Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
PATERNIDADE ALIMENTAR
Autor: Camilla Brasil Leite
Orientadora: Fabiana Teixeira Albuquerque Keller
Brasília - DF
2012
CAMILLA BRASIL LEITE
PATERNIDADE ALIMENTAR
Artigo
apresentado
ao
curso
de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito
parcial para obtenção do Título de
Bacharel em Direito.
Orientadora:
Fabiana
Teixeira
Albuquerque Keller, Especialista.
Brasília
2012
Dedico o presente trabalho àqueles que
fazem das minhas conquistas suas
realizações.
Àqueles
que
lutam,
diariamente, ao meu lado. Em especial,
aos meus pais, Ana Margareth Gomes
Alves e Índio Brasil Leite, que
compartilham os prazeres e dificuldades
da paternidade, e aos meus irmãos,
Nayara Brasil Leite e Augusto Alves
Brasil. Obrigada pelo apoio, pelo
incentivo, e principalmente, obrigada pelo
amor que me dedicam.
AGRADECIMENTO
A trajetória universitária é cercada de lembranças, de vitórias, de
aprendizado, mas, acima de tudo, é norteada pela gratidão. São elos de amizade e
de grande admiração que se formaram no decorrer da construção do meu, ainda
singelo, conhecimento jurídico.
Assim, diante das indignações sociais e do diagnóstico das injustiças
interessei-me por tentar desvendar, intimamente, o campo dos direitos e dos
deveres, na ideia de aprender a justiça em todas as suas nuances. E, por isso, inicio
o meu agradecimento aos meus professores que no passar desses anos souberam,
com magnificência, dar-me o conhecimento jurídico necessário para trilhar uma
carreira profissional com ética e dedicação. Em especial, meus agradecimentos à
Professora Fabiana Albuquerque por orientar e moldar o resultado deste trabalho.
A inspiração e a intimidade em falar sobre um tema relacionado ao direito de
família vieram deles, os amores da minha vida, a MINHA FAMÍLIA. São eles que
formam o meu alicerce, são eles que me incentivam a fazer sempre melhor, são eles
que necessitam e merecem o meu melhor. E, por isso, agradeço à minha mãe, por
fazer dos meus sonhos sempre realidade, nunca poupando esforços, e é o que faz
dela o meu exemplo de mulher, de caráter, e o meu exemplo de ser humano. À
minha irmã, Nayara, que não só como irmã gêmea, mas como alma gêmea, me
inspira a ser uma profissional admirável. Ao meu irmão, Augusto, que é a alegria de
todos os meus dias. Ao meu pai que, com toda sua inteligência e seu
profissionalismo, soube me convencer de que a carreira jurídica me traria uma
identificação pessoal e profissional. E, ao meu avô, Dr. Jairo, que me mostrou a arte
da advocacia não só como uma paixão, mas como uma vocação.
Durante esse tempo em que aperfeiçoei o meu saber jurídico com a prática no
mercado de trabalho, conheci profissionais reverentes e pessoas admiráveis, com
quem aprendi que o profissionalismo aliado à ética, competência e amor podem ser
um instrumento de mudança social. Aqui, me cabe, ainda, agradecer ao meu
namorado, Gabriel, que sabe ser um exemplo de profissional, o qual o mercado de
trabalho se rendeu a sua competência e humildade.
Por fim, agradeço a Deus por iluminar meu caminho e me proporcionar
inúmeras possibilidades e oportunidades de ser uma ótima profissional do Direito,
me dedicando a mostrar a capacidade que tenho de ajudar as pessoas através do
meu trabalho e do conhecimento jurídico adquirido no decorrer dessa trajetória.
Devo a Ele a minha vida.
José Alencar em brilhante consideração define em sábias palavras o
resultado de um bom trabalho, aduz que “o sucesso nasce do querer, da
determinação e persistência em chegar a um objetivo. Mesmo não atingindo o alvo,
quem busca e vence, no mínimo fará coisas admiráveis”.
“O amor é o único nexo permanente
válido nas relações familiares. Amar e ser
amado é um desejo de todos. E também
um direito que a sociedade deveria
proteger e estimular.”
(Knobel, 1992)
5
PATERNIDADE ALIMENTAR
CAMILLA BRASIL LEITE
Resumo: O presente artigo aborda a excepcionalidade do direito de se pleitear a
concessão de pensão alimentícia em caso de paternidade socioafetiva, face aos
pais biológicos, tendo em vista a necessidade do menor. No âmbito da obrigação
alimentar, analisa-se os argumentos que autorizam a sobreposição da paternidade
biológica sobre a socioafetiva, para fins de alimentos. O tema é orientado por
jurisprudências e doutrinas, uma vez que a legislação brasileira não ampara,
explicitamente, o direito em comento, porém, também não apresenta qualquer
vedação legal.
Palavra-chave: Pensão alimentícia. Origem genética. Paternidade biológica. Melhor
interesse do menor. Estatuto da criança e do adolescente.
1 INTRODUÇÃO
A entidade familiar tem passado por frequentes mudanças, e cabe ao direito
adequar-se a sua realidade a fim de tutelar os interesses desses membros, calcado
no bem estar e na proteção da família. Em atenção a importância da temática, a
Constituição Federal, em seu artigo 226 aduz que “a família, base da sociedade, tem
especial proteção do Estado1”.
Sendo assim, no que concerne às questões familiares, tanto a Constituição
Federal de 1988, como o Código Civil abordaram um novo ideal de família, onde a
convivência e a vontade de constituir um vínculo familiar entre as pessoas
prevalecem sobre as questões biológicas. Nesse sentido, os princípios da dignidade
da pessoa humana, da proteção à família e igualdade entre os filhos passam a ser
norteadores da entidade familiar.
Vale ressaltar que, no decorrer da evolução jurídica, houve modificações
legislativas a fim de adequar-se ao instituto do casamento que não é mais
indissolúvel, ao pátrio poder que não é mais absoluto, bem como a consagração da
igualdade entre os vínculos biológicos e os laços afetivos.
Neste diapasão, diante da evolução das relações familiares dentro do sistema
normativo brasileiro, reconheceu-se a construção da família socioafetiva, assim
como a aplicação de seus efeitos jurídicos, e o consequente dever de alimentar,
baseados naqueles princípios supramencionados da dignidade da pessoa humana e
da primazia à proteção dos interesses da criança e do adolescente.
A paternidade socioafetiva, em pés de igualdade, com os vínculos atribuídos
pela consanguinidade, abarca a obrigação natural de alimentar como dever moral,
porém com a fixação legal positivada torna-se um dever jurídico.
1
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal,
1990.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em 15 ago
2012.
6
O aspecto da necessidade de alimentos deve ser analisado diante das
peculiaridades de cada caso, abrangendo tanto os alimentos naturais, qual seja,
alimentação, vestuário, necessidades educacionais, culturais e sociais, como outras
com relação às condições sociais dos envolvidos nessa relação alimentar.
A ideia é explorar o binômio da necessidade alimentar em virtude da
dignidade da pessoa humana, apresentada diante da impossibilidade da obrigação
alimentar prestada pelos pais afetivos. Nesse sentido, há de se ponderar o direito a
alimentos e o melhor interesse do menor em confronto ao reconhecimento da
verdade biológica para fins de prestação alimentícia.
O embate fica a cargo de atribuir maior importância ou aos princípios da
primazia à proteção dos interesses da criança e do adolescente e da dignidade da
pessoa humana, ou ao princípio da segurança jurídica dos pais biológicos. Desta
forma, o Poder Judiciário é chamado a responder sobre as complexidades do novo
painel apresentado pelo direito de família, instituindo a denominada paternidade
alimentar.
Examina-se, assim, a possibilidade dos pais biológicos, seja pelo direito que
lhes é garantido ou pelos princípios jurídicos gerais que os tutelam, serem
chamados a, também, arcar com o sustento de seu descendente genético para fins
alimentícios.
