Desenvolvimento profissional de professores iniciantes: desafios e possibilidades na educação profissional e tecnológica Resumo O estudo discorre sobre a pesquisa desenvolvida com professores iniciantes na docência na educação profissional e tecnológica de um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, localizado no interior do Rio Grande do Sul. Buscou investigar os desafios e as possibilidades enfrentadas pelos professores iniciantes na educação profissional e tecnológica. A pesquisa de caráter quantitativo e qualitativo, com questionário, com perguntas abertas, fechadas e de múltipla escolha, foi realizada com professores iniciantes de diversas áreas do conhecimento. A metodologia para análise dos dados foi a análise de conteúdo proposta por Bardin (2009). Os professores iniciantes precisam de uma atenção especial, de acolhimento e de acompanhamento nos anos iniciais da docência que são fundamentais para o desenvolvimento profissional docente. Palavras‐chave: Professores Iniciantes. Docência. Educação Profissional e Tecnológica. Eloisa Maria Wiebusch Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Sul‐Rio‐Grandense [email protected] X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.1
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Desenvolvimento profissional de professores iniciantes: desafios e possibilidades na educação profissional e tecnológica Eloisa Maria Wiebusch Introdução A Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia nos estados brasileiros. Ofertando educação profissional e tecnológica em diferentes níveis e modalidades de ensino, coloca um desafio para o profissional que é a atuação na educação básica, ensino superior e pós‐graduação. Uma das finalidades dos Institutos Federais é articular o tripé: ensino, pesquisa e extensão. Com a crescente expansão da educação profissional e tecnológica no Brasil, a implantação de novos câmpus dos Institutos Federais surgem vários desafios, mas também inúmeras possibilidades. Muitos docentes são iniciantes na profissão e também não realizaram uma licenciatura e não têm formação pedagógica, assim temos a chegada de profissionais inexperientes na docência e alguns oriundos do mundo do trabalho, outros dos bancos acadêmicos. Há uma diversificação de áreas e uma multiplicidade de saberes. A fase inicial de inserção profissional na carreira docente é de extrema importância, é o momento de aprendizagem da docência, precisam ensinar e necessitam aprender a ensinar, é o processo de ser e estar professor. Conforme Marcelo Garcia (2009a, p. 20): “Os primeiros anos de docência são fundamentais para assegurar um professorado motivado, implicado e comprometido com a sua profissão”. Corrobora com essa visão Tardif (2002, p. 84) ao expressar que é “[...] um período muito importante da história profissional do professor, determinando inclusive seu futuro e sua relação com o trabalho”. A investigação foi realizada com professores iniciantes na docência na educação profissional e tecnológica de um Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia, localizado no interior do Rio Grande do Sul. A pesquisa partiu do problema: Como é o ser e estar professor para quem não escolheu a docência como primeira opção no ensino superior? O objetivo principal foi investigar os desafios e as possibilidades enfrentadas pelos professores iniciantes na educação profissional e tecnológica. Os fundamentos da X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.2
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Desenvolvimento profissional de professores iniciantes: desafios e possibilidades na educação profissional e tecnológica Eloisa Maria Wiebusch metodologia de análise de conteúdo foram usados para a leitura, análise e interpretação dos dados, conforme os pressupostos teóricos da francesa Bardin (2009). Os dados foram coletados por meio de questionários, com perguntas abertas, fechadas e de múltipla escolha, com abordagem quantitativa e qualitativa. Os questionários foram realizados com professores que atuam nos cursos técnicos de Informática e Refrigeração e Climatização, do ensino médio integrado, nos cursos técnicos de Manutenção e Suporte em Informática e Secretariado do ensino médio, na modalidade Proeja (Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Jovens e Adultos) e nos cursos técnicos subsequentes (pós‐médio) de Eletromecânica e Refrigeração e Climatização. A maioria dos professores atuam também em projetos de pesquisa e extensão. Os sujeitos de pesquisa foram 7 professores iniciantes, todos do sexo masculino, cujo o ingresso na docência se deu nos anos de 2011 a 2013, cabe ressaltar que maioria iniciou no ano de 