É Editorial fato que não existe igreja perfeita (e como poderia, sendo ela constituída por seres humanos?), mas o número cada vez mais crescente de evangélicos sem igreja presente em nossa sociedade constitui sinal amarelo, que exige de nós uma parada em nosso movimento, para repensar a Igreja. Não podemos negar que há muitas razões que justificam tal postura: escândalos, fé mercantilista, discursos pragmáticos, superficialidade bíblica, relacionamentos frágeis, legalismo etc... E podemos até encontrar textos nas Escrituras que apontam para este tempo. Mas será que devemos nos conformar? Ou podemos crer (e lutar!) que é possível ser diferente, ser aquela Igreja idealizada por Deus, um Corpo vivo, uma comunidade de salvos pela graça, um lugar de acolhimento, onde o amor possa ser vivido em verdade, onde as pessoas possam encontrar empatia à sua dor, e experimentar sentido em sua existência? Diante de nós está uma proposta de mudança, que começa pela reflexão. Com muita propriedade, o nosso comentarista, Pr. Abdruschin Schaeffer nos conduz neste processo, mostrando que esta reflexão começa pelo pensar a história, a fim de que vejamos os modelos que a igreja assumiu ao longo das épocas, e qual a herança que trazemos desses modelos em nossa face. Apresenta os conceitos neotestamentários de Igreja, desafiando-nos à uma reforma que seja sustentada pelo tripé: doutrina, espiritualidade e estruturas. Sua proposta é repensarmos a Igreja, conscientizandonos de que a verdadeira vida cristã é feita de relacionamentos, onde prevaleça o cuidado (essência da missão), o compromisso do amor, do compartilhamento, da oração, do tempo e da presença constante, a prestação de contas, e do multiplicar-se. Denunciando profeticamente estruturas e posicionamentos que comprometem tanto a essência da igreja quanto a sua sobrevivência, o autor nos convida a assumir as características necessárias à igreja numa cultura pós-cristã: uma conduta que privilegie o serviço em detrimento do poder, o testemunho pela vida em detrimento do discurso, e que se transforme continuamente, vivendo a experiência e a proposta da Reforma. Cremos que o caminho da mudança está diante de nós, e que o Senhor da Igreja, Jesus Cristo, Aquele que nos amou e a Si mesmo se entregou, a fim de nos santificar, e apresentar-nos a si mesmo, como Igreja gloriosa, sem macula ou rugas, mas santa e irrepreensível, estará conosco durante esta jornada, porque Aquele que começou a boa obra em nós, é poderoso para completá-la, até o Dia de Cristo. A todos, uma boa leitura! Miss. Paulina F. Albino Gonçalves índice Lição 1 Expressões da Igreja na história 1 IIII 4 Lição 2 Expressões da Igreja na história 2 IIII 10 Lição 3 Uma igreja de muitas faces IIII 17 Lição 4 uma igreja, dois modos de ser IIII 24 Lição 5 Comunidade que se relaciona IIII 30 Lição 6 Igreja: Entre o cuidado e o descuido IIII 36 Lição 7 Comunidade de cuidado IIII 43 Lição 8 Comunidade comprometida IIII 50 Lição 9 Amar e compartilhar IIII 56 Lição 10 Oração, disponibilidade e assiduidade IIII 63 Lição 11 Compromisso: prestação de contas IIII 69 Lição 12 Compromisso: Multiplicar-se em outros IIII 75 Lição 13 A igreja do futuro IIII 81 Comentarista IIII Abdruschin Schaeffer Rocha Graduado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Brasil (STEB) e em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). É mestre em teologia (EST- RS) e doutorando em teologia (PUC-RIO). Professor de teologia desde 1990 e pastor desde 1999. Atualmente é pastor da Igreja Metodista Wesleyana em Boa Vista, Vila Velha – ES e professor da Faculdade Unida de Vitória – ES. Casado com Maruzia, com quem tem uma filha, Melissa. 