Grupo de Estudos
sobre o Aborto
Anencefalia:
Debate MédicoJurídico
2010
APRESENTAÇÃO
No Brasil o aborto é um grave problema de saúde pública por sua magnitude, ao redor de 1 milhão de
abortos anuais, sendo ainda uma das principais causas de morbi-mortalidade materna.
Motivados por esta triste realidade das mulheres brasileiras, constituiu-se o Grupo de Estudos sobre
o Aborto – GEA, espaço democrático e multidisciplinar de estudos, debates e discussões sobre este
fenômeno bio-psicossocial. O GEA é composto por representações de diversos setores da sociedade
civil organizada, dentre elas, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, a Federação
Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia – FEBRASGO, a Ações Afirmativas em Direitos
e Saúde – AADS | Ipas Brasil, a Associação de Juízes para a Democracia – AJD, a Rede Feminista de
Saúde, além de pesquisadores, cientistas sociais, e estudiosos do assunto em diversas áreas do conhecimento.
Muitas foram as atividades desenvolvidas pelo GEA com o intuito de ampliar o debate e contribuir com as
melhores evidências científicas, sociais e de direitos humanos envolvidas na questão do aborto.
Com o debate implantado na sociedade e no Supremo Tribunal Federal (STF) que avaliará a antecipação
terapêutica do parto de fetos anencéfalos, conforme Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental
nº 54 (ADPF-54) apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, o GEA conduziu uma série de Seminários e elaborou documento técnico como subsídio técnico a discussão.
As principais vítimas deste debate são os casais que, diante de um diagnóstico tão funesto, se vêem
completamente desamparados quando descobrem não haver em nossa lei um permissivo legal para a interrupção de uma gravidez de feto com malformação irreversível e incompatível com a vida extra-uterina.
Outro grupo diretamente envolvido na questão são os médicos tocoginecologistas. Em pesquisa realizada em 2005 pela FEBRASGO, em parceria com o Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de
Campinas (Cemicamp), 90% dos tocoginecologistas afirmam apoiar a medida que permite a interrupção
da gravidez em casos de feto anencéfalos, se for esta a vontade da mulher.
Com o objetivo de contribuir para a garantia dos direitos de mulheres e casais para uma tomada de de2
cisão autônoma e orientada, o GEA se reuniu e promoveu encontros multidisciplinares para atualizar evidências
científicas e qualificar, através de argumentos científicos, o debate. O documento aqui apresentado resume as
atividades, os seminários, e as principais questões discutidas durante o ano de 2010, em torno das quais acreditamos nortear a questão, não como ação humanitária, mas sim na garantia dos direitos de cidadania.
Thomaz Rafael Gollop
Professor Adjunto de Ginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí,
Representante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
Nilson Roberto de Melo
Presidente da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO)
Leila Adesse
Diretora da Ações Afirmativas em Direitos e Saúde | Ipas Brasil (AADS | Ipas Brasil)
José Henrique Torres
Juiz de direito, professor de Direito Penal da PUC-CAMPINAS,
Representante da Associação de Juízes para a Democracia (AJD)
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SUMÁRIO
Apresentação....................................................................................................................................................... 2
O que é Grupo de Estudos sobre o Aborto.......................................................................................................... 5
Contexto Histórico................................................................................................................................................ 5
Os Seminários...................................................................................................................................................... 7
I Seminário sobre anencefalia
Discussões que levaram ao evento......................................................................................................... 8
Participações e conteúdo......................................................................................................................... 8
Resultados............................................................................................................................................... 12
Fórum Médico-Jurídico sobre Anencefalia no Conselho Federal de Medicina
Discussões que levaram ao evento......................................................................................................... 13
Participações e conteúdo......................................................................................................................... 13
Resultados............................................................................................................................................... 14
Pelo fim da violência contra os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres
Participações e conteúdo......................................................................................................................... 15
Fornecendo argumentos para o STF .................................................................................................................. 16
O GEA na mídia.................................................................................................................................................... 21
Quem faz parte do GEA....................................................................................................................................... 33
Notas Bibliográficas.............................................................................................................................................. 33
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O QUE É O GRUPO DE ESTUDOS SOBRE O ABORTO
O Grupo de Estudos Sobre o Aborto (GEA) é uma entidade multidisciplinar criada em junho de 2007,
que reúne médicos, juristas, antropólogos, psicólogos, biólogos e representantes de movimentos de mulheres. O GEA não é uma organização não-governamental e não tem verbas próprias. Conta com o apoio
do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e seu foco é capilarizar a
discussão do tema do aborto sob o prisma da Saúde Pública e retirá-lo da esfera do crime.
CONTEXTO HISTÓRICO
No segundo semestre de 2007, médicos e integrantes de ONGs passaram a discutir informalmente os
Direitos Sexuais e Reprodutivos no Brasil, bem como a trocar informações sobre o tema com especialistas de diferentes áreas do conhecimento. A primeira reunião do GEA aconteceu na sede do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), onde o grupo foi recebido pelo Desembargador Alberto Silva
Franco.
Nos primeiros encontros foram discutidos temas como Direito e Aborto, Antropologia e Aborto, Violência
Sexual, Aspectos Demográficos e Anencefalia.
Do ponto de vista da opinião pública, um momento importante para a discussão do aborto aconteceu
em setembro de 2008, quando o Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, destacou a necessidade
de deslocar a questão do terreno do crime para o da saúde pública, declarando em audiência pública
no Supremo Tribunal Federal, ser favorável à descriminalização do aborto, em particular, em caso de
anencefalia fetal.
Impulsionado pela declaração do ministro, o GEA se viu diante do desafio político de produzir espaços
de diálogos, matérias para a imprensa, debates institucionais, artigos para as mais diversas sociedades
profissionais e acadêmicas.
Foram cerca de seis meses dedicados ao aprendizado até que, no segundo semestre de 2008, os integrantes do GEA viram intensificar a discussão da ADPF 54 (Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental) sobre anencefalia que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).
Além de duas instâncias ministeriais – Ministério da Saúde e Secretaria de Políticas para as Mulheres – o
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Grupo contou com o apoio da diretoria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, integrantes
das Comissões Cientificas da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e da Associação
de Juízes para a Democracia (AJD). As reuniões do GEA passaram a ser realizadas na sede da SBPC e o tema
aborto foi inserido nas reuniões anuais da instituição. O Jornal da Ciência deu cobertura aos temas que surgiram e
estavam relacionados à questão da interrupção da gravidez, como a visita do Papa ao Brasil e a discussão sobre
a laicidade do Estado.
Vários integrantes do GEA foram ouvidos nas Audiências Públicas no STF em agosto e setembro de 2008. Dessa
forma, o Grupo constitui-se em um laboratório de provas para as exposições que viriam a ser feitas.
O posicionamento dos membros do GEA foram objetivos e bem formulados, a partir das reuniões regulares do
Grupo. Uma dessas colocações nas audiências, a do professor Thomaz Gollop, ressaltou que o diagnóstico da
anencefalia é 100% seguro através de ultra-sonografia realizada por volta da 11ª semana de gravidez e que o
Sistema Único de Saúde está perfeitamente aparelhado para realizar este tipo de exame.
O desembargador Alberto Silva Franco fez várias considerações médicas, bioéticas, jurídicas e jurídico-penais
e destacou, entre suas conclusões, que: “- o anencéfalo constitui um projeto embriológico falido, não sendo um
processo de vida, mas um processo de morte; destarte, não há como considerá-lo tecnicamente vivo, pois é
ele carente de toda capacidade biológica para a concretização de uma vida humana viável; - a anencefalia, sob
o prisma médico, provoca no processo de gravidez riscos de caráter físico e social, e sobretudo transtornos de
natureza psíquica à mulher gestante; - a mãe gestante de anencéfalo tem o direito de optar pela manutenção ou
não do processo de gravidez e, ao decidir pela interrupção da gravidez ou pela antecipação do parto, não ofende
nenhum dos quatro princípios que sedimentam a Bioética: autonomia, justiça, beneficência e não- maleficência.”
Ainda segundo o desembargador Alberto Silva Franco, “não há como confundir questões morais não há como
confundir questões morais ou religiosas com questionamentos jurídicos; não cabe, num Estado laico, dentro de
uma sociedade pluralista, o entendimento de que a opção da mulher, portadora de anencéfalo, pela interrupção da
gravidez ou pela antecipação do parto, deva ficar subordinada a considerações morais ou a dogmas religiosos.”
Posteriormente, uma das reuniões do GEA foi realizada no Rio de Janeiro, a partir da sugestão de um deslocamento do grupo para os estados para construir e fortalecer a rede de apoio. Foi uma experiência bem-sucedida
para os integrantes do Grupo se inteirarem das realidades locais.