2012, todos com regime de trabalho de 40 horas semanais, com dedicação exclusiva. Pertencem a uma faixa etária diversificada entre 26 a 38 anos. Os participantes apresentam titulação variada sendo que 4 professores realizaram o ensino médio técnico, 4 cursaram bacharelado, 2 tecnólogo e somente um é licenciado, portanto, somente um dos entrevistados queria ser professor, fez uma licenciatura no ensino superior. Os entrevistados são oriundos de diferentes áreas de formação: Ciência da Computação, Engenharia Elétrica, Engenharia da Produção Mecânica, Eletrotécnica, Fabricação Mecânica e Química. Desses profissionais 3 cursaram pós‐graduação em nível de especialização, 4 têm mestrado, 2 são mestrandos e 1 doutorando. Destes profissionais 3 docentes têm formação pedagógica e 4 não têm. A inserção profissional, na carreira docente Cada vez mais, destaca‐se a importância do docente como agente de transformação e os múltiplos papéis que desempenha na escola contemporânea para atender os alunos desse tempo. A Pós‐modernidade trouxe aos docentes desafios nunca antes enfrentados, exigindo mais do que nunca o professor seja o gestor da X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.3
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Desenvolvimento profissional de professores iniciantes: desafios e possibilidades na educação profissional e tecnológica Eloisa Maria Wiebusch aprendizagem, do ensinar e aprender possuidor de uma visão sistêmica, com perspectiva de totalidade do contexto, da realidade. Da profissão docente são exigidas demandas, atualmente, que abarquem “uma postura reflexiva, pois essa ação proporciona ao educador um olhar mais consciente e crítico de seu papel como transformador social, político e cultural”. (BEHRENS; CARPIM, 2013, p. 113). A preocupação com a formação pedagógica dos professores da educação profissional tecnológica é recente, a partir da LDB 9394/96. Temos que ressaltar que o professor da educação profissional e tecnológica deve atender, ainda, a “um papel de transformador do processo educativo, que domine seus saberes teóricos e que transponha este fazer prático e dialógico, de forma a contribuir para a construção de saberes significativos”. (BEHRENS; CARPIM, 2013, p. 108). O estudo revelou os motivos da escolha da profissão docente entre os quais a dimensão pragmática, a insatisfação em relação à profissão que exerciam como expressa um dos entrevistados: “Nunca tinha me imaginado como professor, trabalhava como engenheiro, percebi que não era o que queria, resolvi fazer o concurso e hoje tenho a certeza que fiz a escolha certa, poder ajudar os alunos é gratificante”. O ingresso na docência foi pela oportunidade de realizar um concurso público, como uma alternativa de trabalho. A importância de estar feliz e consciente do papel relevante que temos na docência é fundamental, é um período de múltiplas aprendizagens. Para Marcelo Garcia (2009a, p. 86): “Converter‐se em professor se constitui num processo complexo, que se caracteriza por natureza multidimensional, idiossincrática e contextual”. Salientamos que ser professor hoje é para pessoas especiais, que podem fazer a diferença na vida dos alunos, na escola e na educação, deixando por onde passam marcas positivas que jamais serão esquecidas. Com certeza, cada um de nós lembra de professores que foram importantes e fizeram a diferença na nossa vida. Que outra profissão pode influenciar tanto a vida das pessoas? É necessário ressaltar que, mesmo com a tecnologia disponível ao alcance de todos, nada substitui o professor. Na visão de Freire (1998, p. 110): X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.4
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Desenvolvimento profissional de professores iniciantes: desafios e possibilidades na educação profissional e tecnológica Eloisa Maria Wiebusch Minha presença de professor, que não pode passar despercebida dos alunos na classe e na escola, é presença em si política. Enquanto presença não posso ser omissão, mas um sujeito de opções. Deve revelar aos alunos a minha capacidade de analisar, de comparar, de avaliar, de decidir, de optar, de romper. Alguns entrevistados mencionaram a necessidade da dimensão pessoal/subjetiva ao participar da vida dos estudantes. Precisamos formar excelentes profissionais, mas também necessitamos de excelentes pessoas que saibam viver e conviver, que possam fazer a diferença neste mundo como salienta: “Compartilhar conhecimentos, experiências, ideias com outras pessoas, fazer parte da formação profissional é importante”. E também: “O fato de trabalhar diretamente com atenção às pessoas, que estão em pleno processo de formação”. O ser humano