Universidade de Brası́lia
Departamento de Matemática
1
Construção dos Números Reais
Célio W. Manzi Alvarenga
Sumário
1 Seqüências de números racionais
1
2 Pares de Cauchy
2
3 Um problema
4
4 Comparação de pares de Cauchy
9
5 Adição de pares de Cauchy
11
6 Multiplicação de pares de Cauchy
12
7 Os
7.1
7.2
7.3
7.4
7.5
números reais
Adição de números reais . . . . . . . . . . .
Multiplicação de números reais . . . . . . .
Os números reais e os números racionais . .
Interpretação geométrica dos números reais .
Supremo e ı́nfimo . . . . . . . . . . . . . . .
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14
15
17
19
20
25
Seção 1. Seqüências de números racionais
1
1
Seqüências de números racionais
Sejam N o conjunto dos números naturais e Q o conjunto dos números
racionais.
Uma função s : N → Q é chamada uma seqüência de números racionais.
Como exemplo, seja s : N → Q tal que para todo número natural n,
n
. Assim, s(0) = 0, s(1) = 1/2, s(2) = 2/3 , etc.
s(n) =
1+n
Seja s : N → Q uma seqüência de números racionais. Então quando n
é um número natural, s(n) é um certo número racional que também que
também costuma ser indicado com esta notação sn . Isto é, s(n) = sn e sn é
chamado o n-ésimo termo da seqüência s.
É claro que sabendo quais são todos os sn nós conhecemos completamente
a nossa seqüência s. Por essa razão uma seqüência s : N → Q costuma ser
indicada com a notação {sn | n ∈ N}, ou {sn }n∈ N , ou simplesmente sn quando
não há perigo de confusão.
Exemplo 1. Consideremos a seqüência f : N → Q tal que para todo número
natural n, fn é a maior fração que tem denominador 10n e não ultrapassa
1/3 . Desse modo, f0 = 0; f1 = 0, 3; f2 = 0, 33; etc.
Uma seqüência de números racionais sn é dita limitada quando existem
dois números racionais p, q tais que para todo n ∈ N:
p 6 sn 6 q
A seqüência
1
é limitada pois para todo número n,
1+n
06
1
61
1+n
A seqüência n2 não é limitada.
Uma seqüência an é dita crescente se, para todo número natural j :
aj 6 aj+1
Como exemplo seja a : N → Q tal que para todo n, an é a maior fração
que tem denominador 10n e não ultrapassa 5/7 . O leitor pode mostrar que
{an } é de fato crescente e também limitada, pois para todo n, 0 6 an < 5/7.
A seqüência bn é chamada decrescente se, para todo número natural j :
2
Seção 2. Pares de Cauchy
bj +1 6 bj
Por exemplo, seja {bn } a seqüência tal que para todo n, bn é a menor
fração que tem denominador 8n e é maior do que 1/3 . O leitor pode mostrar
que {bn } é decrescente, e limitada, pois para todo número natural
n, 1/3 < bn 6 1. Neste exemplo é fácil ver que b0 = 1 ; b1 = 3/8 ;
b2 = 22/82 ; b3 = 171/83 ; etc.
Exercı́cios 2.
n
1) Mostre que a seqüência
n ∈ N é crescente e limitada.
n+1
n + 2 2) Mostre que a seqüência
n ∈ N é decrescente e limitada.
n+1
3) Para cada número natural n, seja an a maior fração que tem denominador 7n e não ultrapassa 3/8 , isto é an 6 3/8 < an + 1/7n . Mostre que
{an } é uma seqüência crescente e limitada. (Sugestão: seja an = cn /7n para
todo n ∈ N. Mostre que cn 6 7cn 6 cn+1 , e portanto an 6 an+1 ).
2
Pares de Cauchy
Já encontramos em nossos estudos de Matemática problemas dos seguintes tipos:
1) Dado o número natural n, achar as duas frações de denominador 10n ,
an e bn tais que
1
5 5
< b n e b n − an = n
an < ;
7 7
10
2) Dado o número natural m, achar as duas frações positivas cm e dm , do
denominador 10m tais que
c2m < 2 ; 2 < d 2m e dm − cm =
1
10m
etc.
No primeiro problema acima, quando o número natural n vai “percorrendo” o conjunto dos números naturais, as soluções an formam uma seqüência crescente {an } e as soluções bn formam uma seqüência decrescente
{bn }. É claro também que os termos an e bn , de mesmo ı́ndice, vão ficando
cada vez mais próximos à média em que o ı́ndice n cresce, pois a diferença
bn − an = 1/10n vai ficando pequena.
Seção 2. Pares de Cauchy
3
O segundo problema acima também exibe um fenômeno parecido.
Os dois exemplos citados acima e muitos outros (que não daremos agora
mas encontraremos mais tarde) sugerem que examinemos com atenção este
novo tipo de “objeto matemático”: um par de seqüências de números racionais {an , bn } tais que {an } é crescente, {bn } é decrescente an 6 bn para
todo número natural n e a diferença bn − an vai se “aproximando de zero” à
medida em que o ı́ndice n cresce. Não exigiremos, entretanto, que an ou bn
seja fração de denominador 10n .
Esse novo tipo de objeto matemático, o nosso par de seqüências {an , bn }
nas condições acima, nós chamaremos de par de Cauchy e iremos estudar na
próxima seção.
Definição 3. Dizemos que duas seqüências an e bn de números racionais
formam nessa ordem o par de Cauchy {an , bn } se as seguintes condições
estão verificadas:
1) an é crescente, bn é decrescente;
2) Para todo n ∈ N : an 6 bn ;
3) Dado qualquer número racional > 0 existe um número natural n0 tal
que para todo n > n0 :
b n − an < Exemplos 4.
1) Seja r um número racional. Para todo número natural n,
seja an = bn = r. É fácil ver que as três condições acima estão satisfeitas e
portanto {an , bn } é um par de Cauchy.
1
1
2) Para todo n ∈ N sejam an = −
e bn =
. É fácil mostrar
n+1
n+1
que {an , bn } é um par de Cauchy.
Exercı́cios 5.
1) Seja {an , bn } um par de Cauchy. Mostre que {−bn , −an } é um par de
Cauchy.
2) Seja {cn , dn } um par de Cauchy tal que para todo n ∈ N, cn > 0.
Mostre que {1/dn , 1/cn } é um par de Cauchy. (Sugestão: para verificar
a condição (3) da definição
de par de Cauchy, observe que
1
dn − cn
dn − cn
1
−
=
6
.
cn dn
cn dn
c20
3) Seja {en , fn } um par de Cauchy tal que para todo n ∈ N, fn < 0.
Mostre que {1/fn , 1/en } é um par de Cauchy.
