Anais do 5º Encontro do Celsul, Curitiba-PR, 2003 (1164-1169) O TÍTULO NO CONTEXTO ESCOLAR Otilia Lizete de Oliveira Martins HEINIG (FURB/PG-UFSC) ABSTRACT: The writers of books, newspapers and magazines conceive differently the title’s construction; in school, the title is merely a part of text, its function, many times, isn’t comprehended, because there isn’t any discussion about this topic. KEYWORDS: reading; metacognition; title; writing. 0. Introdução O título é um convite à leitura e por isso possibilita uma relação entre ele, o texto e o leitor. Inicialmente, buscou-se a etimologia, a fim de mostrar que, já em sua origem, o título desempenhava uma função. Título vem do latim titulus, que quer dizer inscrição, marca. Para a discussão que ora se deseja promover acerca do título, é importante que se apresente, também, qual o entendimento que se tem sobre leitura. Ler é mais do que extrair ou atribuir sentido ao texto, é um processo de interação entre leitor e texto que leva à compreensão. Assim, segundo Leffa (1996b), o leitor, para ler e compreender um texto, usa muitos subprocessos os quais variam do nível inconsciente do processamento gráfico até o consciente da atenção que se faz necessário para monitorar a própria compreensão. O leitor ou produtor de textos, na maioria das vezes, usa seus conhecimentos para atribuir um título ao texto, além disso, percebe que cada gênero do discurso pode ser tratado diferentemente, inclusive quanto à forma como o texto é intitulado. Se o texto não é seu, busca, através das pistas fornecidas pelo texto, compreender por que o autor atribuiu tal título. Outras vezes, usa desse expediente para argumentar ou contra-argumentar quanto à opção feita por um determinado título em seu texto ou no texto de outro autor. Portanto, na interação com o texto, o leitor ou produtor se vale tanto de elementos que são fornecidos pelo próprio texto como de sua capacidade criadora e de seu conhecimento. Enfim, apesar de uma das pistas para acionar o esquema adequado para a leitura estar no título, o leitor deve ser capaz de interagir constantemente com o texto, realizando o automonitoramento e calibrando a seleção do esquema. Muitas vezes, o autor, a fim de criar um efeito, como o de humor ou suspense, provoca uma seleção a partir do título, mas, devido à ambigüidade ou ao desenvolvimento do texto, apresenta outras pistas que contradizem a seleção inicial. Assim, para haver a compreensão do texto, é necessário que os esquemas acionados pelo leitor sejam trocados, revisados ou ajustados à medida que novas informações são apresentadas durante a leitura. Portanto, o título, para o leitor atento, é a alavanca inicial que o coloca em contato com tudo mais que será apresentado posteriormente. A presença ou não do título pode provocar atitudes diferenciadas no leitor que, a partir do início do texto, formula hipóteses de leitura. Se o título estiver presente, desde o início, a partir dele e da primeira sentença, vão se acumulando no texto informações pertinentes e consistentes que irão entrar em contato com as hipóteses do leitor, as quais poderão se confirmar, total ou parcialmente, ou então o leitor terá uma surpresa quanto ao caminho trilhado pelo autor e, conseqüentemente, sua hipótese inicial será infirmada. Não tendo título, a leitura se fará a partir da primeira sentença e, gradativamente, o leitor também irá testando suas hipóteses. Se tiver como tarefa atribuir um ou mais títulos, irá recorrer às informações, levantadas durante a leitura, cruzadas com os vários níveis de conhecimento. Assim, o objetivo deste artigo é discutir o título no contexto escolar, a fim de promover uma comparação entre a forma como este elemento textual é tratado em gêneros que circulam em outras esferas que não a da escola. Partindo de dados coletados de acadêmicos do sexto período de Pedagogia, a pesquisa visa mostrar que há uma ligação entre a forma como o texto é lido e escrito na sala de aula de quem está em processo de formação para ser um educador e aquela do educando do Ensino Fundamental. 