O vento cessa e uma grande calma reina em Cuatro
Vientos
Qualificar de improvável a tempestade que ocorreu em Cuatro Vientos seria excessivo: seu
nome indica que o local é um palco para os ventos. Mas o que se pode dizer sem exageros é
que algo dessa natureza é uma das piores coisas que os organisadores poderiam enfrentar.
Imaginem: meses, anos de preparação e “puf!” a chuva, o vento, os quatro ventos, a
tempestade, ou um tornado... O papa que não pôde mais discursar! Além do fato de
interromper a vigília durante uns vinte minutos no total, deve-se também considerar os
riscos que a multidão reunida em massa no aeródromo, muldidão que nenhum plano B teria
evacuado eficientemente, corria.
Pelas imagens mostradas pela mídia, não se podia perceber realmente, mas no local a tensão
chegava a ser palpável. Vamos lembrar que os jovens da jornada dormem aqui, geralmente
vestidos para o calor escaldante do dia. A chuva, invisível nas telas, é abundante, e os
abrigos, distantes, não são numerosos. As rajadas de vento fazem auto-falantes gigantes,
suspensos a metros do solo, vacilarem , uma tela gigante é interrompida, o som é cortado
momentaneamente, duas tendas-capela são destruidas, levadas pelo vento. A Cruz da
Joranada cai. A humidade começa a se impregnar o solo terrivemente seco. O Papa parece
bloqueado pela tensão da situação. Se ele esboça às vezes um sorriso meio divertido meio
sereno, sua expressão impávida não esconde uma certa inquietação. Ele mesmo parece
diretamente ameaçado pelo vento e pela chuva, apesar dos guarda-chuvas que tentam
protegê-lo.
Na zona F5 (touché!) com os Lyoneses, eu olho e escuto. Diante este espetáculo, a excitação e
a alegria do dia ainda coexistem com a incerteza. A situação é perigosa? Talvez. De qualquer
forma, agora é certo que a noite será complicada, imaginamos.
Atrás de nós, os guias da França entoam Ave-Marias. Três jovens franceses começam com a
Marseillaise para dar um gás ao coração. Aqui e ali, os lábios oram visivelmente ou à voz
baixa, enquanto outros tentam proteger suas coisas. Uma religiosa se ajoelha. Cada um é
chamado a um ato de fé em seu coração. Certamente, é para Bento XVI a questão mais difícil:
é sobre ele que cai a responsabilidade do que fazer em seguida: que decisão tomar? Encurtar
a vigília? Se retirar? Colocar em vigor os planos de urgência ? « Mestre, não te importa que
pereçamos? » (Mc 4, 38), ele deve ter dito a Jesus, como os discípulos na ocasião da
tempestade.
Na zona dos cardeais também se ora. “Alguns se põem de joelhos e rezam o terço com os
jovens responsáveis dos protocolos e serviços de ordem. Invocamos João Paulo II”, confia o
cardeal Philippe Barbarin*. De perto, escutamos: “El Papa está con nosotros! No pasa nada!”
Na verdade, há coisas acontecendo sim : o vento aumenta, os bombeiros montam nas
estruturas atrás do altar. As nuvens parecem confortar a noite na sua escuridão crescente. O
papa, convidado a se retirar diversas vezes para se refugiar na sacristia, responde: “Não, eu
quero ficar com os jovens!”, conta o padre Eric Jacquinet, responsável pela seção jovem do
conselho pontificio para os laicos, rsponsável pela organisão da JMJ. Dessa vez, não se trata
de literatura: o papa escrevera no seu livro Luz do Mundo, quando um jornalista lhe
perguntou se ele pensara em renunciar quando da crise na midia com respeito aos casos de
pedofilia: “Quando o perigo é grande, não se deve fugir.(...) É justamente nesse tipo de
situação que se deve manter firmeza e dominar as dificuldades. É a minha concepção.”.
Respondera ele. Esta noite foi a prova. E esse era o tema da JMJ que ele mesmo propusera,
que deveria ser vivido por cada um de forma pessoal : enraizado no lugar de Pedro, firme na
fé, o papa reza. Eu não tenho dúvidas de que, interiormente, Bento XVI fez nessa noite um
voto de confianca: “Senhor, se quiserdes, podes!”.
Ação de Deus ou não, 20 minutos depois, o vento cessa e uma grande calma se fez. “Depois da
tempestade, a bonança”, diriam os racionais. Certos. A tempestade aplacada dá lugar a uma
nova exultação coletiva : jovens desafiam o céu com seus guarda-chuvas, as bandeiras
retomam seus movimentos orgulhosos, os slogans são ouvidos agora com mais vigor: “Esta
es la juventud del Papa ! ».
Bento XVI vai falar. Ele continua seu texto como se nada tivesse acontecido ? Não. « Caros
amigos, eu agradeço sua alegria e resistência. A força de vocês é mais forte que a chuva. »
Nesse momento, nós gostariamos de lhe reenviar o elogio. A vigilia pode continuar.
Dia 20 de agosto de 2011, em algum lugar na terra de Espanha, um fervor coletivo implorou
ao Céu, testemunhado por milhares de telespectadores que de suas casas devem ter se unido
a essa oração. Essa noite, os quatro ventos foram contidos. “Como sois medrosos! Ainda não
tendes fé?» interroga Jesus depois que a tempestade foi acalmada. Misteriosamente, o papa
continua em francês e diz : « Orgulhem- se de terem recebido o dom da fé, ela que iluminará
vossas vidas a cada instante. Sustenham-se na fé dos próximos. Na fé da Igreja. ».
Não seria apenas o caso de espiritualizar fenômenos naturais. Que seja sempre destacado o
caráter súbito, violentamente ameaçador dessa tempestade. Que sejam repetidos o que ela
conseguiu: silenciar o papa, derrubar a cruz, tornar inutilisáveis as hóstias a consagrar.
Insistimos aqui no fato de que a destruição de uma ou mais tendas-capelas impediu a
distribuição da comunhão na missa de encerramento da JMJ, no dia seguinte. Esse mistério
resta a ser esclarescido e representa um ponto obscuro no balanço dessa 26ª JMJ.
Nessa noite, no aeródromo de Cuatro Vientos, o papa escolheu tomar a palavra uma última
vez antes de deixar os jovens: “Vivemos uma aventura juntos. Fortes na fé em Cristo, vocês
resistiram à chuva.(...) Com Cristo, vocês podem enfrentar as provas da vida. Não esqueçam
jamais!”
Foi em resposta desse último pedido que esse texto foi escrito. Não esqueçamos jamais.
Pierre Durieux
Diretor da comunicação da diocese de Lyon, França
*O Cardeal Phillippe Barbarin é o arcebispo de Lyon, ele esteve muito presente na
preparação dos jovens para a Jornada.
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