4
Seção 3. Um problema
4) Sejam {an , bn }, {cn , dn } dois pares de Cauchy tais que para todo n ∈
N, an > 0 e cn > 0. Mostre que {an cn , bn dn } é um par de Cauchy (Sugestão:
para verificar a condição (3) da definição de par de Cauchy, observe que
bn dn − an cn = bn dn − an dn + an dn − an cn
portanto
bn dn − an cn 6 dn (bn − an ) + an (dn − cn ) 6 d0 (bn − an ) + b0 (dn − cn ))
5) Sejam {an , bn }, {cn , dn } dois pares
{an + cn , bn + dn } é um par de Cauchy.
de
Cauchy. Mostre
que
6) Sejam {an , bn } um par de Cauchy e n0 um número natural. Defina as
seqüências a0n . b 0n do seguinte modo:
b 0n = bn0 , a0n = an0 para n 6 n0
b 0n = bn ,
a0n = an
para n > n0
Mostre que {a0n , b 0n } é um par de Cauchy
3
Um problema
Dado um par de Cauchy {an , bn }, vamos supor que exista um número
racional r tal que para todo n ∈ N:
an 6 r 6 b n
Queremos saber se é possı́vel existir um outro número racional s, diferente
de r, tal que para todo n ∈ N:
an 6 s 6 b n
Vamos mostrar que não.
Se existisse um tal número s, diferente de r, então ou s > r ou s < r.
Vamos verificar que s não pode ser maior do que r.
De fato, se s > r então s − r > 0. De acordo com a condição 3) da
definição de par de Cauchy, podemos tomar = s − r (veja página 3) e então
existe um número natural n0 tal que para todo n > n0 acontece isto:
0 6 b n − an < 5
Seção 3. Um problema
isto é (pois = s − r):
b n − an < s − r
Logo
b n + r < s + an
Mas estamos supondo que an 6 s 6 bn para todo n ∈ N. Então
b n + r < s + an 6 b n + an
e portanto
bn + r < bn + an
isto é,
r < an
Isso é absurdo pois por hipótese an 6 r 6 bn para todo n.
A demonstração de que s não pode ser menor do que r é análoga à
anterior, como o leitor pode observar.
Conclusão 6. Dado um par de Cauchy {an , bn }, se existir um número racional r tal que para todo n ∈ N acontece isto:
an 6 r 6 b n
então r é o único número racional que está assim relacionado com o par de
Cauchy {an , bn }. Por essa razão podemos introduzir a seguinte definição.
Definição 7. Dados o par de Cauchy {an , bn } e o número racional r, nós
dizemos que {an , bn } determina r se para todo n ∈ N acontece isto:
an 6 r 6 b n
O leitor a esta altura pode fazer a seguinte pergunta: dado um par de
Cauchy {cn , dn } sempre existe um número racional s tal que {cn , dn } determina s no sentido da Definição 7 acima?
A resposta a essa pergunta é: nem sempre.
−1
1
É claro que o par de Cauchy 2 +
, 2+
determina o nún+1
n+1
mero 2, pois para todo n ∈ N:
2+
−1
1
6 2 6 2+
n+1
n+1
Vamos agora dar exemplo de um par de Cauchy {an , bn } que não determina nenhum número racional. As seqüências an e bn do par {an , bn } são
definidas do seguinte modo: Para cada n ∈ N:
6
Seção 3. Um problema
• an é a maior fração de denominador 10n tal que a2n 6 2;
• bn é a menor fração positiva do denominador 10n tal que b2n > 2.
É claro que para todo n bn − an = 1/10n . Logo, dado > 0, existe n0
tal que, para n > n0 , 1/10n < , isto é, |bn − an | < . O leitor pode verificar
que an é crescente e bn é decrescente. É claro que para todo n, an 6 bn . Logo
{an , bn } é de fato um par de Cauchy.
Vamos então verificar que não existe nenhum número racional tal que,
para todo n ∈ N:
an 6 h 6 b n
De fato, se um tal número racional h existisse deveria acontecer um destes
três casos:
1 o- ) h2 = 2;
2 o- ) h2 < 2;
3 o- ) h2 > 2.
Vamos mostrar que nenhum desses casos é possı́vel.
1 o- ) Não existe nenhum número racional h tal que h2 = 2. De fato, se
existe um tal h poderı́amos escrevê-lo h = p/q, onde p e q são números
naturais primos entre si e q 6= 0. Então viria: p2 /q 2 = 2 ∴ p2 = 2 q 2 .
Logo p2 é par. Portanto p é par. Então p2 é múltiplo de 4 e como p2 = 2 q 2
concluı́mos que q 2 é múltiplo de 2. Isso contraria o fato de que p e q são
primos entre si e um particular não podem ser ambos pares.
2 o- ) Vamos mostrar que h2 < 2 também não é possı́vel:
Como bn = (bn − h) + h, então [(bn − h) + h]2 = b2n > 2 (Por definição de
bn , b2n > 2). Logo
(bn − h)2 + 2 h (bn − h) + h2 > 2
Como para todo n ∈ N, bn − an = 1/10n e an 6 h 6 bn , então
0 < b n − h 6 b n − an
isto é,
0 < bn − h 6
1
10n
7
Seção 3. Um problema
e então temos
2h
10n
1
(bn − h)2 6 2n
10
2 (bn − h) h 6
Portanto
1
2h
+
+ h2 > (bn − h)2 + 2(bn − h)h + h2
2n
n
10
10
(1)
2
= [(bn − h) + h] =
b2n
>2
Dado o nosso número racional positivo h, existe um número natural n0
tal que
1
10n0 >
h
Logo, para todo n > n0 , podemos escrever:
1
, isto é,
h
1
10n >
h
10n > 10n0 >
ou
1
10n
e então concluı́mos que para todo n > n0 :
h>
1
1
1
1
h > n · n = 2n
n
10
10 10
10
e assim, de acordo com o resultado (1) , obtemos:
1
2
1
2
h + n h + h2 > 2n + n h + h2 > 2
n
10
10
10
10
isto é,
3h
+ h2 > 2
10n
para todo n > n0 , n ∈ N.
Podemos concluir de (2) que
3h
> 2 − h2
10n
(2)
8
Seção 3. Um problema
ou, visto ser 2 − h2 > 0 :
3h
> 10n
2 − h2
(3)
qualquer que seja n > n0 .
Ora, (3) é absurdo pois dado o número racional
um número natural n maior do que n0 tal que
3h
> 0 sempre existe
2 − h2
3h
< 10n
2
2−h
Está pois mostrado que h2 não pode ser menor do que 2.
3 o- ) Deixamos a cargo do leitor mostrar que o terceiro caso, isto é, h2 > 2,
também não pode ocorrer (Sugestão: observe que an = (an − h) + h, a2n < 2
e mostre que a hipótese h2 > 2 conduz a absurdo).