Ocorre que, a interpretação literal da lei pátria não respalda tal direito, porém
convém ressaltar que a exclusão de uma paternidade pela outra não seria a melhor
solução, uma vez que a socioafetividade não afasta por completo a verdade
biológica, posto que a legislação ampara os efeitos sociais e jurídicos dos
impedimentos matrimoniais, da prevenção aos problemas hereditários de saúde,
dentre outros aspectos psicológicos e sociais.
Nesse sentido, o presente artigo visa confrontar o reconhecimento da verdade
biológica com o binômio necessidade/possibilidade peculiar da prestação de
alimentos, em prol dos interesses do menor e do dever de sustento que lhe é
garantido.
2 EVOLUÇÃO SOCIAL E JURÍDICA DA FAMÍLIA
“O fenômeno familiar não é uma totalidade homogênea, mas um universo de
relações diferenciadas”2. Nesse sentido, não há como lidar com o instituto da família
como uma unidade uniforme, vez que é moldado diante das mudanças das relações
sociais e afeiçoado através de novos valores que conduzem a sociedade.
Antigamente era tido apenas para demonstrar os vínculos patrimoniais
atribuídos pela conotação do direito de propriedade, porém, a constituição da
entidade familiar, atualmente, tem sido apresentada sob prismas diversos, já
reconhecidos pelo Estado, consagrando-se os mais antigos anseios sociais em ver
efetivados os efeitos jurídicos das novas relações familiares.
O elemento permanente de mudança e evolução faz com que a família seja
analisada diante de uma diversidade de valores e por meio de funções sociais
distintas, variando de acordo com o lugar, o tempo e os costumes. Ocorre que,
tropeçando em cada peculiaridade, viu-se a necessidade de tutelar a entidade
familiar não como uma unidade, mas respeitando e atentando-se a cada membro, a
fim de efetivar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana como
2
SARTI, 2003 apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3.
ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p.3.
7
forma de valorização do ser humano e da família como instrumento de
desenvolvimento de cada membro que a compõe. Neste contexto, explana Cristiano
Chaves e Nelson Rosenvald:
[...] a família existe em razão de seus componentes, e não estes em função
daquela, valorizando de forma definitiva e inescondível a pessoa humana. É
o que se convencionou chamar de família eudemonista, caracterizada pela
busca da felicidade pessoal e solidária de cada um de seus membros.
Trata-se de um novo modelo familiar, enfatizando a absorção do
deslocamento do eixo fundamental do Direito das Famílias da instituição
para a proteção especial da pessoa humana e de sua realização existencial
3
dentro da sociedade .
A família como fato natural de constituição, desvinculada da ideia de unidade
e dos institutos do matrimônio e do patrimônio, fez com que o legislador
normatizasse a proteção a ela inerente, emanando o Artigo 226 da Constituição
Federal de 1988 que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado”.
Desta forma, independente da maneira em foi constituída, a família merece a
proteção especial do Poder Público. “O pluralismo das entidades familiares, por
conseguinte, tende ao reconhecimento e à efetiva proteção pelo Estado, das
múltiplas possibilidades de arranjos familiares4”.
Dentre o que se chama de valorização do ser humano, cabe ressaltar a
sensibilidade do legislador constituinte em notar àqueles que se encontram em
situação de maior vulnerabilidade, sobretudo em respeito ao pluralismo familiar, o
direito passa a tutelar as crianças e adolescentes como ente dessa estrutura
doméstica e, principalmente, como sujeitos de fato e de direito. Daí tem-se o art. 227
da Constituição Federal que dispõe:
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
5
exploração, violência, crueldade e opressão .
E, este é o foco principal sobre o tema que será desenvolvido, os direitos da
criança e do adolescente como membro da entidade familiar.
Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13
de julho de 1990), corrobora mesmo entendimento e dedica atenção aos deveres da
família, da sociedade e do poder público perante os menores. Cabe, todavia, a
transcrição do art. 4º do ECA, qual seja:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
3
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Juris, 2011, p. 11.
4
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 6. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 63
5
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal,
1990.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em 15 ago
2012.
8
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
6
convivência familiar e comunitária .
Logo, é cediço que a regulamentação legal da família volta-se para a máxima
proteção de seus membros, visando o equilíbrio social e salvaguardando o direito à
filiação, seja ela biológica, afetiva, proveniente de matrimônio, união estável, ou
mesmo de família monoparental, em virtude da submissão ao princípio do pluralismo
familiar e da dignidade da pessoa humana.
Moacir César Pena Jr. (2008) entende que o princípio da Pluralidade das
Formas de Família não permite a exclusão de qualquer forma de representação
social da família, assegurando-se o reconhecimento e a proteção estatal a todas. As
entidades familiares mencionadas no art. 226 da Constituição Federal estabelecem
simplesmente um rol exemplificativo, sem prejuízo das outras, que implicitamente
estão inseridas no conceito de família do caput do referido artigo7.
3 O DIREITO DE FILIAÇÃO
Antigamente, apenas os filhos havidos de uma relação matrimonial mereciam
tutela jurídica, porém diante do extenso processo de modificação social da família, e
acima de tudo, com o advento da Constituição Federal de 1988 que concedeu
especial proteção do Estado às famílias multifacetárias, resguardou-se a igualdade
entre os filhos.
O direito de filiação abrangente às relações biológicas, afetivas e científicas,
visando a proteção dessa relação de 1° grau em linha reta, restou consagrado no
artigo 227, § 6° da Constituição Federal, que “os filhos, havidos ou não da relação
do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação8”.
Nesse sentido, depreende-se da lição dos nobres doutrinadores Cristiano
Chaves e Nelson Rosenvald:
o termo filiação apresenta um sentido plural, rico em variações e nuances,
caracterizado por um verdadeiro mosaico de possibilidades, que vão desde
a origem genética até a conveniência cotidiana, digna do estabelecimento
de uma relação firme e inabalável. São os múltiplos e variados meios de
9
estabelecer a relação paterno-filial.
Ofertada a igualdade em direitos e deveres, considera-se a filiação como
personalíssima, indisponível e imprescritível, podendo ser exercida sem qualquer
restrição, em razão do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual atribui
6
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente
e dá outras providências. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF, 13 jul. 1990.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm> Acesso em 15 ago 2012.
7
PENA JÚNIOR, Moacir César. Direito das pessoas e das famílias: doutrina e jurisprudência.
São Paulo: Saraiva, 2008.
8
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal,
1990.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em 15 ago
2012.
9
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Juris, 2011, p. 586.
9
maior valor ao ser humano e tutelando seus principais interesses. Nesse sentido
Ernst Cassirer entende que:
[...] o homem é criatura que está em constante busca de si mesmo – uma
criatura que, em todos os momentos de sua existência, deve examinar e
escrutinar todos os momentos de sua vida humana, pois somente o ser
humano pode dar uma resposta racional, de tal forma que seu
conhecimento e sua moralidade estão compreendidos nesse círculo, é por
essa faculdade de dar uma resposta a si mesmo e aos outros que o homem
10
se torna um ser responsável, um sujeito moral .
Logo, viu-se a necessidade de o Estado proteger os polos opostos da
cronologia da vida humana, tem-se as crianças, adolescentes e idosos como seres
vulneráveis e passíveis de especial atenção e tratamento. Por isso, visando a
transformação saudável do estado infantil para a fase adulta, fez-se imperioso o
respeito à infância, atentando o Estatuto da Criança e do Adolescente em
regulamentar a proteção e gozo de todos os direitos fundamentais inerentes à
pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral atribuída por lei:
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à
dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e
como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na
Constituição e nas leis.
[...]
Art. 20. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
11
discriminatórias relativas à filiação .
