SERVIÇO DICAS cimento da terra, também prejudicial a algumas espécies. HORTINHA/DIVULGAÇÃO Horta até na parede da cozinha Plantar em casa dá pé Vem crescendo o número de pessoas que se interessam em manter uma horta em casa ou apartamento. A prática pode ser influência de maior consciência ambiental, somada à busca por alimentos orgânicos, que também cresce 34 Revista do Idec | Julho 2008 “A fagar a terra, conhecer os desejos da terra, cio da terra, a propícia estação... e fecundar o chão...” A canção “Cio da Terra”, de Milton Nascimento e Chico Buarque, nos remete aos cuidados necessários para que da terra brotem plantas e frutos. Seja em uma grande extensão, num sítio no interior, ou em uma jardineira no canto de uma varanda, em um prédio de uma grande cidade, os requisitos básicos para os cuidados com a terra são sempre os mesmos: tempo, dedicação, muita paciência e até uma dose de sensibilidade. “Respeitar o tempo natural de cada espécie parece complicado no começo, por causa da vida apressada que a gente leva nas grandes cidades. Nas prateleiras, encontramos todos os produtos em todas as épocas do ano. Perdemos a noção de que a terra tem seus ciclos”, alerta o agrônomo Peter Webb, que pratica a agroecologia e dá cursos sobre o assunto. Ter uma horta orgânica (sem uso de agrotóxicos) em casa, possibilita o consumo de alimentos frescos e diversificados. Quando os consumimos logo que eles são colhidos, aproveitamos melhor seus nutrientes. Além disso, para que comprar e desperdiçar um saquinho cheio de manjericão, se é possível ter a planta em casa? A solução pode vir em pequenas mudas, cultivadas em quintais, varandas, parapeitos de janelas ou até mesmo em paredes ou canteiros suspensos no teto da sala ou da cozinha. É possível aproveitar alguns materiais descartados, como tubos de PVC, que podem ser transformados numa floreira suspensa; pneus velhos, que podem ser empilhados ou cortados e utilizados como vasos; ou garrafas PET, que podem ser cortadas para virar vasos. Sempre com alguns cuidados. “Para evitar a claridade na raiz, por causa da transparência do plástico, é preciso pintar a PET da metade para baixo. A terra exposta à luz propicia o surgimento de musgos, que impedem o crescimento da planta”, explica Peter Webb, que também propõe pintar os pneus com cores claras para evitar o superaque- Esses materiais têm sido usados de forma isolada ou por empresas que vêm se especializando na atividade de propor hortas domésticas. Algumas fornecem sementes, mudas e acessórios, enquanto outras oferecem projetos arquitetônicos e técnicas. Este é o caso da arquiteta Ana Paula Souza e de sua empresa, a Hortinha, que em três anos de atuação, no Rio de Janeiro (RJ), se especializou em hortas para pequenos espaços. “Sentia falta do contato com a terra. Fui criada em Friburgo, interior do estado do Rio de Janeiro. Então fiz uma horta em casa, aproveitando os conhecimentos que adquiri em arquitetura. E logo de cara já fui fazendo para os outros. Atualmente vivo disso”, conta Ana Paula, que arrisca traçar um perfil de seus clientes: “pessoas mais jovens e caseiras, recém-casadas, com ou sem filhos pequenos. Já os solteiros que me procuram costumam receber muita gente em casa ou gostam de cozinhar”, ela diz. “A preferência, aliás, é por ervas condimentares.” Manjericão, manjerona, orégano, tomilho, salsa, cebolinha, coentro, alecrim, hortelã, ervacidreira, sálvia, capim-limão e diversas espécies de pimenta são as preferidas de quem tem horta em casa. Mas também é possível cultivar alimentos que necessitem de um pouco mais de paciência, como tomate e morango. “Para cada espécie há um cuidado diferente. O morango, por exemplo: quanto mais calor recebe, mais doce fica”, revela Peter Webb. Segundo ele, é fundamental que a horta esteja num local em que bata sol quatro horas por dia, em média. A falta de sol enfraquece a planta, que gasta toda a sua energia na busca por luz. “Caso não haja quantidade suficiente, é possível criar recursos para aumentar a luminosidade, como o uso de espelhos e até cristais”, acrescenta. A poluição das grandes cidades indica que de- ILUSTRAÇÕES PETER WEBB DIVERSIFICAÇÃO Espécies variadas simulam um ecossistema Revista do Idec | Julho 2008 35 DICAS “Praguicidas” caseiros Horta em pequenos espaços ● Tipo de canteiro: vasos ou jardineiras de plástico, metal ou cerâmica, ou materiais reciclados adaptados, como tubos de PVC, garrafas PET e pneus usados. ● Área: arejada, com bastante iluminação (sol durante quatro horas ao dia, em média), como quintais, varandas, parapeitos de janelas e áreas de serviço. ● Enchendo os canteiros: uma camada de cascalho ou brita no fundo do recipiente, para drenar o solo, e outra de terra adubada. Para que uma camada não se misture a outra e para evitar que os nutrientes sejam carregados junto com a água, Drenagem ▲ 1. Brita, pedras ou carvão para cobrir o fundo. 