Uma observação final : acabamos de ver que dado um par de Cauchy
arbitrário {an , bn } nem sempre podemos garantir a existência de um número
racional r que tenha a seguinte propriedade:
an 6 r 6 b n , ∀ n ∈ N
Sabemos também que quando um tal número r existe, então não é possı́vel
existir um outro número s racional, diferente de r e que também satisfaça as
condições
an 6 s 6 b n
para todo n ∈ N. É essa a razão pela qual, quando an 6 r 6 bn para todo
n ∈ N, podemos dizer que o par de Cauchy {an , bn } determina o número
racional r. Nesse caso seria fácil obtermos um outro par de Cauchy, diferente
de {an , bn } e que também determina o mesmo número r. Com efeito, é
suficiente tomarmos
1
a0n = an −
n+1
1
b 0n = bn +
n+1
para todo n ∈ N. É claro que a0n 6= an , b 0n 6= bn e a0n 6 an 6 r 6 bn 6 b 0n ,
isto é, a0n 6 r 6 b 0n . O leitor pode verificar que {a0n , b 0n } é um par de Cauchy
e como a0n 6 r 6 b 0n , então {a0n , b 0n } determina o número r.
Moral da história: um par de Cauchy pode determinar no máximo um
número racional. Mas um número racional pode ser determinado por muitos
pares de Cauchy diferentes.
9
Seção 4. Comparação de pares de Cauchy
4
Comparação de pares de Cauchy
Definição 8. Dados dois pares de Cauchy {an , bn } e {cn , dn } nós dizemos
que {an , bn } é estritamente menor do que {cn , dn }, e escrevemos {an , bn }
< {cn , dn }, se existir algum ı́ndice n0 ∈ N tal que
bn0 < cn0
Geometricamente a definição acima significa isto: para n > n0 :
an
an0
cn
bn
cn0
bn0
dn
dn0
−→
Definição 9. Dado dois pares de Cauchy {an , bn } e {cn , dn }, quando
{an , bn } < {cn , dn } nós dizemos que {cn , dn } é estritamente maior do que
{an , bn } e escrevemos {cn , dn } > {an , bn }.
Observação 10. Consideremos os dois pares de Cauchy {an , bn } e {cn , dn }
1
1
tais que para todo n ∈ N, an = bn = 1 e cn = 1 −
, dn = 1 +
.
n+1
n+1
É fácil ver que {an , bn } não é nem estritamente maior nem estritamente
menor do que {cn , dn }. O leitor observa que tanto {an , bn } como {cn , dn }
determinam o mesmo número racional 1.
Problema 11. Dados dois pares de Cauchy {an , bn }, {cn , dn }, suponhamos
que existe um número racional r tal que an 6 r 6 bn para todo n ∈ N (isto
é, {an , bn } determina o número r). Suponhamos ainda que {an , bn } não é
nem estritamente maior nem estritamente menor do que {cn , dn }. Mostrar
que {cn , dn } então determina o mesmo número racional r.
Solução. Como {an , bn } não é estritamente menor do que {cn , dn } podemos afirmar que para todo n ∈ N :
c n 6 bn
(4)
Como {an , bn } não é estritamente maior do que {cn , dn }, concluı́mos que
para todo n ∈ N:
an 6 dn
Para provarmos que {cn , dn } determina r precisamos mostrar que para
todo n ∈ N temos: cn 6 r 6 dn .
Seção 4. Comparação de pares de Cauchy
10
Ora, se a afirmação:
“Para todo n ∈ N, cn 6 r 6 dn ”
fosse falsa, então deveria existir um número natural n0 tal que um desses
dois casos seguintes aconteceria:
1 o- ) r < cn0 ;
2 o- ) dn0 < r.
Vamos mostrar que (1 o- ) não pode ocorrer. De fato, se r < cn0 , então
cn0 − r > 0 e para todo n > n0 , cn − r > cn0 − r > 0. Tomemos o número
racional positivo cn0 − r. Como {an , bn } é um par de Cauchy, existe n1 > n0
tal que para todo n > n1 acontece isto:
bn − an < cn0 − r
Então para todo n > n1 temos
b n − an < c n − r
pois cn0 − r 6 cn − r e bn − an < cn0 − r para n > n1 . Então concluı́mos
que para n > n1 :
bn − c n < a n − r
(5)
Mas em virtude do resultado (4) concluı́mos que bn − cn > 0 e portanto o
resultado (5) acima implica que
an − r > 0 para todo n > n1 .
Isso contraria a hipótese de ser an 6 r para todo n ∈ N.
Deixamos a cargo do leitor mostrar que não podemos ter dn0 < r para
nenhum n0 ∈ N.
Assim fica demonstrado que se {an , bn } determina o número racional r e
{cn , dn } é um par de Cauchy que não é nem estritamente maior nem estritamente menor do que {an , bn }, então {cn , dn } determina o mesmo número
M
racional r.
O resultado acima serve de motivação para a seguinte definição:
Definição 12. Dados dois pares de Cauchy {an , bn } e {cn , dn }, dizemos
que {an , bn } é equivalente a {cn , dn } e escrevemos {an , bn } ∼ {cn , dn }
se {an , bn } não é nem estritamente maior nem estritamente menor que
{cn , dn }.
Seção 5. Adição de pares de Cauchy
11
Deixamos a cargo do leitor mostrar as seguintes propriedades da relação
∼ introduzida acima. Para facilitar a escrita usaremos letras gregas para
indicar pares de Cauchy.
I) α ∼ α para todo par de Cauchy α;
II) α ∼ β =⇒ β ∼ α;
III) Se α ∼ β
e β ∼ γ, então α ∼ γ;
IV) Se α ∼ α 0 , β ∼ β 0
e α > β, então α 0 > β 0 .
Sugestão: para demonstrar a propriedade III, suponha que ela não seja
verdadeira e mostre que isso conduz a absurdo. Tome α = {an , bn },
β = {cn , dn }, γ = {en , fn }. Então se α não é equivalente a γ, então ou α > γ
ou γ > α. Mostre que nenhum desses casos pode ocorrer.
Exercı́cios 13.
1) Sejam {an , bn } e {cn , dn } dois pares de Cauchy. Mostre que
{an , bn } ∼ {cn , dn } se e só se para todo n, an 6 dn e cn 6 bn .
2) Sejam r, s números racionais e {an , bn } um par de Cauchy que determina r, e {cn , dn } um par de Cauchy que determina s. Mostre que
{an + cn , bn + dn } é um par de Cauchy que determina r + s.
3) Sejam r, s números racionais positivos, {an , bn } um par de Cauchy que
determina r e {cn , dn } um par de Cauchy que determina s. Suponhamos
que para todo n ∈ N, an > 0 e cn > 0. Mostre que {an cn , bn dn } é um par
de Cauchy que determina r . s e {1/bn , 1/an } é um par de Cauchy que
determina 1/r.
4) Seja m um número natural e {an , bn } um par de Cauchy. Considere
as seqüências a0n , b 0n definidas do seguinte modo:
b 0n = bm e a0n = am para n 6 m
b 0n = bn e a0n = an para n > m
Mostre que {a0n , b 0n } é um par de Cauchy equivalente a {an , bn }.
5
Adição de pares de Cauchy
Dados dois pares de Cauchy α = {an , bn } e β = {cn , dn }, podemos
formar o par de Cauchy {an + cn , bn + dn }, que chamaremos de soma dos
pares de Cauchy α e β e escreveremos:
{an , bn } + {cn , dn } = {an + cn , bn + dn }
Seção 6. Multiplicação de pares de Cauchy
12
Vamos indicar com Ô o par de Cauchy {en , fn } tal que en = fn = 0 para
todo n ∈ N. Dado o par de Cauchy α = {an , bn }, podemos formar o par de
Cauchy −α = {−bn , −an }, que chamaremos de simétrico de α.