Na completa consideração de Paulo Lôbo, tem-se que:
[...] a norma constitucional não necessitava de concretização
infraconstitucional, porque é dotada de força normativa própria, suficiente e
autoexecutável. Todavia, sua reprodução no artigo introdutório do capítulo
do Código Civil destinado à filiação contribui para reforçar a natureza de
fundamento, assentado no princípio da igualdade, determinante de todas as
12
normas subsequentes .
3.1
A VALORIZAÇÃO
JURÍDICA
DA
FILIAÇÃO
SOCIOAFETIVA
PELA
CIÊNCIA
Com a consagração do princípio da igualdade entre os filhos, tanto pela
Constituição Federal de 1988, como pelas demais leis infraconstitucionais que
tratam o assunto, a filiação afetiva tomou destaque no cenário do direito de família.
Desta forma, ao abranger toda relação paterno-filial, o afeto conquista o seu valor
jurídico, e corroborando tal entendimento, o doutrinador Rolf Madaleno aduz:
O real valor jurídico está na verdade afetiva e jamais sustentada na
ascendência genética, porque esta, quando desligada do afeto e da
10
CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana.
Traduzido por Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.17.
11
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF,
13 jul. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm> Acesso em 15 ago
2012.
12
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 217.
10
conveniência, nada mais representa do que um efeito da natureza, quase
sempre fruto de um indesejado acaso, obra do descuido e da pronta
rejeição. Não podem ser considerados genitores pessoas que nunca
quiseram exercer as funções de pai ou de mãe, e sob todos os modos e
ações se desvinculam dos efeitos sociais, pessoais e materiais da relação
13
natural de filiação .
Nestes termos, Silvio Venosa define que, a “filiação afetiva é aquela na qual o
amor e o carinho recíprocos entre os membros suplantam qualquer grau genético,
biológico ou social”.14
A tutela relacionada ao valor afetivo das relações domésticas e familiares
torna-se um novo horizonte a ser discutido pela sociedade que, antigamente, não
aceitava o direito de filiação desvinculado do matrimônio ou do patrimônio. Logo, os
interesses que visam dignidade e bem estar dos membros de cada família são
exaltados perante os laços consanguíneos.
Os critérios objetivos e legais dão margem às peculiaridades e subjetividades
analisadas em cada família tida como plural e particular, sendo que, a formação da
entidade familiar de maneira diversa da biológica tende a focar no melhor interesse
do menor, na tentativa de adequá-lo a um ambiente familiar estável. “Isso porque a
parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, deve ter guarida no Direito de
Família”15.
O primado da família socioafetiva tem que romper os ainda existentes liames
que atrelam o grupo familiar a uma diversidade de gênero e fins reprodutivos, não
em um processo de extrusão, mas sim de evolução, onde as novas situações se
acomodam ao lado de tantas outras, já existentes, como possibilidades de grupos
familiares16.
Diante das novas perspectivas em atribuir tamanha amplitude à aceitação
social e jurídica da filiação socioafetiva, mesmo com o constante progresso científico
o qual permite maior conhecimento das origens genéticas, viu-se o tratamento
igualitário a qualquer tipo de filiação, mencionado na Carta Magna, como um dever
social e um direito daqueles que construíram um laço concreto de afetividade,
solidariedade, e, acima de tudo, responsabilidade em cuidar e zelar pelo bem estar,
característico da relação de filiação. Nesse sentido, Mariana Zomer de Albernaz
Muniz aduz que, “a concepção de família, com suas obrigações e deveres, decorrem
daquilo que se chama filiação social, afetiva, muito mais importante e significativa do
que a filiação genética, baseada em exames de DNA”17.
É cediço que a valorização do afeto como bem jurídico a ser tutelado
estimulou o reconhecimento da assistência mútua nas relações familiares, uma vez
que o “suporte emocional do indivíduo através da ambiência familiar não se
exterioriza mais, nos dias que correm, apenas na tutela formal dos integrantes
13
MADALENO, Rolf. Filiação sucessória. Revista Brasileira de Direito das famílias e sucessões.
dez/jan 2008. Editora Magister. p. 26-27.
14
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 10. ed.São Paulo: Atlas, 2010.p.226.
15
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1259460/SP. Recorrente: A. V. J. Recorrido:
S. M. V. B. da C. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, 19 de junho de 2012.
16
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1217415/RS. Recorrente: União. Recorrido:
L. E. G. G. Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI. Brasília, 19 de junho de 2012.
17
MUNIZ, Mariana Zomer de Albernaz. A paternidade socioafetiva e seus efeitos na obrigação de
prestar alimentos aos filhos afetivos. REVISTA DA ESMESC, v. 18, n. 24, 2011. Disponível em:
<http://www.revista.esmesc.org.br/re/article/view/38>. Acesso em 15 ago 2012.
11
aglutinados, posto exigir doravante a afirmação da importância jurídica do afeto
como expressão da dignidade da pessoa humana”18.
Desta forma, a ciência jurídica atrelada à preocupação social passa a
resguardar a paternidade socioafetiva, bem como assegurar todos os seus efeitos
morais, sociais e jurídicos. Neste contexto, é válido ressaltar o que o nobre
doutrinador Rolf Madaleno expõe:
A paternidade tem um significado mais profundo do que a verdade
biológica, onde o zelo, o amor paterno e a natural dedicação ao filho
revelam uma verdade afetiva, uma paternidade que vai sendo construída
pelo livre desejo de atuar em interação paterno-filial, formando verdadeiros
laços de afeto que nem sempre estão presentes na filiação biológica, até
porque, a paternidade real não é biológica, e sim cultural, fruto dos vínculos
e das relações de sentimento que vão sendo cultivados durante a
19
convivência com a criança .
A eminente Juíza convocada do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe,
Iolanda Santos Guimarães, proferiu voto na Apelação Cível n. 2011215481/SE, o
qual afirma que:
[...] “a partir do momento em que passou a se reconhecer que a filiação
afetiva predomina sobre a filiação biológica, todas as demandas envolvendo
os vínculos de filiação passaram necessariamente a dispor de causa de
pedir complexa. Apesar de ações serem baseadas na realidade biológica,
não é suficiente a prova da verdade genética - mister a comprovação da
inexistência de filiação afetiva. Quer na ação em que é buscada a
identificação do vínculo de filiação, quer sua desconstituição, prevalece a
20
verdade afetiva .”
4 PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
O instituto da paternidade socioafetiva apresenta vertentes que atrelam
caridade à conveniência. Nesse sentido, pode-se dizer que se trata de dar filhos
àqueles que a natureza negou, bem como pressupõe, ainda, a ideia de oferecer um
lar aos que estão ou foram abandonados pelos pais biológicos.
Na concepção de família denominada socioafetiva, os laços consanguíneos
dão lugar ao afeto como base para a formação de uma relação de parentesco,
efetivando, desta forma, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana, princípio da igualdade entre os filhos, princípio do melhor interesse da
criança e adolescente, princípio da paternidade responsável e, por fim, o princípio da
afetividade.
Ademais, o elemento afetivo que constitui a paternidade jurídica não afasta as
obrigações e deveres atribuídos aos filhos, sejam eles de origem biológicos ou não.
No tocante aos filhos menores, é dever dos pais zelar pela sua assistência, criação e
educação, da mesma forma como o inverso também possui regulamentação, qual
18
OLIVEIRA FILHO, 2002 apud AZEVEDO, Andréa Salgado de. A paternidade sócio-afetiva e a
obrigação
alimentar.
Disponível
em:
<http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/rdire/article/view/5/5>. Acesso em 15 ago 2012.
19
MADALENO, Rolf Hanssen. Novas Perspectivas no Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2000, p. 40.
20
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE. AC 2011215481/SE. Apelante:
G.O.S.. Apelado: A.F.D.S. e outros. Relator: Desembargador Cezário Siqueira Neto, Aracaju, 03 de
setembro de 2012.