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Ainda no segundo semestre de 2008, integrantes do GEA passaram a ter participação em diversos programas de Rádio e TV. Essas inserções foram importantes para que a opinião pública fosse esclarecida
sobre a questão do feto anencefálico e morte cerebral.
No final de 2008, a convite de Jaqueline Pitanguy, da ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e
Ação (CEPIA), o GEA participou de um debate na Casa Brasil que resultou em uma publicação de quatro
páginas no Jornal do Brasil e uma página na Gazeta Mercantil.
Mais recentemente, com o caso da menina de 9 anos grávida de gêmeos e que era sistematicamente
violentada pelo padrasto em Alagoinha, Pernambuco os integrantes do GEA, participaram de debates
realizados em rádio, TV, jornais e revistas. Além disso, o GEA se manifestou através de cartas publicadas
em veículos como Revista Veja, Folha de S. Paulo, Revista IstoÉ e de uma extensa matéria sobre aborto
na Revista Brasileiros.
A reunião do GEA de 4 de abril de 2009 no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros, em Recife,
teve como função ser um ato de solidariedade com a equipe local, tendo em vista o caso da menina de
Alagoinha. Além disso, eram objetivos agrupar outros serviços da Paraíba e da Bahia, uma vez que em
Salvador houve um outro caso semelhante ao de Pernambuco com uma menina de 13 anos que engravidou do pai; e estudar as dificuldades locais nos Serviços de Aborto Legal e formas de enfrentá-las.
OS SEMINÁRIOS
Um dos objetivos do GEA é difundir na sociedade a situação vivida por mulheres e casais quanto a gravidez de feto anencefálico e suas repercussões bio-psíquica e social. Dessa forma, o Grupo produz novos
materiais e estimula a difusão de informação e dados de pesquisas através de entrevistas e matérias nos
veículos de comunicação do Brasil e no mundo e realiza seminários, colóquios e encontros com mais
parceiros nessa iniciativa. Entre esses eventos, destacam-se o I Seminário sobre Anencefalia, o Fórum
Médico-Jurídico sobre Anencefalia no Conselho Federal de Medicina e o seminário Pelo fim da violência
contra os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, realizados ao longo de 2010. O I Seminário sobre
Anencefalia e o seminário Pelo fim da violência contra os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres –
impulsionados pelo caso ocorrido em Alagoinha – tiveram como resultado a criação da subsede do GEA
na região Nordeste. Para o ano de 2011, o mesmo modelo deve ser levado à região Norte.
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SEMINÁRIO SOBRE ANENCEFALIA
I Seminário sobre Anencefalia - 27 de maio de 2010
Discussões que levaram ao evento
Ao realizar o I Seminário sobre Anencefalia, em 27 de maio de 2010, o objetivo do GEA era estabelecer uma ponte
sólida entre os profissionais da área da saúde e do direito – um intercâmbio entre a área jurídica e a medicina
no âmbito da anencefalia e do aborto – e levar a discussão do tema entre a mídia e a sociedade civil. Para isso,
o grupo contou com o apoio do presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, e do presidente do
Conselho Federal de Medicina, Roberto D´Avila.
Um dos temas discutidos no seminário era o caso do Rio Grande do Norte, onde, em abril de 2010, uma mulher
pediu autorização legal para o aborto, dado que era uma gestação com má formação fetal, e não conseguiu a interrupção da gravidez. O pedido foi feito via Ministério Público do Rio Grande do Norte. A gestante faleceu durante
o parto, realizado na Maternidade Januário Cicco, vinculada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Participações e conteúdo
Este seminário foi realizado por ocasião do Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher, no auditório do Conselho Federal da Ordem dos Advogados em Brasília. O evento contou com o apoio das seguintes institui-ções:
Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas das Mulheres, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência,
Ipas Brasil, Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, Conselho Federal de Medicina,
Associação Médica Brasileira, Associação de Juízes para a Democracia, ANIS, CEPIA, Católicas pelo Direito de
Decidir e Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos.
A abertura do seminário foi realizada pela Ministra Nilcéa Freire, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, que
ressaltou a necessidade de uma atualização da legislação brasileira em questões relativas à interrupção legal de
gravidez em caso de mal formações incompatíveis com a vida. “É preciso entender que o Código Penal de 1940
previu razões para interrupção da gravidez num momento em que o diagnóstico intrauterino precoce era muito
rudimentar” . Nilcéa afirmou que no Brasil o Legislativo é muito conservador, mas fez referência à campanha
realizada pelo Conselho Nacional da Condição Feminina para esclarecer a população.
Na sequência, o seminário contou com as exposições do médico Avelar Holanda Barbosa, do coordenador do
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GEA, Thomaz Gollop, da diretora de Ipas Brasil, Leila Adesse, do juiz José Henrique Torres, do representante
do Conselho Nacional da OAB, Miguel Cançado, do presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto Luiz
D’Avila, do assessor especial do Ministério da Saúde Adson França, da pesquisadora Débora Diniz, da ANIS, da
representante do Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz, Kátia Silveira da Silva,
Avelar Holanda Barbosa, obstetra que chefiou a maternidade do Hospital Regional Asa Sul, em Brasília, apresentou dados históricos do diagnóstico de anencefalia e frisou que a lei que caracteriza como crime o aborto no caso
de fetos anencéfalos é de 1940, época na qual o diagnóstico ultrassonográfico da anencefalia não era possível.
Atualmente, com as novas tecnologias, o diagnóstico de anencefalia e defeitos do fechamento do tubo neural
pode ser realizado com 100% de sensibilidade e especificidade. “Não há falsos positivos nem falsos negativos”,
pontuou.
O geneticista Thomaz Gollop reforçou a certeza diagnóstica da anencefalia. Sua linha argumentativa favorável
ao direito de escolha da mulher em manter a gravidez ou antecipar o parto, como está proposto na ADPF 54, se
baseou em três pontos. O primeiro no âmbito do Direito, pontuando que em um Estado democrático e laico não
se admite a imposição de valores morais, éticos ou religiosos da maioria sobre uma eventual minoria. “Como dizia
Aristóleles, ‘Direito é atribuir a cada um o que é seu’”, disse. O segundo ponto foi o conceito de morte encefálica
definida pelo Conselho Federal de Medicina, que estabelece que o anencéfalo é um natimorto cerebral. O último
ponto apresentado por Gollop tratou dos riscos causados pela manutenção da gravidez de um feto anencéfalo,
como polihidrâmnio, gravidez prolongada e vícios de apresentação, descolamento prematuro de placenta, distocia biacromial, amniorrexe prematura, retenção placentária e atonia uterina.
Thomaz Gollop afirmou que há um caso da doença em cada 1,5 mil nascidos vivos, o que torna a anencefalia a
segunda má-formação mais comum no país. Segundo Gollop, o Supremo Tribunal Federal precisa entender que
obrigar uma mulher a manter uma gestação nessas condições é tortura. Ele explicou que a ação não vai obrigar
o aborto, mas facilitar o procedimento. “Hoje, quando a mãe decide antecipar ou interromper a gravidez de um anencéfalo, precisa recorrer à Justiça para obter a autorização. Sou a favor de que elas possam decidir de maneira
autônoma. Além de ser uma notícia triste para os pais, a gravidez tem riscos para a saúde da mulher.”
Os riscos também foram destacados pela médica Leila Adesse, diretora de Ipas Brasil, ONG que promove os
direitos reprodutivos das mulheres. Segundo ela, os problemas são tanto físicos quanto mentais. “Entre eles,
hemorragia e hipertensão. Além disso, imagina a cabeça de uma mulher que, de antemão, sabe que vai gerar um
filho que vai nascer morto ou morrer instantes depois. É chocante”, disse Leila, que destacou ainda que, espe9
rando a decisão da Justiça, as mulheres estendem o prazo da gravidez, o que aumenta ainda mais o risco. Além
disso, o aborto após 20 semanas de gestação não é recomendado.
Já o Juiz José Henrique Torres, da Associação de Juízes para a Democracia, enfatizou o caráter não criminal do
aborto em um anencéfalo por incoerência semiológica. “Aborto, no conceito jurídico penal, quer dizer ‘interrupção
dolosa do processo gestacional antes de seu termo final com ocisão do feto’”, disse Torres. O juiz esclareceu
que, de acordo com a definição de anencefalia preconizada pela Organização Mundial de Saúde e pelo Conselho
Federal de Medicina, o anencéfalo é um natimorto cerebral. “A ocisão de algo pré determina que esse algo esteja
vivo, portanto, não se pode “ocisar” um feto anencéfalo. Não constitui crime a interrupção da gravidez nestes
casos”, concluiu.