O leitor pode verificar que são válidas as seguintes propriedades, onde as
letras gregas indicam pares de Cauchy:
1) α ∼ α 0 e β ∼ β 0 =⇒ α + β ∼ α 0 + β 0 ;
2) α ∼ α 0 =⇒ −α ∼ −α 0 ;
3) α+ Ô = α;
4) α + (−α) ∼ Ô (Observe que não temos igualdade, e sim equivalência);
5) α + β = β + α;
6) (α + β) + γ = α + (β + γ);
7) α > β =⇒ α + γ > β + γ
6
para todo par de Cauchy γ.
Multiplicação de pares de Cauchy
Já sabemos que quando {an , bn } e {cn , dn } são pares de Cauchy tais
que para todo n ∈ N an > 0 e cn > 0, então {an cn , bn dn } também é
um par de Cauchy. Se além disso {an , bn } determinar o número racional
positivo r e {cn , dn } determinar o número racional positivo s, então é fácil
mostrar que {an cn , bn dn } determina o número r . s. Em vista disso é natural
que coloquemos a seguinte definição:
Definição 14. Se α = {an , bn } e β = {cn , dn } são pares de Cauchy tais
que para todo n ∈ N, an > 0 e cn > 0 então chamamos de produto de α
por β o par de Cauchy {an cn , bn dn } e escrevemos:
{an , bn } × {cn , dn } = {an cn , bn dn }
Antes de prosseguirmos, vamos resolver o seguinte exercı́cio:
Exercı́cio 15. Seja {an , bn } um par de Cauchy estritamente maior que o
par de Cauchy 0̂ (veja página 12). Então existe um par de Cauchy {a0n , b 0n }
tal que {an , bn } ∼ {a0n , b 0n } e a0n > 0 para todo n ∈ N.
Solução.
Como {an , bn } > 0̂, então existe um ı́ndice n0 ∈ N tal que
an0 > 0. Para todo n > n0 teremos an > 0. Consideremos as seguintes
seqüências a0n , b 0n :
13
Seção 6. Multiplicação de pares de Cauchy
b 0n = bn0
e a0n = an0
para n 6 n0
b 0n = bn e a0n = an para n > n0
O leitor pode verificar que {a0n , b 0n } é um par de Cauchy equivalente a
M
{an , bn } e tal que para todo n ∈ N, a0n > 0.
Vamos escolher, no exemplo acima, o ı́ndice n0 de tal modo que an0 seja o
primeiro termo maior do que zero na seqüência an (isto é, an0 > 0 e aj 6 0
para j < n0 ). Diremos então que {a0n , b 0n } é o par de Cauchy associado a
{an , bn }.
Definição 16. Sejam {an , bn }, {cn , dn } pares de Cauchy estritamente maiores do que 0̂. Seja {a0n , b 0n } o par associado a {an , bn } e {c 0n , d 0n } o par
associado a {cn , dn }. (Sabemos então que a0n > 0 e c 0n > 0 para todo n e
{an , bn } ∼ {a0n , b 0n }, {cn , dn } × {c 0n , d 0n }, colocamos por definição:
{an , bn } × {cn , dn } = {a0n c 0n , b 0n d 0n })
Exercı́cios 17. As letras gregas indicam pares de Cauchy estritamente maiores do que 0. Mostre que:
1) α × β = β × α
2) (α × β) × γ = α × (β × γ)
3) α ∼ α 0 , β ∼ β 0 =⇒ α × β ∼ α 0 × β 0
4) Seja 1̂ o par de Cauchy {en , fn } tal que en = fn = 1 para todo n. Seja
α um par de Cauchy estritamente positivo. Verifique que
α × 1̂ ∼ α
5) Seja α = {an , bn } um par de Cauchy tal que an > 0 para todo n, e
consideremos o par de Cauchy α−1 = { 1/ bn , 1/an }. Mostre que
α × α−1 ∼ 1̂. O par α−1 é chamado o inverso de α.
6) Sejam α e β dois pares de Cauchy estritamente maiores do que 0̂ e
seja α 0 o par de Cauchy associado a α, e β 0 o par de Cauchy associado a β.
Mostre que
α ∼ β =⇒ (α 0 )−1 ∼ (β 0 )−1
(isto é, se dois pares de Cauchy estritamente maiores do que 0̂ são equivalentes, então os inversos de seus respectivos associados também são equivalentes).
14
Seção 7. Os números reais
7
Os números reais
Seja Q o conjunto dos números racionais. Sabemos que Q×Q é o conjunto
dos pares ordenados de números racionais, isto é:
Q × Q = {(a, b) | a ∈ Q e b ∈ Q}
Ora, as funções f : N → Q × Q
chamar de A.
formam um conjunto que podemos
Que é um elemento de A?
Um elemento de A é uma
função f : N → Q × Q que pode ser pensada como um par de seqüências
de números racionais {an , bn }. Em particular um par de Cauchy pertence a
A, isto é, os pares de Cauchy formam um subconjunto de A. Seja então ∆ o
conjunto dos pares de Cauchy e já sabemos que ∆ ⊂ A.
Dado um par de Cauchy α, vamos junta num conjunto α∗ todos os pares
de Cauchy equivalentes a α. Isto é,
α∗ = {α 0 ∈ ∆ | α 0 ∼ α}
Diremos que α∗ é o número real determinado pelo par de Cauchy α. O par
de Cauchy α é então chamado um representante do número real α∗ .
Vamos mostrar que dois pares de Cauchy equivalentes determinam o
mesmo número real, isto é:
Proposição 18. α ∼ β =⇒ α∗ = β ∗ .
Demonstração. Como α∗ e β ∗ são subconjuntos de ∆, para provarmos
que α∗ = β ∗ temos que mostrar que α∗ ⊂ β ∗ e β ∗ ⊂ α∗ .
Por definição temos:
α∗ = {α 0 ∈ ∆ | α 0 ∼ α}
β ∗ = {β 0 ∈ ∆ | β 0 ∼ β}
e por hipótese sabemos que α ∼ β. Então β ∈ α∗ , pois β ∼ α. Dado β 0 ∈ β ∗ ,
temos β 0 ∼ β e como β ∼ α, temos β 0 ∼ α, isto é β 0 ∈ α∗ . Portanto todo
elemento de β ∗ é também elemento de α∗ , isto é β ∗ ⊂ α∗ . De modo análogo
podemos mostrar que α∗ ⊂ β ∗ e assim fica provado que
α ∼ β =⇒ α∗ = β ∗
Vamos chamar de R o conjunto de todos os números reais.
Seção 7. Adição de números reais
15
Definição 19. Sejam α∗ e β ∗ dois números reais. Dizemos que α∗ é estritamente maior do que β ∗ e escrevemos α∗ > β ∗ se para todo α 0 ∈ α∗ e todo
β 0 ∈ β ∗ acontece isto: α 0 > β 0 (isto é, o par de Cauchy α 0 é estritamente
maior que o par de Cauchy β 0 ).