12
seja, os filhos maiores terem o dever de ajudar os pais durante sua velhice. Sendo
assim, fica claro que a reciprocidade é a base das relações familiares, a qual impõe
e respalda as obrigações atribuídas às relações de parentesco.
A Constituição Federal de 1988, efetivando o princípio da igualdade entre os
filhos, aborda no art. 229 que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos
menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade21”. Nesse sentido, tem-se que a assistência mútua é a base
de um ambiente familiar equilibrado, bem como que, a filiação derivada da
socioafetividade não exonera a responsabilidade em cumprir com a obrigação de
prestar alimentos aos menores sob sua guarda.
Cabe ressaltar que Leonardo Barreto Alves aduz no seguinte sentido:
[...] hoje é irrefutável, frente à Hermenêutica Constitucional, que a mútua
assistência implica a busca em comum da alegria e da felicidade dos
consortes, na divisão cotidiana de suas dúvidas e aflições, seus fracassos e
tropeços, suas vitórias e conquistas, pois é recíproco o amor entre eles: de
22
um só se pode esperar o desejo de querer o bem do outro. ”
“O Código Civil de 2002 também não reconheceu, expressamente, o estado
de filho afetivo. Entretanto, a filiação socioafetiva pode ser admitida com base nos
seguintes artigos: a) art. 1593, que diz: “O parentesco é natural ou civil, conforme
resulte de consanguinidade ou outra origem”. Esta outra origem de parentesco é
justamente a sociológica (afetiva, sócio-afetiva, social); b) art. 1596, em que é
reafirmada a igualdade entre a filiação (art. 227, § 6º, da Constituição Federal de
1988); c) art. 1597, V, pois o reconhecimento voluntário da paternidade na
inseminação artificial heteróloga não é de filho biológico, e sim de filho sócio-afetivo,
já que o material genético não é do(s) pai(s), mas, sim, de terceiro(s); d) art. 1603,
visto que, enquanto a família biológica navega na cavidade sanguínea, a família
afetiva transcende os mares do sangue, conectando o ideal da paternidade e da
maternidade responsável, hasteando o véu impenetrável que encobre as relações
sociológicas, regozijando-se com o nascimento emocional e espiritual do filho,
edificando a família pelo cordão umbilical do amor, do afeto, do desvelo, do coração
e da emoção, revelando o mistério insondável da filiação, engendrando um
verdadeiro reconhecimento do estado de filho afetivo; e) art. 1605, II, em que filiação
é provada por presunções - posse de estado de filho (estado de filho afetivo)”23.
Neste diapasão, incumbe ressaltar o acórdão do egrégio Tribunal de Justiça
do Estado do Paraná, referente ao Agravo de Instrumento n. 823426-8/PR, o qual
aduz que, “sendo menores e submetidos ao poder familiar, não há um direito
autônomo de alimentos, mas sim uma obrigação genérica e mais ampla de
assistência paterna, representada pelo dever de criar e sustentar a prole”24. Logo, a
partir do momento em que fica estabelecido o vínculo afetivo que dá origem ao
21
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal,
1990.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em 15 ago
2012.
22
ALVES, Leonardo Barreto Moreira. A função social da Família. Revista Brasileira de Direito de
Família, Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v.8, n. 39, dez/jan 2006/2007.
23
MADALENO, Rolf Hanssen. Alimentos e sua Restituição Judicial. Revista Jurídica. nº 211, p.7
maio 1995. (grifo deles)
24
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. Agravo de Instrumento n. 8234268/PR (Acórdão). Agravado: J. E. C. D. e outro. Agravante: P. N. D. Relator: Gamaliel Seme Scaff.
Curitiba, 7 de março de 2012.
13
estado de filiação, ficam atribuídos todos os direitos estabelecidos em lei, da mesma
forma como se define a efetividade dos efeitos jurídicos inerentes a tais direitos,
abarcando tanto os efeitos morais, como, sobretudo, os efeitos patrimoniais que
abrangem a obrigação de prestar alimentos, o direito à sucessão, dentre outros.
Ante o exposto, não há que se falar em exoneração da obrigação de
prestação alimentícia ao filho socioafetivo, uma vez que esta filiação foi equiparada
a biológica adequando-se a qualquer peculiaridade que afasta o parentesco
genético. Assim, é válido colacionar o seguinte julgado recente do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, o qual corrobora tal argumento, senão vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. AÇÃO NEGATÓRIA DE
PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL E
EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. AUSÊNCIA DE PROVA DA
OCORRÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. EXISTÊNCIA DE
VÍCULO AFETIVO ENTRE O PAI REGISTRAL E A MENINA.
PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA CONFIGURADA NOS AUTOS.
MANTIDO A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR.
I - Não é de se conhecer do agravo retido, na forma do parágrafo único do
artigo 523 do CPC, quando o apelante não requereu, nas razões do
recurso, a apreciação do agravo.
II - Embora o laudo de investigação de paternidade tenha excluído o
apelante como pai biológico da menor, o parecer social comprova a
paternidade socioafetiva.
III – Devem ser mantidos os alimentos, diante do dever de sustento dos
genitores.
25
AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO, E DESPROVIDA A APELAÇÃO.
“Estabelecida a paternidade e a maternidade sociológica, ou socioafetiva, não
há mais qualquer vínculo de parentesco com os pais biológicos, e sim apenas entre
os parentes sociológicos, nos termos do art. 41 do Estatuto da Criança e do
Adolescente e do art. 1626 do Código Civil de 2002, que atribuem a situação de filho
ao adotado e desligam-no de qualquer vínculo com os pais e parentes
consanguíneos. A contar da Carta Constitucional de 1988, habitam no País apenas
duas verdades da perfilhação: a biológica e a sociológica, pelo que uma filiação não
pode interferir na outra, impondo encargo alimentar”26.
No âmbito da prestação alimentícia, corroborando mesmo entendimento,
leciona Chaves e Rosenvald:
[...] na filiação socioafetiva são rompidos os vínculos com o pai biológico
que atua, meramente, como genitor, não podendo ser compelido a prestar
alimentos e não transmitindo herança para o filho que estabeleceu vínculo
27
com outrem .
5 PATERNIDADE ALIMENTAR
Visando assegurar ao necessitado aquilo que lhe é peculiar para a
manutenção de seus meios de subsistência, a obrigação alimentar, derivada dos
25
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Apelação Cível n.
70045309119/RS. Apelante: G.P.B. Apelado: M. P. B. Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro. Porto
Alegre, 28 de março de 2012. (grifo nosso)
26
AZEVEDO, Andréa Salgado de. A paternidade sócio-afetiva e a obrigação alimentar. Disponível
em: <http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/rdire/article/view/5/5>. Acesso em 15 ago 2012.
27
FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Juris, 2011, p. 586.
14
princípios da solidariedade e da assistência mútua que amparam as relações
domésticas, tende a ser atribuída àquele que é detentor do poder familiar. Nesse
sentido, a doutrina, bem como a legislação pátria é clarividente ao destituir os
vínculos genéticos quando substituídos pela relação de parentesco civil, afetivo.
Assim, através da igualdade entre as filiações de qualquer origem que reza a
Constituição e demais leis que regulamentam o tema, Maria Berenice Dias afirma:
Quando se fala em obrigação alimentar dos pais sempre se pensa no pai
registral, que, no entanto, nem sempre se identifica com o pai biológico.
Como vem, cada vez mais, sendo prestigiada a filiação socioafetiva – que,
inclusive, prevalece sobre o vínculo jurídico e o genético –, essa mudança
também se reflete no dever de prestar alimentos. Assim, deve alimentos
28
quem desempenha as funções parentais .
Dissociadas as paternidades biológicas e socioafetivas, tem-se que uma se
sobrepõe a outra, e depois de todas as inovações galgadas ao longo das mudanças
sociais e jurídicas que consagraram a afetividade, vê-se que a legislação pacificou
entendimento no sentido de que os direitos e deveres da relação biológica fossem
igualmente destinados à relação socioafetiva.
