29/11/2012 A escolha dos heróis :: Merval Pereira Nada mais emblemático que o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal chegar ao final ao mesmo tempo em que novo escândalo de corrupção é revelado, envolvendo algumas das figuras condenadas na Ação Penal 470, como o ex-ministro José Dirceu e o ainda deputado federal Valdemar da Costa Neto. A intrincada relação entre funcionários públicos e agentes privados, o aparelhamento da máquina estatal a serviço dos interesses pessoais e partidários do mesmo grupo envolvido no mensalão, demonstram o quanto está arraigado na prática política brasileira o patrimonialismo, que se revela desde a troca de favores banais a grandes negociatas, o mesmo procedimento registrado nos fatos do mensalão. Um dirigente partidário petista que recebe um jipe de presente por um servicinho prestado equivale a uma operação plástica para a secretária catapultada a chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo em troca talvez de uma audiência marcada. Um dirigente do Banco do Brasil que se deixa subornar equivale a um diretor de uma agência reguladora que recebe propina para facilitar o projeto de uma empresa privada qualquer. Questões privadas sendo resolvidas em esquemas que envolvem dinheiro público, como o emprego para a ex-mulher do político poderoso ou um cruzeiro marítimo para a secretária que diz que conversa com o ex-presidente todos os dias e por isso tem acesso a ministros e políticos influentes. De nada adiantaram então os quase quatro meses de julgamento que a Nação acompanhou entusiasmada, as penas rigorosas, a sinalização de que todos são iguais perante a lei? Seria ingenuidade achar que a corrupção acabará devido ao julgamento do mensalão pelo Supremo. Esses escândalos sucessivos estão aí para nos colocar diante da realidade, mas seria também pessimismo excessivo achar que tudo será como antes no país. Formou-se nos últimos tempos o que pode ser comparado a uma "tempestade perfeita" em favor do aperfeiçoamento de nossas instituições democráticas. A Lei da Ficha Limpa, aprovada por pressão direta da sociedade sobre o Congresso, criou as bases para uma gradativa seleção dos candidatos, ao mesmo tempo em que nos tribunais superiores assumiram juízes comprometidos com essa visão. No mesmo momento, o ministro Ayres Britto assumiu o Supremo Tribunal Federal e a ministra Cármen Lúcia o Tribunal Superior Eleitoral. Essa conjunção se fatores fez com que o processo do mensalão fosse adiante, contando com o ministro Joaquim Barbosa na relatoria. Ainda falta muito a fazer, reformas fundamentais estão abandonadas, e o Congresso não cansa de enviar sinais de que resiste a essa onda revitalizadora. Mas a impunidade como regra do jogo aceita por todos sem dúvida está com seus dias contados, o que não quer dizer que a justiça será feita inevitavelmente. Entramos, no entanto, em outra fase de nosso processo civilizatório, no qual há mais chances de o poderoso de plantão, apanhado com a boca na botija, pagar por seus crimes, talvez até mesmo na cadeia. A corrupção, essa não acabará, como não acaba em lugar nenhum, até mesmo naqueles em que a punição é um tiro na nuca. Mas a sensação de impunidade, essa certamente foi reduzida, embora possa haver quem considere que esse foi um caso de exceção que não se repetirá mais. Os que pensam assim ou são partidários dos condenados e querem ver no julgamento um viés político para neutralizar suas culpas, ou são céticos que, creio, o tempo se encarregará de convencer. Todo o processo do julgamento do mensalão correspondeu a um avanço da cidadania, até mesmo os bate-bocas ocorridos no plenário do STF transmitidos ao vivo e a cores pela TV Justiça. Se quase ninguém hoje é capaz de dizer o nome de 11 ministros de Estado do abarrotado gabinete ministerial de Dilma, serão poucos os brasileiros que não conhecem os ministros do Supremo Tribunal Federal. Até mesmo o grau de endeusamento a que foi levado o relator do processo, o presidente do STF ministro Joaquim Barbosa, faz parte desse aperfeiçoamento de nossa democracia, que chegará um dia a não precisar de heróis. No atual estágio em que nos encontramos, é sintomático, porém, que o povo tenha escolhido seu herói entre os ministros do Supremo, enquanto os militantes partidários tentam em vão transformar em heróis alguns dos réus condenados. adicionada no sistema em: 29/11/2012 04:08