O leitor pode verificar que é válido o seguinte resultado:
Proposição 20. Dados dois números reais α∗ e β ∗ então acontece um e um
só dos seguintes casos:
1 -o ) α∗ = β ∗ ;
2 -o ) α∗ > β ∗ ;
3 -o ) β ∗ > α∗ .
Exercı́cio 21. Sejam α, β dois pares de Cauchy tais que α > β. Mostre
que α∗ > β ∗ , isto é, se α 0 ∈ β ∗ e β 0 ∈ β ∗ então α 0 > β 0 .
7.1
Adição de números reais
Sejam α∗ , β ∗ dois números reais. Seja α 0 ∈ β ∗ um representante de α∗ ,
e β 0 ∈ β ∗ um representante de β ∗ , como α 0 e β 0 são pares de Cauchy nós
podemos formar o par de Cauchy α 0 + β 0 , e depois tomamos o número real
determinado por α 0 + β 0 . Com essas notações:
Definição 22. α∗ + β ∗ = (α 0 + β 0 )∗
Observação 23. A soma de dois números reais está bem definida, pois
se em lugar de α 0 ∈ α∗ tivéssemos tomado α 00 ∈ α∗ e em lugar de
β 0 ∈ β ∗ escolhêssemos β 00 ∈ β ∗ , terı́amos (conforme exercı́cio da página
12): α 0 + β 0 ∼ α 00 + β 00 como dois pares de Cauchy equivalentes determinam
o mesmo número real (veja Proposição 18). Temos:
(α 0 + β 0 )∗ = (α 00 + β 00 )∗
Observação 24. A razão pela qual passamos dos pares de Cauchy aos
números reais é que desse modo conseguimos substituir a relação ∼ de equivalência entre pares de Cauchy pela relação de igualdade entre números reais.
Intuitivamente dois pares de Cauchy equivalentes {an , bn } e {a0n , b 0n } tais
que an 6= a0n ou bn 6= b 0n não devem apenas por causa dessa circunstância
ser considerados diferentes pois, sendo equivalentes, determinam o mesmo
“número”, conforme vimos em exemplos anteriores a propósito de números
racionais. (Por exemplo, os pares de Cauchy {an , bn } e {a0n , b 0n } tais que
an = bn = 0 e a0n = −1/(n + 1), b 0n = 1/(n + 1) determinam o número 0).
Seção 7. Adição de números reais
16
Proposição 25. Sejam α∗ , β ∗ e γ ∗ números reais. Então:
α∗ > β ∗ ⇒ α∗ + γ ∗ > β ∗ + γ ∗
Demonstração.
exercı́cio
Definição 26. Seja r um número racional e consideremos o par de Cauchy
r̂ = {an , bn } tal que para todo n natural, an = bn = r. O número real
determinado pelo par de Cauchy r̂ será escrito r∗ .
Seja α∗ um número real. Vamos mostrar que a equação
α ∗ + x∗ = 0
tem no máximo uma solução.
De fato, suponhamos que x∗1 e x∗2 fossem dois números reais diferentes
e tais que
α∗ + x∗1 = 0∗
α∗ + x∗2 = 0∗
Como x∗1 6= x∗2 , em virtude da Proposição 20 podemos admitir por exemplo
que x∗1 > x∗2 . Ora, a Proposição 25 acima garante-nos que
x∗1 > x∗2 ⇒ x∗1 + α∗ > x∗2 + α∗
e assim vemos que se x∗1 + α = 0∗ , então 0∗ > x∗2 + α∗ isto é, x∗2 não é solução
da equação dada. Portanto a equação acima tem no máximo uma solução.
O leitor pode verificar sem dificuldade que, se {an , bn } é um par de Cauchy representante de α∗ , então o par de Cauchy {−bn , −an } tem a seguinte
propriedade:
{an , bn } + {−bn , −an } ∼ 0̂
Desse modo, chamando de −α∗ o número real determinado pelo par de Cauchy {−bn , −an }, temos
α∗ + (−α∗ ) = 0∗
Fica pois mostrada a seguinte
Proposição 27. Dado o número real α∗ , a equação α∗ + x∗ = 0∗ tem
uma única solução. Essa solução é indicada com a notação −α∗ . Isto é,
α∗ + (−α∗ ) = 0∗ .
A adição de números reais tem propriedades semelhantes as da adição
de números racionais. Isto é, sendo α∗ , β ∗ , γ ∗ números reais o leitor pode
verificar que são válidas as seguintes propriedades:
Seção 7. Multiplicação de números reais
17
α∗ + β ∗ = β ∗ + α∗
(α∗ + β ∗ ) + γ ∗ = α∗ + (β ∗ + γ ∗ )
α∗ + 0∗ = α∗
Para todo α∗ real existe um número real −α∗ tal que
α∗ + (−α∗ ) = 0∗
7.2
Multiplicação de números reais
À página 12 tratamos da multiplicação de dois pares de Cauchy estritamente maiores de que 0̂. Vamos agora usar os resultados lá obtidos para
discutirmos agora a multiplicação de números reais.
Definição 28. Sejam α∗ e β ∗ dois números reais estritamente maiores do
que 0∗ . Sejam {an , bn } um par de Cauchy representante de α∗ e {cn , dn }
um par de Cauchy representante de β ∗ . Então esses dois pares de Cauchy
são ambos estritamente maiores do que 0̂. De acordo com a definição dada
na página 12 podemos considerar o produto desses dois pares de
Cauchy {an , bn } · {cn , dn } que vamos chamar de γ. Então, por definição,
α∗ · β ∗ = γ ∗ .
Observação 29. Suponhamos que {an , bn } e {a0n , b 0n } sejam dois pares de
Cauchy equivalentes que determinam o número real estritamente maior do
que 0∗ , α∗ . Sejam {cn , dn } e {c 0n , d 0n } dois pares de Cauchy equivalentes que
determinam o número real estritamente maior do que 0∗ , β ∗ . Então, conforme
o exercı́cio 3 da página 11, {an , bn } · {cn , dn } ∼ {a0n , b 0n } · {c 0n , d 0n }. Assim
sendo, temos
({an , bn } · {cn , dn })∗ = ({a0n , b 0n } · {c 0n , d 0n })∗
Isso mostra que quando α∗ , β ∗ são dois números reais estritamente maiores do
que 0∗ , então o produto α∗ · β ∗ definido acima está de fato bem definido e não
depende de como escolhemos um representante para α∗ e outro representante
para β ∗ a fim de, a partir deles, determinarmos α∗ · β ∗ .
Para completarmos a definição do produto de dois números reais, precisamos tratar dos casos em que ao menos um dos fatores não é um número
real estritamente maior do que 0∗ .
Definição 30. Seja α∗ um número real qualquer. Então colocamos:
α∗ · 0∗ = 0∗
18
Seção 7. Multiplicação de números reais
Observação 31. Suponhamos que α∗ seja um número real estritamente
menor do que 0∗ . Então o leitor pode verificar que −α∗ é um número real
estritamente maior do que 0∗ .