precisa estar em primeiro lugar no nosso fazer pedagógico, conforme Esteve (2004, p. 17): “Há tempo descobri que o objetivo último de um professor é ser mestre de humanidade. A única coisa que importa de verdade é ajudar nossos alunos a compreender a si mesmos, a entender o mundo que os rodeia e nele encontrar um lugar próprio”. Por último salientaram a dimensão profissional/investigação como afirma um professor: “Poder trabalhar com pesquisa e extensão, estar no meio acadêmico, lidando com novos conhecimentos e desafios. Incitando os alunos a encontrarem o caminho profissional”. Para Vaillant e Marcelo Garcia (2012, p. 92): “Aprendemos a ser docentes quando somos conscientes do que fazemos e do porquê o fazemos; quando damos razões e refletimos sobre as origens e consequências de nossas condutas e das dos demais”. O fazer pedagógico é uma tarefa complexa para todos os professores, e principalmente para os ingressantes na profissão. Cada aluno e professor têm diferentes trajetórias pessoais e profissionais. Marcelo Garcia (2009b, p. 15) diz: “O desenvolvimento profissional procura promover a mudança junto dos professores, para que estes possam crescer enquanto profissionais – e também como pessoas”. Nessa lógica Nóvoa (2009, p. 38‐39) enfatiza: Ao longo dos últimos anos, temos dito e (repetido) que o professor é a pessoa, e que a pessoa é o professor. Que é impossível separar as X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.5
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Desenvolvimento profissional de professores iniciantes: desafios e possibilidades na educação profissional e tecnológica Eloisa Maria Wiebusch dimensões pessoais e profissionais. Que ensinamos aquilo que somos e que, naquilo que somos, se encontra muito daquilo que ensinamos. Que importa, por isso, que os professores se preparem para um trabalho sobre si próprios, para um trabalho de auto‐reflexão e de auto‐análise. Temos caminhado no sentido de uma melhor compreensão do ensino como profissão do humano e do relacional. [...] exige que os professores sejam pessoas inteiras. [...] E que é fundamental reforçar a pessoa‐
professor e o professor‐pessoa. [...] práticas de auto‐formação, momentos que permitam a construção de narrativas sobre as suas próprias histórias de vida pessoal e profissional. A educação precisa estar comprometida com o desenvolvimento total da pessoa, nas dimensões pessoais e profissionais, do ser integral e pleno na sua inteireza. Para Morin (2002b, p. 65): A EDUCAÇÃO deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar um cidadão. Um cidadão é definido, em uma democracia, por sua solidariedade e responsabilidade em relação a sua pátria. O que supõe nele o enraizamento de sua identidade nacional. A prática pedagógica precisa estar articulada para o desenvolvimento do ser integral. Morin (2002a, p. 11) ressalta que: “Uma educação só pode ser viável se for uma educação integral do ser humano. Uma educação que se dirige à totalidade aberta do ser humano e não apenas a um dos seus componentes”. Para os sujeitos de pesquisa muitos são os desafios enfrentados pelos iniciantes na docência entre eles: o choque de realidade. Este conceito de choque de realidade se difundiu pelo holondês Simon Veenman (1984) por ser o primeiro ano um processo de intensa aprendizagem, de ensaios e erros. Marcelo Garcia (1999, p. 28) reforça é: “o período de confrontação inicial do professor com as complexidades da situação profissional”. O ingresso no mundo do trabalho é período marcante na vida de qualquer profissional. A realidade imaginada e sonhada não é a que encontram e também existe o descompasso entre o aluno que foram e o aluno que encontram, é a fase de transição de estudantes para docentes. “A maior dificuldade foi entrar na sala de aula cheia de adolescentes, bagunceiros e conversadores. O choque de realidade é muito intenso para quem não está preparado para lidar com este tipo de público”. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.6
