A BORBOLETA QUE BEBIA O VENTO E O SOL --- Conto Infantil .. JORGE BARROSO U ma linda borboleta de beleza rara com asas brilhantes e coloridas vivia num frondoso jardim muito verde cheio de flores exóticas, canteiros de tulipas, dálias, hortências, margaridas, coloridos roseirais, árvores seculares e arbustos frondosos com recantos magníficos. Todas as manhãs esvoaçava sobre o jardim e enquanto saltitava de flor em flor para sentir o seu delicioso perfume batia alegremente as suas asas de cetim sempre inquieta e a cantarolar. E assim, a bela borboleta acordava todas as flores que ao som de tão doces melodias, as suas pétalas ganhavam cores mais viçosas e vibrantes. Seus pais atenciosos e tão presentes tratavam a sua querida filha com muito amor e carinho. Por vezes à noite, no aconchego da sua casa feita num buraco do tronco de um velho plátano, recordam com alegria tempos passados em que a sua pequenina lagartinha afirmava a pés juntos que quando fosse grande não queria ser borboleta. Desejava, isso sim, continuar a ser uma minúscula lagartinha para ficar sempre perto dos pais. E para a consolar e lhe dar coragem diziam-lhe que nada poderia fazer contra a própria natureza; que esta é suprema e poderosa. Uma certa noite a mãe borboleta assustou-se ao ouvir o choramingar da pequena lagartinha. Foi ao seu quarto e viu que a sua filha chorava que nem uma desalmada. - Mas… o que se passa minha pequenina? A lagartinha enroscou-se nas folhas secas de plátano que serviam de aconchego ao seu leito e muito triste voltou a dizer a sua mãe que não queria ser borboleta. Esta sorriu-lhe com doçura. Depois colocou-a no seu regaço e cantou-lhe uma canção de embalar acabando por adormecer. Voltou a deitar a pequena lagartinha no leito quente e fofo e saiu sorrateiramente. A meio da manhã do dia seguinte a mãe borboleta pareceu preocupada por àquelas horas não ouvir a voz da lagartinha. Correu ao quarto e para sua grande alegria viu que a sua filha se encontrava no interior de um casulo. Ela sabia daquela transformação. A sua lagartinha iria muito em breve transformarse numa linda borboleta. Entusiasmada, a mãe borboleta saiu de casa sem fazer barulho e com enorme felicidade bateu asas e voou majestosa, espalhando a grande notícia por todas as flores, plantas e animais do jardim florido. O tempo passou. Todos aguardavam com expectativa. Afinal a lagartinha que no início temia a diabólica transformação era agora a mais bela borboleta do jardim frondoso de amplas sombras. Percebeu que afinal não foi algo tão terrível assim. Era bom voar livremente, visitar os amigos, ser autónoma e responsável. Gostava de se debruçar sobre a fonte velha do jardim e olhar extasiada o reflexo do seu rosto, das suas asas brilhantes e coloridas, as suas longas antenas, a cabeça, o tórax e o abdómen… A boca, pequenina e delicada é muito flexível formando uma espécie de tromba que lhe permite sugar o néctar das suas amigas flores. E quando se passeava pelo jardim exuberante visitava todos os canteiros delicadamente enfeitados, não apenas à procura de alimentos, como também para fertilizar as flores suas amigas misturando o pólen preso às suas patas com o de novas flores. Essa polinização ajuda a reprodução das plantas. Por onde voava a bela borboleta parecia espalhar alegria e luz. Todos os seus amigos ficavam encantados por tanta beleza e harmonia. Questionavam-se por vezes onde iria a graciosa borboleta buscar tanta energia? Havia perfeita sintonia entre eles. A cada dia que passava tudo era mais perfeito no frondoso jardim. Todas as manhãs, a airosa borboleta acordava ansiosa por esvoaçar pelo jardim e visitar todas as flores, plantas e animais amigos. Queria ampliar os seus horizontes; beber o vento e o sol. Um dia um rouxinol pediu-lhe um beijo. E com a força da sua felicidade voou, voou, subiu, subiu, até que se viu numa nuvem branca, imaculada. Lá do alto conseguia vislumbrar o seu lindo jardim, alguns dos seus amigos, crianças a brincar, montanhas majestosas, densos bosques de faias e carvalhos numa exuberância de verde sem fim. Olhou em seu redor e viu sorridente que naquela nuvem havia milhões de gotinhas de água de um brilho cristalino que a deixaram radiante. Mas o dia mais feliz da sua vida aconteceu numa alegre manhã de Primavera. Confiante, de asas abertas voava, voava, em busca de um lugar para pousar. Exalando os agradáveis aromas do jardim foi pousar num pequeno craveiro num recanto do enorme espaço verde primorosamente cuidado. Logo os seus olhos se encantaram vendo que naquele craveiro havia apenas um cravo todo aberto e muito perfumado. Era como se fosse uma verdadeira pérola. Era grande, vermelho, e havia entre as pétalas gotas de orvalho tão redondinhas que serviam de espelho às suas folhas verdes, finas e sedosas. - Oh! Que cravo tão lindo. – Disse a borboleta que se apaixonou de imediato por flor tão bela e afável. Também o cravo vermelho ficou enamorado da borboleta que voava sem parar em torno de si com gentileza e