“Ocorre que, se a filiação socioafetiva pretende firmar-se no ordenamento
jurídico brasileiro, não pode pretender “favores legais” da paternidade e da
maternidade biológica”29.
Entretanto, apesar de ser o entendimento majoritário entre a doutrina,
algumas interpretações já tem dado margem a dupla paternidade para fins de
prestação alimentícia. Assim, definem Chaves e Rosenvald:
Apresentando uma exceção a esta regra, ROLF MADALENO advoga o
cabimento de cobrar alimentos do genitor, quando o pai (socioafetivo) não
tiver condições de prestá-los. É o que chamou de paternidade alimentar. É
enfático ao dizer ser “de todo defensável a possibilidade de serem
reivindicados alimentos do progenitor biológico, diante da impossibilidade
econômico-financeira, ou seja, diante da menor capacidade alimentar do
genitor socioafetivo, que não está em condições de cumprir
satisfatoriamente com a real necessidade alimentar do filho que acolheu por
30
afeição, em que o pai socioafetivo tem amor, mas não tem dinheiro” .
O que se entende é que uma paternidade não deveria excluir a outra quando
se tratar do melhor interesse do menor diante de uma situação financeira vulnerável,
porém ainda repleta de afeto. Desta forma, vê-se que a legislação se depara
novamente com o embate entre a verdade biológica sem vínculos afetivos e a
verdade socioafetiva sem vínculos biológicos, uma vez que existem peculiaridades
advindas de cada filiação.
5.1
O RECONHECIMENTO DOS FILHOS ILEGÍTIMOS PELA LEI N. 883 DE 21
DE OUTUBRO DE 1949.
28
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007.
29
AZEVEDO, Andréa Salgado de. A paternidade sócio-afetiva e a obrigação alimentar. Disponível
em: http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/rdire/article/view/5/5. Acesso em 15 ago 2012.
30
MADALENO, 2007 apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das
Famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 586.
15
No que concerne a obrigação alimentar, a Lei n. 883 de 21 de outubro de
1949, revogada pela Lei nº 12.004 de 2009, tratava do reconhecimento dos filhos
ilegítimos, nesse sentido, os filho provenientes de relações adúlteras tinham o direito
de pleitear alimentos em segredo de justiça, conforme dispunha o art. 4° da Lei
883/1949.
Art. 4º Para efeito da prestação de alimentos, o filho ilegítimo poderá
acionar o pai em segrêdo, de justiça, ressalvado ao interessado o direito à
certidão de todos os têrmos do respectivo processo.
Parágrafo único - Dissolvida a sociedade conjugal do que foi condenado a
prestar alimentos, quem os obteve não precisa propor ação de investigação
para ser reconhecido, cabendo, porém, aos interessados o direito de
31
impugnar a filiação .
“Essa ação tramitava pelo rito ordinário, visando a demonstração da
paternidade alimentar, sem, contudo, atribuir todos os efeitos da paternidade, o
pleito da investigação de paternidade servia, apenas, para fins de alimentos”32.
Logo, representaria uma ação investigatória para fins exclusivamente alimentícios,
porém, imputando, apenas, o efeito condenatório.
5.2
HIPÓTESE PREVISTA NO CÓDIGO CIVIL DE 1916
A legislação atual revogou os termos usados no Código Civil de 1916, o qual
mencionava que não havia destituição do poder familiar, e sim, a transferência deste
poder aos pais afetivos, senão vejamos:
Art. 378. Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se
extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai
33
natural para o adotivo .
Nestes termos, tornaria não só possível como legal, a possibilidade de o filho
afetivo propor ação investigatória de paternidade pleiteando exclusivamente a
prestação alimentícia em virtude da necessidade econômica e financeira dos pais
socioafetivos.
Na vigência da mencionada legislação infraconstitucional, viu-se a
preocupação em salvaguardar os interesses da criança e do adolescente, em
detrimento a uma situação de fragilidade econômica, apesar de cumprido o dever
legal de afeto. Assim, Joana Massad de Oliveira entendeu acerca do art. 378 do
CC/16 que:
[...] mesmo sendo adotado, a obrigação alimentar do filho em relação a seus
pais biológicos persiste, tendo o dever de alimentar tanto o pai natural
31
BRASIL. Lei n. 883, de 21 de outubro de 1949. Dispõe sôbre o reconhecimento de filhos ilegítimos
(Revogado pela Lei nº 12.004, de 2009). Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil. Rio de
Janeiro, 21 out 1949. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/19301949/L0883.htm> Acesso em 11 set 2012.
32
MARCATO, Antônio Carlos. Reconhecimento dos filhos ilegitimos. Revista dos Tribunais, São
Paulo, v. 75, n. 606, p. 13-34, 1986.
33
BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil
(Revogada pela Lei nº 10.406, de 2002). Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil. Rio de
Janeiro, 1º jan 1916. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm> Acesso
em 11 set 2012.
16
quanto o adotivo, em virtude de ser recíproco o direito a alimentos, entre
pais e filhos. Mas, em contrapartida, possuía o filho adotivo o direito de
obter alimentos de ambos sendo, porém, a obrigação do pai natural
34
subsidiária à do pai adotivo .
5.3
A PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL: PRIMAZIA AO MELHOR
INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE VERSUS SEGURANÇA
JURÍDICA DOS PAIS BIOLÓGICOS
Observada a preocupação do legislador em proteger os interesses da criança
e do adolescente no Código Civil de 1916, deu-se efetividade a este princípio
constitucional, em análise a situação de vulnerabilidade em que ficaria exposto o
menor, bem como a estrutura familiar que o ampara, uma vez que é dever do Estado
dar auxílio aos cidadãos.
“O art. 227 da CRFB consagra o princípio do melhor interesse da criança e do
adolescente, ao abordar com absoluta prioridade as questões relacionadas aos
menores, a fim de garantir proteção aos direitos fundamentais a eles inerentes. De
acordo com esse princípio prevalecerá sempre o interesse da criança e do
adolescente, valor fundamental a ser preservado, sobre quaisquer outros
interesses”35.
Nesse sentido, diante do binômio necessidade/possibilidade, expressamente
previsto no §1º do artigo 1.694 do Código Civil, o qual alcança a complexa dimensão
da solidariedade mútua dentro da entidade familiar, é que se sobrepõe o melhor
interesse do menor quando necessitado da prestação alimentícia para manutenção
de sua sobrevivência, ou, pelo menos, na tentativa de dar-lhe a dignidade atribuída
constitucionalmente à pessoa humana. Desta forma, Gustavo Tepedino aduz que, “a
dignidade da pessoa humana é a verdadeira cláusula geral de tutela e promoção,
tomada como valor máximo pelo ordenamento”36.
Ocorre que, consagrados os vínculos de filiação socioafetiva, afasta-se a
origem genética, visando até mesmo o princípio da igualdade entre os filhos, sem
discriminação da filiação de qualquer natureza. Daí, resgatar o passado para prestar
assistência ao menor seria abalar a segurança jurídica dos pais biológicos, que
abriram mão de manter uma relação concreta de parentesco, ficando a origem
genética a cargo dos desígnios da imprevisão da natureza.
A ponderação dos direitos, sopesando os interesses de cada membro dessa
relação multifacetária peculiar do Direito de Família, confronta princípios
constitucionais que tutelam o bem estar e a conveniência de cada um, qual seja o
melhor interesse do menor versus a segurança jurídica dos pais biológicos. Assim,
ressalta-se as palavras de Paulo Lôbo:
De um lado existe uma verdade biológica, comprovável por meio de exame
laboratorial que permite afirmar, com certeza praticamente absoluta, a
existência de um liame biológico entre duas pessoas. De outro lado há uma
verdade que não mais pode ser desprezada: o estado de filiação, que
decorre da estabilidade dos laços de filiação construídos no cotidiano do pai
34
OLIVEIRA, Joana Massad. A possibilidade de concessão de pensão alimentícia pelos pais
biológicos
ao
adotado.