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Desenvolvimento profissional de professores iniciantes: desafios e possibilidades na educação profissional e tecnológica Eloisa Maria Wiebusch Outro desafio que confrontam é a insegurança/angústia: “A insegurança nos momentos iniciais é muito forte, para quem está ingressando na atividade passa pelo “friozinho na barriga” algumas vezes”. É normal o professor ter um pouco de “insegurança” e “angústia”. Conforme Vasconcellos (2001, p. 15): “Podemos afirmar que, no tempo atual, um professor que não tenha um nível razoável de angústia em relação à sua atividade, que não se sinta desacomodado, com certeza, não é um professor do tempo atual”. Já Marcelo Garcia (1999, p. 113) classifica esta etapa de inserção docente como “um período de tensões e aprendizagens intensivas em contextos geralmente desconhecidos, e durante o qual os professores principiantes devem adquirir conhecimento profissional além de manter certo equilíbrio pessoal”. Concorda com este pensamento Cavaco (1999, p. 179) ao relatar o momento vivido: É um tempo da instabilidade, da insegurança, da sobrevivência, mas também de aceitação dos desafios, da criação de novas relações profissionais [...]. Trata‐se de um período de tensões, de desequilíbrios e de reorganizações frequentes, de ajustamentos progressivos das expectativas e aspirações ocupacionais ao universo profissional. Mais um desafio para os principiantes na profissão: diversidade de disciplinas, conteúdos, faixas etárias. “Adaptação ao ambiente de sala de aula, com alunos de diferentes faixas etárias, muitas disciplinas completamente diferentes no mesmo semestre”. Os professores principiantes passam fases que se caracterizam pela “sobrevivência, descobrimento, aprendizagem e transição” como afirma Marcelo Garcia (2011, p. 9). Aparece por último a falta de formação pedagógica/metodológica: “Acredito que no meu caso a falta de formação pedagógica, minha formação profissional é na engenharia”. Outro professor reforça: “A falta de bases metodológicas é um grande desafio para os novatos”. Para os sujeitos da pesquisa a formação pedagógica contribuiria para melhorar a atuação docente. Segundo Arroyo (2000, p. 45): “Em cada escolha pedagógica feita há algo de nós, de nossas crenças e esperanças, de nossas descrenças e desânimos. Há muito de nossa história individual e coletiva”. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.7
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Desenvolvimento profissional de professores iniciantes: desafios e possibilidades na educação profissional e tecnológica Eloisa Maria Wiebusch Os entrevistados destacaram as potencialidades da docência, os saberes, a importância da boa formação técnica, experiências na educação profissional e vivências profissionais no ambiente industrial: “As experiências profissionais trazidas da indústria, é uma importante contribuição no processo de ensino/aprendizagem, quando aplicadas no ambiente escolar”. Marcelo Garcia (2009b, p. 19) ressalta que: “Para além de conhecimentos pedagógicos, os professores têm que possuir conhecimento sobre as matérias que ensinam. Conhecer e controlar com fluidez a disciplina que ensinamos, é algo incontornável no ofício docente”. O professor é um eterno aprendiz, precisa de estudo permanente, aprender sempre, ao longo de toda a vida, de reflexão sobre a prática pedagógica, mediada pela teoria, tornar‐se professor é um longo processo. Nóvoa (1995, p. 36) explica que: “o professor encontra‐se num processo de redefinição e diversificação das suas funções, sendo chamado a desempenhar um conjunto alargado de papéis, numa dinâmica de (re)invenção da profissão professor”. O desejo de realizar uma prática pedagógica diferente, de trabalhar os conteúdos de formas diversas, para que possam estabelecer relações e perceber o sentido para a vida é expresso por um depoente: “A vontade de fazer com que os alunos se interessem pela área e vejam sua importância, não somente aprendendo o conteúdo, mas vendo a importância para a vida”. Pensar e repensar a prática pedagógica constantemente, suas possibilidades constitui‐se um desafio e as ações de educação continuada, com certeza contribuem para a construção de novos caminhos para a ação docente. Nóvoa (2009, p. 20) enfatiza e compreende que: Através dos movimentos pedagógicos ou das comunidades de prática, reforça‐se um sentimento de pertença e de identidade profissional que é essencial para que os professores se apropriem dos processos de mudança e os transformem em práticas concretas de intervenção. É esta reflexão colectiva que dá sentido ao seu desenvolvimento profissional. Ainda nas potencialidades da docência os interlocutores destacaram as diferentes habilidades, objetividade, aprender com facilidade e as relações interpessoais, a importância de um bom relacionamento com os alunos. “Aprender com facilidade, captar X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.8
