AS CRUZADAS No final do século XI, a sociedade feudal começava a apresentar sinais de mudanças. A Igreja, principal instituição da Europa ocidental, enfrentava problemas com a corrupção de muitos de seus bispos e abades, que levavam uma vida luxuosa e abandonavam suas obrigações religiosas. Nos feudos, uma população cada vez mais numerosa não encontrava meios de produzir alimentos suficientes para todos. Nesse contexto, surgiram as Cruzadas, uma espécie de guerra santa empreendida pelos católicos contra os muçulmanos que dominavam Jerusalém e outras regiões consideradas sagradas pelos cristãos no Oriente Médio. Nobres, camponeses, crianças, mendigos, enfim, grande parte da sociedade cristã, por razões diversas, se envolveria nesses confrontos, que se estenderam por mais de duzentos anos. Entretanto, a importância maior das Cruzadas está no fato de elas terem ajudado a iniciar um processo que colocaria fim ao isolamento da sociedade feudal. Ao mesmo tempo que cruzavam o continente e o mar Mediterrâneo e estabeleciam contatos com outros povos, os católicos europeus faziam comércio. Isso resultou por favorecer o abandono da vida rural, aumentando a busca pelas cidades para fazer negócios. Assim, as Cruzadas, que de início podem ter representado uma alternativa para a manutenção da sociedade medieval, com o tempo acabaram por ser responsáveis pela formação de uma outra ordem social. Convocação das Cruzadas Durante a Idade Média, muitos cristãos costumavam ir em peregrinação aos locais onde Jesus Cristo nasceu, viveu e fez suas pregações (Belém, Nazaré, Jerusalém, etc.). Esses locais, conhecidos como Terra Santa, eram considerados sagrados para os cristãos. Em conseqüência do expansionismo do povo árabe, Jerusalém foi tomada no ano de 638. O povo árabe havia se convertido ao islamismo, religião monoteísta criada pelo profeta Maomé, mas tolerava os peregrinos cristãos. Em 1071, entretanto, Jerusalém foi conquistada pelos turcos, também muçulmanos, porém mais radicais. Desde então tornaram-se muito perigosas as peregrinações à Terra Santa. Os turcos estavam expandindo os seus domínios e ameaçavam conquistar Constantinopla, capital do Império Bizantino, também de tradição cristã. A tensão tomava conta dos feudos, naquela época. Ondas de ataques e saques às aldeias cresciam de maneira ameaçadora. Essas razões, associadas à dominação de Jerusalém pelos turcos, levaram o papa Urbano II a convocar uma expedição de retomada da Terra Santa. O papa, que acusava os turcos de assassinarem os peregrinos e profanarem os lugares santos, procurou encorajar os cristãos do Ocidente à guerra. Para viabilizar a expedição, convocou senhores feudais, bispos, cavaleiros e toda a população. Leia um trecho do discurso do papa Urbano II, proferido em Clermont, na França, no ano de 1095: "Deixai os que outrora estavam a se baterem, impiedosamente contra os fiéis, em guerras particulares, lutarem contra os infiéis (...). Deixai os que até aqui foram ladrões tornarem-se soldados. Deixai aqueles que outrora se bateram contra seus irmãos e parentes lutarem agora contra os bárbaros como devem. Deixai os que outrora foram mercenários, a baixos salários, receberem agora a recompensa eterna. Uma vez que a terra que vós habitais, fechada por todos os lados pelo mar e circundada por picos e montanhas, é demasiadamente pequena para vossa grande população: a sua riqueza não abunda, mal fornece o alimento necessário aos seus cultivadores (...). Tomai o caminho do Santo Sepulcro; arrebatai aquela terra à raça perversa e submetei-a a vós mesmos (...)." Os primeiros voluntários escolheram como símbolo da expedição uma cruz costurada nas suas roupas, daí o nome Cruzadas para esse movimento. Dividindo o mundo feudal Para facilitar, muitos estudiosos costumam dividir a história da sociedade feudal em dois momentos distintos: a Alta Idade Média e a Baixa Idade Média. O primeiro momento, entre o século V e o X, é o de formação e consolidação do mundo feudal, quando se formam os reinos e se cristaliza a organização social. No momento seguinte, entre os séculos XI e XV, a sociedade feudal começa a dar sinais de mudanças, com o fortalecimento das cidades e do comércio. Para além da fé O movimento das Cruzadas deve ser compreendido como parte do processo de mudanças do feudalismo durante a Baixa Idade Média. A sociedade feudal era agrícola, auto-suficiente, voltada apenas para