Outra linha de defesa foi o compromisso assumido pelo Brasil, no âmbito das Relações Internacionais, através
da adesão a tratados de Direitos Humanos que versam sobre Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, como a
Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento do Cairo em 1994, Declaração e Programa de
Viena, que versa sobre o direito de igualdade, tolerância e dignidade da mulher de 2006, e o Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em que os Estados assumem a obrigação de criar condições
que assegurem a todos assistência médica plena. Esses tratados recomendam que os Estados devem reavaliar
suas legislações em relação aos direitos sexuais e reprodutivos. Apesar de o Brasil ser signatário destes tratados,
ainda há um longo caminho a percorrer até que suas diretrizes estejam acessíveis à nossa população.
Uma outra questão tratada por Torres é a inexigibilidade de conduta diversa nas gestações acompanhadas de
fetos anencefálicos. Isto significa que não se pode exigir que a mulher seja obrigada a manter estas gravidezes,
pois isto significa tortura.
O representante do Conselho Nacional da OAB, Miguel Cançado, representou o presidente da instituição, Ophir
Cavalcante, e reafirmou a decisão de 27 seccionais da OAB quanto ao tema que foram, em sua maioria, favoráveis à interrupção da gravidez. Segundo ele, “a Casa tem como objetivo resguardar a dignidade humana”.
Outro participante do Seminário, Roberto Luiz D’Avila, Presidente do Conselho Federal de Medicina, lembrou aos
presentes que participou da audiência publica no ano de 2008 e considera que devemos debater não somente
a anencefalia como também outras mal formações. Ele enfatizou ser fundamental a relação dos profissionais da
saúde com os juízes para evitar aquilo que tem se tornado uma prática que é a judicialização excessiva de nossas
atividades. D’Ávila considerou que a questão da anencefalia nos remete à discussão de 1997 sobre os protocolos
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para transplantes de órgãos, quando foi necessária a definição tecno-científica e jurídica relativas à morte cerebral. Advertiu que em muitas situações corre-se o risco de os MP federal e estaduais “tornarem-se os donos da
Vida alheia”. Destacou ainda três pontos para reflexão:
- situações que poderiam ser expostas na Corte Interamericana como foi feito no caso da Maria da Penha que
deu nome á lei;
- considerar qual o posicionamento do Conselho Federal de Medicina em relação aos médicos que se recusaram
a atender;
- esclarecer aos Ministros do STF que o SUS já presta atendimento aos casos de anencefalia.
O ministro José Gomes Temporão foi substituído por seu assessor especial Adson França, que informou que o
sistema de saúde brasileiro tem todas as condições necessárias para realizar um pré-natal e diagnosticar precocemente possíveis problemas na gestação. “Hoje, 96% das mulheres realizam pré-natal. Com isso, a gestante
consegue ter um exame confiável e, caso diagnosticada a anencefalia, um período coerente para tomar a sua
decisão, se aborta ou não. Não é possível falar em vida sem falar em direitos”, afirmou.
Na segunda parte, o seminário teve uma mesa sobre Saúde das Mulheres e Anencefalia, que contou com a
participação de Débora Diniz, da ANIS. Ela falou sobre a pesquisa realizada a partir de 58 mulheres que tiveram
diagnóstico de feto anencefálico, apresentando, dentre estas, a situação do casal Michele e Ailton, e acentuando
que “só quem passa é que sabe a dor deste diagnóstico“. Dinis também ressaltou a importância do direito de
escolha ser respeitado pelos profissionais que prestam atendimento, seja no setor saúde ou no jurídico.
A representante do Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz, Kátia Silveira da Silva, ressaltou a experiência do Rio
de Janeiro como serviço de referência dentro da Medicina Fetal. Processos ágeis e de coesão na dinâmica de
realização dos exames e flexibilidade para os casos de interrupção da gravidez foram considerados. Para ela,
ainda existe uma grande desinformação da sociedade, de professores e universitários sobre o tema.
O país tem hoje mais de 5 mil sentenças favoráveis a mulheres que recorreram à interrupção da gravidez uma vez
detectada a anencefalia. Um número positivo segundo ancoordenadora do grupo Cidadania, Estudo, Pesquisa,
Informação e Ação (CEPIA), Jaqueline Pitanguy. Porém, ela defendeu que essa estatística não deve aumentar,
mas, sim, a lei deveria terminar. “A legislação obriga a manter a gravidez até os 9 meses, mesmo sabendo que
não está sendo gerada uma vida. Eu defendo o direito de escolha, que é liberada em vários países”, afirmou.
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O seminário teve um momento de profunda reflexão da platéia, quando trouxe o depoimento do casal Michele e
Ailton, de Recife, que viveu uma gravidez acompanhada de anencefalia e pôde antecipar o parto durante a vigência da liminar concedida em 2004 pelo Ministro Marco Aurélio Mello. Depois desta gestação, eles tiveram dois
filhos normais. “É um sofrimento que eu não desejo a ninguém. E não vejo motivo para estender esse sentimento.
Nós, mães, temos que ter o direito de decisão e não ficar nas mãos da Justiça. Ainda mais nesse caso, que a
gente sabe que o bebê não vai viver”, disse Michele.
Resultados
Durante o seminário foi lançada uma força-tarefa para obtenção de abaixo-assinado com mais de um milhão de
assinaturas, por meio da internet e em parceria com as entidades identificadas com o propósito do GEA de ver
aprovada a ADPF no STF. O Presidente do Conselho Federal de Medicina sugeriu a realização de um Fórum
Médico-Jurídico sobre Anencefalia no segundo semestre de 2010.
Também foi lançado o livro Rumos para Cairo + 20, que trata dos compromissos do governo brasileiro com a
plataforma da conferência internacional sobre população e desenvolvimento. Em seu pronunciamento, a ministra
Nilcéa Freire falou da importância destes 15 anos da conferência de Cairo, da qual o Brasil é signatário. O livro
aborda os resultados das decisões e recomendações aprovadas.
Adson França e Nilcéa Freire lançaram na
ocasião do Seminário sobre Anencefalia o livro
“Rumos para o Cairo +20”
Representantes de diversas organizações
como Ipas Brasil e Cepia, bem como Nilcéa
Freire e Adson França participam do Seminário
sobre Anencefalia em Brasília
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FÓRUM MÉDICO-JURÍDICO SOBRE ANENCEFALIA
NO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
Fórum Médico-Jurídico sobre Anencefalia - 24 de setembro de 2010
Discussões que levaram ao evento
O Fórum Médico-Jurídico sobre Anencefalia foi uma demanda advinda do I Seminário sobre Anencefalia realizado
no Conselho Federal da Ordem dos Advogados em Brasília. Foi o presidente do Conselho Federal de Medicina,
Roberto Luiz D’Avila, quem sugeriu a realização do evento no CFM, que teve como objetivo difundir a discussão
da anencefalia no âmbito jurídico, das escolas de medicina e da sociedade em geral.
Participações e conteúdo
O Fórum Médico-Jurídico sobre Anencefalia foi realizado no dia 24 de setembro de 2010, na sede do Conselho
Federal de Medicina, em Brasília.
O foco do evento foi a discussão de estratégias para a sensibilização dos Ministros do Supremo Tribunal Federal
em relação à ADPF 54, que, se votada favoravelmente, permitirá às mulheres decidirem livremente se desejam
manter a gravidez ou antecipar o parto de gestações acompanhadas de anencefalia.
A primeira mesa-redonda teve como tema “Assistência atual e futura às mulheres com feto anencéfalo”. O promotor do Distrito Federal Diaulas Ribeiro falou sobre a “Experiência de Brasília”; “CREMESP e Anencefalia” foi o
título da palestra do presidente do CREMESP, Luiz Alberto Bacheschi; e a representante da área técnica da saúde
da mulher do Ministério da Saúde, Liliane Ribeiro, tratou da “Sugestão de Protocolo de Assistência”.
A mesa seguinte teve como tema “Ciências Sociais e Ética” e contou com as participações de Daniela Pedroso,
do Hospital Pérola Byington – “Aspectos Psicológicos”; Télia Negrão, da Rede Feminista de Saúde – “Posicionamento do Movimento de Mulheres e ADPF”; e Maíra Fernandes, da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/
RJ – “Ética e Bioética na Anencefalia”.
O Fórum foi concluído com uma discussão em torno do tema “O Olhar Institucional sobre a Anencefalia”. Participaram dela o advogado Thiago Magalhães, mestrando em Direito Público na UERJ, com uma palestra sobre a ADPF
54; Elisabeth Saar, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, com “Olhar de Gênero sobre a Anencefalia”; e
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Lena Peres, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que falou sobre “Direitos Humanos
e Anencefalia”.