7 6 5 234 Lição 1 º ª ª ª ª ª At 2:1-21 At 2:22-41 E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações (At 2.42). objetivo ?! Identificar três expressões da igreja ao longo da história: A Igreja do N.T.; A Igreja em Roma; A Igreja da Reforma. a Leitiuornal Devoc 25 Hb 10:194 Ef 2:1-10 At 2:42-47 Data / 1 Pd 2:1-9 Mt 28:18-20 / Expressões da igreja na história 1 Se fixarmos o início da Igreja lá em “pentecostes” (At 2), podemos dizer que desde então ela assumiu diversos formatos ao longo da história. Alguns desses, mais próximos do “projeto original”, outros, mais distantes. Muitas gerações de cristãos esforçaram-se por se aproximar desse projeto, outras, procuraram apenas adaptá-lo aos mais variados interesses humanos, que normalmente eram guiados por um desejo intenso pelo poder. E mais: apesar de cada um desses formatos caracterizarem um determinado tempo na história, deram origem, também, a modos de ser Igreja que marcam diversos comportamentos ainda em nossos dias. Ou seja, muito mais do que momentos históricos, tais formatos ainda expressam maneiras distintas de se viver a Igreja atualmente. Explicando as Escrituras I jovens&adultos Mas, antes de pensarmos um pouco a respeito desses formatos, considere a pergunta: se você perguntasse às pessoas, na rua, o que entendem por “igreja”, que tipo de respostas você acha que teria? Citaremos alguns formatos de igreja que tiveram lugar ao longo da história, mas não é nossa intenção fazer um rastreamento histórico completo, pois esse não é o nosso objetivo aqui. Antes, nossa intenção é a de observarmos as principais “manifestações” da igreja ao longo da história — e por isso seremos bastante “panorâmicos” e seletivos em nossa abordagem —, a fim de percebermos “um pouco” dessa mudança gradual, para então discernirmos as implicações disso para os nossos dias. 1 A igreja do novo testamento Não parece haver dúvida de que em Jerusalém o cristianismo começa como um estilo de vida. Portanto, a expressão “ser igreja” se ajusta mais a esse tipo de cristianismo. Ou seja, não se trata de ter uma igreja, de ir à igreja e nem de fazer uma igreja. É mais do que isso: trata-se de ser igreja. Mas, o que é um “estilo de vida”? Na verdade, todos nós praticamos algumas ações que se tornam habituais com o tempo. Essas ações habituais refletem as nossas atitudes, valores e oportunidades individuais, delineando assim a forma pela qual vivenciamos o mundo, e, em consequência disso, fazemos escolhas e exibimos certo comportamento. Não parece haver dúvida de que em Jerusalém o cristianismo começa como um estilo de vida. Portanto, a expressão “ser igreja” se ajusta mais a esse tipo de cristianismo. Isso é um estilo de vida. Portanto, refere-se a uma “maneira”, um “jeito” particular de viver. Assim como a vida não é algo que se manifesta em determinados momentos de nossa existência, mas acontece constantemente — se a vida faltar um só momento que seja deixamos de existir —, assim também um estilo de vida é um modo de ser que abrange toda a nossa existência. Se todos têm um estilo de viver, tal estilo certamente envolverá todas as ações, pensamentos e emoções. Explicando as Escrituras I jovens&adultos 5 Nesse sentido, pode-se dizer que a Igreja do N.T. acontecia à medida que os crentes pensavam, sentiam e realizavam; acontecia à medida que se comunicavam, se ajuntavam, ou mesmo se espalhavam — enfim, à medida que viviam. É claro que afirmar isso não significa dizer que a Igreja do Novo Testamento era perfeita, e que não tenha passado por dificuldades. Eventos como os ocorridos em Atos 5 (Ananias e Safira), Atos 6 (a instituição dos diáconos), At 15 (a controvérsia judaizante), as dificuldades de Paulo na igreja de Corinto e etc., demonstram que a igreja primitiva não era perfeita, antes também passou por dificuldades. Mas, mesmo assim, temos ali o testemunho de como lipoder clerical daram com Poder exercido pelo esses desaclero, ou seja, pelos fios. Isso, é líderes da Igreja claro, não (padres, pastores...). compromete a afirmação de que lá o cristianismo era um estilo de vida. Apenas nos lembra de que viver nessa dimensão também inclui assumir os percalços resultantes de se levar a Igreja tão a sério. Acredito que seja razoável considerarmos que Deus tenha projetado uma Igreja (Ef 1.4,5; 3.10,11; Mt 16.18), e esta se manifeste mais como um estilo de vida. Ou seja, embora a Igreja necessariamente tivesse que assumir variados contextos culturais, ao longo da história, não 6 Explicando as Escrituras I jovens&adultos deveria deixar de ser pautada por esse estilo de viver. Evidentemente, essa maneira de se viver o cristianismo continua válida para os nossos dias. Entretanto, ao longo da história a Igreja assumiu outros formatos, alguns dos quais merecedores de nossa atenção. Pense por um instante: o que significaria para você, neste exato momento, viver o cristianismo como um “estilo de vida”? 