DIVULGAÇÃO AGRO 556
Nº 2 2007
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
Novembro 2007
DIVULGAÇÃO AGRO 556
Novembro, 2007
Edição no âmbito do Projecto PO AGRO DE&D Nº 556
“Diversificação da produção frutícola com novas espécies
e tecnologias que assegurem a qualidade agro-alimentar”
Coordenação
► Pedro Brás de Oliveira (INRB / ex-EAN/DPA)
Composição e Grafismo:
► Francisco Barreto (INRB / ex-EAN/DPA)
Impressão e Encadernação
► INRB / ex-EAN/DPA
► Tiragem - 50 exemplares impressos
100 exemplares em formato digital
A PLANTA DE MIRTILO
Morfologia e fisiologia
Folhas de Divulgação AGRO 556
Nº 2
Autor:
► Luís Lopes da Fonseca (INRB / ex-EAN/DPA)
Co-autor:
► Pedro Brás de Oliveira (INRB / ex-EAN/DPA)
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
Índice
Pág.
1
Introdução............................................................................
3
2
Origem e distribuição geográfica..........................................
4
3
Botânica...............................................................................
5
4
Ciclo biológico......................................................................
9
4.1
Dormência..............................................................................
9
4.2
Sistema radicular.....................................................................
12
4.3
Ramos...................................................................................
14
4.4
Folhas....................................................................................
15
4.5
Gomos...................................................................................
16
4.6
Floração.................................................................................
17
4.7
Fruto.....................................................................................
20
5
Bibliografia...........................................................................
23
2
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
1. Introdução
A origem do designativo genérico Vaccinium será, porventura, uma boa
introdução. É latim mas, segundo Stearn[1] a sua origem remonta ao
Traço-pelágico, uma lingua europeia pré-histórica. Outra teoria é que o
nome vem do latim Bacca. O mirtilo Vaccinium vitis-ideae ou “cowberry” é uma espécie muito abundante na Suécia, terra natal de Lineu,
ou poderá tratar-se, simplesmente uma corruptela de Bacca que, em
latim, significa baga.
Os frutos dos mirtilos, com formas e dimensões das mais variadas,
foram colhidos e consumidos frescos ou transformados pelo Homem,
desde a pré-história. Os vestígios mais antigos foram encontrados em
escavações da Idade do Bronze, na Dinamarca, em pedaços de um pote
de barro que continha vestígios desidratados de uma bebida ou de uma
compota (papa) que analisada revelou ser composta por mirtilos, uvas
do monte (um mirtilo do tipo “cranberry”), farinha de trigo e mel[2].
Também os animais são extremamente gulosos por mirtilos. Na Europa
destacam-se os melros, os estorninhos e os tordos, que apreciam tanto
os mirtilos como os coelhos, as ovelhas e as cabras.
A recolecção de frutos das espécies espontâneas, para consumo próprio
ou para comercialização, continua a ser uma actividade importante em
vários países europeus, nomeadamente nos países escandinavos,
Estónia, Letónia e Lituânia e, ainda que em menor escala, no centro da
Europa, Reino Unido e países do Leste Europeu. Na Finlândia, cada
habitante dedica, em média, oito dias por ano à recolha de pequenos
frutos espontâneos.
Foi a abundância de espécies, a sua larga área de distribuição e a
importância que tinham na alimentação dos povos nativos da América
do Norte (Índios e Inuites), que está na origem da enorme popularidade
dos mirtilos, primeiro nos Estados Unidos da América e Canadá e
actualmente no mundo.
3
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
2. Origem e distribuição geográfica
O género Vaccinium inclui cerca de 450 espécies, das quais 40% se
encontram na Ásia e no Pacífico, 26 no sub-continente norte-americano
e 6 na Europa. Na América Central e do Sul, passando pelas Caraíbas,
encontram-se 47 espécies, 5 em África, 19 no Japão e 70 na China. O
remanescente, cerca de 250 espécies, distribuem-se pela região Malaica
e Indochina[2][3].
A Europa, em especial a Europa mediterrânica, é bastante mais pobre
em espécies do género Vaccinium. Em Portugal continental encontra-se
o V. myrtillus, hoje restricto à Serra do Gerês e o V. vitis-idae com uma
distribuição, provavelmente, semelhante.
Na Ilha da Madeira é endémico o V. padifolium, cujos frutos com cerca
de 1cm de diâmetro são comestíveis e já foram, em tempos,
exportados. No Arquipélago dos Açores, encontra-se o V. cilindraceum,
espécie não comestível mas, protegida, por integrar a dieta de verão do
Priôlo[4].