1. Uma visão do título no contexto escolar 1.1. Discutindo o título Os referenciais teóricos, nos quais se discute o ensino de produção textual, dedicam pequeno espaço para a apresentação e comentário do título nos gêneros escolarizados. Embora haja essa Otilia Lizete de Oliveira Martins HEINIG 1165 preocupação por parte de alguns autores, pouco desse referencial é aproveitado na prática desenvolvida em sala de aula. Ao discutir o tema, Serafini (2000:99-106) inicia afirmando que definir o título da redação é uma operação importante. Ele deve ser claro e despertar o interesse do leitor, mas formular títulos é um grande problema. Partindo da leitura de obras que listam temas de vestibular (André, 1978; Faraco e Moura, 1984; Macedo, 1975), a autora faz uma análise levando em consideração: o gênero discursivo, a estrutura formal e o tema. Em situações simuladas de produção textual, apesar de usar, como estímulo à escrita, recursos diferenciados, ainda há predominância do título como o mote para a produção. Isso leva ao entendimento da confusão feita, por um grande número de estudantes, entre tema e título. Enfocando a estrutura formal dos títulos, a autora os classifica em três grandes categorias: o títulofrase-de-efeito, o título-estímulo-aberto e o título-roteiro. O primeiro é considerado agradável, pode ser provocativo sem necessariamente ser profundo. As citações servem de fonte para a produção do título. Uma proposta dessa natureza pode ser aparentemente positiva, pois o produtor do texto promoveria uma reflexão em torno do tema apresentado. Entretanto, corre-se o risco de, diante de uma “autoridade”, o aluno anular seu ponto de vista e apenas buscar argumentos que justifiquem ou reforcem o que é apresentado pelo autor. A segunda categoria está relacionada à apresentação de temas genéricos e neutros (se é possível que haja neutralidade em termos de texto). Se por um lado apresenta um campo aberto para escolher um ponto a ser discutido no texto; por outro, pode levar à produção de um texto muito abrangente que não permitirá ao produtor aprofundar seu olhar sobre o tema. Já a terceira categoria não propõe um tema, mas uma pauta de desenvolvimento, pois decorre de uma série de pontos de vista sob os quais o problema pode ser discutido. É comum, neste terceiro tipo de título, ser inferida qual a ordenação do texto: por comparação ou por causa-conseqüência. Observa-se, na apresentação dos dados, que a autora não deixa claro qual a distância entre tema e título. A forma como é apresentado o assunto leva à conclusão de que, nos vestibulares, são apresentados títulos e não temas. Esse posicionamento provoca, no mínimo, uma reflexão acerca do que se propõe ao produtor, aqui entendido como tema e a forma como esse é desenvolvido e, posteriormente, intitulado. Nem mesmo quando são apresentadas por Serafini sugestões para títulos de redações, essa dúvida se esclarece. Neste tópico, são elencados os cuidados que o estudante deve ter para que o desenvolvimento de seu texto não seja retórico e genérico. Faz-se necessário observar que, na perspectiva da Autora, retórico aparece com aspecto negativo, entretanto entendemos que pode ser positivo se pensarmos em uma forma de construir o texto a fim de persuadir o leitor. É sugerido também ao estudante partir de experiências pessoais, o que favorece o surgimento de suas opiniões. No contexto escolar, é importante que haja um preparo, ou seja, pesquisa e leitura que antecede a produção em si. Portanto, é necessário ainda investigar como, no contexto escolar, o título é concebido e, conseqüentemente, produzido e lido, sobretudo, se for levado em consideração que a análise feita por Serafini se baseia em um contexto extra sala de aula. A discussão vai mais além e, como questiona Brito (1985:118), “qual a função da linguagem em uma redação? Qual a razão? Quando o estudante, seja uma prova de vestibular, seja um exercício escolar, põe-se a escrever, que motivos ou objetivos tem para isso? Aparentemente nenhum.” Nas situações de produção textual escolarizada, um dos fatores mais importantes, para o entendimento das atitudes dos alunos frente ao texto, é a presença (talvez melhor seria ausência) do interlocutor. Ainda que muitos documentos oficiais recorram a Bakhtin e enfoquem o aspecto dialógico da linguagem, o grande interlocutor na escola é o professor. Isso possibilita entender por que o aluno usa as mesmas estratégias ao produzir ou ler um texto em diferentes gêneros. Professor e aluno precisam estar atentos, pois há, na escrita, vários tipos de interlocutor: definido, genérico ou virtual, como na ficção literária. Assim, a presença do locutor no discurso é um fator de interferência, pois é para um ouvinte selecionado que o texto se dirige, fazendo com que o produtor aja de uma ou outra forma. Portanto, quando o texto é apresentado ao aluno, numa situação escolar artificial, fica impossível pensar em diferentes interlocutores como o fazem os autores e jornalistas. 