Definição 32. Sejam α∗ e β ∗ dois números reais tais que α∗ é estritamente
menor do que 0∗ e β ∗ é estritamente maior do que 0∗ . Então colocamos
α∗ · β ∗ = −((−α∗ ) · β ∗ )
Definição 33. Sejam α∗ e β ∗ dois números reais estritamente menores do
que 0∗ . Então colocamos
α∗ · β ∗ = (−α∗ ) · (−β ∗ )
Observação 34. Com as quatro definições estudadas acima, o produto de
dois números reais fica definido em todos os casos possı́veis. O leitor pode
verificar que a multiplicação de números reais tem propriedades semelhantes
às da multiplicação de números racionais:
1 o- ) α∗ · β ∗ = β ∗ · α∗ ;
2 o- ) (α∗ · β ∗ ) · γ ∗ = α∗ · (β ∗ · γ ∗ );
3 o- ) α∗ · (β ∗ + γ ∗ ) = α∗ · β ∗ + α∗ · γ ∗ ;
4 o- ) α∗ · 0∗ = 0∗ ;
5 o- ) α∗ · β ∗ = 0∗ ⇐⇒ α∗ = 0∗ ou β ∗ = 0∗ ;
6 o- ) α∗ · 1∗ = α∗ ;
7 o- ) Se α∗ < β ∗ e γ ∗ > 0∗ então α∗ · γ ∗ < β ∗ · γ ∗ ;
8 o- ) Se α∗ , β ∗ são números reais e α∗ 6= 0∗ então existe um único número
real γ ∗ tal que
α∗ · γ ∗ = β ∗
Tal número real γ ∗ é indicado com a notação γ ∗ =
β∗
.
α∗
Seção 7. Os números reais e os números racionais
7.3
19
Os números reais e os números racionais
Proposição 35. Sejam α∗ um número real e d um número racional positivo.
Então existem números racionais r e s tais que r < s, s − r < d e r∗ <
α∗ < s∗ (Para a definição de r∗ veja a página 16).
Demonstração. Dado o número real α∗ , seja {a0n , b 0n } um par de Cauchy
representante de α∗ . É fácil conseguirmos um outro par de Cauchy {an , bn },
equivalente a {a0n , b 0n }, tal que a seqüência an seja estritamente crescente (isto
é, aj < aj +1 para j ∈ N) e bn seja estritamente decrescente (isto é, bj +1 < bj
para j ∈ N). Como {an , bn } é um par de Cauchy, dado o nosso número
racional d > 0 existe n0 tal que para n > n0 , acontece isto: bn − an < d. Em
particular, temos bn0 − an0 < d. Tomemos r = an0 e s = bn0 . Então r < s,
s − r < d, e como r̂ < {an , bn } < ŝ , então
r ∗ < α∗ < s
Observação 36. Na proposição acima, se tivermos α∗ > 0∗ conseguimos
um número racional r tal que 0∗ < r∗ < α∗ .
Exercı́cios 37.
1) Sejam α∗ , β ∗ dois números reais tais que α∗ < β ∗ . Mostre que existe
um número racional q tal que α∗ < q ∗ < β ∗ .
2) Sejam α∗ , β ∗ dois números reais estritamente positivos.Mostre que
existe um número natural n tal que α∗ < n · β ∗ .
3) Mostre que não existe nenhum número racional h tal que h2 = 3.
4) Mostre que existe um número real positivo α∗ tal que α∗ 2 = 3 (Sugestão: dê um par de Cauchy que represente o α∗ pedido).
Vamos agora considerar a função ϕ : Q → R que a cada número racional
r associa o número real r∗ (veja página 16). Quais são as propriedades da
função ϕ? O leitor pode verificar facilmente que para todo a, b, ∈ Q:
1 a- ) ϕ(a + b) = ϕ(a) + ϕ(b)
isto é, (a + b)∗ = a∗ + b∗ ;
2 a- ) ϕ(a · b) = ϕ(a) · ϕ(b)
isto é, (a · b)∗ = a∗ · b∗ ;
3 a- ) Se a < b então ϕ(a) < ϕ(b)
isto é, a < b =⇒ a∗ < b∗ ;
Seção 7. Interpretação geométrica dos números reais
20
4 a- ) Vamos agora considerar a imagem Q∗ em R do conjunto Q através da
função ϕ. Isto é, Q∗ = ϕ(Q) ⊂ R.
O conjunto Q∗ é por assim dizer uma cópia do conjunto Q pois em Q∗
operamos com os elementos de Q∗ da mesma maneira como operamos com
os elementos de Q. A (3 a- ) propriedade acima nos mostra que se a, b ∈ Q
e a 6= b então a∗ 6= b∗ . Podemos então tratar os elementos de Q∗ como se
fossem números racionais. É nesse sentido que podemos dizer que os números
racionais Q formam um subconjunto dos números reais.
A proposição 35 pode agora ser vista deste modo: dado um número real
α∗ e um número racional d > 0, sempre existem números racionais r e s cuja
distância a α∗ é menor do que d, tais que r∗ < α∗ < s∗ .
7.4
Interpretação geométrica dos números reais
Sobre uma reta marcamos dois pontos distintos O, U , escolhemos como
sentido positivo de percurso da reta o que vai de O para U :
O
U
P
−→
Em seguida, dado um número racional p qualquer, marcamos na reta acima
o ponto P de tal modo que a medida algébrica do segmento OP feita com
a unidade OU seja expressa pelo número dado p. (Assim, se p > O, então
o ponto P se ache à direita de O, e se p < O, o ponto P está à esquerda
de O). Assim a cada número racional p podemos associar um ponto bem
determinado, P , de nossa reta. Se chamássemos de Q̃ o conjunto de todos
os pontos de nossa reta que são correspondentes de números racionais, então
aconteceria o seguinte: há pontos na nossa reta que não pertencem a Q̃! Isto
é, existem em nossa reta acima, pontos I que não são correspondentes de
nenhum número racional, pois o segmento OI não pode ser medido algebricamente com o segmento OU de maneira que a medida seja um número
racional.
Dado o número real α∗ , suponhamos que {an , bn } seja um par de Cauchy representante de α∗ . Os termos an , bn são números racionais. Vamos
então, para cada n ∈ N, achar os pontos An e Bn correspondentes a an e bn ,
respectivamente. Pois bem, existe na reta um e um só ponto A tal que para
todo n, A pertence ao segmento de extremidades An e Bn :
É natural então associarmos o número real α ao ponto A acima descrito.
Com isso acontece o seguinte: cada ponto da reta é o correspondente de um
21
Seção 7. Interpretação geométrica dos números reais
A1
A2
An
A
Bn
B2
B1
único número real e cada número real pode ser representado na nossa reta
através de um único ponto.