Disponível
em:
http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/1918. Acesso em 24 set 2012.
35
PENA JÚNIOR, Moacir César. Direito das pessoas e das famílias: doutrina e jurisprudência.
São Paulo: Saraiva, 2008.
36
TEPEDINO, Gustavo. A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil – constitucional
Brasileiro in Temas de Direito Civil. 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
17
e do filho, e que constitui o fundamento essencial da atribuição da
37
paternidade ou maternidade .
Assim, quando não existe harmonia entre interesses constitucionalmente
garantidos, há de se considerar o sistema valorativo que abarca cada situação,
ressaltado, entretanto que um princípio não anula o outro, mas, apenas, dá frente
àquele que possui maior relevância diante do caso concreto. Nesse sentido, faz-se
oportuno mencionar as considerações feitas por Joana Massad Oliveira, senão
vejamos:
Porém um valor deve ser sacrificado de forma a salvaguardar o outro. Qual
seria? O direito do pai biológico que rejeitou seu filho que, posteriormente,
foi acolhido por terceiro que lhe deu todo o carinho, amor, mas que não tem
condições de sustentá-lo e, embora o pai biológico tenha como arcar com
sua manutenção se nega a fazê-lo alegando a sua segurança jurídica de
não sofrer restrições patrimoniais em face do que assevera o art. 41, ECA?
Ou, deve preponderar o direito do filho que não deve ter sua vida sacrificada
por não poder garantir sua própria subsistência e seu pai adotivo não tem
condições de mantê-lo?
Evidentemente que, observando o princípio da dignidade da pessoa
humana, deve ser concedido os alimentos ao jovem, sem hesitação,
impondo sacrifício ao direito fundamental à segurança jurídica do pai
natural. Desse modo, verifica-se que o patrimônio dos genitores pode, sob
determinadas circunstâncias fáticas e jurídicas, sofrer restrições em prol dos
interesses das crianças e adolescentes.
É certo que não há uma regra preconcebida que indique a incidência deste
ou daquele direito fundamental ao caso prático, como demonstrado,
porquanto cabe ao julgador, ao analisar o caso, verificar qual direito
38
fundamental deverá prevalecer diante de determinadas circunstâncias .
Quanto a ponderação de valores sociais, o caso concreto vem atribuir maior
relevância ao bem que deve ser tutelado pela jurisdição, exaltando o binômio
necessidade possibilidade inerente às obrigações alimentares.
5.4
POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO JURÍDICO DA PATERNIDADE
ALIMENTAR
Assim, constante do embate causado pela total exclusão do vínculo biológico
diante da consagração da paternidade socioafetiva, surgiram divergências
doutrinárias e até mesmo jurisprudenciais, exaltando o princípio do melhor interesse
da criança e do adolescente e da dignidade da pessoa humana, no que tange a
necessidade de prestar alimentos como único meio de subsistência. Desta forma,
são as palavras de Rolf Madaleno:
Neste contexto, exonerar o genitor biológico do auxílio alimentar de seu filho
genético apenas porque está vinculado a uma parentalidade socioafetiva,
seria permitir o duplo empobrecimento moral e material do descendente
genético, que deve usufruir de uma melhor condição socioeconômica, tal
qual desfruta o seu procriador. Cumpre como pode, o pai socioafetivo que
assume o sustento do filho social, nos limites de suas condições financeiras,
37
LÔBO, 2003 apud DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 326.
38
OLIVEIRA, Joana Massad. A possibilidade de concessão de pensão alimentícia pelos pais
biológicos
ao
adotado.
Disponível
em:
<http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/1918>. Acesso em 24 set 2012.
18
ao arcar com aquilo que dispõe para a formação, alimentação e educação
39
do rebento que assumiu por amor ”.
Ademais, patrocinar tal possibilidade é defender o reconhecimento da
paternidade para fins, exclusivamente, alimentícios. E, se o artigo 41 do Estatuto da
Criança e do Adolescente dá margem a excepcionalidade referente aos
impedimentos matrimoniais, há que se observar, também, quanto a dimensão das
exceções que representariam as brechas na legislação vigente.
Vale ressaltar que, a briga para consolidar os direitos inerentes a
socioafetividade não foram em vão, porém, sob a égide jurídica, há de ser
considerado o estado de necessidade do filho afetivo diante da possibilidade do pai
biológico de prestar auxílio, visando o bem estar de cada membro da família em
respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Moldando-se às alterações na estrutura da entidade familiar, ao longo do
tempo, a sociedade passou a atribuir novas funções aos membros da família,
desprendendo do antigo modelo voltado ao matrimônio, bem como ressaltando a
função social da paternidade responsável.
No que concerne a paternidade alimentar, alguns doutrinadores apresentam
certa resistência em defendê-la, uma vez que a legislação não ampara a situação
em comento, porém também não a veda. Nesse sentido, Chaves e Rosenvald se
posicionam da seguinte forma:
A nós, parece que a hipótese pode ser admitida em caráter completamente
extraordinário, com a intenção de impedir que venha a periclitar a dignidade
do filho. Ou seja, não parece possível cobrar alimentos do pai biológico
(rectius, genitor) pelo simples fato de ter uma capacidade contributiva
melhor do que o pai (afetivo). Somente em casos excepcionais, quando
visivelmente o pai não tiver condições de prestar os alimentos e desde que
não possam ser pleiteados de outra pessoa da família socioafetiva (os avós
afetivos, por exemplo) é que entendemos cabível a tese da paternidade
alimentar. Fora disso, não parece razoável, até porque estaria implicando
em enfraquecimento da filiação socio-afetiva, não rompendo, em definitivo,
40
os vínculos genéticos .
Seguindo as mesmas precauções, a jurisprudência tem se assentado
cautelosamente no sentido de lidar com o caso concreto e diante das exceções que
cada um deles apresentar. Assim, o ilustre Ministro do Superior Tribunal de Justiça
(STJ). Massami Uyeda, proferiu voto no julgamento do AgRg no agravo de
instrumento nº 1.291.955/PR afirmando que:
[...] já se consignou que, conquanto o artigo 41 do ECA estabeleça que a
adoção rompe qualquer vínculo com a família biológica, salvo para fins de
impedimento matrimonial, os laços naturais permanecem inalterados,
sobretudo quando não há vínculo anterior com o pai biológico a ser
41
desfeito .
39
MADALENO, Rolf. Paternidade alimentar. In: Revista Brasileira de direito de família, v. 8, n. 37,
p. 133-149, ago./set. 2006.
40
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Juris, 2011, p. 619.
41
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg no agravo de instrumento nº 1.291.955/PR.
Agravante: O. C. L. Agravado: A. I. de S. B. C. L. (menor). Representado por: M. I. G de S. Relator:
Ministro Massami Uyeda. Brasília, 2 de setembro de 2010.
19
“Entretanto, o direito ao reconhecimento biológico é cabível ao filho afetivo a
qualquer tempo, tratando-se de direito personalíssimo, conforme menciona o art. 27
do ECA ("o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo,
indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus
herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça"). Terá o direito
da personalidade de reconhecer a sua origem genética, a qualquer tempo, sem, com
isso, violar os laços afetivos que tenha estabelecido”42.
Nesse sentido, Guilherme Calmon entende que:
[...] o conhecimento da origem biológica não envolve qualquer possibilidade
de retorno à família natural. O direito a identidade pessoal deve abranger a
historicidade pessoal e, ainda inserida a vertente biológica da identidade,
sem que seja reconhecido qualquer vínculo parental entre as duas pessoas
que, biologicamente, são genitor e gerado, mas que juridicamente nunca
43
tiveram qualquer vínculo de parentesco .
