PAIS E PROFISSIONAIS - UMA RELAÇÃO ESPECIAL
Mina Regen*
Maria Lúcia Sica Cortez**
O que temos verificado em nossa prática é que a maioria dos profissionais
de formação superior, em função de sua formação acadêmica, tende a ter
uma visão de atuação mais individualista, baseada em modelo clínico, que
privilegia a especialização, o saber compartimentado, a tecnificação das
ações.
Ao se depararem com a prática, normalmente encontram dificuldades para
trabalhar em equipe, para compartilhar seus conhecimentos, mesmo com
profissionais de seu nível. O mais grave é não perceberem a importância
dos professores, instrutores e auxiliares como elementos de grande
importância da equipe e sem os quais se tornaria impossível a execução
dos programas.
É de suma importância que a troca de conhecimentos entre os técnicos das
várias especialidades e níveis seja intensa e ocorra de forma sistemática e
contínua, e que a confiança, a ética e o respeito mútuo permeiem essa
relação.
De acordo com Falkenbach, "todos os indivíduos têm algo a ensinar. Todos
nós, indivíduos ou grupos, temos um certo conhecimento. O saber não é
coisa de estudados, não está só nos livros. O próprio enfrentamento com os
problemas da vida nos dá conhecimento, nos transmite saber."
Da união desses dois saberes poderá surgir um novo conhecimento que,
tendo por base a realidade, permitirá a formulação de técnicas e práticas
mais adequadas.
A relação profissionais x famílias
Nessa relação, um aspecto importante a ser observado é o cuidado para
que o atendimento à família não se revista de um cunho assistencialista e
paternalista, tornando-a dependente do profissional e tratando seus
membros como receptores de "benesses", ao invés de tratá-los como
cidadãos, com direitos e deveres.
Um grave problema que vemos ocorrer é que as Instituições, ao matricular a
criança, não deixam claro aos pais sua função de co-responsabilidade no
processo educacional de seu filho, observando-se posteriormente a queixa
dos profissionais quanto a falta de interesse e envolvimento da família. Por
outro lado, também observamos que quando os pais apresentam alguma
crítica ou sugestão, nem sempre essa atitude é sentida pelos profissionais
como algo positivo, que possa fazê-los parar e refletir sobre a sua atuação,
no sentido de crescer como profissionais e como ser humano.
Segundo Gabriela Mader, pode-se observar conflitos sutis ou abertos entre
pais e profissionais.
No que diz respeito às diferenças na motivação:
•
Os pais são obrigados a se confrontarem com a deficiência,
enquanto os profissionais querem/escolhem se confrontar com ela.
•
Os pais sentem-se socialmente desvalorizados e são marginalizados
pela sociedade, enquanto que os profissionais recebem uma
valorização social acima do normal.
Quanto às diferenças de experiência:
•
Para os pais ocorre uma diminuição de contatos pessoais, sua
formação e prática profissional bem como seus interesses são
prejudicados, enquanto que os profissionais desfrutam de uma
excelente chance de auto-realização e contatos sociais gratificantes.
•
Os pais se sentem inseguros e incapazes, têm que aceitar a
orientação dos profissionais, mesmo quando imposta, deixando-se
manipular. Os profissionais se consideram os donos do saber,
colocam-se como os únicos competentes para orientar os pais,
impondo suas recomendações técnicas, sem discutir alternativas.
•
A família sofre um desgaste com a convivência diária com esse filho
diferente e luta contra o medo do fracasso e do isolamento e muitas
vezes as cobranças dos profissionais os sobrecarregam ainda mais,
motivo pelo qual apresentam, às vezes, alguma atitude hostil. Já por
parte dos profissionais, há uma expectativa de que os pais se
envolvam e ficam decepcionados quando isto não ocorre, surgindo
atitudes de hostilidade quando os pais não atendem às suas
recomendações.