A importância actual das espécies, para além da enorme importância
que
têm
enquanto
parte
integrante
da
dieta
de
um
número
desconhecido de espécies animais e, enquanto património genético
fundamental para o futuro do melhoramento, varia com as regiões, as
tradições e o folclore locais. No entanto, são os Estados Unidos que
desempenham o papel de maior relevo no desenvolvimento de novas
cultivares, na produção e indústria de transformação, bem como no
consumo de mirtilos. Provavelmente mais de 95% das cultivares
existentes são híbridos mais ou menos complexos de espécies norte
americanas.
4
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
3. Botânica
As plantas incluídas neste género apresentam uma enorme disparidade
de aspecto e dimensões, que vão desde apenas alguns centímetros de
altura da V. macrocarpum, planta rastejante que produz ramos que
podem atingir os 2m de comprimento, até ao V. ashei do sul dos
Estados Unidos, arbusto que atinje facilmente os 10m de altura,
passando pelo V. myrtillus da Europa, com caules herbáceos e que não
ultrapassa os 0,5m.
O género Vaccinium possui dois sub-géneros, que se encontram por sua
vez divididos num número relativamente elevado de Secções. Esta sub-divisão não reúne concensso de todos os botânicos e tem sofrido
grandes alterações nos últimos anos. Alguns botânicos consideram o
sub-género Oxyccocus como um género distinto do Vaccinium e nele se
encontram integrados todos os “cranberries”.
Na listagem de espécies que a seguir se refere, figuram apenas algumas
espécies de cada Secção, nomeadamente algumas que têm maior
importância no melhoramento e obtenção de novas cultivares[3][5][6][7].
Subgenus Oxycoccus
São vulgarmente designados por “cranberries”. Apresentam caules
delgados,
rastejantes,
semi-lenhosos
e
flores
fortemente dobradas.
Secção Oxycoccus
Vaccinium macrocarpon (Cranberry americano)
Vaccinium microcarpum (Cranberry pequeno)
Vaccinium oxycoccus (Cranberry comum)
Secção Oxycoccoides
Vaccinium erythrocarpum
5
com
pétalas
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
Subgenus Vaccinium
Inclui todas as outras espécies de mirtilos. São arbustos com ramos
grossos, erectos e lenhosos e flores com a corola em sino.
Secção Batodendron
Vaccinium arboreum (Sparkleberry)
Vaccinium crassifolium (Mirtilo rastejante)
Secção Brachyceratium
Vaccinium dependens
Secção Bracteata
Vaccinium acrobracteatum
Vaccinium barandanum
Vaccinium bracteatum
Vaccinium coriaceum
Vaccinium cornigerum
Vaccinium cruentum
Vaccinium hooglandii
Vaccinium horizontale
Vaccinium laurifolium
Vaccinium lucidum
Vaccinium myrtoides
Vaccinium phillyreoides
Vaccinium reticulatovenosum
Vaccinium sparsum
Vaccinium varingifolium
Secção Ciliata
Vaccinium ciliatum
Vaccinium oldhamii
Secção Cinctosandra
Vaccinium exul
Secção Conchophyllum
Vaccinium corymbodendron
Vaccinium delavayi
Vaccinium emarginatum
Vaccinium griffithianum
Vaccinium meridionale
Vaccinium moupinense (Mirtilo do Himalaia)
Vaccinium neilgherrense
6
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
Vaccinium nummularia
Vaccinium retusum
Secção Cyanococcus (Mirtilos cultivados)
Vaccinium angustifolium (Lowbush)
Vaccinium boreale (Mirtilo americano do norte)
Vaccinium caesariense (New Jersey)
Vaccinium corymbosum (Mirtilo gigante americano)
Vaccinium darrowii
Vaccinium elliottii
Vaccinium formosum
Vaccinium fuscatum (Black Highbush; syn. V. atrococcum)
Vaccinium hirsutum
Vaccinium koreanum
Vaccinium myrsinites (Mirtilo de folhagem perene)
Vaccinium myrtilloides (Mirtilo do Canadá)
Vaccinium pallidum
Vaccinium simulatum
Vaccinium tenellum
Vaccinium virgatum (Rabbiteye; syn. V. ashei)
Secção Eococcus
Vaccinium fragile
Secção Epigynium
Vaccinium vacciniaceum
Secção Galeopetalum
Vaccinium chunii
Vaccinium dunalianum
Vaccinium glaucoalbum