A proposição 35 significa geometricamente que perto de cada ponto A
que representa um número real α∗ é sempre possı́vel encontrar pontos R e
S tais que A pertence ao segmento de extremos R e S, e R e S são pontos
correspondentes a números racionais:
A
R
S
Exercı́cio 38. Sejam αn∗ uma seqüência crescente de números reais, e βn∗
uma seqüência decrescente de números reais tais que para todo n ∈ N,
αn∗ 6 βn∗ . Mostre que se p, q são dois números naturais quaisquer, então
αp∗ 6 βq∗ .
Proposição 39. Sejam α∗ um número real e {rn , sn } um par de Cauchy
que determina o número real ρ∗ . Suponhamos que para todo n ∈ N, α∗ < s∗n .
Então α∗ 6 ρ∗ .
Demonstração. Seja {an , bn } um par de Cauchy representante do número real α∗ . Precisamos mostrar que {an , bn } não é estritamente maior do
que {rn , sn }.
Que aconteceria se {an , bn } fosse estritamente maior do que {rn , sn }?
Então existiria um número natural n0 tal que
sn0 < an0
(6)
Seja {en , fn } o par de Cauchy tal que para todo n ∈ N, en = fn = sn0 .
Então, em virtude de (6), terı́amos:
{en , fn } < {an , bn }
(7)
Mas {en , fn } determina o número real s∗n0 e {an , bn } determina o número
real α∗ . Logo, (7) implica que
s∗n0 < α∗
1
∗
e isso contraria a hipótese de ser α < s∗n para todo n ∈ N.
1
Seção 7. Interpretação geométrica dos números reais
22
Exercı́cio 40. Sejam β ∗ um número real e {rn , sn } um par de Cauchy que
determina o número real ρ∗ . Suponhamos que para todo n ∈ N, rn∗ < β ∗ .
Mostre que então ρ∗ 6 β ∗ .
Observação 41. O leitor deve notar na proposição 42 seguinte que as
seqüências αn∗ , βn∗ de números reais que lá consideramos têm propriedades
semelhantes as das seqüências de números racionais que entram na formação
de um par de Cauchy.
Proposição 42. Sejam αn∗ , βn∗ duas seqüências de números reais tais que
1 -o ) αn∗ é crescente e βn∗ é decrescente;
2 -o ) αn∗ 6 βn∗ para todo n ∈ N;
3 -o ) Dado qualquer número real positivo , existe um número natural n0
(que pode depender de ) tal que para todo n > n0
βn∗ − αn∗ < Então existe um e um só número real ρ∗ tal que αn∗ 6 ρ∗ 6 βn∗ para
todo n ∈ N.
Observação 43. Quando estudamos pares de Cauchy {an , bn }, onde an , bn
eram números racionais, vimos que nem sempre existia um número racional
r tal que an 6 r 6 bn para todo n ∈ N. Na proposição 42 acima estamos
considerando pares de Cauchy {αn∗ , βn∗ }, onde agora αn∗ , βn∗ são números reais.
A proposição 42 então afirma que nesse caso sempre existe um número real
ρ∗ tal que αn∗ 6 ρ∗ 6 βn∗ para todo n ∈ N.
Demonstração. (da Proposição 42)
Primeiramente vamos exibir um número real ρ∗ que tem a propriedade enunciada na proposição 42, isto é,
αn∗ 6 ρ∗ 6 βn∗ para todo n ∈ N.
Para apresentarmos ρ∗ basta que demos um par de Cauchy {rn , sn }, representante de ρ∗ . O par de Cauchy {rn , sn } é construı́do definindo as seqüências
rn , sn por indução do seguinte modo:
Para n = 0, tomamos como r0 um número racional menor do que α0∗ e
tal que α0∗ − r0 < 1;
Seção 7. Interpretação geométrica dos números reais
23
Suponhamos que já foram definidos os termos rn para n = 0, 1, . . . , p ,
de maneira que r0 < r1 < . . . < rp ,

rn < αn∗


 e
, para n = 0, . . . , p
1
∗


α
−
r
<
n
 n
n+1
Vamos então definir o termo seguinte, rp+1 :
∗
e rp < αp∗ , podemos tomar um número racional rp+1 tal
Como α∗ 6 αp+1
que
∗
rp < rp+1 < αp+1
1
p+2
Está pois completamente definida a seqüência rn e podemos lembrar outra
vez quais são suas propriedades:
∗
∗
<
− rp+1
αp+1
• rn é crescente;
• rn < αn∗ para todo n ∈ N;
• αn∗ − rn <
1
para todo n ∈ N.
n+1
De modo parecido podemos definir a seqüência sn de maneira tal que
• sn é decrescente;
• βn∗ < sn para todo n ∈ N;
• sn − βn∗ <
1
para todo n ∈ N.
n+1
rn
sn
αn
βn
Afirmamos que {rn , sn } é um par de Cauchy. É claro que rn 6 sn para todo
n, pois rn < αn 6 βn < sn . Pela definição de rn e sn , vemos que rn é crescente
e sn é decrescente. Falta apenas verificarmos a 3 a- condição da definição de
Seção 7. Interpretação geométrica dos números reais
24
um par de Cauchy. Isto é, precisamos mostrar que dado qualquer número
racional d > 0, existe n0 ∈ N tal que para n > n0 ,
sn − r n < d
Ora, dado o nosso d > 0, conseguimos um n1 natural tal que para n > n1
d
3
(usando a nossa hipótese 3 sobre as seqüências αn∗ e βn∗ ).
βn∗ − αn∗ <
Agora tomamos n0 > n1 tal que
1
d
<
n0 + 1
3
É claro que para n > n0 , teremos
1
d
< . Finalmente, observamos que
n+1
3
sn − rn = sn − βn∗ + βn∗ − αn∗ − αn∗ − rn
portanto
sn − rn = (sn − βn∗ ) + (βn∗ − αn∗ ) + (αn∗ − rn )
1
1
+ (βn∗ − αn∗ ) +
<
n+1
n+1
Assim, para n > n0 , temos
d d d
+ + =d
3 3 3
O par de Cauchy {rn , sn } determina o número real ρ∗ .
sn − rn <
É fácil ver que (conforme exercı́cio da página 21) dados dois números
naturais p, q quaisquer,
αp∗ < s∗q
(8)
Usando a proposição 39, concluı́mos de (8) que
αp∗ 6 ρ∗
para todo número natural p. De modo análogo podemos mostrar que ρ∗ 6 βp∗
para todo p ∈ N.
Deixamos a cargo do leitor mostrar que não pode existir um outro número
real σ ∗ , diferente de ρ∗ , tal que
αn∗ 6 σ ∗ 6 βn∗
para todo n ∈ N.
25
Seção 7. Supremo e ı́nfimo
7.5
Supremo e ı́nfimo
Daqui por diante os números reais serão indicados quase sempre com
letras latinas minúsculas e eventualmente com letras gregas minúsculas, mas
sem o asterisco (∗).
Definição 44. Seja A um conjunto não vazio de números reais. Dizemos
que A é superiormente limitado se existe algum número real M tal que para
todo a ∈ A, a 6 M .