a subsistência. Tal tipo de organização passou a não atender às necessidades de uma população crescente. Um observador que viveu naquele tempo afirmou: "Nessa época (fim do século XI), e antes que os povos se tivessem posto em movimento para essa grande expedição (a Primeira Cruzada), o Reino dos Francos estava, por toda a parte, entregue à desordem e às mais cruéis hostilidades. Não se ouvia falar senão de atos de banditismo cometidos em todos os lugares, de assaltos nos caminhos e de repetidos incêndios (...) Todas as coisas que se ofereciam aos olhares dos homens ávidos eram sujeitas à pilhagem." Assim, se para a Igreja católica as Cruzadas se apresentaram como uma oportunidade de reconquistar a Terra Santa e fortalecer o poder do papa, para muitos outros elas representaram uma alternativa tanto econômica quanto social. Algumas pessoas, por exemplo, aderiram às Cruzadas também porque viam nelas uma oportunidade de sair da vida miserável que levavam. Entre os nobres, grande parte via nas Cruzadas uma possibilidade de aumentar sua fortuna, já que a região da Palestina era considerada de grande riqueza. Muitos jovens pertencentes à nobreza viam uma oportunidade de conquistar algo para si, já que, por não serem filhos primogênitos, não herdariam feudos, mas desejavam terras. Combatendo pela fé Foram realizadas ao todo oito Cruzadas oficiais, num período de cerca de duzentos anos. A primeira, convocada pelo papa Urbano II, obteve algum êxito. Para essa Cruzada, organizaram-se exércitos vindos de inúmeros lugares da Europa. Oficialmente, ela reuniu-se em Constantinopla em novembro de 1096. Essa Cruzada expulsou os turcos de grande parte da Terra Santa e fundou o Reino de Jerusalém. Dos 300 mil cruzados que partiram de Constantinopla, apenas 40 mil chegaram à Palestina. Os demais morreram no caminho, em combate ou vítimas de doenças, fome, sede e calor; outros voltaram à Europa. Da parte dos turcos, as perdas também foram imensas: cerca de 10 mil acabaram massacrados em Jerusalém. Após a derrota, os turcos atacaram os cruzados com freqüência e conseguiram reconquistar a Terra Santa. Novas expedições foram então convocadas pelos cristãos. Entretanto, elas não tiveram o mesmo êxito da primeira. Mal organizadas e divididas internamente por rivalidades entre nobres, várias Cruzadas não conseguiram chegar à Palestina. Na Segunda Cruzada, por exemplo, os combatentes de diversas regiões da Europa formaram grupos isolados e foram facilmente derrotados pelos turcos. Os participantes da Quarta Cruzada, financiada por comerciantes da região do Mediterrâneo, ao chegarem a Constantinopla saquearam a cidade, chegando a invadir as igrejas para tirar objetos de valor. Os saques provocaram o enfraquecimento do comércio de Constantinopla e o fortalecimento das cidades mediterrâneas, que passaram a monopolizar o comércio de especiarias. A Cruzada das crianças Diante das constantes derrotas das Cruzadas, difundiu-se a lenda de que o Santo Sepulcro, local onde, segundo o Novo Testamento, Jesus Cristo foi sepultado, só poderia ser conquistado por crianças, pois elas eram isentas de pecados. Em 1212, 20 mil crianças germânicas e 30 mil francas foram encaminhadas a Jerusalém. Muitas acabaram morrendo pelo caminho, outras foram assassinadas ou aprisionadas e vendidas como escravas nos mercados do Oriente. Em resumo, a expedição foi um enorme fracasso. Conseqüências das Cruzadas Apesar de não terem alcançado totalmente seu objetivo religioso, as Cruzadas promoveram grandes mudanças em toda a Europa, como a reabertura do Mediterrâneo à navegação e ao comércio europeu. Isso possibilitou a intensificação do comércio entre o Ocidente e o Oriente, interrompida em grande parte pela expansão muçulmana. Sobre esse processo, o historiador Leo Huberman afirmou: "Do ponto de vista religioso, pouco duraram os resultados das Cruzadas, já que os muçulmanos, oportunamente, retomaram o Reino de Jerusalém. Do ponto de vista do comércio, entretanto, os resultados foram tremendamente importantes. Elas ajudaram a despertar a Europa de seu sono feudal, espalhando sacerdotes, guerreiros, trabalhadores e uma crescente classe de comerciantes por todo o continente; intensificaram a procura de mercadorias estrangeiras; arrebataram a rota do Mediterrâneo das mãos dos muçulmanos e a converteram, outra vez, na maior rota comercial entre o Oriente e o Ocidente, tal como antes."