O Fórum contou com a presença de membros do Ministério da Saúde, Ministério da Justiça, Secretaria de Políticas para as Mulheres, Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, Conselho Nacional dos
Direitos das Mulheres, Universidade Estadual de Campinas, Universidade Federal de São Paulo, FEBRASGO,
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Rede Feminista de Saúde, Comissão de Bioética, Biotecnologia e Biodireito da OAB/DF, Associação Médica Brasileira, Hospital Pérola Byington, CRMAP, Comissão
de Bioética e Biodireito do Rio de Janeiro, Associação dos Magistrados Brasileiros, CRMSE, CRMSC, Sociedade
de Ginecologia da Bahia, Sociedade de Ginecologia da Paraíba, Luis Roberto Barroso Advogados, Sociedade de
Direitos Humanos do Paraná e Instituto Fernandes Figueira/FIOCRUZ.
Além disso, o evento contou com a participação de representantes de Campinas, Pernambuco, Pará, Goiás,
Paraíba, Paraná, Piauí, Pernambuco, Alagoas, Brasília, Amapá, Roraima, Rondônia, Rio Grande do Sul, Sergipe,
Santa Catarina, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo.
Resultados
Entre as conclusões do Fórum Médico-Jurídico sobre Anencefalia destacam-se:
- ficou patente que o diagnóstico de certeza através de ultrassonografia é 100% seguro, que 50% destes fetos
morrem antes do parto e a sobrevida destes fetos acima de 24 a 48 horas é praticamente impossível;
- que a utilização destes recém-natos como doadores de órgãos não é efetiva e, pelo contrário, estudos demonstram que os transplantes realizados não tiveram sucesso;
- a continuidade da gestação leva progressivamente a maiores riscos gravídicos, inclusive com a possibilidade de
óbito materno como aconteceu recentemente em nosso país;
Outra discussão introduzida pelos juristas presentes seria se, no caso, se trataria efetivamente de uma interrupção de gestação, uma vez que o feto anencéfalo não tem perspectiva de vida a curto prazo.
Foi reforçada a força-tarefa para conseguir um milhão de assinaturas no abaixo-assinado que tem a finalidade de
oferecer apoio ao relator do projeto em discussão junto aos ministros do Supremo Tribunal Federal que deverão
julgar em definitivo o assunto.
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PELO FIM DA VIOLÊNCIA CONTRA OS DIREITOS
SEXUAIS E REPRODUTIVOS DAS MULHERES
27 de novembro de 2010
Participações e conteúdo
A reunião intitulada “Pelo fim da violência contra os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres” aconteceu no
Auditório Jaime Scherb, no Hospital Oswaldo Cruz, da Faculdade de Ciências Médicas de Recife, em 27 de novembro de 2010. Entre os participantes estavam Thomas Gollop (coordenador do GEA), que apresentou o Grupo
e seus desafios, o juiz José Henrique Torres, que falou sobre “O aborto inseguro no Brasil: As mulheres deveriam
ser presas?”, a advogada Maíra Fernandes da OAB-RJ, que tratou da “Objeção de consciência e sociedade”,
além de serem apresentados casos clínicos e a discussão de cada um deles sob o ponto de vista da saúde, do
direito e das mulheres. Esses trabalhos foram coordenados pelo juiz Torres e pela Rede Feminista de Saúde e
enfocaram as seguintes situações:
- Aborto no consultório particular e redução de danos;
- Estupro de vulnerável numa situação especial;
- Segredo versus justa causa;
- Feto com uma malformação grave incompatível com a vida numa idade gestacional avançada.
O evento teve o apoio de Ipas Brasil e da SBPC. Vide Programa e Convite:
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FORNECENDO ARGUMENTOS PARA O STF
Anencefalia: argumentos técnico-científicos para subsidiar a discussão da ADPF nº 54
pelo STF
De acordo com a estratégia de estabelecer uma ponte sólida entre profissionais da Saúde e do Direito, o Grupo
de Estudos sobre o Aborto (GEA), elaborou um documento com ojetivo de fornecer subsídios para responder
aos questionamentos dos operadores do Direito e dos juízes do Supremo Tribunal Federal. Reunindo bibliografia
internacional e nacional e apoiando-se em evidências científicas, o texto apresenta os principais argumentos
científicos que justificam um posicionamento favorável ao objeto da ADPF nº 54 de autoria da Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) que aguarda julgamento pelo STF.
A SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA (SBPC) e os demais subscritores
e subscritoras deste, todos devidamente identificados abaixo, cientes da extrema importância social
e constitucional do objeto da ADPF nº 54, promovida pela CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA SAÚDE (CNTS), vem à presença de Vossa Excelência, com a lídima intenção de
fornecer subsídios para v. decisão dessa Excelsa Corte, respeitosamente, prestar as seguintes informações, embasadas exclusivamente em estudos científicos e tecnológicos, bem como tecer algumas
considerações que reputam imprescindíveis, data venia, para o julgamento dessa ação:
1 - DA CERTEZA CIENTÍFICA SOBRE A INCOMPATIBILIDADE DA ANENCEFALIA COM A VIDA
A anencefalia constitui grave malformação fetal que resulta da falha de fechamento do tubo neural,
cursando com ausência de cérebro, calota craniana e couro cabeludo, aparecendo entre o 24º e 26º
dia após a fecundação 1 (ACOG, 2003; Forrester et al., 2003).
A maior parte dos fetos anencefálicos (em torno de 65%) apresenta parada dos batimentos cardíacos
fetais antes do parto 2,3 (Medical Task Force on Anencephaly, 1990; Shaw et al., 1994; Fernandez et
al., 2005).
Um pequeno percentual desses fetos anencefálicos apresenta batimentos cardíacos e movimentos
respiratórios fora do útero, funções que podem persistir por algumas horas e, em raras situações, por
alguns dias (Jaquier et al., 2006; CDC, 2007; Cook et al., 2008).
É freqüente a associação da anencefalia com outras anomalias fetais: cerca de 30% dos fetos anencefálicos apresentam malformações cardíacas, pulmonares, renais, gastrintestinais, entre outras
(Medical Task Force on Anencephaly, 1990).
16
A Organização Mundial de Saúde (OMS, 1998) recomenda a não realização de manobras de ressuscitação cardiorrespiratórias em casos de anencefalia, pois a anomalia é incompatível com a vida.
Em 1990, grupo de trabalho para o estudo da anencefalia, constituído por representantes de diversas
associações médicas norte-americanas 4, concluiu que, em virtude da inexistência de córtex e de fluxo
sanguíneo cerebral, é dispensável a realização de exames complementares, como eletroencefalograma, para atestar a inexistência de atividade cerebral nos casos de anencefalia (Medical Task Force
on Anencephaly, 1990).
O Conselho Federal de Medicina considera que, nos casos de anencefalia, é desnecessária a aplicação dos critérios de morte encefálica pela inviabilidade vital em decorrência da ausência de cérebro
(Resolução CFM Nº 1.752/04).
Nesse sentido, a anencefalia é “resultado de um processo irreversível, de causa conhecida e sem
qualquer possibilidade de sobrevida, por não possuir a parte vital do cérebro” 5 .
2 - DO DIAGNÓSTICO DE ANENCEFALIA
O diagnóstico de anencefalia pela ultrassonografia é possível há aproximadamente três décadas
(Jonhson et al, 1997; Aubry et al, 2003).
Esse diagnóstico é efetuado com 100% de precisão, não ocorrendo falso-positivos, como demonstrado por diversos estudos (Johnson et al, 1997; Isaksen et al, 1998; Lennon & Gray, 1999; Boyd et al,
2000; Rankin et al, 2000; Chatzipapas et al, 1999; Birnbacher et al, 2002; Aubry et al, 2003; Norem et
al, 2005; Richmond & Atkins ,2005; OMS, 2009).
A sensibilidade da ultrassonografia é de 100% para a detecção da anencefalia fetal 6 e é desnecessária a realização de procedimentos invasivos ou outros exames para a confirmação diagnóstica.
3 - DA ASSOCIAÇÃO ENTRE A ANENCEFALIA E AS COMPLICAÇÕES MATERNAS E DO ELEVADO RISCO DE MORBI-MORTALIDADE MATERNA
A literatura científica demonstra a associação entre anencefalia fetal e maior frequência de complicações maternas, como hipertensão arterial e aumento do volume de líquido amniótico (polidrâmnio),
trazendo danos físicos à saúde da mulher (Medical Task Force on Anencephaly, 1990; Jaquier et al,
2006, Hatami et al, 2007).