A colisão de interesses constantes da paternidade alimentar está na hipótese
de o caso concreto possibilitar a supressão da obrigação alimentar pelo parente
afetivo em virtude da exaltação do princípio da dignidade da pessoa humana.
Corroborando tal entendimento o Desembargador Luis Felipe Brasil, do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu:
EMBARGOS INFRINGENTES. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.
ANULAÇÃO DE REGISTRO NEGADA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
RECONHECIDA. DECLARAÇÃO DE PATERNIDADE BIOLÓGICA AO
EFEITO DE ATRIBUIR OBRIGAÇÃO ALIMENTAR AO INVESTIGANTE.
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA.
1. A instituição de obrigação de natureza alimentar, no âmbito do Direito de
Família, pressupõe a existência de uma relação jurídica que lhe dê causa no caso, o dever de sustento dos pais com a prole ou de um parente em
relação a outro (arts. 1.566, 1.634).
2. O prestígio que se há de conferir ao princípio da dignidade da pessoa
humana não faz com que se suprima do ordenamento jurídico
infraconstitucional normas que estabelecem o dever alimentar a partir da
relação de paternidade/filiação.
3. A sentença admitiu a prática de ato hígido de reconhecimento de
paternidade, bem como reconhece a parentalidade socioafetiva entre o
autor e o pai e mantém a paternidade registral. Desse modo, impossível
atribuir seqüelas jurídicas para instituir dever de alimentar a quem tãosomente mantém identidade genética com o autor. NEGARAM
PROVIMENTO AOS EMBARGOS INFRINGENTES, POR MAIORIA.
44
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Porém, aos operadores do Direito vale lembrar que as normas jurídicas
devem adequar-se, paulatinamente, a realidade social em que se inserem, posto
que sua finalidade é de prevenir e resolver conflitos, visando a tutela dos bens da
42
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Juris, 2011, p. 620.
43
GAMA, Guilherme Camon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais. 2003,
p 483. In: MADALENO, Rolf. Paternidade alimentar. In: Revista brasileira de direito de família, v. 8,
n. 37, p. 133-149, ago./set. 2006
44
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Embargos Infringentes
nº 70021199468. Embargante: L. S. Embargado: J. M. S. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. Porto
Alegre,14 de dezembro de 2007.
20
vida social. Por isso, determinadas situações recebem tutela jurídica diversa daquela
aplicada às questões cotidianas, ensejando a flexibilidade que se tem em dirimir
lides diante da razoabilidade e do senso de justiça do julgador.
Daí tem-se as divergências jurisprudenciais, em virtude do livre
convencimento do juiz ao analisar as provas dos autos, e, sobretudo, utilizando-se
da realidade social de cada caso. Nesse sentido, contrapondo-se ao julgado
supramencionado do Desembargador Luiz Felipe Brasil, o Desembargador Relator,
do mesmo Tribunal de Justiça, Claudir Fidélis Faccenda, aborda a questão da teoria
tridimensional para resolução do conflito, a qual reconhece tanto os direitos da
filiação genética como os direitos inerentes a filiação socioafetiva:
Para isso trago à colação a doutrina de Belmiro Pedro Welter. Em sua
doutrina, afirma que no mundo ocidental “continua a se pensar tão-somente
no
reconhecimento
de
uma
das
paternidades,
excluindo-se,
necessariamente a outra.” Para ele, todos os efeitos jurídicos das duas
paternidades devem ser outorgadas ao ser humano, na medida em que a
45
condição humana é tridimensional, genética, afetiva e ontológica [...]
Conforme mencionado no acórdão citado acima, vale ressaltar o que Belmiro
Pedro Welter entende pela teoria tridimensional, senão vejamos:
[...] O ser humano é um todo tridimensional e, ao mesmo tempo, uma parte
genética, afetiva e ontológica, tendo à sua disposição todos os direitos e
desejos desses três mundos, uma vez que a existência é uma formação
contínua de eventos, pelo que, nas ações de investigações de
paternidade/maternidade genética e afetiva, devem ser acrescidos todos os
direitos daí decorrentes, como alimentos, herança, poder/dever familiar,
parentesco, guarda compartilhada, nome, visitas, paternidade/maternidade
genética e afetiva e demais direitos existenciais.
[...] Não reconhecer as paternidades genética e socioafetiva, ao mesmo
tempo, com a concessão de 'todos' os efeitos jurídicos, é negar a existência
tridimensional do ser humano, que é reflexo da condição e da dignidade
humana, na medida em que a filiação socioafetiva é tão irrevogável quanto
a biológica, pelo que se deve manter incólumes as duas paternidades, com
o acréscimo de todos os direitos, já que ambas fazem parte da trajetória da
vida humana. [...]
Por isso, penso não ser correto afirmar, como o faz a atual doutrina e
jurisprudência do mundo ocidental, que "a paternidade socioafetiva se
sobrepõe à paternidade biológica", ou que "a paternidade biológica se
sobrepõe à paternidade socioafetiva", isso porque ambas as paternidades
são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas, exatamente porque
fazem parte da condição humana tridimensional, que é genética, afetiva e
46
ontológica .
Corroborando o mesmo entendimento, e, atribuindo a biparentalidade diante
do reconhecimento da verdade biológica enquanto já consagrado os laços da filiação
socioafetiva, a Desembargadora Marilza Maynard Salgado de Carvalho do egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, afirma que:
45
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Apelação cível nº
70029363918/RS. Apelante: M. P. Apelado: N. L. C. A. Relator: Claudir Fidélis Faccenda. Porto
Alegre, 07 de maio 2009.
46
WELTER, Belmiro Pedro. Teoria tridimensional do direito de família: reconhecimento de todos os
direitos das filiações genética e socioafetiva. Revista Brasileira de Direito das Famílias e
Sucessões. Porto Alegre: Magister; Belo Horizonte: IBDFAM, ano 10, n. 8, p. 113, fev./mar. 2009.
21
Ora, entender que a paternidade sócio-afetiva exclui o reconhecimento por
registro público da paternidade biológica seria um incentivo a que por
interesses patrimoniais legais, na medida em que o direito de herança é
legal e devido àquele que tem vínculo biológico, fosse negada relação
sócio-afetiva, bem como, para que os pais biológicos eximissem-se de
prestar o auxílio devido aos seus descendentes, beneficiando-se da sua
própria torpeza.
De acordo com o acima exposto, entendo, ainda, ser perfeitamente possível
o reconhecimento da biparentalidade em casos tais, de maneira a garantir
os direitos inerentes ao vínculo biológico, bem como àqueles decorrentes do
afeto e da convivência, sem que um exclua o outro, de maneira a melhor
salvaguardar todas as relações familiares, na medida em que a meu sentir
não há razão para impedir em casos tais sejam reconhecidos os dois
47
vínculos.
O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento pelo informativo de
jurisprudência nº 405, da Quarta Turma, no julgamento do REsp 220.623-SP pelo
Ministro Fernando Gonçalves, considerando que “numa interpretação sistemática e
teleológica dos arts. 27, 41 e 48 do ECA, que o adotado pode, a qualquer tempo, ver
reconhecida a verdade biológica referente à sua filiação. Já quanto ao pedido de
alimentos, não há também vedação legal a, no caso, impedir sua apreciação,
mesmo considerada a irrevogabilidade da adoção do alimentando”48.
Cabe ressaltar, ainda que, o Projeto de Lei n. 2.285/2007, dispõe sobre o
Estatuto das Famílias, definiu em seu art. 77 e parágrafo único:
Art. 77. É admissível a qualquer pessoa, cuja filiação seja proveniente de
adoção, filiação socioafetiva, posse de estado ou de inseminação artificial
heteróloga, o conhecimento de seu vínculo genético sem gerar relação de
parentesco.
Parágrafo único. O ascendente genético pode responder por subsídios
necessários à manutenção do descendente, salvo em caso de inseminação
49
artificial heteróloga .