1.2. Uma análise comparativa sobre a construção de títulos A forma como os textos produzidos na imprensa são intitulados é um dos pratos da balança que permitirá uma comparação a partir de textos escolares. Em textos da mídia, sobretudo, jornais e revistas, há uma preocupação com esse item que compõe o texto e para o qual há regras que instruem como deve proceder um redator ao produzir seu título. Enfocando também o aspecto escolar, Costa (2000:67-90) apresenta a construção de títulos, partindo de diversos gêneros como um processo discursivo e plurissêmico. A análise crítica do uso enunciativo e discursivo dos títulos em gêneros textuais dessas duas esferas institucionais teve três 1166 O TÍTULO NO CONTEXTO ESCOLAR objetivos, dos quais o primeiro merece destaque: “discutir a importância da construção de títulos em gêneros diversos como um dos fatores operacionais (formais e/ou estruturais) no processo de complexificação discursiva polifônica e plurissêmica de letramento.” (op. cit.:70). Entre os textos produzidos no contexto escolar, um fator que os diferencia é a razão pela qual são escritos. Num olhar sócio-histórico, o discurso é construído no diálogo com o outro conforme afirma Bakhtin (1992:16): “A enunciação, compreendida como uma réplica do diálogo social, é a unidade de base da língua, trata-se de discurso interior (diálogo consigo mesmo) ou exterior. Ela é de natureza social, portanto ideológica. Ela não existe fora de um contexto social, já que cada locutor tem um “horizonte social”. Há sempre um interlocutor, ao menos potencial. O locutor pensa e se exprime para um auditório social bem definido”. Partindo deste ponto de vista, produzir linguagem significa produzir discursos e este é construído também com uma intenção discursiva e sob a forma de um gênero definido. Entretanto, no contexto escolar, os textos surgem apenas como mais uma atividade, o que lhes confere a artificialidade se comparados com “textos sociais”. No que se refere especialmente aos títulos, Costa (2000:79) afirma que “as escolhas lingüísticas dos títulos construídos pelos jornalistas, ao mesmo tempo em que possuem significação, pois se referem aos sistemas das relações gerais e objetivas do grupo cultural que as usa, também possuem sentido, conforme a experiência individual de cada sujeito que fez uso delas de acordo com o contexto de uso das palavras e de seus motivos afetivos e pessoais”. O autor recorta exemplo de jornais e revistas, entre eles IstoÉ, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, para ratificar seu posicionamento. Para exemplificar, selecionou-se o primeiro título, “A febre amarela”, atribuído pela jornalista Cíntia Valente à reportagem que tratava da crise financeira do iene no Japão que derrubou as bolsas de valor de vários países. Ao selecionar o título, a autora faz uma referência a um tipo de febre epidêmica de países tropicais, ligada à raça amarela japonesa. Outros títulos também mostram, conforme assevera o autor da análise, um discurso construído no diálogo com o “outro”, como se observa em: “Farra mortal” para fazer referência à morte de um estudante de Medicina na piscina da USP. Neste título, há um jogo entre trote e tragédia. Outro exemplo é “Reinações de Garotinho” (título escolhido pela Isto É) no qual se percebe uma referência à obra de Lobato. Outro exemplo que recorre a um texto já publicado é “O engenheiro do lotação”, uma polifonia literária com a obra de Nelson Rodrigues. Observando títulos de jornais e revistas, o leitor encontra farto número de títulos que, conforme declara Costa (op. cit., p.82): “não são meros enfeites ou meras escolhas lingüísticas aleatórias, mas são enunciados polifônicos e plurissêmicos, discursivamente produzidos em situações de produção