Vaccinium urceolatum
Secção Hemimyrtillus
Vaccinium arctostaphylos
Vaccinium cylindraceum (Mirtilo dos Açores)
Vaccinium hirtum
Vaccinium padifolium (Mirtilo da Madeira)
Vaccinium smallii
Secção Myrtillus
Vaccinium calycinum
Vaccinium cespitosum
Vaccinium deliciosum
7
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
Vaccinium dentatum
Vaccinium membranaceum
Vaccinium myrtillus (Mirtilo europeu)
Vaccinium ovalifolium (Mirtilo do Alasca; syn. V. alaskaense)
Vaccinium parvifolium (Huckleberry vermelho)
Vaccinium praestans
Vaccinium reticulatum (Mirtilo do Havai “ohelo 'ai”)
Vaccinium scoparium
Secção. Neurodesia
Vaccinium crenatum
Secção Oarianthe
Vaccinium ambyandrum
Vaccinium cyclopense
Secção Oreades
Vaccinium poasanum
Secção Pachyanthum
Vaccinium fissiflorum
Secção Polycodium
Vaccinium stamineum (syn. V. caesium)
Secção Pyxothamnus
Vaccinium consanguineum
Vaccinium floribundum
Vaccinium ovatum (California Huckleberry)
Secção Vaccinium
Vaccinium uliginosum (Uva do monte do norte ou dos
pântanos; syn. V. occidentale)
Secção Vitis-idaea
Vaccinium vitis-idaea (Uva do Monte, Cowberry, Lingonberry)
8
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
4. Ciclo biológico
4.1. Dormência
Entende-se por dormência o período durante o qual o crescimento das
plantas cessa por completo. Os dois principais tipos de dormência são: a
quiescência e o repouso (Figura 1).
A quiescência resulta de factores externos à planta, nomeadamente por
temperaturas
excessivamente
altas
ou
baixas,
a
diminuição
do
comprimento do dia e da intensidade luminosa. As plantas quando
sujeitas a carências hídricas também podem entrar em quiescência. A
quiescência é pois um estado passageiro que se anula quando os
estímulos externos desfavoráveis cessam.
Figura 1 – Planta dormente: a – coroa; b – ramo principal; c – ramo de renovação; d – ramo
podado; e – ramo lateral do ano com gomos vegetativos e florais
[8]
.
O repouso, pelo contrário, é uma dormência fisiológica mantida por
factores endógenos. Quando estes factores são desencadeados, a planta
entra em repouso e, não retomará o crescimento, até que todas as
condições internas tenham sido atingidas, ainda que as externas se
9
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
tornem, eventualmente, favoráveis. As necessidades de repouso ou
dormência interna devem ser bem compreendidas pelo produtor de
mirtilos.
Existem três tipos ou três fases de repouso. Na primeira fase, no início
do Outono, o crescimento dos ramos cessa, bem como a actividade, não
visível, no interior dos gomos florais. O desencadear deste repouso é
gradual e pode durar algumas semanas. Durante esta fase as plantas
respondem cada vez menos aos estímulos externos. Na segunda fase, a
planta como que se desliga e entra num período de repouso profundo
durante o qual a parte aérea não responde a qualquer alteração dos
estímulos externos. Durante esta fase os ramos têm de estar sujeitos a
um certo número de horas abaixo de 7 ºC para poderem retomar o
crescimento. Eck[5] refere que as necessidade de frio das plantas de
mirtilo foram pela primeira vez referidas por Coville (1921) e Darrow
(1924). Estes autores foram os primeiros a demonstrar que as cultivares
de mirtilo do grupo “Northern Highbush” (NHB) necessitavam de 650 a
800 horas a uma temperatura inferior a 7,2 ºC (UF).
Diferentes cultivares necessitam de diferentes acumulações de horas de
frio, possuindo os gomos florais menores necessidades de frio do que os
gomos vegetativos. O abrolhamento dos gomos vegetativos e o
crescimento dos ramos, em mirtilos NHB, aumenta de um mínimo de
800 até às 1200 horas[5][9].
Em 1948 foram obtidos os primeiros híbridos tetraploides, os Southern
Highbush (SHB), que necessitam de menos de 400 horas de frio ou seja
de temperaturas abaixo dos 7,2 ºC[10].