Logo, ampliando a dimensão da paternidade responsável para fins
exclusivamente alimentar, viu-se a possibilidade de se atribuir ao ascendente
genético o dever de prestar alimentos em caso de necessidade do menor, e em
respeito aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do melhor
interesse da criança e do adolescente. Nesse sentido, Rolf Madaleno conclui a tese
da paternidade alimentar da seguinte forma, senão vejamos:
Em tempos de verdade afetiva e de supremacia dos interesses da prole,
que não pode ser discriminada e que tampouco admite romper o registro
civil da sua filiação social já consolidada, não transparece nada contraditório
estabelecer nos dias de hoje a paternidade meramente alimentar. Nela, o
pai biológico pode ser convocado a prestar sustento integral a seu filho de
sangue, sem que a obrigação material importe em qualquer possibilidade de
47
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE. AC 2011215481/SE. Apelante:
G.O.S.. Apelado: A.F.D.S. e outros. Relator: Desembargador Cezário Siqueira Neto, Aracaju, 03 de
setembro de 2012.
48
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Informativo de Jurisprudência nº 405, período: 31
de agosto a 4 de setembro de 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/infojur/doc.jsp>.
Acesso em 6 ago 2012.
49
BRASIL. Projeto de Lei n. 2.285/2007. Dispõe sobre o Estatuto das Famílias. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/517043.pdf>. Acesso em 1 out 2012.
22
retorno à sua família natural, mas que apenas garanta o provincial efeito
material de assegurar ao filho rejeitado a vida digna, como nas gerações
passadas, em que ele só podia pedir alimentos do seu pai que era casado e
o rejeitara.
A grande diferença e o maior avanço é que hoje ele tem um pai de afeto, de
quem é filho de coração, mas nem por isso libera seu procriador da
responsabilidade de lhe dar o adequado sustento no lugar de amor. É a
50
dignidade em suas duas versões .
6 CONCLUSÃO
O direito de família é bastante amplo, porém não consegue abranger as
excepcionalidades do cotidiano de cada entidade familiar. E, daí surgem as lacunas
que devem ser preenchidas de caso a caso, respeitando o pluralismo, mas,
sobretudo, efetivando o princípio da dignidade da pessoa humana, levando em
consideração os interesses e o bem estar de cada membro.
A tese da paternidade alimentar visa exaltar o princípio da dignidade da
pessoa humana em respeito ao melhor interesse da criança e do adolescente que
necessita de amparo. Assim, ressaltando que a socioafetividade se sobreleve a
qualquer paternidade, há que se falar na paternidade responsável para fins de
alimentos, apenas com caráter complementar, o que daria ensejo à formação de um
elo de filiação para fins de subsídios alimentares diante de uma vinculação genética.
Ou seja, na incapacidade de prestar todos os recursos financeiros dos quais
necessita o menor, os pais afetivos teriam a possibilidade de considerar em caráter
complementar, o auxílio dos pais biológicos.
Percebe-se o grande avanço no que tange ao direito de família, porém
quando se trata do direito de filiação, a visão matrimonial e patrimonial ainda estão
muito presentes, apesar do reconhecimento de muitos direitos inerentes aos
antigamente chamados de “filhos ilegítimos”. Desta forma, considera-se a dupla
paternidade, sem que a verdade biológica se sobreponha ao vínculo afetivo, e vice
versa.
Ademais, as ponderações giram em torno do total afastamento do vínculo
genético diante da formação da filiação socioafetiva, uma vez que o Código Civil
repugna a investigação de paternidade com a intenção exclusivamente econômica, e
por isso, a paternidade alimentar é voltada a consagração do princípio da dignidade
da pessoa humana e do direito à vida, sem, entretanto, adentrar no mérito do direito
sucessório, ou mesmo, da obrigatoriedade em amparar afetivamente o filho
proveniente da relação genética.
A ideia é que o pai socioafetivo mantenha o registro e, ainda, a sua função
parental, mas que ante ao caso excepcional, o poder judiciário, utilizando-se do
senso de justiça e do princípio da razoabilidade, possa reconhecer o direito desse
filho da socioafetividade em pleitear a verba de natureza alimentar e complementar.
Assim, cabe salientar que, a questão não pode ser vista de forma asséptica,
cingidas ao seu aspecto meramente biológico ou afetivo apartadas das condições
pessoais e sociais do menor.
Logo, aos aplicadores do direito caberia não só uma aplicação literal da
legislação vigente, mas, também, uma análise da entidade familiar inserida em um
contexto social e econômico, sem, entretanto, eximir o ascendente biológico, que
50
MADALENO, Rolf. Paternidade alimentar. In: Revista Brasileira de direito de família, v. 8, n. 37,
p. 133-149, ago./set. 2006.
23
possui condições financeiras suficientes, de ser compelido a prestar o amparo ao
seu descendente genético que possui necessidades essenciais referentes à sua
própria subsistência, ainda que, este amparo não possa ser prestado por qualquer
outro parente afetivo.
PATERNITY CHILD SUPPORT
Abstract: This article discusses the exceptional nature of the right to claim
concession of child support in case of socioaffective paternity, over the biological
parents, focusing on the need of the child. In face of maintenance obligation, it
analyzes arguments that allow the overlap of biological paternity over socioaffective,
for food purposes. The theme is guided by jurisprudence and doctrine, since
Brazilian laws do not explicitly supports the aforementioned right, however, do not
present any legal prohibition.
Keywords: Child support. Genetic origin. Biological paternity. Best interest of the
child. Child and adolescent statute.
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2011215481/SE. Apelante: G.O.S.. Apelado: A.F.D.S. e outros. Relator:
Desembargador Cezário Siqueira Neto, Aracaju, 03 de setembro de 2012.
25
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25
_______. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
Apelação Cível n. 70045309119/RS. Apelante: G.P.B. Apelado: M. P. B. Relator:
Liselena Schifino Robles Ribeiro. Porto Alegre, 28 de março de 2012.
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MADALENO, 2007 apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.
Direito das Famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 586.
31
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FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed.
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41
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg no agravo de instrumento nº
1.291.955/PR. Agravante: O. C. L. Agravado: A. I. de S. B. C. L. (menor).
Representado por: M. I. G de S. Relator: Ministro Massami Uyeda. Brasília, 2 de
setembro de 2010.
42
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 3. ed.
Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 620.
43
GAMA, Guilherme Camon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações
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brasileira de direito de família, v. 8, n. 37, p. 133-149, ago./set. 2006.
44
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
Embargos Infringentes nº 70021199468. Embargante: L. S. Embargado: J. M. S.
Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. Porto Alegre,14 de dezembro de 2007.
45
_______. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
Apelação cível nº 70029363918/RS. Apelante: M. P. Apelado: N. L. C. A. Relator:
Claudir Fidélis Faccenda. Porto Alegre, 07 de maio 2009.
27
46
WELTER, Belmiro Pedro. Teoria tridimensional do direito de família:
reconhecimento de todos os direitos das filiações genética e socioafetiva. Revista
Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre: Magister; Belo
Horizonte: IBDFAM, ano 10, n. 8, p. 113, fev./mar. 2009
47
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE. AC
2011215481/SE. Apelante: G.O.S.. Apelado: A.F.D.S. e outros. Relator:
Desembargador Cezário Siqueira Neto, Aracaju, 03 de setembro de 2012.
48
_______. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Informativo de Jurisprudência nº
405, período: 31 de agosto a 4 de setembro de 2009. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/infojur/doc.jsp>. Acesso em 6 ago 2012.
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_______. Projeto de Lei n. 2.285/2007. Dispõe sobre o Estatuto das Famílias.
Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/517043.pdf>. Acesso em 1
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50
MADALENO, Rolf. Paternidade alimentar. In: Revista Brasileira de direito de
família, v. 8, n. 37, p. 133-149, ago./set. 2006.
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