concretas, em outra esfera ou instituição social “pública” – a mídia. Esses títulos contemplam o significado global/total do texto produzido e foram elaborados, dialogicamente, [...] sob uma forma de gênero específico.” Isso permite pesar os textos escolares no outro prato da balança, inseridos numa situação de produção na qual as condições, geralmente, não são favoráveis. A exemplificação dos títulos em textos escolares tem como fonte produções realizadas por crianças catarinenses e mineiras. De acordo com a análise feita por Costa (2000:82-8), o título não é compreendido na função que exerce no texto, o aluno não percebe a relação gênero discursivo e título, enfim, o que se constata é uma prática de produção escrita institucionalizada. Assim, é possível encontrar, nos textos escolares, títulos como: “A cabra”, “O coelho”, “O animal”, bem próximos do modelo da cartilha. Em geral, o título não condiz com o todo enunciativo, como em “A luta” ou “Cigarros”. Nesses e noutros exemplos encontrados amiúde nos textos produzidos para a escola, afirma o Autor (op. cit.:83): ... o título dado ao texto produzido não tem função operacional discursivo-enunciativa nem polifonia ou plurissemia em relação a um possível sentido global do conjunto dos enunciados, pois o conteúdo informacional é um modelo que deve ser seguido por todos os alunos e escriturado por meio de estruturas repetitivas, frases e expressões semelhantes, para não dizer idênticas, em um exemplo típico de prática de produção de textos tradicional, em que predomina a concepção de que aprender a ler e escrever é apenas um processo de aquisição ou apropriação de uma tecnologia. Confrontando mais uma vez os títulos dados aos textos jornalísticos e aos escolares, o divisor entre eles está justamente no fato de que os primeiros apresentam enunciados plurissêmicos e plurifônicos construídos em uma situação real sob condições de produção discursivas concretas e os outros não. A análise feita por Costa parte de gêneros discursivos cuja função primeira é informar e, portanto, pressupõe a existência de um interlocutor real. Entretanto, o texto mais utilizado na escola é o literário, especialmente as narrativas, (Góes, 1995; Martin, 1989; Portela, 1999; Trevisan, 1999). A última autora analisa as propostas de produção textual contidas nos livros didáticos (levantamento realizado em 1998, em 50 escolas de Maringá e região, dentre as quais 43 adotam livro didático), perfazendo um total de 12 Otilia Lizete de Oliveira Martins HEINIG 1167 títulos. Seu objetivo é verificar se tais propostas se apresentam como tarefas significativas para os alunos e com destinatário real, possibilitando vivenciar, em sala de aula, a utilidade e diferentes funções da produção escrita. Dessa pesquisa, o que interessa, especificamente aqui, é o levantamento feito quanto aos gêneros presentes nos livros didáticos: o número de textos literários, incluindo entre eles os extraverbais artísticos, é marcadamente superior: sessenta e um contra vinte e dois de outras modalidades. A autora ainda apresenta outros dados, pois considerou que a consulta em apenas dois livros didáticos e de um mesmo título era insuficiente para apontar a possibilidade de esta tendência continuar presente nesse recurso de ensino. Por isso investigou mais cinco livros, de terceira e quarta séries, pertencentes a quatro diferentes coleções utilizadas pelas escolas pesquisadas. O resultado, além de ser semelhante ao anterior, no que se refere ao predomínio dos textos literários – cento e dezessete, contra oito informativos -, mostrou menor diversidade tipológica, um deles sem nenhum outro tipo de texto que não o literário e outros dois com apenas um. Estes dados apontam para a realidade escolar e como afirma Trevisan (op. cit.:925): “É possível que o uso exclusivo, ou quase exclusivo, do texto literário dentro do ensino da língua seja a primeira ação pedagógica que avança para a formalidade e ao mesmo tempo para o esvaziamento do trabalho lingüístico centrado no processo de ampliação das formas de comunicação social”. Enfim, se, no contexto escolar, o tipo textual eleito é o narrativo, há que se analisar como o título é construído na obra literária. Embora as teorias da literatura e as da leitura não se cruzem com muita