2. Terra mista: ● 1/3 da vermelha; ● 1/3 da preta; ● 1/3 de húmus de minhoca e areia, tudo misturado. é possível colocar uma manta feita de palha ou adquirir uma artificial, feita de bidim (material acrílico). Também pode-se colocar uma camada fina de palha (3 cm de espessura) na cobertura dos canteiros para proteger e evitar evaporação. ● Preparo do solo: terra, cal hidratada, adubo orgânico (que pode ser esterco de galinha, esterco de gado, húmus de minhoca ou folhas e cascas de ovos e frutas). ● Controle de pragas e doenças: catação manual dos ovos e larvas existentes nas plantas. Eliminação, também ve haver um cuidado a mais, tendo em vista que as hortaliças, especialmente as folhosas, são consumidas cruas. Portanto, elas devem ser cuidadosamente lavadas. Aliás, todos os produtos plantados em casa devem ser lavados normalmente. E para evitar que se acumule poeira nas folhas, é preciso borrifar água com uma certa freqüência, com o cuidado de não acumulá-la nas folhas, o que poderia causar doenças na planta. O ritmo da produção, no entanto, não é alterado por conta do ambiente poluído. MÃOS À TERRA O contato com a terra, mais os cuidados e a atenção que a planta exige, acabam fazendo com que a atividade também seja procurada com finalidade terapêutica. Pais interessados na educação ambiental dos filhos, igualmente, vêm buscando a atividade. “Quando uma criança entende o ciclo de vida e morte de um girassol, naquele momento ocorre um resgate de antigos valores extraídos da relação do homem com a terra, como autonomia e autoestima. É um aprendizado e tanto para ela e para nós, adultos, que a acompanhamos”, argumenta Peter Webb. É preciso apenas ter cuidado com crianças pequenas e ani- 36 Revista do Idec | Julho 2008 manual, de folhas, galhos ou plantas doentes. ● Tratos culturais: ✔ Irrigação: deve ser feita pelo menos de quatro a cinco vezes por semana. “O que vale é o teste do dedo na terra para sentir a umidade”, explica Peter. ✔ Capina: quando ainda são mudas, é preciso retirar manualmente todos os matos do ambiente da planta para evitar concorrência. Mais tarde, a presença do mato pode até ajudar a protegê-la de insetos. ✔ Adubação: deve ser feita a cada três meses. mais de estimação, para não haver acidentes, como a ingestão de pimentas. O uso das ferramentas também deve ser limitado e sempre supervisionado por um adulto. Mas quem espera substituir tudo o que compra na feira pela horta em casa, e até mesmo economizar com ela, vai se frustrar. As hortaliças têm um ciclo único, ao contrário das ervas, que são perenes – elas podem durar até três anos, se forem bem cuidadas. O que não significa que é impossível plantá-las em casa. Se houver planejamento, observando que cada espécie tem sua época e seu tempo para colheita, pode-se sempre estar colhendo algo. A alface, por exemplo, uma rica fonte de vitamina A, sais minerais e cálcio, tem um ciclo que varia de 35 dias, no verão, a 2 ou 3 meses, no inverno. A sugestão é que sejam realizados plantios semanais, misturando variedades distintas. Segundo Peter Webb, também é importante que haja várias plantas juntas – e que elas “se relacionem, simulando um ecossistema”, diz. “Nenhuma planta sobrevive por muito tempo sozinha num canto da casa. É importante que ela esteja perto de outra. E quanto mais variedades, melhor elas crescem.” Algumas empresas disponibilizam kits prontos ou que podem ser montados e entregues em casa. Para tanto, também é possível recorrer a sítios próximos da região metropolitana. Outra opção, mais barata, é montar seu próprio kit em casas de material de construção ou até mesmo em “lojas de 1,99”, onde um vaso pequeno pode ser adquirido por R$ 1, e um canteiro de tamanho médio, por R$ 