Quadro I
Conversão de temperaturas em Unidades de Frio[11][12]
Temp. (ºC)
< 1,4
1,5 – 2,4
2,5 – 9,1
9,2 – 12,4
12,5 – 15,9
16 - 18
> 18
UF de Utah
(Pêssego)
0,0
0,5
1,0
0,5
0,0
-0,5
-1,0
UF modificadas
NHB e SHB
Temp. (ºC)
UF modificadas
Rabbiteye
0,5
0,5
1,0
0,5
0,0
-0,5
-1,0
<2
3–5
6 – 15
15 – 18
19 – 21
22 – 24
> 25
0,0
0,5
1,0
0,5
0,0
-0,5
-1,0
10
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
É possível converter as diferentes temperaturas ao longo do dia em
Unidades
de
Frio,
que
se
adicionam,
tendo
presente
que
as
temperaturas mais elevadas contam negativamente, ou seja, uma hora
de frio entre os 2,5 e os 9,1 ºC é anulada por uma hora entre os 16 e os
18 ºC (Quadro I). Países como Portugal em que frequentemente
ocorrem dias de Inverno claros e ensolarados, em que as temperaturas
podem atingir facilmente os 16 ºC ou mesmo mais, essas horas anulam
horas a temperaturas úteis.
Quadro II
Horas de frio necessárias a mirtilos dos grupos NHB, SHB e Rabbiteye,
para um máximo de floração[5][13].
Cultivar
NHB
Jersey
Horas abaixo
7,2 ºC
>1060
Cultivar
Horas abaixo
7,2 ºC
SHB
Jubilee
400
150
Cabot
1060
Misty
Stanley
1060
O’Neal
400-500
Pioneer
1060
Sparpblue
200-300
Scammell
1060
Jewell
100-150
June
1060
Reveille
600-800
Concord
1060
Georgiagem
350
Burlington
950
Cape Fear
500-600
Dixi
950
Flordablue
300
Weimouth
950
Summit
Rancocas
950
Ozarkblue
Wareham
950
Legacy
500-600
Rubel
800
Cooper
400-500
Rabbiteye
800
800-1000
Southmoon
400
Santa Fe
350
Tifblue
850
Bonita
350-400
Climax
650
Avonblue
400
Woodard
650
Sapphire
100-150
Bluegem
450
Bladen
600
Bluebelle
450
Bluecrisp
400
Premier
500
Gulf Coast
300
Star
400-500
Mainland et al.[11] mostraram que uma temperatura constante de 0,5 ºC
era a mais efectiva para satisfazer as necessidade de frio dos mirtilos
11
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
(HB). No entanto, Norvell e Moore[12] provaram que o frio entre 1 ºC e
12 ºC satisfazia as necessidades de frio dos HB, sendo a temperatura
mais eficaz os 6 ºC. Assim, propuseram uma modificação do Modelo de
Utah (Quadro I), quando aplicado aos mirtilos.
O número de horas (Unidades de Frio) necessárias à quebra da
dormência de uma planta de mirtilo tem que ocorrer antes do fim do
Inverno. Na escolha das cultivares a plantar numa determinada
localização deve atender-se cuidadosamente às suas necessidades de
frio ou as plantas, dificilmente, poderão expressar todo o seu potencial
produtivo (Quadro II).
4.2. Sistema radicular
O sistema radicular dos mirtilos, muito superficial e compacto é
constituído por dois tipos distintos de raízes:
Raízes finas com diâmetro inferior a 2 mm
Raízes de suporte com diâmetro entre 2 e 11 mm
As raízes finas e fibrosas distribuem-se nos primeiros 30 a 40cm de
profundidade e asseguram a absorção de água e nutrientes. As raízes
mais grossas, que podem alcançar profundidades de cerca de 1 metro
são responsáveis pela fixação do arbusto ao solo.
As raízes dos mirtilos apresentam algumas características morfológicas
que, de algum modo, condicionam as tecnologias de produção.
Ao contrário das raízes da maior parte das plantas, as do mirtilo não
possuem pêlos radiculares. Estas estruturas asseguram, nas plantas que
os possuem, mais de 90% da absorção de água e nutrientes.
Os mirtilos podem desenvolver simbioses com vários fungos do solo,
cujas hifas se expandem, em parte, nas primeiras camadas de células
das raízes e o restante, no solo que as rodeia. É esta porção das hifas,
que pode ter 2 a 2,5 cm de comprimento, que assume o papel dos pêlos
radiculares e assegura a absorção de água e nutrientes, de que e as
plantas necessitam.