freqüência, as teorias literárias têm influenciado os roteiros ou atividades de leitura presentes no livro didático. Sendo este um dos poucos recursos usados em sala de aula, faz-se necessário que o professor entenda como são elaboradas as atividades que desenvolve em suas aulas. A função poética, a função expressiva devem sim ser trabalhadas em sala de aula, mas numa outra perspectiva, levando professor e aluno a perceberem que escrever pode também estar relacionado ao prazer estético que produzir um texto proporciona. O interlocutor, neste caso, é virtual, ou seja, quem escreve um texto literário não o faz para alguém especificamente, pode fazê-lo para si mesmo também. Descobrir as condições de produção que estão relacionadas a cada gênero discursivo alterará as formas como os textos são lidos e produzidos em sala de aula. Assim, tanto aluno como professor perceberão que o título, em qualquer obra literária, como na crônica de Drummond selecionada para esta pesquisa, não deve ser apenas um resumo do texto, mas ser muito mais: um fator para desencadear a criatividade do leitor, gerando curiosidade. O leitor, que entende a função do texto literário, não deixará de perceber que a temática está em aberto e, por sua riqueza e multissentidos, o texto permitirá várias leituras e, conseqüentemente, vários títulos. 2. Investigando o título no processo de formação de educadores A fim de verificar qual a visão que os profissionais da educação, em processo de formação, têm a respeito da leitura e produção do título, aplicaram-se dois instrumentos de coleta de dados junto a uma amostra de 44 sujeitos do sexto semestre de Pedagogia da Febe (Brusque-SC). A coleta de dados iniciou com a aplicação do texto “No aeroporto” (Carlos Drummond de Andrade), dividido, anteriormente, pela pesquisadora, em quatro partes, a fim de provocar o envolvimento dos leitores/ sujeitos da pesquisa com o texto. O resultado posterior mostrou que a divisão foi adequada e conduziu os alunos a várias hipóteses. Cada aluno recebeu um pequeno bloco numerado com cinco páginas onde foi anotado cada título e sua justificativa à medida que cada parte do texto era apresentada em transparência. Depois de uma atividade que pudesse promover a produção de títulos a partir da leitura de um texto e de estratégias escolhidas pelo próprio leitor/produtor, passou-se à aplicação de um questionário a fim de conhecer o posicionamento da maioria a respeito de como lêem títulos e como os produzem. Os resultados, aqui apresentados de forma sintética, revelaram dados interessantes que podem servir de reflexão aos que fazem parte do quadro no qual estão inseridos os futuros educadores. A questão inicial da pesquisa buscou saber se o leitor, aluno de graduação, atenta para o título ao ler um texto e como realiza essa leitura. O que os dados revelaram foi um aluno de graduação geralmente atento ao título, mas que dificilmente reflete a respeito do processo que está envolvido durante a leitura de um texto. Para entender tal afirmação, destacaram-se alguns aspectos que merecem maior atenção. Um deles diz respeito ao fato de que há leitores que mantêm o título para fazer valer seu ponto de vista, conseqüentemente, a interação entre texto e leitor fica afetada, pois este não analisa as pistas lingüísticas. Isso pode apresentar um risco quando se trata de alunos que são ou serão professores. Atitudes assim evidenciam que não há compreensão do papel do título no texto e ele fica desconectado do todo. Na relação entre ser aluno e ser professor, é possível compreender o processo percorrido para a compreensão, por exemplo, de um título e, partindo da experiência desenvolvida, pensar que maneiras são possíveis para levar o aluno do ensino fundamental a pensar os textos que diariamente invadem suas vidas. 