2 A igreja Romana Diferentemente de sua expressão primitiva, o cristianismo em Roma transformou-se numa mera instituição, ou seja, converteu-se numa organização a serviço do poder clerical. Na realidade, pode-se falar aqui de institucionalismo, mas veremos isso mais à frente. Isto não significa, é claro, que a Igreja primitiva não tenha se organizado, e que em certo sentido não tivesse também o seu lado institucional. Mas, podemos afirmar que em Roma o lado institucional da Igreja manifestou-se incomparavelmente mais do que o seu lado orgânico. No século IV d.C., o imperador Constantino, que era um forte simpatizante do cristianismo (foi batizado como cristão antes de morrer), não só aboliu a dura perseguição que até então vigorava contra os cristãos, como também, paulatinamente, induziu o 1 Aplicação prática Faça uma avaliação de sua igreja local, procurando responder a seguinte questão: ela se parece mais com a Igreja do Novo Testamento, com a Igreja em Roma ou com a Igreja da Reforma? Por quê? De que forma você poderia contribuir para que o cristianismo vivido por sua igreja local se pareça mais com o estilo de vida apresentado no Novo Testamento? 2 institucionalizado, do qual falamos no item anterior, nesse período (também conhecido como cristandade) o cristianismo manifesto é significativamente místico/mágico, e profundamente inibidor do conhecimento humano. Foram épocas difíceis, e que exigiram ações reformadoras capazes de garantir que a igreja continuasse a cumprir o seu papel. É o que acontece em meados do século XVI, quando Martinho Lutero se torna protagonista da famosa Reforma Protestante. Num momento de profunda ignorância acerca das Escrituras, Martinho Lutero descobre profundas incoerências entre as Escrituras e a prática da igreja, o que o leva a lutar por uma reforma da compreensão teológica daqueles dias. Sua luta tem a ver com percepções teológicas que destoavam significativamente da compreensão 8 Explicando as Escrituras I jovens&adultos institucionalizada das Escrituras, praticada pela “Igreja Oficial”. A compreensão teológica de Lutero afirmava a salvação pela graça, mediante a fé, o que o levou a denunINDULGÊNCIA ciar a venda de Declaração formal de indulgências e perdão de pecados, toda teologia “vendida” pela Igreja que sustenta(sobretudo na Idade va essa prátiMédia) aos fiéis. ca, inclusive o dogma que Dogma afirmava não Doutrina considerahaver salvação da fundamental pela fora da Igreja Igreja, apresentada Romana. como correta e Entretanto, indiscutível. vale salientar que a Reforma Protestante se deu apenas parcialmente, pois ocorreu apenas no campo teológico, doutrinário. Embora houvesse um esforço tanto de Lutero, Zwinglio, quanto dos anabatistas, a Reforma Luterana pouco realizou em termos de uma reforma que restaurasse as estruturas da Igreja — uma reforma eclesiológica —, tanto quanto uma reforma no que diz respeito à devoção pessoal, não mediada pela instituição. A Igreja da Reforma, assim, é uma Igreja que restaura alguns princípios que a nortearam em seu nascedouro — como, por exemplo, o sacerdócio universal dos crentes —, mas que infelizmente manteve substancialmente a estrutura romanista. Isso fez com que posteriormente outros grupos empreendessem esforços para uma “nova reforma” (a 2ª Reforma), como veremos na próxima lição. ! Conclusão Até aqui estudamos três modelos através dos quais a Igreja se manifestou ao longo da história: a “Igreja do N.T.”, a “Igreja em Roma” e a “Igreja da Reforma”. Como veremos mais detalhadamente na terceira lição, todos esses modelos ainda inspiram modos distintos de ser Igreja nos dias de hoje. Além disso, se assumirmos o cristianismo apresentado no Novo Testamento como “modelo” inspirador para a Igreja do século XXI podemos contrastá-lo com as diversas expressões que se seguiram, até à Reforma Protestante. Pense, agora, em alguns desses contrastes. Fixação de aprendizagem A) Qual a diferença entre ser cristão na Igreja Primitiva e ser cristão na Igreja Romana? B) Qual a diferença entre ser cristão na Igreja Primitiva e ser cristão na Igreja da Reforma? C) Qual a diferença entre ser cristão na Igreja Romana e ser cristão na Igreja da Reforma? Explicando as Escrituras I jovens&adultos 9