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Desenvolvimento profissional de professores iniciantes: desafios e possibilidades na educação profissional e tecnológica Eloisa Maria Wiebusch a identidade e as dificuldades de cada aluno e o bom relacionamento com os alunos são importantes”. Para Marchesi e Martín (2003, p. 200): [...] é necessário considerar aquilo que o aluno já sabe sobre o tema que é objeto de ensino. [...] uma das primeiras e mais importantes tarefas do professor consiste em conhecer quais são essas ideias que os alunos já possuem sobre os temas que serão trabalhados em sala de aula. Entre as fragilidades da docência está a ausência dos saberes pedagógicos, um dos grandes desafios do fazer pedagógico é saber articular o ensinar e o aprender, mesmo com o domínio dos conhecimentos da área, transpor para situações didáticas, para intervenções pedagógicas, para aprendizagens significativas, para a construção do conhecimento. “Nas questões pedagógicas e didáticas sinto‐me completamente perdido, pode ser impressão minha apenas e insegurança, mas fico com medo de não conseguir apresentar determinados conceitos mesmo tendo pleno conhecimento do assunto”. Existe uma preocupação com a prática pedagógica por parte dos docentes novatos: “Insegurança com relação à qualidade de minhas aulas e avaliações, muitos questionamentos a respeito das práticas pedagógicas”. O professor vive no isolamento, historicamente o nosso ofício de professor sempre foi uma profissão solitária, sendo os alunos as únicas testemunhas. A própria arquitetura, os tempos e os espaços da sala de aula, da escola, contribuem para o isolamento, para o individualismo. Para Macedo (2005, p. 38): “Os desafios da prática docente, nos termos em que se define hoje, supõem que o professor possa sair do isolamento e solidão da sala de aula com seus alunos e compartilhar formas coletivas de enfretamento de questões comuns”. Concorda com esse pensamento Vasconcellos (2002, p. 120) ao enfatizar que o trabalho do professor é de natureza coletiva: “[...] tem uma dimensão essencialmente coletiva: não é o único que atua na escola e o que faz não é para si, já que presta um serviço à comunidade”. Ainda sobre as fragilidades da docência ressaltaram algumas atitudes, sentimentos de insegurança, timidez, dificuldade de aceitar o desinteresse dos alunos, compreender suas culturas e formas de agir que interferem no fazer pedagógico: “A dificuldade de aceitar o desinteresse de alguns alunos, com relação as oportunidades perdidas, a instituição sempre busca proporcionar meios para o desenvolvimento profissional dos alunos”. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.9
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Desenvolvimento profissional de professores iniciantes: desafios e possibilidades na educação profissional e tecnológica Eloisa Maria Wiebusch Para os docentes iniciantes é necessário e oportuno que encontrem uma proposta para o desenvolvimento profissional para conhecer a instituição, um programa de educação continuada por meio de: cursos, palestras, propostas práticas para usar na sala de aula, momentos de partilha de saberes com os professores experientes. “Acredito que para o professor iniciante algo importante é uma explicação sobre a carreira, processos de ambiente de trabalho, objetivos e valores da instituição”. Zeichner (1979, p. 6) definiu a inserção como “um programa planejado que pretende proporcionar algum tipo de apoio sistemático e sustentado especificamente para professores iniciantes durante pelo menos um ano escolar”. Os entrevistados sugeriram propostas, ações concretas para prática pedagógica e política institucional de inserção a docência: “Um programa de iniciação é importante. Antes de iniciar as atividades em sala de aula o iniciante ter a possibilidade de passar um período de ambientação com as questões pedagógicas, políticas institucionais e conhecer os tramites administrativos”. Conforme Marcelo García (2010, p. 36): “Os programas de inserção ajudam os professores a se inserirem na realidade escolar de uma forma mais adequada e controlada”. Outra necessidade sentida pelos docentes principiantes é a troca interpares, o aprender com os professores experientes, também chamados de “tutores”, “mentores”, “orientadores”, “guias” são de suma importância para realizar um trabalho colaborativo, com partilha de saberes: “Assistir aulas de outros professores mais experientes por um determinado tempo e discutir sobre as práticas pedagógicas com estes professores”. Reforçam a ideia Vaillant e Marcelo Garcia (2012, p. 144): A tarefa que designa ao mentor é a de assessorar didática e pessoalmente ao docente principiante, de forma que se constitua como elemento de apoio. [...] Ele assume um papel de grande importância no programa de inserção, pois é a pessoa que ajuda e dá orientações ao docente principiante, tanto no currículo como na regência de classe. O estágio probatório previsto em lei, para os servidores que ingressam no serviço público deveria ser um espaço de formação, mais do que de avaliação. “Durante o estágio probatório, o docente poderia escolher uma forma de se aperfeiçoar, seja assistindo aulas de X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.10