O polidrâmnio é a patologia obstétrica mais frequentemente observada nas gestações de fetos a17
nencefálicos, ocorrendo em 30 a 50% dos casos, o que representa probabilidade mais de 100 vezes
superior à observada na população em geral (Medical Task Force on Anencephaly, 1990; Rojas et al,
1995; Pimentel & Cesar, 1999; Abhyankar & Salvi, 2000; Jaquier et al, 2006).
A ocorrência de polidrâmnio eleva o risco de complicações na gravidez, favorecendo o surgimento
de alterações respiratórias, hemorragias vultuosas por descolamento prematuro da placenta, hemorragias no pós-parto por atonia uterina e embolia de líquido amniótico (grave alteração que cursa com
insuficiência respiratória aguda e alteração na coagulação sanguínea) (Orozco, 2006).
Portanto, a manutenção da gestação eleva o risco de morbi-mortalidade materna.
O sofrimento psíquico gerado pela gestação de um feto anencefálico pode promover quadro de estresse pós-traumático, um transtorno mental de longa duração cujos sintomas podem persistir por toda
a vida (Orozco, 2006).
Em 2008, o Comitê Especial para Discussão dos Aspectos Éticos Relativos à Reprodução Humana
e Saúde da Mulher, instituído pela Federação Internacional de Ginecologistas e Obstetras (FIGO),
concluiu que “o parto de um feto portador de severas malformações pode acarretar prejuízos
físicos e mentais à mulher e à família”.
E, exatamente por isso, o referido comitê considerou como anti-ético negar ao casal progenitor a
possibilidade de evitar essa situação, e recomendou que, nos países onde essa prática é legalmente
aceitável, deve ser oferecida a antecipação terapêutica do parto sempre que uma malformação
congênita incompatível com a vida seja identificada durante a avaliação pré-natal 7 (FIGO, 2008).
4 - DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando (1) que o avanço tecnológico e científico possibilita o diagnóstico de certeza da anencefalia fetal, (2) que o diagnóstico pela ultrassonografia e os procedimentos para antecipação
terapêutica do parto são disponibilizados pelo SUS em todo o país e, ainda, (3) que o acesso ao progresso da ciência e à assistência plena à saúde é direito de todos os cidadãos e cidadãs, e beneficia
a sociedade ao detectar precocemente a anencefalia, é preciso afirmar que a impossibilidade de antecipação do parto, obrigando-se as gestantes de fetos anencefálicos ao prosseguimento do processo
gestacional até o final, traz danos significativos para a sua saúde das mulheres e de sua família.
Considerando (1) que a antecipação terapêutica do parto, para as mulheres que assim decidirem, de
forma consciente e esclarecida, representa o pleno exercício de sua autonomia e, também, (2) que
o respeito à autonomia e ao livre arbítrio da mulher vai ao encontro dos valores morais e culturais do
indivíduo e da sociedade como um todo, é preciso afirmar que os profissionais não devem impor a
18
essas mulheres as suas preferências pessoais ou crenças, nem devem influenciar a decisão dos pais,
brutalmente fragilizados pela doença de seus fetos, em situação de elevada vulnerabilidade.
Aliás, em recente pesquisa que entrevistou mulheres que interromperam a gestação por anomalia
fetal incompatível com a vida 8 , verificou-se que a decisão pela interrupção se dá a partir do desejo de
minimizar o sofrimento, quando a opção é tomada de forma consciente, por meio de reflexão e revisão
de crenças e valores.
Assim, com a devida vênia, não é humanamente possível exigir conduta diferente da mulher que gesta
feto anencefálico, pois este concepto apresenta morte cerebral, situação de absoluta incompatibilidade com a vida. Data maxima venia, prolongar a vivência do luto de um filho nessa situação é torturar
o ser humano, é submetê-lo a tratamento desumano e degradante.
Portanto, o Estado não tem nenhuma justificativa para defender interesses fetais nos casos de anencefalia, ou seja, nos casos de morte cerebral fetal, impondo, ademais, risco adicional desnecessário e
evitável à saúde da mulher. Assim, caso seja julgada improcedente a ADPF nº 54, data maxima venia,
serão negados os avanços científicos e tecnológicos conquistados a custo de muitos esforços e sacrifícios por nossa sociedade, e em especial por nosso sistema sanitário, acarretando um imenso retrocesso na luta pela conquista da plenitude dos direitos humanos sexuais e reprodutivos das mulheres,
que ficarão expostas a danos e riscos desnecessários e evitáveis, com reflexos deletérios inevitáveis
para toda a sociedade brasileira.
É por isso que a SBPC e os demais subscritores e subscritoras deste ousam afirmar, com o mais
profundo respeito a Vossa Excelência e a essa Excelsa Corte, que o julgamento pela procedência da
ADPF nº 54, declarando-se, em consonância com o avanço do progresso científico e tecnológico, que
a interrupção da gestação de feto anencefálico constitui antecipação terapêutica do parto, não um
procedimento abortivo, implicará o reconhecimento de que a saúde é um dos direitos humanos constitucionalmente garantidos e que o Estado deve promover e executar políticas públicas para reduzir os
agravos e riscos de todas as pessoas, assegurando, assim, a todos, e especialmente às mulheres, o
acesso pleno, universal e igualitário às ações e serviços que promovam a saúde.
Decididamente, a procedência dessa ação significará um imenso passo na luta pela garantia plena dos
direitos humanos das mulheres e de toda a sociedade brasileira.
SBPC – SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA
São Paulo, 1º de agosto de 2009. Subscreveram este documento, encaminhando mensagens de apoio por e-mail, as seguintes enti19
dades:
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8.
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11.
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13.
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15.
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17.
18.
19.
SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA – SBPC
MINISTÉRIO DA SAÚDE - MS
SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES
IPAS BRASIL
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE PERNAMBUCO – CREMEPE
CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER
FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA –
FEBRASGO
HOSPITAL PEROLA BYINGTON
CATÓLICAS PELO DIREITO DE DECIDIR
CIDADANIA, ESTUDO, PESQUISA, INFORMAÇÃO E AÇÃO – CEPIA
CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ASSESSORIA – CFEMEA
SOCIEDADE BRASILEIRA DE REPRODUÇÃO HUMANA – SBRH
REDE LIBERDADES LAICAS BRASIL
MARCHA MUNDIAL DAS MULHERES
CENTRO INTEGRADO DE SAÚDE AMAURY DE MEDEIROS – CISAM
ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA
INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO – UNIFESP/ OBSTETRÍCIA, GINECOLOGIA E
SAÚDE COLETIVA
GLOBAL DOCTORS FOR CHOICE - BRASIL
20
O GEA NA MÍDIA
O Estado de S. Paulo – 16/10/2010
Ministério prorroga contrato de estudo para ‘’despenalizar’’ prática
Fundação Oswaldo Cruz renova acordo para incentivar a discussão de não incriminar mulheres que fazem aborto
Leandro Colon / BRASÍLIA
A postura da candidata Dilma Rousseff (PT) em prometer aos eleitores não mudar a lei do aborto contradiz a
atuação do próprio governo que representa. O Ministério da Saúde publicou em 4 de outubro, um dia depois
do primeiro turno, a prorrogação de um convênio que estuda mudanças na sua legislação. O projeto, segundo
o contrato publicado no Diário Oficial da União, chama-se Estudo e Pesquisa - Despenalizar o Aborto no Brasil.
Dilma divulgou ontem uma carta em que diz ser contra o aborto e promete não tomar “iniciativa de propor alterações de pontos que tratem da legislação” sobre o assunto. O objetivo dela é diminuir a resistência de grupos
religiosos que pregam voto contra a petista, por ter defendido no passado a descriminalização do aborto.
Só que a promessa vai na contramão da atuação do Ministério da Saúde nos últimos anos e tem incomodado
entidades que atuam em parceria com o governo. Esse recente convênio, prorrogado até fevereiro de 2011, foi
fechado no ano passado com a Fundação Oswaldo Cruz, do Rio, e faz parte do Grupo de Estudo sobre o Aborto,
que reúne desde 2007 entidades civis dispostas a debater o assunto com o Executivo, o Judiciário e o Legislativo.
Coordenador desse grupo de estudos em todo o País, o médico Thomaz Gollop lamenta a carta de Dilma e o rumo
da discussão sobre o tema no segundo turno. “O enfoque está errado, inadequado, seja para qual for o candidato.
O Brasil precisa se informar. Nas alturas dos acontecimentos, isso virou uma discussão de posicionamento radical”, diz. “Acho muito ruim que esse tema seja motivo de barganha. É completamente inadequado que o candidato
diga que o vai ser feito.”