Definição 45. Seja A um conjunto não vazio e superiormente limitado de
números reais. Dizemos que o número real s é o supremo de A se estão
satisfeitas as duas seguintes condições:
1 -a ) a 6 s, ∀ a ∈ A;
2 -a ) Se r é um número real tal que a 6 r para todo a ∈ A, então s 6 r.
Observação 46. A segunda condição acima na definição de supremo nos
diz que entre todos os números reais que “majoram” o conjunto A, o número
s é o menor.
Exemplo 47. Seja A = {x ∈ R | x < 1}. Vamos mostrar que o supremo de
A é 1. De fato, pela própria definição de A,
a < 1, ∀ a ∈ A
Suponhamos que o número real r seja tal que a 6 r, ∀ a ∈ A. Vamos
mostrar que 1 6 r. De fato, em caso contrário terı́amos r < 1. Ora, o
número x = (r + 1)/ 2 é maior do que r e menor do que 1. Portanto r não
satisfaz a condição de ser maior ou igual a qualquer elemento de A. Fica
assim mostrado que o supremo de A é de fato 1.
Definição 48. Seja A um conjunto não vazio e inferiormente limitado de
números reais. Então o número real m é chamado o máximo de A se estão
satisfeitas as duas seguintes condições:
1 -a ) m ∈ A;
2 -a ) a 6 m, ∀ a ∈ A.
Observação 49. É claro que se um conjunto A tem máximo m, então m
é também o supremo de A. O conjunto A = {x ∈ R | x < 1} tem supremo
final a 1, mas não tem máximo, pois 1 ∈
/ A.
26
Seção 7. Supremo e ı́nfimo
Exercı́cios 50. Ache o supremo dos seguintes conjuntos:
B = {x ∈ R | 7x + 1 < 4x + 5}
1
<0
F = y ∈ R
y+1
Proposição 51. Seja A um conjunto não vazio e superiormente limitado de
números reais. Então existe um número real σ tal que σ é o supremo de A.
Demonstração. Se o conjunto A tiver um máximo m, então é claro que
m também é o supremo de A.
Vamos então supor que o nosso conjunto A não tem máximo e vamos
provar que existe o supremo de A.
Constituiremos duas seqüências rn , sn de números reais de modo que
1 o- )
2 o- )
3 o- )
4 o- )
5 o- )
rn é crescente, sn é decrescente;
para todo n ∈ N, rn < sn ;
dado > 0, existe n0 ∈ N tal que para n > n0 , sn − rn < ;
para cada n ∈ N, a 6 sn , ∀ a ∈ A;
para cada n ∈ N, existem elementos a ∈ A tais que
rn < a < sn
As seqüências rn e sn são definidas por indução do seguinte modo:
Como A é não vazio e superiormente limitado podemos considerar dois
números reais, r0 e s0 tais que
r0 ∈ A (pois A 6= ∅)
a < s0 , ∀ a ∈ A (pois A: superiormente limitado)
Consideremos o número real
m1 =
r0
r0 + s0
2
n1
s0
Dois casos são possı́veis (visto A não ter máximo, por hipótese)
1 o- ) a < m1 , ∀ a ∈ A;
27
Seção 7. Supremo e ı́nfimo
2 o- ) ∃ a ∈ A tal que m1 < a.
No primeiro caso tomamos:
r1 = r0
e s1 = m 1
No segundo caso tomamos:
r1 = m 1
e s1 = s0
Suponhamos que já foram escolhidos os números reais rn , sn
para n = 0, . . . , p de maneira tal que
1 o- ) rn 6 rn+1 < sn+1 6 sn para n = 0, . . . , p − 1
2 o- ) a < sn ∀ a ∈ A, n = 0, . . . , p
3 o- ) Para cada n = 0, . . . , p, existe a ∈ A tal que
rn < a < sn
s0 − r0
2n
Vamos então dizer como tomar os termos seguintes rp+1 e sp+1 :
4 o- ) sn − rn =
rp
m1
sp
Consideramos o número real mp+1 = (sp + rp )/2 . Então (pela hipótese
de A não ter máximo) são possı́veis dois casos:
1 o- ) a < mp+1 , ∀ a ∈ A;
2 o- ) existem a ∈ A tais que mp+1 < a.
No primeiro caso definimos
rp+1 = rp e sp+1 = mp+1
No segundo caso definimos,
rp+1 = mp+1 e sp+1 = sp
O leitor pode verificar que as seqüências rn e sn satisfazem as 5 propriedades enunciadas no começo desta demonstração, isto é, à página 26. Em
particular as três primeiras propriedades implicam, pela proposição 42, que
as seqüências rn e sn determinam um número real σ tal que para todo n ∈ N:
r n < σ < sn
28
Seção 7. Supremo e ı́nfimo
Vamos mostrar que σ é o supremo de A:
1 o- ) a 6 σ, ∀ a ∈ A
De fato, suponhamos que isso não fosse verdade. Então existiria um
elemento x ∈ A tal que σ < x.
x
σ
Como x−σ > 0, podemos achar um número natural n0 tal que sn0 −rn0 < ,
isto é, sn0 − rn0 < x − σ. Mas isso é absurdo pois rn0 < σ e x < sn0
(Observe que sn0 − rn0 < x − σ ⇔ σ − rn0 < x − sn0 . Como rn0 < σ, então
σ − rn0 > 0. Como x < sn0 , então x − sn0 < 0. Um número negativo não
pode ser maior que um positivo). Está então mostrado que para todo a ∈ A:
a6σ
2 o- ) Se ρ é um número real tal que a 6 ρ, ∀ a ∈ A, então σ 6 ρ.
Em outras palavras, precisamos mostrar que qualquer número real menor
do que ρ é superado por algum elemento de A.
De fato, dado δ > 0, consideremos número real σ − δ. Podemos achar
um número natural n0 tal que sn0 − rn0 < δ como σ < sn0 , temos
σ − rn0 < δ. Portanto como rn0 < σ, temos σ − δ < rn0 < σ. Ora, como
existem elementos a ∈ A tais que rn0 < a < sn0 , concluı́mos que existem
números a ∈ A tais que
σ−δ <a
Então σ − δ não é maior ou igual a qualquer elemento de A. Como δ > 0
é arbitrário concluı́mos que se ρ > a, ∀ a ∈ A, então δ > σ. Isto é, σ é o
supremo de A.
Definição 52. Um subconjunto não vazio de números reais, B, é inferiormente limitado se existe um número real m tal que m 6 b, ∀ b ∈ B.
Definição 53. Seja B um subconjunto não vazio e superiormente limitado
de números reais. O número real f é o ı́nfimo de B se as duas condições
seguintes estão verificadas:
1 -a ) f 6 b, ∀ b ∈ B;
2 -a ) Se g 6 b, ∀ b ∈ B, então g 6 f .
Deixamos a cargo de leitor a demonstração da seguinte proposição:
1
Seção 7. Supremo e ı́nfimo
29
Proposição 54. Seja B ⊂ R um subconjunto não vazio e inferiormente
limitado de números reais. Então existe um número real f tal que f é o
ı́nfimo de B.
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Construção dos Números Reais