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Abril | 2014 | Direito Público & Ambiente
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COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO N.º 2/2014
(PROCESSO N.º 1790/13 – PLENO DA 1ª SECÇÃO; DR I SÉRIE, 21 DE MARÇO DE 2014) –
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA: FUNDAMENTAÇÃO DA AVALIAÇÃO DE PROPOSTAS
Raquel Sampaio, Advogada, Abreu Advogados
O acórdão do STA reporta-se à figura do recurso para uniformização de jurisprudência do
art. 152º do CPTA, isto é, pretende resolver uma questão fundamental de direito, um conflito
de jurisprudência entre julgados: neste caso, a suficiência de fundamentação da avaliação de
propostas em procedimentos concursais que terá sido decidida diferentemente no acórdão do
STA de 03.04.2003 (proferido no processo n.º 01126/06) – acórdão fundamento – e no acórdão
mais recente do Tribunal Central Administrativo Norte de 30.07.2013 (proferido no processo nº
1357/12.6BEBRG) – acórdão impugnado.
O recurso para uniformização de jurisprudência tem natureza de recurso substitutivo, já que
em relação ao caso concreto sub judice – em caso de procedência –permite proceder (i) à anulação do caso julgado e (ii) ao novo julgamento da questão (‘judicium rescisorium’) que substituirá
a decisão impugnada, nos termos do n.º 6 do art. 152.º do CPTA.
Para que possa haver lugar a recurso para uniformização de jurisprudência é preciso que estejam preenchidos quatro requisitos1 – que o Tribunal considerou verificados neste caso: a) a
contradição entre um acórdão do TCA e acórdão anteriormente proferido pelo STA; b) trânsito
em julgado do acórdão impugnado e do acórdão fundamento; c) existência de contradição sob a
mesma questão fundamental de direito; e d) a orientação perfilhada no acórdão impugnado ser
desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA
Dúvidas surgem, fundamentalmente, no que toca ao preenchimento do primeiro requisito.
O acórdão impugnado do TCANorte surge no contexto de um concurso público de empreitada,
tendo o Tribunal decidido anular o relatório final, a decisão de adjudicação e o posterior contrato
por considerar insuficiente a fundamentação neles vertida, já que remetia para uma grelha
classificativa de atribuição de pontuação, não prestando qualquer esclarecimento adicional
quanto à mesma. Alegava esse acórdão que a mera remissão para uma tabela de factores e
subfactores de avaliação (ainda que densificados nos elementos concursais) não seria suficiente
já que estes, na aplicação ao caso concreto, “têm de ser explicitados, isto é, a administração,
no caso, o júri, tem de dizer mediante factos concretos porque aquele item é atribuído aquela
concreta percentagem e não outra qualquer” e mais à frente, explicitando “Designadamente,
não indica em concreto, quais os elementos que tomou em consideração da Memória Descritiva
e Justificativa do modo de execução da obra, quais os materiais e equipamentos a aplicar na
obra que, no seu entender, em relação aos demais concorrentes, melhor satisfazem o interesse
público” (sublinhado nosso). Na opinião do TCANorte, a avaliação das propostas apenas seria
fundamentada se, para além da pontuação, se verificasse, complementarmente, uma verdadeira reflexão comparativa entre os documentos concursais e as propostas.
(continuação na página seguinte)
1
Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição revista, Almedina, Coimbra,
2010, p. 1011.
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N.º 1790/13 – PLENO DA 1ª SECÇÃO; DR I SÉRIE, 21 DE MARÇO DE 2014) – UNIFORMIZAÇÃO DE
JURISPRUDÊNCIA: FUNDAMENTAÇÃO DA AVALIAÇÃO DE PROPOSTAS (CONTINUAÇÃO)
Já o acórdão fundamento do STA surgiu no contexto de um concurso para concessão de apoios a actividades teatrais e considerou satisfeito o dever de fundamentação da atribuição de classificações às candidaturas desde que as referidas pontuações fossem vertidas numa grelha que fosse previamente densificada
pelo júri em diferentes itens, sem necessidade de esclarecimentos adicionais, “sob pena de se incorrer em
fundamentação da própria fundamentação”. Em concreto, o Tribunal deu por assente “que um destinatário
normal, colocado perante o acto homologatório impugnado e as peças procedimentais que o mesmo absorve, fica ciente das razões que determinaram a autoridade administrativa a decidir do modo como o fez
e do itinerário valorativo que conduziu a tal decisão”.
Não obstante a opinião em contrário do Ministério Público, o STA considerou in casu existir contradição
de julgados entre os acórdãos referidos apesar de estarmos perante realidades factuais díspares2 (qualificando mesmo essa diferença como irrelevante), já que “ambos os casos se unificam”, na medida em que,
ao incidirem “sobre concursos com grelhas classificativas, permitem que se coloque a mesma questão,
que é a de saber se a fundamentação das notações das propostas apresentadas se basta, ou não, com o
preenchimento da grelha”.