1168 O TÍTULO NO CONTEXTO ESCOLAR Portanto, é na interação professor-aluno que a realidade se apresenta pronta para ser investigada, basta querer ser mais que um mero professor, ou seja, é preciso que o espírito de pesquisa esteja presente na sala de aula. Necessita-se, sobretudo, repensar a forma como o texto literário, maior fatia presente no contexto escolar, é lido e analisado. É mister entendê-lo em sua complexidade e multissentidos, promovendo várias leituras de um mesmo texto e, por conseguinte, abrindo para a possibilidade de diversos títulos. Outro ponto interessante revelado pelos dados é que, na atribuição de títulos, depois de conhecer todo o texto, os leitores formulam hipóteses, as quais vão conduzindo sua leitura e permitem buscar elementos que favoreçam a sua compreensão. Finalmente, confirmou-se que a compreensão se torna possível mediante o acionamento de um esquema, pois, ao iniciar a leitura, é comum o leitor vasculhar sua memória em busca de um esquema no qual possa fixar informações no texto. Mas, se não for possível, a compreensão fica suspensa temporariamente. Outras vezes, a compreensão se torna extremamente difícil. No caso do texto em análise – “No aeroporto” -, é interessante notar como o leitor tinha que trocar o esquema acionado a fim de favorecer a compreensão. Atitudes assim exigem um leitor eficiente, o que se espera de um aluno de graduação, mas que nem sempre acontece. A segunda questão, relacionada à produção escrita de um texto, investigou qual a atitude desse aluno de graduação em relação ao título. Os resultados mostram que o título faz parte dos textos desses acadêmicos e que, na maioria das vezes, está relacionado com o tema, chegando o mesmo a ser repetido na abertura do texto. Um aspecto que merece uma investigação mais detalhada é o momento em que o aluno atribui título ao texto, se em seu início, desenvolvimento ou se depois de concluído. Os dados, levantados nesta pesquisa, apresentaram consonância com os de Costa (2000), especialmente, quando os sujeitos afirmaram existir uma diferença entre produzir um título no espaço acadêmico e fora dele. A história de vida, na escola, reforçou, nesses alunos, sujeitos da pesquisa, a visão de que os títulos de textos produzidos na imprensa possuem significação e sentido. Outro aspecto implícito nessa visão, e que deve ser ainda mais investigado, é a forma como o texto literário, o mais presente na escola, é lido e analisado por professores e alunos. Tem-se a impressão de que, por ser um texto ficcional, não merece tanta atenção como os veiculados na mídia. 3. Conclusão Estudar leitura e, especialmente, metacognição, permite entender um outro mundo, não tão aparente como o texto que pode ser apresentado escrito, ou seja, de forma concreta, mas aquele no qual o texto se constrói e vai ganhando sentido. Então, não é mais possível separar leitura e educação, pois há elementos que se unem: o leitor, o texto e o professor, como bem discutiram Ruddell e Unrau Essa constatação permite caminhar mais além e entender que falar em leitura, no contexto escolar, é acreditar que Kleiman e Moraes (1999:123) têm razão quando dizem que “para agir como se aprendizagem e leitura fossem atividades constitutivas, faz-se necessário conceber a leitura como uma prática central de todas as atividades curriculares [grifo nosso] e o professor, qualquer que seja sua área de especialização, como professor de leitura”. Assim, esse professor - além de levar o aluno a perceber os recursos lingüístico-textuais utilizados pelo autor, promovendo a compreensão do texto, isto é, a atividade que envolve a mobilização dos processos mentais que permitem relacionar o está dito no texto com o que não está dito – possibilitará a emancipação do aluno. Isso implica conhecimento não fragmentado, participação que se opõe à alienação e o abandono da mera atividade de decifrar. Para que seja possível a mudança no meio escolar, é preciso, sobretudo, que se pense com seriedade na formação do professor, daí a importância de se pesquisar alunos de graduação. RESUMO: Diferentemente da forma como os escritores de livros, jornais e revistas concebem a construção do título; na escola, ele é apenas um elemento do texto e sua função, muitas vezes, não chega a ser compreendida, pois não há discussão em torno desse tópico. PALAVRAS-CHAVE: leitura; metacognição; título; escritura. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara F. Vieira. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992. _____. Estética da criação verbal. Tradução de Maria Ermantina G. Pereira. 2. ed. São Paulo : Martins Fontes, 1997. Otilia Lizete de Oliveira Martins HEINIG 1169 BRITO, Percival Leme. 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