O sistema radicular dos mirtilos não apresenta um verdadeiro período de
repouso, as raízes crescem sempre que as condições ambientais no solo
sejam favoráveis. O crescimento inicia-se quando a temperatura do solo
12
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
é superior a 6 ºC e aumenta até esta atingir os 16 ºC. Dos 16 ºC até aos
22ºC o crescimento abranda e cessa, totalmente, quando a temperatura
do solo ultrapassa aquele valor. Quando as condições de temperatura,
humidade e arejamento do solo são adequadas uma raiz de mirtilo pode
crescer até cerca de 1 mm por dia. Por comparação a raiz do trigo pode
crescer 20 vezes mais depressa.
As
raízes
do
mirtilo,
independentemente
de
outras
condições,
apresentam dois picos de crescimento. O primeiro coincide com o
período de vingamento dos frutos e o segundo com a diferenciação
floral. O crescimento dos ramos não é competitivo do crescimento
radicular mas, o crescimento e maturação dos frutos é. O período de
crescimento lento das raízes no início do verão coincide com o
crescimento e maturação dos frutos. Como os frutos são o destino
preferencial dos foto-assimilados, o crescimento das raízes apenas se
retoma, de modo significativo, após a colheita.
Nas plantas a água e os elementos nutritivos são, depois de absorvidos
pelas
raízes,
uniformemente
translocados
através
da
planta.
Ao
contrário da maior parte das plantas, no mirtilo este movimento não
ocorre de maneira uniforme. O sistema vascular das raízes e da parte
aérea não se encontra totalmente interligado. Se a água e os nutrientes
forem distribuídos de um dos lados da planta, então só esse lado se
desenvolverá[3].
Abbot e Gough[15] verificaram que plantas de mirtilo cultivadas em vaso
e regadas só de um dos lados do vaso, os ramos desse lado
apresentavam maior crescimento, ou seja, o comprimento, diâmetro dos
ramos e número de folhas era claramente maior, quando comparados
com
os
ramos do lado não
regado.
Investigadores australianos
confirmaram este tipo de comportamento em ensaios no campo.
Verificaram que o sistema radicular era mais denso no lado regado e
que os ramos do lado não regado poderiam eventualmente morrer[16][17].
Este tipo de comportamento nos mirtilos comprova a necessidade do
sistema de rega fornecer água uniformemente em torno da planta.
Deve-se proceder do mesmo modo na distribuição de adubos em
sistemas de produção sem fertirega.
As raízes finas e fibrosas dos mirtilos têm pouca capacidade de
penetração pelo que as plantas se desenvolvem melhor em solos
13
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
arenosos ou franco arenosos, não pedregosos e ricos em matéria
orgânica. Este tipo de solos também é mais adequado à proliferação dos
fungos que vivem em simbiose com as raízes e desempenham um papel
fundamental na absorção.
Os solos arenosos claros, em condições mediterrânicas, têm tendência a
aquecer, pelo que muito rapidamente a temperatura pode ficar, durante
a maior parte do dia, em valores superiores a 20 ºC. Na prática deve
recorre-se ao empalhamento com casca de pinheiro, serraduras,
polietileno, etc., como forma de ensombrar o solo para manter as
temperaturas na faixa de maior actividade radicular e, simultaneamente,
garantir uma uniformidade na humidade do solo.
Os valores de pH devem variar entre os 4,5 e os 5,5. Este facto resulta
de no habitat natural das principais espécies de mirtilo utilizadas no
melhoramento, os solos serem turfosos. Estes solos são extremamente
ricos em matéria orgânica e pH baixo, o que é consentâneo com a fraca
capacidade de penetração das raízes, com o estabelecimento de
simbioses com fungos e está associado com a necessidade de não
ocorrerem
grandes
e
sistemáticas
variações
nas
disponibilidades
hídricas.
4.3. Ramos
Os mirtilos cultivados do tipo “highbush” ou gigante americano, são
arbustos caducifólios, cuja altura varia entre 0,9 m para alguns híbridos
“highbush x lowbush” e os 2,5 metros para a maior parte das cultivares
comercialmente cultivadas.
O crescimento vegetativo inicia-se pelo abrolhamento dos gomos, na
Primavera e prossegue com o crescimento dos ramos até ao fim do
verão.
Os ramos têm origem em gomos da coroa, ou seja na zona de transição,
em que o sistema vascular apresenta uma estrutura morfológica
intermédia entre o sistema vascular das raízes e o dos ramos. Estes
ramos constituem a estrutura da planta. Existem ainda ramos laterais
que se formam a partir de gomos existentes na axila das folhas.