Para além disso, considerou ainda o STA que a aplicação num caso – o caso do acórdão recorrido – de um
dispositivo legal diferente (o art. 148.º do Código dos Contratos Públicos) não inviabilizava a sua comparação conjunta, na medida em que “a exigência de fundamentação prevista naquela primeira norma nasce
do princípio geral contido na última”, isto é, do parâmetro dos arts. 124.º e ss do CPA.
O STA resolveu, assim, a questão primeira da oposição de julgados considerando, não só que factos
diferentes ou a convocação de legislação diversa não obstam, no caso concreto, à verificação do requisitos,
mas também que a citada oposição existe já que ambos os arestos extraíram proposições contrárias de
pressupostos idênticos.
É de colocar, no entanto, na esteira da posição expressa pelo Ministério Público, algumas reservas a
este entendimento “integrante”, já que consideramos que identidade bipolar simultânea das “questões de
direito” e das “situações da vida” acima referida como necessária poderá não estar (totalmente) verificada
– até porque, como é bom de ver, ainda que as fases de avaliação possam ser comparáveis entre os dois
concursos, a operação material da ‘avaliação’ em si não será totalmente similar num caso e no outro.
Em relação à questão de fundo propriamente dita, o Tribunal dedicou-lhe uma parte bem menor da sua
prolação, tendo-se pronunciado a favor do acórdão fundamento. Para o que releva, o STA entendeu em
termos liminares que a “avaliação das propostas apresentadas em concurso tem-se por fundamentada
através da valoração por elas obtida nos vários itens de uma grelha classificativa suficientemente densa”.
Portanto, foi dado provimento ao recurso: porque a conjugação da “referência [das propostas] aos itens de
uma grelha classificativa suficientemente densa” com “operações aritméticas que quantifiquem as propostas e permitam a sua graduação recíproca exprime logo a valia de cada uma delas”. Logo, a operação de
subsunção das propostas aos vários critérios, factores ou itens da lista “explicam «per se» a ponderação
que lhes foi atribuída no concurso, sem necessidade de um discurso complementar”.
(continuação na página seguinte)
2
Ao arrepio, parece, do acórdão do STA de 23.03.1993, em cujo sumário se afirma não ser possível determinar a existência de um conflito de decisões
“sem uma referência bipolar simultânea às questões de direito e às situações da vida” (citado em MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, ob. cit., p. 1012 e nt. (1162)).
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Concordamos fundamentalmente com a decisão do STA tendo em conta que a linha argumentativa que
tem vindo a ser seguida – quer pela jurisprudência quer pela doutrina – tem advogado a suficiência da
fundamentação neste tipo de situações, ressalvados os casos, naturalmente, em que os ditos itens de
avaliação (factores e subfactores) não se encontram detalhadamente densificados à partida3 e, ademais,
desde que as razões concretas de atribuição daquela pontuação habilitem os interessados a compreender
a classificação e a reagir em conformidade.
Com efeito, segundo a doutrina, estamos perante o “cumprimento de um dever legal e de uma garantia dos concorrentes (e da própria entidade adjudicante), para poder saber-se em que medida é que às
apreciações (des)favoráveis feitas às propostas correspondem pontuações (des)favoráveis (…) Note-se
que, para ser legal, a fundamentação da avaliação das propostas basta-se com o enunciado das razões
concretas por que, em determinado factor ou subfactor, uma proposta merece a nota 10 ou a classificação
de “boa””; assim, não é necessário proceder “à explicitação dos motivos que justificam as razões concretas
aduzidas para a classificação atribuída”4. Daqui se retira que as razões concretas, pelo menos, terão de
estar presentes, sendo no entanto bastantes.
É verosímil que o presente acórdão uniformizador resolva substancialmente a questão de mérito, ainda
que não totalmente, uma vez que o juízo terá necessariamente – e especialmente – de ser feito caso a
caso. Para além disso, os efeitos da decisão que julga procedente o recurso de uniformização de jurisprudência, como a sub judice, não se estendem a outras situações eventualmente constituídas ao abrigo de
outras decisões judiciais, ainda que se trate de situações idênticas ou que poderiam ter sido solucionadas
do mesmo modo. Com efeito, apesar de o texto ser publicado em DR, o acórdão em si não tem essa força
vinculativa, pelo que nada obsta a que esta decisão venha a ser alterada, sendo que qualquer outra decisão
que queira ir em sentido oposto deve ter em conta esta pronúncia do STA.
3
4
O acórdão faz também esta ressalva, mas apenas para referir que não a abordará.
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Almedina, Coimbra, 2011, p. 978.
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