3. Ambos de plástico. Os recipientes também podem ser de cerâmica e metal. O uso de madeira não é muito recomendável tanto do ponto de vista ambiental quanto técnico. Mas se for usar, dentro de sua possibilidade, escolha apenas madeira certificada ou que tenha sido descartada de construções ou demolições. É possível, ainda, reaproveitar caixas de feira de madeira, forrandoas com jornal ou palha. Na hora de plantar, pode-se escolher entre sementes e mudas. Para os mais apressadinhos e para quem está começando, recomenda-se usar mudas. O plantio das sementes exige um pouco mais de conhecimento e prática. Só que existem espécies mais difíceis de ser encontradas em forma de muda, como as hortaliças. As Ceasas (Centrais de Abastecimento estaduais ou municipais) concentram uma grande variedade de hortaliças, inclusive mudas. Para se certificar de que elas são orgânicas, é preciso averiguar a origem das espécies – solicitando algum selo atestando o fato, por exemplo. Se for mesmo necessário, você pode usar receitas naturais, disponíveis em casas especializadas ou feitas em casa. Eis alguns exemplos: ● Óleo de nim: 250 g de folhas moídas misturados a 2 litros de água. Deixar em repouso por 12 horas e diluir em 20 litros de água ou solução pronta para misturar com água, disponível em floriculturas. Borrifar uma vez por semana. ● Calda de fumo: picar 100 g de fumo de corda e colocar em 500 ml de álcool, acrescentando 500 ml de água e deixando curtir por 15 dias. Depois, dissolver 100 g de sabão neutro em 10 litros de água e juntar à mistura. Pulverizar para o controle de vaquinhas, cochonilhas, lagartas e pulgões. ● Calda de cebola: 1 kg de cebola picada misturado a 10 litros de água. Curtir por 10 dias. Diluir 1 litro do produto em 3 litros de água e aplicar. Age como repelente de pulgões, lagartas e vaquinhas. ● Calda de camomila: 50 g de flores de camomila misturados a 1 litro de água. Deixar de molho por 3 dias, agitando a preparação 4 vezes ao dia. Coar a mistura e aplicá-la 3 vezes por semana, visando doenças fúngicas. ● Cravo de defunto: 1 kg de folhas e talos misturados a 10 litros de água. Fervê-los por 30 minutos ou picá-los, deixando de molho por 2 horas. Coar e pulverizar, visando o controle de pulgões, ácaros e algumas lagartas. ● Preparo com leite: estopa ou saco de aniagem, água e leite. À noite, distribuir no chão, ao redor das plantas, estopa ou saco molhado com água e um pouco de leite. Pela manhã, virar a manta e eliminar as lesmas que se reuniram embaixo dela. Fonte: Embrapa e Hortinha Eliminando pragas e doenças O surgimento de pragas e doenças é um sinal de desequilíbrio. Nesse capítulo, a terra tem fundamental importância. Quando cultivado por muito tempo, especialmente com hortaliças, o solo se esgota. É preciso alternar as espécies, fazendo um rodízio com famílias diferentes, evitando o plantio seguido de uma mesma variedade num único canteiro. Além disso, é importante observar que cada uma tem sua época, conforme a temperatura e a umidade da estação. Para manter os nutrientes do solo, a adubação é fundamental. De preferência, utilizando materiais orgânicos como húmus de minhoca ou restos de alimentos crus, como cascas de ovos ou de frutas, ou folhas. Em espaços reduzidos, o controle de doenças e pragas é relativamente mais fácil de ser feito. Para remover insetos como larvas e lagartas, o melhor é fazê-lo manualmente. Já para acabar com a infestação de formigas ou pulgões, existem diversas receitas com extratos naturais que podem ser feitas em casa mesmo (leia quadro). Uma delas é o óleo de nim. Extraído das folhas e sementes da árvore indiana de mesmo nome, o óleo funciona como inseticida, fungicida e inibidor de crescimento de diversas pragas e doenças. É possível comprar algumas soluções prontas, em floriculturas, ou fazer em casa. Mas atenção: o uso de produtos para o controle de pragas deve ser feito com restrição, mesmo no caso dos naturais. O uso do óleo de nim, por exemplo, oferece risco de intoxicação a animais domésticos como peixes, gatos e cachorros. Torre de pneus Saiba mais: Embrapa: http://sistemasdeproducao. cnptia.embrapa.br ● Planeta Orgânico: www.planetaorganico. com.br/horticultura.htm ● Jardim de Flores: www.jardimdeflores.com.br ● Hortinha: www.hortinha.com.br ● Revista do Idec | Julho 2008 37