Os ramos com origem na coroa e os laterais mais ou menos erectos,
apresentam um crescimento do tipo simpodial, com fluxos de rápido
14
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
crescimento, que cessa quando o seu gomo terminal morre. O fluxo
seguinte é baseado nos dois ou três gomos situados abaixo do gomo
terminal, dado que o gomo imediatamente abaixo morre por necrose do
primórdio foliar adjacente. Esta ocorrência é característica dos mirtilos
sendo designada por ponta negra[3].
Os ramos têm normalmente comprimentos de 15 a 50 cm e podem
apresentar dois a três fluxos de crescimento, por ano, se as condições
climáticas e as disponibilidades de água e nutrientes forem adequadas.
O comprimento final do ramo depende do vigor da planta ao inchamento
do gomo. As cultivares precoces como a Bluetta e a Earliblue produzem,
em geral, mais fluxos de crescimento do que as cultivares tardias como
a Herbert e a Coville. A cultivar Lateblue constitui uma excepção,
apresentando um comportamento de cultivar de meia estação, mais do
que o de cultivar tardia[18].
O crescimento dos ramos cessa, em geral, no meio de Agosto, início de
Setembro quando os dias se tornam mais curtos e as temperaturas mais
baixas, condições que promovem a diferenciação floral de alguns dos
gomos. A diferenciação floral ocorre de forma distinta nos vários ramos.
Assim, diferenciam-se mais gomos nos ramos do último fluxo de
crescimento.
Alguns gomos que normalmente ficariam dormentes podem abrolhar no
fim do Verão, princípio do Outono, originando ramos novos. Este
fenómeno que se designa por prolepsis pode ser desencadeado por
chuvas outonais ou por regas tardias abundantes, fertilizações tardias
com azoto ou por podas demasiado temporãs em condições de
temperaturas amenas. Estes ramos não atempam suficientemente pelo
que podem ser queimados pelo frio no Inverno.
4.4. Folhas
As folhas formam-se nos nós dos ramos, com inserção alterna, podendo
variar na forma entre uma elipse estreita e mais ou menos ovaladas.
Podem atingir os 75 mm e apresentar pêlos na página inferior ou serem
glabras, a margem é dentada e possuem o que aparentam ser nectários
extra-florais perto da base[19]. Na axila de cada folha forma-se um
gomo. O número de folhas depende das cultivares e do vigor do ramo
15
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
em que se formaram. Ramos finos possuem em geral cerca de dez
folhas e os ramos grossos podem ter trinta[3].
4.5. Gomos
Os gomos formam-se na axila das folhas, pelo que o seu número
depende do número de folhas do ramo. Existem dois tipos de gomos: os
vegetativos ou foliares que vão dar origem aos ramos e os florais,
formados a partir dos vegetativos, após a diferenciação floral (Figura 2).
A
diferenciação
floral,
nas
nossos
condições
e
dependendo
das
cultivares, inicía-se em Agosto quando as temperaturas nocturnas
começam a descer e os dias a ficarem mais curtos e pode extender-se
ao longo dos meses de Setembro e Outubro.
[8]
Figura 2 – Ramo lateral dormente: a – gomo vegetativo; b – gomo floral
.
Nos mirtilos a diferenciação floral inicía-se nos gomos da extremidade
distal e prossegue de forma basipta ao longo do ramo. Em algumas
cultivares, os gomos florais encontram-se intercalados por gomos
vegetativos. Segundo Gough e Shutak[20], num ramo de espessura
média que tenha tido dois fluxos de crescimento, o gomo mais distal do
primeiro fluxo, normalmente, diferencia-se, enquanto que o gomo mais
proximal do segundo fluxo será um gomo vegetativo.
16
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
O número de gomos florais em cada ramo depende da cultivar mas, a
razão entre florais e vegetativos depende do vigor do ramo[20]. Ramos
grossos, porque excessivamente vegetativos, apresentam uma razão de
0,35. Nos ramos finos, porque são fracos, a razão é de 0,55, enquanto
que nos ramos médios a relação é de 0,66, ou seja, uma média de um
gomo floral por cada 2,5 cm de comprimento de ramo.