O projeto apoiado pelo governo trata, segundo extrato do Diário Oficial, de estudo para “despenalizar” o aborto, ou
seja, não aplicar pena às mulheres que adotam essa prática, condenada por lei. Mas, segundo o coordenador do
grupo de estudos, a ideia é ir mais longe e não fazer mais do aborto um crime. A lei brasileira permite a realização
do aborto em duas situações: quando a gestação põe em risco a vida da mulher ou quando a gravidez é resultado
de estupro.
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Caso contrário, a prática pode levar à pena de um a três anos de prisão, punição que pode dobrar. “O objetivo
maior no futuro é descriminalizar o aborto, mas agora fica difícil avançar. Nosso grupo discute a magnitude do
tema no País”, diz Gollop. “Na minha opinião, a penalização do aborto é ineficiente porque ninguém deixa de fazer
em razão da pena. Ninguém é a favor do aborto, mas é um assunto que deve ser debatido no enfoque da saúde.
Toda essa discussão está errada.”
Segundo dados do Ministério da Saúde, são cerca de um milhão de abortos clandestinos por ano. Uma em cada
sete brasileiras de até 40 anos já interrompeu a gravidez. A curetagem após o aborto tem sido a cirurgia mais realizada no Sistema Único de Saúde, de acordo com estudo do Instituto do Coração, da Universidade de São Paulo.
“Em uma sociedade democrática é salutar e desejável que uma ampla gama de atores participe e contribuam
para o debate. É nesse sentido que o grupo também se propõe a debater a legislação brasileira sobre o tema”,
afirma a médica Cláudia Bonan, que coordena no Rio de Janeiro a equipe da Fiocruz, parceria do governo federal.
“O aborto realizado em condições inseguras é um grave problema de saúde pública e afeta principalmente as
mulheres em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica.”
As entidades civis que discutem o tema no Brasil temem que o posicionamento dos candidatos durante a campanha repercuta num possível governo deles a partir de 2011, interrompendo os estudos feitos até agora. “Possivelmente (vão barrar mudanças) até para mostrar a mesma linguagem de quem eles querem o apoio”, diz
Thomaz Gollop.
Revista Brasileiros – 18/5/2009
Entrevista com Thomaz Gollop
Brasileiros conversou com o coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA)
Diogo Mesquita
Para entender um pouco melhor a questão da legalização do aborto no Brasil, a Brasileiros conversou com
Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA) e que esteve no seminário na AASP, na
sexta-feira (dia 15). Gollop é também livre-docente em Genética Médica pela Universidade de São Paulo (USP),
professor Adjunto de Ginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, além de coordenador do GEA.
22
Brasileiros - Você defende o aborto como opção ou somente em casos extremos como a anencefalia, por
exemplo?
Thomaz Gollop - Eu acho que não se trata de uma defesa propriamente dita e sim de você considerar que em todos os países do mundo a interrupção da gravidez é um dado de realidade. Portanto, a minha preocupação como
médico é que essa deixe de ser a quinta causa de mortalidade materna, ou seja, nós temos mortes de mulheres
em função de aborto malfeito. E esse é o cerne da questão do ponto de vista tanto do direito como da medicina.
Brasileiros - O objetivo é transferir o problema para a esfera da saúde pública?
T.G. - Isso. Por isso nós defendemos que essa questão deixe de ser uma questão do direito penal e passe a ser
uma questão da sociedade como um todo e da saúde pública.
Brasileiros - Com a falta de informação e educação no Brasil, a liberação do aborto não poderia provocar
um problema de banalização no País?
T.G. - Nenhuma mulher engravida e consequentemente aborta por esporte. Métodos anticonceptivos falham, as
pessoas têm relações sexuais sem estar devidamente protegidas, você tem situações em que relações afetivas
se desfazem. Existem N situações em que você tem gestações indesejadas em um determinado momento da vida
e isso precisa ter um atendimento digno. Essa que é a questão.
Brasileiros - Em sua opinião, a Igreja pode ser um “inimigo” para se alcançar esse objetivo?
T.G. - A Igreja tem uma posição fechada e circular. Ela não permite o uso de preservativos, ela não permite o uso
de anticoncepcionais e ela também não permite a interrupção da gravidez em nenhuma circunstância. O problema
é o seguinte: nós precisamos reconhecer que 70% da população brasileira é católica. Entretanto, nós temos um
milhão de abortos por ano, e entre essa população que interrompe a gravidez existem inúmeros católicos, que
usam preservativo, que divorciam, que usam outros métodos anticoncepcionais, que casam pela segunda vez
e ainda assim se dizem católicos. Agora, existem os católicos que seguem todos os dogmas da Igreja, e eles
devem ser respeitados. O que nós não aceitamos e a sociedade civil não deve aceitar é a Igreja ditar o que toda
a população brasileira deve fazer. Aí é que em tese deveria haver a separação nítida entre Estado e Igreja.
Brasileiros - Muitos abortos ainda são feitos em clínicas clandestinas? Quais são seus principais riscos?
T.G. - De um milhão, provavelmente 999.980 são feitos em clínicas clandestinas. O problema é que entre as
clínicas clandestinas, existem as sofisticadas e as muito ruins. Se você for olhar O Crime do Padre Amaro (livro
do escritor português Eça de Queirós), você vai ver uma situação em que se interrompe uma gravidez em uma
condição péssima. Existem nas grandes metrópoles do País, clínicas altamente sofisticadas. Debaixo da clan23
destinidade se escondem todo tipo de clínicas, das muito ruins até aquelas que têm similaridade com hospitais
privados. Agora, é clandestino porque, como dissemos aqui, a lei é ineficaz e porque, na verdade, você penaliza
com prisão. Quase nenhuma mulher é presa por conta de aborto e, por outro lado, você tem uma lei que não
funciona pois as pessoas não respeitam a lei e fazem interrupção do mesmo jeito.
Brasileiros - Se houvesse uma mobilização por parte da sociedade civil para esse assunto, o processo de
legalização seria acelerado. Vemos ONGs e grupos como o GEA debatendo esse assunto, mas a sociedade civil ainda não faz parte dessa luta. Por quê?
T.G. - Olha, eu tenho várias formas de responder isso. Nós vivemos uma época na história do Brasil, da década
de 1990 para cá, em que a sociedade brasileira é amorfa. Você tem todo tipo de corrupção no País, afrontamentos
à Justiça, um integrante do legislativo que diz que quer que a população se lixe. Então, na verdade, você querer
uma mobilização em um momento em que o grosso da sociedade olha e não reage à afronta que lhe é feita é um
esforço hercúleo. Nós estamos fazendo uma coisa bastante inédita, que é um evento conjugado entre médicos e
advogados. Isso é uma coisa que ocorre muito raramente no Brasil, e nós estamos conjugando médicos, advogados e cientistas, que também não é pouco. A Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), que nos
recebe, tem 220 mil cientistas. Estamos iniciando um programa de capilarizar essa discussão na sociedade civil,
e estamos trabalhando nisso há dois anos, que é tempo por um lado, mas pouquíssimo por outro. Na verdade,
estamos obtendo os primeiros resultados, mas é um trabalho grande a fazer e o Brasil é um país tão grande. Já
fomos ao Rio de Janeiro, Recife e agora vamos a Brasília, onde vamos procurar discutir com o Legislativo. Estamos desempenhando nossa função dentro do que é possível.
Brasileiros - Você acha que, em um futuro próximo, esse objetivo pode ser alcançado?
T.G. - Se eu não acreditasse nisso eu não estaria despendendo um esforço enorme. Os alvarás judiciais se popularizaram no País por conta de um trabalho que foi feito em uma mínima instituição, que foi a nossa. O primeiro,
que foi dado em 1993 em São Paulo, foi solicitado pelo Instituto de Medicina Fetal, que é onde eu trabalho.
O Estado de S. Paulo – 14/7/2010
Curetagem após aborto lidera cirurgias no SUS, diz InCor
AE - Agência Estado
A curetagem após aborto foi a cirurgia mais realizada no Sistema Único de Saúde (SUS) entre 1995 e 2007,
segundo levantamento do Instituto do Coração (InCor), da Universidade de São Paulo. Com base em dados do
24
Ministério da Saúde, os pesquisadores analisaram mais de 32 milhões de procedimentos nesse período. Ficaram
de fora cirurgias cardíacas, partos e pequenas intervenções que não exigem a internação do paciente.
“Procuramos analisar o perfil epidemiológico das cirurgias que tinham um porte médio ou grande e, portanto, potencial maior de complicações”, diz a médica Pai Ching Yu, autora da pesquisa. Ela explica que tanto partos como
cirurgias cardíacas são habitualmente estudados separadamente por terem características muito peculiares.
