Lições de vida do papa
Ele pede para ser chamado de Jorge, recusa carros de luxo e tenta viver como um
homem comum. O que você tem a aprender com ele
FLÁVIA YURI OSHIMA
19/07/2013 21h18 - Atualizado em 20/07/2013 11h30
>>Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana:
A cada 15 dias, sempre aos domingos, a argentina Clelia Luro espera. Aos 87
anos, com medo de sua audição falhar, ela fica próxima ao telefone e toma
cuidado para que o rádio e a TV estejam baixinhos. Esse é o dia em que Jorge, um
de seus melhores amigos, liga. Há 13 anos é assim. “Nossas conversas parecem
reuniões de trabalho. Difícil fugir de discussões sobre política e religião”, disse ela
a ÉPOCA. Eles não se veem desde o domingo 24 de fevereiro, 48 horas antes de
Jorge embarcar para Roma. Eleito papa, o bispo Jorge Bergoglio adotou o nome
de Francisco e ainda não conseguiu voltar a Buenos Aires. Mas as ligações não
cessaram. Na última, tiveram uma discussão feia. Clelia achou loucura ele ter
dispensado o carro blindado para desfilar pelo Rio de Janeiro durante a Jornada
da Juventude (leia mais sobre a operação de guerra para proteger o papa).
“Disse a ele que tomaria um tiro”, afirma. Ao que o papa respondeu: “Não vou me
esconder. Tenho de estar perto das pessoas. Não sou um faraó”. Clelia conheceu
o papa quando ele, como bispo, foi visitar seu segundo marido, Jerónimo Podestá,
doente em casa. Podestá também fora bispo e renunciou à Igreja para casar com
Clelia, uma teóloga. “Seus pares na Igreja se afastaram. Sofremos todos os tipos
de ameaça”, diz ela. Quando Podestá adoeceu, o bispo Bergoglio foi visitá-lo em
casa e no hospital. “Depois de anos de rejeição, as visitas de Jorge foram um
bálsamo para a alma do meu marido”, diz Clelia. “Nos tornamos amigos.”
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Essa amizade e a maneira atenciosa como o papa a conduz ilustram três
características notáveis de Francisco. Primeiro, mesmo depois de ser papa, ele
continua a se comportar como uma pessoa normal. Segundo, ele dá imenso valor
às relações humanas. Terceiro, pratica ativamente a tolerância com aqueles que
discordam dele, como Clelia. Na mesma noite em que foi anunciado como papa,
em 13 de março deste ano, houve sinais de que Francisco seria diferente de seus
antecessores. Surgiu com roupas mais simples. Optou por um anel de prata, no
lugar do ouro. Manteve a cruz e os sapatos modestos que sempre usou e
dispensou os acessórios papais pomposos. Desde então, tem se confirmado como
o papa da simplicidade e da austeridade. Um papa humilde que se preocupa com
os humildes. Seu exemplo é uma força que se espalha rapidamente no interior da
Igreja. “Os padres e os seminaristas estão birutas, no bom sentido”, diz o teólogo
Fernando Altmayer, professor da PUC de São Paulo. “O modelo anterior de
ascensão foi revogado.” Fora da Igreja, católicos e não católicos acompanham
com interesse o comportamento de um papa que parece ter muito a ensinar ao
homem comum, sobretudo em tempos de crise econômica e moral. A conduta de
Francisco sinaliza desapego material, apreço pelas relações humanas e
misericórdia – atitudes que ressoam mesmo entre os não religiosos. “Ele funciona
por contágio”, diz a jornalista argentina Evangelina Hemitiam, autora da biografia A
vida de Francisco, que acaba de ser lançada no Brasil pela editora Objetiva. “O
efeito que ele provoca nas pessoas é revolucionário.”
>>"Nos vemos em três dias", diz papa Francisco no Twitter
>>Fotos: Os preparativos para a visita do papa
O papa que chega ao Rio de Janeiro nesta segunda-feira, dia 22, é um líder capaz
de fazer o país repensar. No Brasil de 2013, que saiu às ruas em protesto contra o
descaso de seus governantes, é o homem certo na hora certa. Seu exemplo de
humildade e dedicação aos que sofrem, associado ao desprezo por luxo, conforto
e privilégio, constitui uma espécie de repreensão silenciosa aos arrogantes que, no
poder, agem como se tivessem direito a tudo. O exemplo de Francisco não mudará
radicalmente o Brasil e nem tocará o coração de todos os brasileiros. Mas ele é
capaz de inspirar e ensinar os que estiverem prontos a ouvi-lo.
1. VIAJE LEVE PELA VIDA
Evangelina Himitiam, a biógrafa do papa, diz, com certo exagero, que tudo o que
ele tem na vida cabe numa mala. São discos, livros, um pôster de seu time do
coração – o San Lorenzo, de Buenos Aires – e um crucifixo que ganhou dos avós.
Francisco é desapegado, e isso lhe permite, nas palavras dela, “viajar leve pela
vida”. Anda a pé, pega transporte público e, quando cardeal, não tinha carro oficial
nem motorista. Esse voto de pobreza, diz o teólogo Altmayer, não é algo triste,
pelo contrário. “Quem tem pouco é mais livre, mais feliz”, diz. Talvez essa fórmula
não valha para todos. Mas ela pode nos ajudar a repensar o materialismo
exagerado dos nossos tempos. “O ser humano está sufocado pelo capital material.
As pessoas têm sede do capital espiritual”, diz Leonardo Boff, teólogo que acaba
de lançar pela editora Mar de Ideais o livro Francisco de Assis e Francisco de
Roma. “As mensagens que o papa passa com suas ações fazem sentido para o
espírito”, afirma Boff.
2. DÊ IMPORTÂNCIA AOS VALORES
Em lugar do apego aos bens materiais, o papa Francisco tem valores. Desde a
infância, sua biografia está repleta de elementos que demonstram isso. Ele
começou a trabalhar aos 12 anos, porque seu pai considerava o trabalho
essencial. Guardou isso com ele. Música e literatura também são paixões
precoces que ele cultiva até hoje, como elemento essencial da existência. Da ética
religiosa dos jesuítas, a ordem religiosa a que Francisco pertence, extraiu a
decisão de levar uma vida modesta, dedicada aos necessitados. Ele acredita que
ajudar os pobres enriquece objetivamente a vida das pessoas. Nem todos estão
dispostos a viver assim, movidos pelo senso de missão e pela arte, mas o exemplo
de Francisco deixa claro que um punhado de convicções, gostos e atitudes
simples podem, muitas vezes, ser mais importantes que um vasto patrimônio. Ao
longo da vida, somos capazes de guardar coisas mais valiosas que os nossos
bens.
>>Continue lendo as lições de vida do papa Francisco na edição de ÉPOCA desta
semana. A revista traz ainda mais quatro reportagens especiais sobre a visita do
pontífice ao Brasil
http://epoca.globo.com/vida/noticia/2013/07/10-licoes-de-vida-do-bpapab.html
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