O número de flores por gomo floral também está dependente da posição
do gomo no ramo. Os gomos distais são os que apresentam maior
número de flores e este diminui à medida que aumenta a distância à
extremidade do ramo. Nas cultivares Collins e Bluecrop, no segundo
gomo diferenciam-se, em média, nove a dez flores, enquanto que no
terceiro se formam oito e no quarto sete. Como os gomos florais se
diferenciam de forma basipta ao longo do ramo, os da extremidade
distal têm mais tempo para se diferenciarem antes do Outono[3].
4.6. Floração
Os mirtilos têm uma floração relativamente longa. Dependendo das
condições ambientais, uma cultivar pode estar em floração durante 7 a
14 dias. As cultivares precoces tendem a ter períodos de floração mais
extensos que as cultivares tardias. A duração do período de floração tem
uma base genética mas, também é influenciado pela temperatura. As
cultivares precoces começam a florir quando as temperaturas ainda são
relativamente baixas e, portanto, florescem durante um período mais
alargado[3][5].
O posicionamento do gomo floral também influencia a data da floração.
Os gomos florais, florescem de forma basipta, ou seja, a floração iniciase no gomo mais próximo da extremidade e daí para os da base, em
sequência. A antese das flores no gomo processa-se do mesmo modo. O
primeiro botão floral a abrir é o da extremidade, seguem-se os outros
até todo o cacho estar florido. A espessura do ramo também influencia a
precocidade da antese; as flores dos ramos finos abrem primeiro do que
as dos ramos mais grossos[20] (Figura 3).
17
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
Figura 3 – Ramo lateral em flor
[8]
.
As flores dos mirtilos têm várias características que desfavorecem a auto
polinização e promovem a polinização cruzada. A corola das flores é
gomilosa e deprimida, isto é, as pétalas das flores estão soldadas entre
si formando uma campânula invertida com uma abertura pequena, a
boca, que protege os estames do vento, evitando que o pólen caia sobre
o seu próprio estigma. As flores são aromáticas e possuem glândulas
nectaríferas na base do estigma, o que promove a visita das flores por
insectos pequenos que conseguem penetrar na corola e também atrai
outros insectos como as abelhas e as vespas. Quando um insecto
penetra na corola começa por encontrar os estigma onde deposita,
eventualmente, pólen que recolheu noutra flor. Em seguida as anteras,
carregadas de pólen, libertam-no e só no fim do percurso o insecto tem
acesso ao néctar.
Uma flor de mirtilo tem várias dezenas de óvulos no ovário. Sendo os
grãos de pólen constituídos por tetradas, raras vezes cada tetrada
produz mais do que um tubo polínico. Assim, são necessários tantos
grãos de pólen quantos os óvulos para uma adequada fertilização[20].
Brewer e Dobson[22] referem que na cultivar Rubel 98% do pólen
produziu um único tubo polínico e apenas nos 2% restantes foram
produzidos dois, raramente três.
18
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
O estigma das flores nos mirtilos “Highbush” e “Rabbiteye” permanece
receptivo cerca de oito dias após a antese[23][24]. No entanto, três dias
após a antese o vingamento pode decrescer de forma acentuada[24].
Portanto, se a fertilização não ocorrer 3 a 6 dias após a antese é pouco
provável que venha a ocorrer. Cada óvulo fertilizado irá dar origem a
uma semente e quanto maior for o número de sementes, que se
desenvolvem, maior será a dimensão e o peso do fruto. As sementes
durante o crescimento produzem um certo número de compostos
fitoreguladores, nomeadamente ácido giberélico, que afectam o número
de células e o seu crescimento, portanto, o crescimento do fruto.
Algumas cultivares como a Earlyblue e a Coville são parcialmente auto
estéreis. A polinização cruzada aumenta a produção, em numerosas
cultivares,
originando
frutos
maiores
e
maturação
antecipada[21]
(Quadro III).
Quadro III
Efeito da auto-polinização e da polinização cruzada na produção de sementes e no peso do
fruto
Cultivar
Polinização
Nº sementes
Peso fruto (g)
Bluecrop
Auto-polinização
Polinização cruzada
10,8
26,7
1,87
2,36
Bluejay
Auto-polinização
Polinização cruzada
6,2
9,8
1,09
1,14
Elliot
Auto-polinização
Polinização cruzada
7,7
43,7
1,60
2,03
Jersey
Auto-polinização
Polinização cruzada
15,1
48,4
1,16
1,64
Rubel
Auto-polinização
Polinização cruzada
11,8
22,7
0,82
0,96
Spartan
Auto-polinização
Polinização cruzada
1,3
9,4
1,91
2,50
Nota – Plantas cultivadas no campo e manualmente polinizadas com o seu próprio pólen
ou com mistura de pólen de outras cultivares[21]
19
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
A corola da maior parte das cultivares de mirtilo tem mais de 4 mm de
comprimento. A abelha europeia, Apis mellifera, possui uma língua com
4mm pelo que não é o insecto mais eficaz na polinização dos mirtilos.