Entre os 1.568 tipos de procedimentos avaliados, as curetagens ficaram na frente, com 3,1 milhões de registros.
Em seguida vieram as cirurgias para correção de hérnia (1,8 milhão), retirada de vesícula (1,2 milhão), plástica
de vagina e períneo (1,1 milhão) e retirada do apêndice (923 mil). “As informações disponíveis no Datasus não
permitem diferenciar a curetagem resultante do aborto espontâneo da do provocado”, explica a autora do estudo.
Os dados foram publicados na revista Plos One.
Segundo estimativa do Ministério da Saúde, a maioria das curetagens realizadas é decorrente de aborto provocado. O médico Thomaz Gollop, coordenador do grupo de estudos sobre o aborto da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência, concorda. “A maior parte dos abortamentos espontâneos não exige internação.
As complicações são quase absolutamente resultantes de abortos provocados”, diz. Pela legislação brasileira, o
aborto só é permitido nos casos de estupro ou quando a gravidez representa risco de vida para a mãe. Também é
possível obter autorização judicial quando o feto possui anomalia incompatível com a vida, como anencefalia. As
informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Revista Veja – 14/7/2010
Curetagem após aborto lidera cirurgias no SUS
Pesquisa foi realizada pelo InCor, da Universidade de São Paulo, com base em dados do Ministério da Saúde
A curetagem após aborto foi a cirurgia mais realizada no Sistema Único de Saúde (SUS) entre 1995 e 2007,
segundo levantamento do Instituto do Coração (InCor), da Universidade de São Paulo. Com base em dados
do Ministério da Saúde, os pesquisadores analisaram mais de 32 milhões de procedimentos nesse período. Os
dados foram publicados na revista Plos One.
Ficaram de fora cirurgias cardíacas, partos e pequenas intervenções que não exigem a internação do paciente.
“Procuramos analisar o perfil epidemiológico das cirurgias que tinham um porte médio ou grande e, portanto, po25
tencial maior de complicações”, diz a médica Pai Ching Yu, autora da pesquisa. Ela explica que tanto partos como
cirurgias cardíacas são habitualmente estudados separadamente por terem características muito peculiares.
Entre os 1.568 tipos de procedimentos avaliados, as curetagens ficaram na frente, com 3,1 milhões de registros.
Em seguida vieram as cirurgias para correção de hérnia (1,8 milhão), retirada de vesícula (1,2 milhão), plástica
de vagina e períneo (1,1 milhão) e retirada do apêndice (923 mil). “As informações disponíveis no Datasus não
permitem diferenciar a curetagem resultante do aborto espontâneo da do provocado”, explica a autora do estudo.
Segundo estimativa do Ministério da Saúde, a maioria das curetagens realizadas é decorrente de aborto provocado. O médico Thomaz Gollop, coordenador do grupo de estudos sobre o aborto da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência, concorda. “A maior parte dos abortamentos espontâneos não exige internação. As complicações são quase absolutamente resultantes de abortos provocados”, diz. Pela legislação brasileira, o aborto só
é permitido nos casos de estupro ou quando a gravidez representa risco para a vida da mãe. Também é possível
obter autorização judicial quando o feto possui anomalia incompatível com a vida, como anencefalia.
(Com AE)
O Estado de S. Paulo – 24 de setembro de 2010
Fórum no DF discute descriminalização do aborto por anencefalia
Evento reúne especialistas de vários setores e quer contribuir com propostas para o STF
Agência Brasil
BRASÍLIA - A descriminalização do aborto por anencefalia foi tema de um fórum em Brasília, nesta sexta-feira, 24,
sobre o caráter jurídico e científico da anomalia que atinge o desenvolvimento do feto, podendo levá-lo à morte
ainda no útero com risco para a mãe.
O evento, que reúne especialistas de diversos setores da sociedade, tem o objetivo de contribuir com propostas
para uma possível discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalização do aborto no caso de
anencefalia. Em junho de 2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) protocolou uma
ação para que o STF permita a interrupção da gravidez nessa condição, o que hoje é considerado crime.
Para o neurologista e presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, (Cremesp), Luiz Alberto Bacheschi, em 75% dos casos de anencefalia, o feto morre dentro do útero, ou seja, antes da fase final da gestação.
Em 25% das ocorrências, os bebês são natimortos (morrem após a 20ª semana) ou têm vida vegetativa inferior a
26
24 horas. Excepcionalmente, ultrapassam 48 horas de vida.
O neurologista alertou ainda que a má formação da parte superior do cérebro do feto causa problemas para a gestante e pode gerar um quadro de eclâmpsia, caracterizada por convulsões, agitação intensa e perda da consciência. “É uma condição de risco para a mulher também. A interrupção é uma forma de protegê-la”, disse Bacheschi.
O geneticista e presidente do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA), Thomaz Gollop, afirmou que é impossível
a sociedade chegar a um acordo sobre o direito da mulher de interromper a gravidez quando há anencefalia fetal.
“Jamais um país consegue consenso sobre isso, porque é uma questão de autonomia, de direito individual”,
avaliou.
A representante do Ministério da Justiça Paula Albuquerque Leal disse que o assunto é polêmico pelo grau de
complexidade. “Esse debate é permeado por questões religiosas, mas não podemos perder de vista os direitos
individuais”, afirmou.
A diretora da Ipas Brasil, organização não governamental que trata dos direitos reprodutivos das mulheres, Leila
Adesse, disse que, nesses casos, deve-se pensar na situação da gestante, que têm consciência de que o filho
não vai sobreviver. “As mulheres estão sofrendo porque não têm direito a interromper a gravidez. E, mesmo que
o profissional de saúde queira ajudar, ele acaba esbarrando na lei”, destacou.
Jornal DCI – 24/9/2010
Fórum discute descriminalização do aborto por anencefalia
BRASÍLIA – A descriminalização do aborto por anencefalia é tema de debate no fórum sobre o caráter jurídico e
científico da anomalia que atinge o desenvolvimento do feto, podendo levá-lo à morte ainda no útero com risco
para a mãe. O evento que reúne especialistas de diversos setores da sociedade tem o objetivo de contribuir com
propostas para uma possível discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalização do aborto para o
caso de anencefalia. Em junho de 2004, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) protocolou uma ação para que o STF permita a interrupção da gravidez em caso de anencefalia fetal, hoje considerada
crime.
Para o presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, (Cremesp), Luiz Alberto Bacheschi, em 75%
dos casos de anencefalia, o feto morre dentro do útero, ou seja, antes da fase final de gestação. Em 25% das
27
ocorrências, os bebês são natimortos (morrem após a 20ª semana de gestação) ou tem vida vegetativa inferior a
24 horas. Excepcionalmente, ultrapassam 48 horas de vida.
O neurologista alertou ainda que a má formação da parte superior do cérebro do feto causa problemas para a gestante e pode gerar um quadro de eclampsia, caracterizada por convulsões, agitação intensa e perda da consciência. “É uma condição de risco para a mulher também. A interrupção é uma forma de protegê-la”, disse Bacheschi.
O presidente do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA), o geneticista Thomaz Gollop, afirmou que é impossível
a sociedade chegar a um acordo quanto ao direito de a mulher interromper a gravidez quando a anencefalia do
feto é detectada. “Jamais, país nenhum no mundo consegue consenso sobre isso, porque é uma questão de
autonomia, de direito individual”, disse.
A representante do Ministério da Justiça, Paula Albuquerque Leal, disse que o assunto é polêmico pelo seu grau
de complexidade. “Esse debate é permeado por questões religiosas, mas não podemos perder de vista os direitos
individuais”.
A diretora da Ipas Brasil, organização não governamental que trata dos direitos reprodutivos das mulheres, Leila
Adesse, disse que nos casos de anencefalia do feto deve-se pensar na situação da gestante, que têm consciência
de que o filho não irá sobreviver. “As mulheres estão sofrendo porque não têm direito a interromper a gravidez. E
mesmo que o profissional de saúde queira ajudar, ele acaba esbarrando na lei”, afirmou.
Folha de S. Paulo – 20/12/2010
Estupradas demoram para buscar médico; é comum engravidarem e não poderem abortar
CLÁUDIA COLLUCCI DE SÃO PAULO
Simone, 27, foi estuprada a caminho do trabalho. Carmem, 28, indo para a casa de uma amiga. Mara, 42, quando
voltava de um posto de saúde. Taís, 18, estava em um parque. Karina, 29, em casa.
