiagens e visitam os diversos setores do hospital. Antes de iniciar o projeto, os acadêmicos passam por oficinas de capacitação, onde vivenciam diversas técnicas circenses, além de leitura e Anais da III SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 24 a 26 de setembro de 2013, UNICENTRO, Guarapuava –PR, ISSN – 2236-7098 discussão de textos relacionados ao tema, o que permite a ação consciente. Para fins de apresentação dos resultados, as reflexões teóricas sobre o tema serão analisadas juntamente com relatos de acadêmicos participantes do projeto e coletados no ano de 2012. Resultados e Discussão Abordamos nesta reflexão duas diferentes situações nas quais fica evidente que o corpo é o centro das relações. Para o palhaço, o corpo é comunicação, é potência, é magia; para o paciente de um hospital, o corpo é objeto manipulável, é limitação, é fragilidade. “os pacientes veem no palhaço o consolo de sua tristeza, e assim depositam sobre nós muita confiança. Nesses casos de agonia, tristeza, nada melhor que umas bolinhas de sabão, uma bexiga que é cheia de muita alegria, é assim que os doutores do plantão feliz solucionam os problemas, também com um bom abraço e alguns minutinhos de atenção”. (Acadêmica 1) Vaz (1999, p. 91) afirma que “o que temos de natureza em nós, nosso corpo, também é visto como algo perigoso e ofensivo pela civilização, devendo por isso mesmo ser dominado, domesticado, apaziguado”. Em relação ao ambiente hospitalar, percebemos que em diversas situações o paciente também controla aquilo que há de natureza, a dor, o sofrimento, as lágrimas. Mas a presença do palhaço retoma a possibilidade de sentir. Quanto a essa afirmação, um relato de uma acadêmica participante do projeto explana que: “Hoje não foi um bom dia. Assim que nos viu a acompanhante começou a chorar muito, pois sua mãe havia falecido. A única coisa a fazer foi abraça-la, e percebemos que as palavras nem sempre funcionam, mas a presença do palhaço foi importante” (Acadêmica 2) Quando Vaz (1999) aborda o processo civilizador da humanidade a partir do domínio da natureza e da descrença na magia, aponta para uma relação paradoxal na qual somos hierarquicamente superiores à natureza (relação sujeito-objeto), e reconhecemos o direito de dominação sobre aquilo que é natural em nós. Neste caso, o autor afirma que “ao tornar sua própria natureza, seu corpo em objeto de domínio, o ser humano torna-se sujeito, inaugurando uma relação que lhe será própria e determinante, de domínio do segundo em relação ao primeiro” (VAZ, 1999, p. 91). Esta relação de dominação fica visível quando percebemos as rotinas hospitalares sobre um corpo sem sujeito, sobre um objeto no qual incidem procedimentos, seja ela estabelecida entre os profissionais da saúde e o paciente, ou mesmo entre o paciente e seu corpo quando ele se esforça para ignorar a dor, por exemplo. Neste sentido, a construção do palhaço e sua atuação no hospital traz a subjetivação do corpo, aquele que é o centro dos espetáculos circenses. Anais da III SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 24 a 26 de setembro de 2013, UNICENTRO, Guarapuava –PR, ISSN – 2236-7098 Esse objeto de dominação se torna novamente constituinte do ser que o pretende dominar. A matriz do circo é o corpo, ora sublime, ora grotesco. O corpo não é uma coisa, mas um organismo vivo que desafia seus próprios limites. [...] O corpo feito espetáculo deixa de lado a roupa cotidiana que o esconde para se mostrar em sua grandeza contraditória, no jogo incessante entre o sublime e o grotesco (BOLOGNESI, 2001, p. 103). Sem se preocupar com sua aparência, o palhaço quebra barreiras, desfaz as relações de poder e reconstrói a totalidade corpo-sujeito. Com essa evidência sobre o corpo-palhaço, do artista por trás do nariz vermelho exige-se a consciência do papel que desempenha. Percebo que os alunos estão se sentido responsáveis por algo, chegam cada dia mais animados e se chateiam quando, por algum motivo, não podem participar das atividades. Relatam seu trabalho para outros colegas, aprendem a aceitar o “não” e compreender o direito de escolha daqueles que não querem recebe-los, aprendem a ouvir, aprendem a se comunicar, mesmo sem palavras. (Orientadora 1) Cada quarto do hospital é um novo palco, um novo público e uma nova situação a ser incorporada, o que demanda flexibilidade, concentração e abertura. Segundo Bolognesi (2001), o palhaço domina diversas situações além do texto dramatúrgico. Sua atuação depende do conhecimento de suas capacidades corporais e do reconhecimento do ambiente, do estado de atenção e das características de seu público. Ou seja, o corpo do palhaço precisa estar pronto para as mais diversas situações, como relata uma das acadêmicas participantes do projeto: “o palhaço precisa da capacidade de afetar e ser afetado. Ele não pode ter vergonha de expor-se ao ridículo, e também para aprender a ser palhaço não adianta procurar, pois não tem um manual, apenas entre no ritmo e deixe rolar que você vai aprender se contagiando com a magia da alegria.” (Acadêmica 2) Considerações Finais A atuação do palhaço no hospital propicia aos pacientes uma diferente visão da sua realidade; a alegria e os sorrisos tomam o lugar daqueles sentimentos de isolamento, tristeza, dor. Sua atuação está centrada no corpo, aquele corpo grotesco, desengonçado que diverte e, ao mesmo tempo, subverte. Além de ser ele próprio um agente de liberdade e transformação da realidade, traz consigo a magia do circo, espetáculo no qual o trapezista voa, o equilibrista não cai, as feras selvagens são mansas, o impossível se concretiza. Nesse sentido, o paciente reconstrói sua Anais da III SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 24 a 26 de setembro de 2013, UNICENTRO, Guarapuava –PR, ISSN – 2236-7098 totalidade corpo-sujeito e reconhece sua condição a partir potencialidades, e não das limitações, criando novos modos de vida. das Referências BOLOGNESI, M. F. O corpo como Princípio. Trans/Form/Ação, 24: 101112, 2001. MASETTI, M. Boas Misturas: a ética da alegria no contexto hospitalar. São Paulo: Palas Athenas, 2003. VAZ, A. F. Treinar o corpo, dominar a natureza: notas para uma análise do esporte com base no treinamento corporal. Caderno Cedes, ano XIX, 48: 89-108, 1999. VAZ A. F.; VIEIRA, C. L. N.; GONÇALVES, M. C. Educação do corpo e seus limites: possibilidades para a Educação Física na classe hospitalar. Movimento, 11(1): 71-87, 2005. Anais da III SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 24 a 26 de setembro de 2013, UNICENTRO, Guarapuava –PR, ISSN – 2236-7098