Em contra partida existem diversas espécies de abelhas selvagens que
possuem línguas bastante mais longas sendo, portanto, mais eficientes.
As vespas são um
predador natural de lagartas e um insecto
extremamente útil em luta biológica mas, o néctar também faz parte da
sua dieta. A abertura da corola dos mirtilos é demasiado pequena para
que as vespas possam penetrar pelo que, por vezes, elas rasgam uma
abertura na base da corola, conseguindo, assim, acesso ao néctar sem
contribuírem para a polinização. Verifica-se que uma vez esta abertura
rasgada outros insectos, as abelhas incluídas, acedem pela mesma via,
contribuindo negativamente para a polinização e portanto para o
vingamento dos frutos. Este facto não é específico dos mirtilos dado que
pode ser observado noutras plantas com corolas fechadas[25].
4.7. Fruto
Os
frutos
do
mirtilo
são
bagas
que
se
formam
a
partir
do
desenvolvimento de um ovário ínfero. Os frutos amadurecem, em geral,
cerca de 2 a 3 meses após a floração, dependente das cultivares e das
condições atmosféricas, nomeadamente a temperatura e do vigor da
planta (Figura 4).
Durante o processo de crescimento e maturação das bagas podem-se
distinguir três fases distintas[26]. A primeira fase caracteriza-se por um
rápido aumento do volume da baga, consequência de uma rápida
divisão celular e de um aumento de tamanho das células. Esta fase dura
cerca de um mês.
20
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
c
Figura 4 – Ramo frutífero: a – gomo axilar; b – gomo terminal abortado; c – frutos[8].
Durante a segunda fase o tamanho da baga aumenta pouco mas, os
embriões no interior das sementes desenvolvem-se e amadurecem. Na
terceira fase a baga começa a amadurecer e sofre um rápido aumento
em volume que resulta de um grande aumento do volume das células[9].
Esta fase dura cerca de 16 a 26 dias e é aquela em que, de facto, a
baga cresce mais.
Nas bagas grandes a segunda fase é relativamente curta e possuem três
vezes mais sementes do que as bagas pequenas. Assim, a primeira fase
de crescimento ocupa 60% do tempo, a segunda 30% e a terceira cerca
de 10%.
A maturação ocorre no período correspondente à fase 3, durante o qual
os tecidos amolecem, o teor em clorofila diminui e aumenta o teor em
antocianinas, ou seja, as bagas passam de verdes a azuis. Aumentam
também, nesta fase, os açucares e outros componentes solúveis, a
acidez diminui, bem como a respiração decresce lentamente depois de
uma rápida alteração designada por climatério[10].
21
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
Figura 5 – Corte de uma baga: a – epiderme; b – polpa; c – loculo; d – placenta com
sementes
[8]
.
Não existe uma total correlação entre a antese e o amadurecimento do
fruto, nem existe nenhum padrão que relacione a maturação com a
localização da baga no arbusto. A dimensão dos frutos é, contudo,
dependente da localização. Ramos grossos produzem frutos maiores.
Isto pode resultar de uma maior capacidade de fornecimento de água e
nutrientes, ao fruto, porque os ramos mais grossos possuem mais
folhas, mais espessas, com maior capacidade fotosintética e portanto
produzindo um maior volume de foto-assimilados[3].
A separação ou a ablação da baga, da planta, faz-se através da camada
de absição, zona situada entre o pedicelo do fruto e a extremidade basal
deste. Esta separação deixa uma cavidade com cerca de 5 mm de
diâmetro à superfície e com uma média de 2 mm de profundidade, que
se designa por cicatriz. A dimensão da cicatriz é geneticamente
controlada e varia, portanto, com as cultivares. A existência de
cicatrizes
pequenas
como
as
da
cultivar
Bluecrop,
resultam
do
melhoramento e têm a vantagem de diminuir a susceptibilidade dos
frutos ao aparecimento de podridões e perdas de turgescência, durante
o período de armazenamento[3].
22
A planta de mirtilo
Morfologia e fisiologia
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24
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Agronómica
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