Em comum, essas mulheres também compartilham o fato de terem engravidado por falta de um atendimento
médico imediato após o estupro. A anticoncepção de emergência, se usada até 72 horas após a relação sexual,
pode evitar a gravidez.
Um estudo inédito do Hospital Pérola Byington mostra que essa é a realidade de 88,9% das grávidas vítimas de
28
estupro atendidas em um projeto da instituição Bem-Me-Quer, que oferece ajuda médica e psicológica, informa
reportagem de Cláudia Collucci, publicada na edição desta segunda-feira, da Folha.
Para o ginecologista Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de Estudos sobre Aborto, as mulheres ainda não têm
noção de seus direitos e temem procurar ajuda.
‘Há também uma questão vinculada à vergonha que impede a mulher de revelar a violência praticada contra ela.
Quando engravidam, escondem a gravidez e só procuram assistência quando ela é claramente evidente.’
Foram avaliadas 936 mulheres ao longo de 15 anos do projeto: 65% optaram pelo aborto. O restante (326) não
fez o procedimento porque não houve aprovação para o aborto (60,7%) ou porque a gestante desistiu de interromper a gravidez.
Segundo a psicóloga Daniela Pedroso, a maioria dos casos de não aprovação (39%) do aborto ocorreu em razão
de a idade gestacional estar acima da prevista pelo serviço de saúde --após a 22ª semana de gravidez ou com o
feto pesando mais do que 400 gramas
PERFIL DA MULHER ESTUPRADA QUE ENGRAVIDA EM SP
LEVANTAMENTO INÉDITO MAPEIA 15 ANOS DE PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA
Fonte: Daniela Pedroso - psicóloga do Projeto Bem-Me-Quer
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PERFIL DA MULHER ESTUPRADA QUE ENGRAVIDA EM SP
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O Estado de S. Paulo – 6/4/2010
Acesso a aborto legal no País é insuficiente
Menores de 14 anos, vítimas de violência sexual, são mais afetadas
Simone Iwasso e Emilio Sant’Anna/ Colaboração de Angela Lacerda
Mais de 200 mil menores de 14 anos deram à luz nos últimos dez anos no Brasil. Os dados foram tabulados pelo
Estado com base em atendimentos no Sistema Único de Saúde (SUS).
O número esconde uma realidade pouco estudada, em que a iniciação sexual precoce se mistura a casos de
violência sexual - nos quais o aborto está previsto na legislação, mas se mostra pouco acessível na prática. No
País, são 523 serviços habilitados a fazer aborto legal, número que é considerado baixo por especialistas. Acre,
Sergipe e Alagoas, por exemplo, têm apenas um hospital capacitado.
De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), filhos de mães adolescentes têm maior probabilidade de apresentar baixo peso ao nascer. A taxa de prematuros também é mais alta, elevando o risco de
mortalidade.
Pela legislação, mesmo que a menor de 14 anos afirme que a relação sexual foi consentida, o entendimento é que
se trata de violência presumida. “Entende-se que a menina aos 10, 12 anos, ainda não tem condições de tomar
uma decisão como essa. São relações muito desiguais, nas quais um homem mais velho tem muito mais poder
de convencimento e persuasão”, diz Teo Araújo, coordenador de projetos da organização Ecos.
A instituição fez uma pesquisa sobre gravidez na adolescência dos 10 aos 14 anos em cinco capitais. A conclusão
foi que a gravidez nessa idade está muito mais relacionada à violência do que em outras faixas etárias. Numa
comparação por regiões, o trabalho encontrou proporcionalmente mais casos no Norte e Nordeste - onde há
menos serviços de aborto legal.
GARANTIA DE ACESSO
Na sexta-feira, no Centro Integrado Amaury de Medeiros (Cisam), no Recife - onde, no mês passado, foi feito o
aborto de uma criança de 9 anos, grávida de gêmeos após ser estuprada pelo padrasto -, um grupo coordenado
pelo médico Thomaz Gollop, da Universidade de São Paulo (USP), discutiu o acesso ao aborto legal na região.
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Uma das principais conclusões da reunião do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA) é a de que as 55 unidades
de referência para o aborto legal do País devem contar com assessoria jurídica.
Para isso, o Grupo se dispõe a buscar advogados que façam o serviço de forma voluntária. O assunto será tratado
no dia 15 de maio, em São Paulo, no seminário Aborto e Direito, organizado pelo GEA e pela Associação dos Advogados do Estado. No evento também foi decidido que o GEA deve visitar todas as unidades. Dezessete estão
em São Paulo. Em Tocantins, Goiás e Mato Grosso do Sul, não há nenhuma.
O objetivo maior do GEA é a descriminalização. Há convicção de que, por deixar de ser crime, o número de abortos não irá aumentar. Por outro lado, será reduzido o número de mulheres que sofrem complicações ou morrem
por provocarem abortos ou recorrerem a procedimentos clandestinos.
Para o juiz José Henrique Torres, da Associação de Juízes para a Democracia, o custo social da criminalização
do aborto é superior ao do próprio abortamento. Ele prega que o assunto, hoje da alçada do Ministério da Saúde,
seja ampliado para o Ministério da Justiça.
FUNCIONAR DE FATO
“Há uma diferença grande entre existir o serviço e ele funcionar de fato”, adverte o ginecologista Aníbal Faúndes,
do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas. Pesquisa feita por ele em 2006 mostrou que apenas 12% dos serviços de saúde credenciados havia realizado pelo menos um aborto em 2005.
Outro trabalho dele, em parceria com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia,
mostrou que a maioria das unidades públicas de saúde diz prestar atendimento a vítimas de violência sexual.
Porém, só 40%, no Centro-Oeste e Sudeste, e 30% ou menos, nas outras regiões, têm protocolo de atendimento.
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QUEM FAZ PARTE DO GEA
• Associação Brasileira de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva - ABRASCO
• Associação dos Advogados de São Paulo
• Associação de Juízes para a Democracia
• Associação Médica Brasileira
• Ações Afirmativas em Direitos e Saúde | Ipas
Brasil
• Católicas pelo Direito de Decidir
• Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros
(CISAM)
• Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação
- CEPIA
• Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher - CLADEM
• Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia - FEBRASGO
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Global Doctors For Choice - Brasil
Hospital Pérola Byington
Instituto Antígona – Filosofia do Direito
Instituto de Medicina Social da UERJ
Instituto Fernandes Figueira/FIOCRUZ
Instituto Patrícia Galvão
Marcha Mundial de Mulheres
Ministério da Saúde
Secretaria de Políticas para as Mulheres
Sociedade Brasileira de Reprodução Humana
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
• THEMIS - Assessoria Jurídica e Estudos de
Gênero
• União Nacional dos Estudantes - UNE
Notas Bibliográficas
Cheschier N; ACOG Committee on Practice Bulletins-Obstetrics. ACOG practice bulletin. Neural tube defects. Number 44,
July 2003. Int J Gynaecol Obstet. 2003 Oct;83(1):123-33.
2
The infant with anencephaly. The Medical Task Force on Anencephaly. N Engl J Med. 1990 Mar 8;322(10):669-74.
3
Shaw GM, Jensvold NG, Wasserman CR, Lammer EJ. Epidemiologic characteristics of phenotypically distinct neural tube
defects among 0.7 million California births, 1983-1987. Teratology. 1994 Feb;49(2):143-9.
4
Academia Americana de Pediatria, Academia Americana de Neurologia, Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia,
Associação Americana de Neurologistas, Sociedade de Neurologia Infantil
5
Resolução do Conselho Federal de Medicina Nº 1.752/04
6
Williamson P, Alberman E, Rodeck C, Fiddler M, Church S, Harris R. Antecedent circumstances surrounding neural tube defect births in 1990-1991. The Steering Committee of the National Confidential Enquiry into Counselling for Genetic Disorders.
Br J Obstet Gynaecol. 1997 Jan;104(1):51-6.
7
FIGO Committee for the Ethical Aspects of Human Reproduction and Women’s Health. Ethical aspects concerning termination of pregnancy following prenatal diagnosis. Int J Gynaecol Obstet. 2008 Jul;102(1):97-8.
8
BENUTE Gláucia Rosana Guerra, NOMURA Roseli Mieko Yamamoto, KASAI Keila Endo, DE LUCIA Mara Cristina Souza,
ZUGAIB Marcelo. O aborto por anomalia fetal letal: do diagnóstico à decisão entre solicitar ou não alvará judicial para interrupção da gravidez. Revista dos Tribunais. 859, São Paulo, ano 96, p. 485-509, maio 2007.
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GEA
grupo de
estudos
sobre
o aborto
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Anencefalia - GEA - Grupo de Estudos sobre o Aborto