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Desenvolvimento profissional de professores iniciantes: desafios e possibilidades na educação profissional e tecnológica Eloisa Maria Wiebusch outros professores, seja fazendo curso de formação pedagógica.” Outro docente enfatiza: “Acredito que o estágio probatório deveria servir como espaço de formação, voltado para área de atuação profissional, carreira, questões pedagógicas”. O professor durante o estágio probatório deveria receber um feedback constante: “No sentido de melhorar a prática docente, deveria ser dado um feedback e maior orientação aos docentes neste período”. O estágio probatório poderia ser acompanhado por meio de avaliações sistemáticas e por múltiplos atores: estudantes, professores, assessoria pedagógica e equipe gestora: “O estágio probatório deveria ser acompanhado de avaliações contínuas principalmente dos alunos, as críticas e elogios feitos, usar para melhorar os pontos fracos e também elogiar os pontos positivos”. Os sujeitos de pesquisa, iniciantes “experientes” deixaram alguns conselhos aos professores principiantes, a cultura jovem como valor: “Seja paciente e busca entender a fase que os alunos, adolescentes estão passando, incentivar o uso das tecnologias: celulares, tablets e outros dispositivos em favor da disciplina e das aulas. A utilização das tecnologias que hoje faz parte do cotidiano dos alunos”. As tecnologias precisam estar presentes nas nossas práticas pedagógicas tornando as aulas mais significativas e atrativas para os alunos deste tempo. O trabalho em equipe é fator imprescindível para a aprendizagem docente. Enfatiza um entrevistado: Trocar ideias com os pares. Demonstrar suas intenções e solicitar auxílio para enfrentar e superar as dificuldades. Somente juntando forças, por meio da parceria com outros professores, tendo objetivos claros e coletivos, é que vamos conseguir avançar na construção de uma educação de qualidade. Como ressalta Nóvoa (2009, p. 31): “Os modos de profissionalidade docente implicam um reforço das dimensões colectivas e colaborativas, do trabalho em equipa, da intervenção conjunta nos projectos educativos de escola”. A humildade de perguntar e aprender com o outro são de extrema importância: “Assistir aulas de outros professores, conversar com os mesmos para analisar diferentes abordagens de ensino”. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.11
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Desenvolvimento profissional de professores iniciantes: desafios e possibilidades na educação profissional e tecnológica Eloisa Maria Wiebusch Os docentes destacaram a preocupação com a aprendizagem: “Preocupar‐se em tentar fazer com que os alunos aprendam e que tenha um ambiente de aprendizado com harmonia e tranquilidade, e se possível de felicidade”. O aluno precisa ser contagiado pelo prazer de aprender, respeitando e valorizando as diferenças, a solidariedade, a esperança, para que toda pessoa possa ser feliz. Como observa Braslavsky (2005, p. 22): “Uma educação de qualidade é aquela que permite que todos aprendam o que necessitam aprender, no momento oportuno de suas vidas e de suas sociedades, e que o façam com felicidade”. E como último conselho os interlocutores salientaram a necessidade de resiliência, a competência de enfrentar e superar os desafios como afirma um professor: “Buscar desenvolver a capacidade de resiliência”. Segundo Tavares (2001, p. 29): A resiliência é a capacidade de responder de forma mais consistente aos desafios e dificuldades, de reagir com flexibilidade e capacidade de recuperação diante desses desafios e circunstâncias desfavoráveis, tendo uma atitude otimista, positiva e perseverante e mantendo um equilíbrio dinâmico durante e após os embates. Já Sousa (2006, p. 41) afirma que: A resiliência se enquadra numa perspectiva de desenvolvimento ao longo da vida, pois que se fundamenta num contínuum de ajustamentos face às dificuldades presentes no quotidiano dos sujeitos e à sua capacidade para enfrentar, saindo cada indivíduo desse confronto em patamares de desenvolvimento superiores. Os entrevistados deixaram sugestões sobre a prática pedagógica para os professores principiantes, ressaltando: “Gosto de ouvir os alunos solicitando feedback com críticas e sugestões sobre as aulas”. Reforça outro docente: “Abertura do professor para ouvir os alunos, saber escutar as críticas e sugestões e tentar melhorar dia a dia o ensino e a aprendizagem”. Para outro entrevistado: “Se o professor consegue manter o contato extraclasse, por meio das tecnologias como: internet, celular, skype, facebook, e‐mail, para tirar dúvidas, o professor e o aluno ganham muito em conhecimento e aprendizado”. Vaillant e Marcelo Garcia (2012, p. 32) expressam: X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.12