•
Os pais devem fornecer informações sobre sua intimidade familiar ao
profissional, tornando-se os interrogados. Os profissionais, para
analisar a situação da família e estabelecer um plano de trabalho,
assumem o papel do interrogador.
•
Os pais apresentam sentimentos de culpa quando não conseguem
dar conta de todas as recomendações. Os profissionais, quando
descobrem falhas na avaliação da evolução da criança, sempre as
reputam aos pais, e não ao seu planejamento, com isso aumentando
ainda mais os seus sentimentos de culpa.
As principais expectativas recíprocas
Os pais esperam:
Os profissionais exigem:
compreensão, aceitação
aceitação de sua
consolação
compreensão
consolação
compreensão
interesse no programa
terapêutico
incentivo
descarregar sentimentos
de culpa
informações corretas
esperança
cooperação
pessoas continentes
persistência na terapia
cooperação em relação
aos objetivos
pessoas que escutem
dividir
responsabilidade
a
É de extrema importância que o profissional, ao trabalhar com famílias,
adote uma postura sócio-educativa, de trocas, numa relação horizontal,
tendo sempre em mente que:
•
A realidade social e a dinâmica familiar requer que o profissional
respeite a individualidade de cada família, procurando não fazer
julgamentos de valor.
•
A dimensão técnica não autoriza a tomada de decisões ou escolha
de condutas: isto cabe à família.
•
Os conhecimentos científicos ou os valores moralistas não podem
servir de pretexto para o julgamento das famílias, mas de base para
ações sócio-educativas.
•
A cultura da tutela e as atitudes paternalistas fortalecem a exclusão
das famílias.
•
A democratização das informações, o saber ouvir, a divulgação dos
critérios de atendimento, o esclarecimento quanto ao papel dos pais
neste processo são atitudes necessárias e éticas.
É preciso que o profissional utilize uma linguagem clara, criando atmosfera
aberta e informal que permita aos pais sentirem-se à vontade para se
colocar, fazer perguntas, esclarecer dúvidas. Nesse diálogo de discussão
de alternativas com a família, estará contribuindo para desenvolver
mecanismos de reflexão e assumindo um papel mais de ajudá-la a refletir
do que pensar por ela, mais de questionar do que de discursar, mais de
assessorar do que de decidir, contribuindo assim para o seu
desenvolvimento como um ser no mundo.
Como mediador, é importante que o profissional se questione sempre: "É
esse o mundo que quero para os portadores de deficiência e suas famílias?
É possível criar, reinventar, enriquecer o meio ambiente, os modos de vida,
a sensibilidade, possibilitando assim alguma transformação em suas vidas?"
Concluindo, podemos afirmar que somente a parceria entre pais e
profissionais poderá assegurar a inclusão dos portadores de deficiências em
nossa sociedade, de acordo com a Declaração de Manágua:
"Queremos uma sociedade baseada na igualdade, na justiça, na
equiparação e na interdependência, que assegure uma melhor qualidade de
vida para todos, sem discriminação de nenhum tipo, que reconheça e aceite
a diversidade como fundamento para a convivência social. Uma sociedade
onde o primeiro seja a condição de pessoa, de todos os seus integrantes,
que garanta sua dignidade, seus direitos humanos, sua autodeterminação,
sua contribuição à vida comunitária e seu pleno acesso aos bens sociais".
Sobre as autoras:
*Assistente social, consultora da SORRI-BRASIL e supervisora técnica da
creche inclusiva do NAIA.
**Assistente social da Associação Carpe Diem e consultora da SORRIBRASIL
BIBLIOGRAFIA:
BUSCAGLIA, L. Os Deficientes e seus Pais: Um desafio ao
aconselhamento. Record, Rio de Janeiro, 1993
FENAPAEs. Família e Profissionais: rumo à parceria - Manual para
Profissionais - Brasília, 1997
MADER, G. A Participação dos Pais na Reabilitação da Pessoa Portadora
de Deficiência - Palestra na Reunião do Conselho de Administração da
FENAPAEs, Brasília, abril/1996
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