Aonde reside a novidade da Nova República? Não convém menosprezar a importância do movimento político que alça Tancredo Neves à Presidência. Basta observar seu resultado mais imediato, pois está entregando o poder aos melhores representantes das elites burguesas do País. Tudo indica que, ao menos por algum tempo, estão subjugados os leões-de-chácara do consenso nacional. Por certo os futuros governantes não são os políticos de nossos sonhos, nem estão eles ligados, de forma definida, a interesses populares. Mas soldam uma inovadora aliança de velhos e experimentados políticos do passado à nova fornada pós-64. Ao todo conquistaram a possibilidade de abrir uma nova linha na história do capitalismo brasileiro. Essa operação, entretanto, custou a homogeneização e a indiferenciação do discurso político. Da noite para o dia, lembrando a queda do fascismo, todo o mundo passou a acusar o arbítrio e o autoritarismo, reivindicando sua contribuição na surra que o sistema está levando. Durante o encaminhamento da votação no Colégio Eleitoral, nada mais parecido ao discurso de Ulysses Guimarães do que aquele de Paulo Maluf. Mas além da indiferenciação verbal já transparece a realidade cruel das alianças e dos interesses particulares, porquanto nada é mais sintomático do que a companhia constante, naquela manhã, do candidato do PDS com o deputado Sebastião Curió. A indiferenciação do discurso mais o esforço de esfumaçar todo perfil das personalidades políticas da Nova República têm constituído a arma mais eficaz do futuro Presidente. Caso medrasse a candidatura de Ulysses Guimarães, por certo, os rumos seriam outros: o compromisso com seu próprio passado recente e as resistências levantadas por seu nome conduziriam à radicalização política e, provavelmente, ao confronto. A maior diferenciação, contudo, pagaria o preço da aventura, aumentando os riscos da derrota. Se, de fato, a Nova República sairia mais forte e dinâmica, mais capacitada para realizar as reformas prometidas, também cresceria no horizonte a possibilidade de outros vinte anos de ditadura. E não vale a pena agora especular sobre tais hipóteses, já que as coisas tomaram curso diferente, impondo-se a solução de meio-termo. Assiste-se, pois, a uma revitalização do discurso e da vida política. Como nada é ilegítimo no absoluto, até mesmo o esdrúxulo Colégio Eleitoral se legitimou, na medida em que se constituiu na arena onde se afunilou e desaguou a extraordinária mobilização pelas eleições diretas. Valeu por seu ato suicida. E, nessas condições, teimar em fazer comício em porta de fábrica é sintoma de imaturidade política, pois esta não se encurrala no dilema entre a mobilização e a desmobilização, mas se tece na capacidade de grupos de elites, incluindo aquelas populares e operárias, de se fazerem representante de forças políticas; quer dizer, forças que vão dos movimentos sociais ao Estado e vice-versa. Lutar apenas no plano do social se torna inoperante. Assim se delineiam as dificuldades e o perigo da Nova República. Se, de fato, revitaliza a atividade política, o faz de tal maneira que os grupos estão precisando apagar seus perfis para encontrar um lugar ao sol no cenário do Estado. Talvez Tancredo Neves tente requentar maneirismos getulistas e reforçar a indiferenciação dos processos representativos, a fim de aumentar, com isso, seu poder pessoal. Ao mesmo tempo, porém, poderá, contraditoriamente, produzir um vazio governamental, pois lhe faltarão aqueles apoios sociais necessários para efetuar as mudanças prometidas. Se, no seu discurso de vitória, alimentou os anseios de reforma, corre o risco de deixar que essa revitalização da política encubra ainda mais os conflitos existentes, terminando ele por enredar-se no próprio conchavo. Tornar-se-ia o futuro Presidente na luz pela qual todas as vacas são pardas? A identidade da porrada daria lugar, então, à identidade do senso comum e da atomização política, levando o País a uma paralisia explosiva. Por isso, nesta Nova República fazer Nova Política é tratar de diferenciar-se graças, de um lado, às raízes que se deitam nos interesses particulares, e, de outro, às jogadas de confabulação e negociação, a fim de que o interesse nacional, ao invés de se apresentar como véu cobrindo os conflitos sociais, se converta no lugar geométrico daqueles que ainda podem caminhar juntos. O sentido e a profundidade das reformas vão depender de como se organiza esta luta.