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Desenvolvimento profissional de professores iniciantes: desafios e possibilidades na educação profissional e tecnológica Eloisa Maria Wiebusch A existência de redes como Facebook, mas principalmente o LinkedIn permite aos profissionais estarem em contato, intercambiar, oferecer, publicar e compartilhar. Redes como o Twitter permitem‐nos conhecer o que pensam e fazem pessoas relevantes, podendo‐se compartilhar qualquer experiência ou pensamento com milhares de outras pessoas. Precisamos realizar a todo o momento o processo de ação‐reflexão‐ação sobre a prática pedagógica, sobre a nossa a aprendizagem docente: “Cada dia é um novo aprendizado. A cada aula ministrada, estou aprendendo junto com os alunos. Isso é fascinante, e é muito compensador ver que os alunos percebem a minha evolução como professor. Vejo que estou aprendendo muito mais com eles sobre a docência do que poderia encontrar em qualquer livro”. Conforme Vaillant e Marcelo Garcia (2012, p. 127): “Os docentes principiantes necessitam ter um conjunto de ideias e habilidades críticas, assim como a capacidade de refletir, avaliar e aprender sobre seu ensino, de tal forma que melhorem continuamente como docentes”. Enfatiza outro professor: “Mais que lecionar uma disciplina, ser professor é ajudar a formar cidadãos, e foi possível perceber no meu primeiro ano de docência, a experiência da docência quando somada com a amizade facilita a aprendizagem”. Hoje, mais do que nunca, a sociedade, a educação e a escola precisam dar importância, valorizar o educador, principalmente o iniciante, que necessita ser, segundo Trevisol (2008, p. 191): [...] cuidado, amado e carinhosamente ajudado a se conhecer, a conhecer seu processo sagrado, a sua história irrepetível, a sua importância incancelável, o propósito de sua vida e a razão pela qual ele está passando por aqui, nesta época da humanidade. Considerações finais Os primeiros anos da docência constituem‐se em um período complexo para todo o professor, para quem fez uma licenciatura, mas principalmente para quem não escolheu a docência como primeira opção nos cursos de graduação e não tem formação pedagógica. A inserção na docência é uma etapa marcada por sentimentos de satisfação por iniciar uma atividade profissional e também de muita insegurança, angústia e medo frente aos desafios de ser e estar professor, é a fase de aprender a ser professor. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.13
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Desenvolvimento profissional de professores iniciantes: desafios e possibilidades na educação profissional e tecnológica Eloisa Maria Wiebusch Os professores iniciantes precisam de uma atenção especial, pois os anos iniciais da docência são fundamentais para o desenvolvimento profissional docente. É a etapa da construção da profissionalidade que requer acompanhamentos e investimentos institucionais. É imprescindível ter um “Programa Institucional de Inserção à Docência” um trabalho de acolhida, de cuidado, de apoio, de acompanhamento e formação para os docentes iniciantes para conhecer a estrutura administrativa e pedagógica da instituição, bem como um espaço de formação e partilha de saberes, pois a docência necessita de um processo sistemático de aprender e ensinar, é uma aprendizagem que ocorre ao longo da vida. O trabalho em equipe, em parceria com todos os segmentos da instituição é fundamental, principalmente envolvendo os professores iniciantes e os experientes, numa construção coletiva, que pode trazer importantes benefícios para o processo de ensinar e aprender. Para Marcelo Garcia (2009a, p. 19), [...] é necessário que se compreenda que a profissão docente e os seu desenvolvimento constituem um elemento fundamental e crucial para assegurar a qualidade da aprendizagem dos alunos. As mudanças exigem novos olhares para a inserção profissional dos professores iniciantes, conscientes de que a verdadeira transformação começa em cada um de nós, para que num esforço coletivo, possamos contribuir para melhorar a aprendizagem docente e discente, renovando o nosso compromisso com uma educação transformadora, comprometida com a vida e com o sucesso escolar dos alunos. X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014. p.14
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