graciosidade. Aquela súbita paixão foi duradoura. Agora o coração da linda borboleta pertencia ao cravo vermelho. E cada vez que regressava a casa para dormir, sonhava com o seu príncipe encantado. Por tanta dedicação ao seu amor, a borboleta apaixonada deixou de voar e de brincar com os seus amigos. Quando eles a chamavam para voar juntos pelo jardim ou pelos campos verdejantes, ela nunca aceitava. Tornou-se uma borboleta muito orgulhosa e um pouco arrogante. - Como foi possível? – Murmuravam todas as flores, animais e plantas do jardim – que a nossa amiga borboleta se tornasse numa borboleta tão presunçosa? Nem a rainha das abelhas estava satisfeita com a sua postura: - Como castigo, essa emproada nunca mais terá direito a desfrutar do pólen das flores onde nós estivermos. Mas a formosa borboleta não ligava a balelas. Voava de manhã à noite ora a cantarolar pelo jardim, ora junto do seu adorável cravo vermelho. Há medida que o tempo passava mais frívola se tornou a bela borboleta de asas brilhantes com reflexos prateados como o luar. Vivia apenas para o cravo vermelho, ignorando quem sempre lhe quis bem. Um dia, logo pela fresca manhã da florida Primavera, acordou cedo e sentiu-se combalida. Era estranho. Doía-lhe ligeiramente a cabeça, as delicadas patinhas e também as grandes asas muito sedosas. Sua mãe que também a achou um pouco débil certificou-se se tinha febre. - Não é de admirar querida. Nestes últimos dias, tens andado muito estranha num vai vem contínuo entre a casa e o jardim. O que se passa minha filha? - Ah! Está tudo bem. Sinto-me tão feliz… Dito isto saiu de casa respirando o ar puro, batendo rapidamente as asas, ganhando altitude para aproveitar o sol maravilhoso que brilhava no céu. Sentia-se uma borboleta cheia de saúde e ativa. Mas a sua certeza traiu-a. Cansada e tonta no curto voo matinal foi obrigada a regressar a casa sem poder visitar o seu príncipe encantado. Perplexa reconheceu que já não voava com tanta intensidade. A airosa borboleta estava realmente muito doente. O coração de sua mãe estremeceu. Algo estava mal. Achou que a sua filha se encontrava muito fraca e o lugar onde deveria estar a descansar por algum tempo era no seu leito coberto de folhas secas do velho plátano. Cada dia que passava era motivo de tristeza. A estranha doença agravou-se. A débil borboleta sentia dificuldades em se mover, comer, falar e aos poucos perdia mobilidade de movimentos, inclusive nas quatro patinhas muito esqueléticas, nas duas antenas, na cabeça e nas lindas asas muito enfraquecidas. Conseguia falar, embora com dificuldade, e depois das visitas constantes dos inúmeros amigos do jardim que nutriam por si grande estima ou ainda do sábio gafanhoto que sabia mais que um doutor, ali ficava em silêncio, retida no seu leito, sem movimentos e muito triste. Era ele que lhe receitava um néctar especial para ter mais energia e gotinhas de água fresca e límpida da velha fonte do jardim. Seus pais estavam sempre junto do seu leito. Aproveitavam cada minuto de vida com a sua filha querida, sabendo da importância do cuidado e do carinho que ela merece. Sua mãe lia-lhe por vezes lindas histórias de mundos encantados e falava-lhe do amor incondicional dos amigos que lhe desejavam rápidas melhoras… Apesar de tudo, a frágil borboleta estava feliz por a natureza lhe oferecer na sua curta vida toda a felicidade e a graça dos dias vividos. Aceitou com normalidade o ciclo da sua vida. O conjunto saudável das suas transformações desde o ovo à crisálida que se abre e sai do seu interior. Tal como a sua mãe lhe disse um dia era ela ainda uma lagartinha: «- Nada podemos fazer contra a natureza. Ela assim nos fez e sempre assim será. Nada pode mudar». Mas… apenas estranhava uma coisa: Porque é que entre todas as flores, animais e plantas do jardim que a visitaram no seu leito, o seu lindo cravo vermelho por quem se apaixonara não a veio visitar? Estava zangada e desiludida. A débil borboleta jamais imaginava o amor sofrido deste cravo infeliz que sabendo de tamanha fatalidade, afastou-se de vez daquele jardim que antes era encantado e agora se tornou sombroso. Partiu em busca de solidão, ora levado pelo vento ou seguindo sozinho. Percorreu montes e vales, aldeias vilas e cidades, perdido nos seus lamentos. Foi sacudido e pontapeado por pessoas más e animais ferozes. Foi invejado e desejado para enfeitar lojas, festas e arraiais. Naquele horroroso afastamento a saudade da sua bela borboleta e do seu jardim encantador era sufocante. Ficou caído pelos passeios e pelas estradas desertas sem ter forças para se levantar. Também ele estava muito doente. As suas pétalas vermelhas, antes bonitas e macias onde as gotinhas de água que pareciam espelhos redondos o refrescavam todas as manhãs davam lugar a pétalas velhinhas e murchas. Foi então que pediu um último desejo: Que o vento, seu amigo, soprasse forte e profundo e o levasse até àquele velho plátano do frondoso jardim onde vivia a sua amada. Ansiava estar junto da bela borboleta e dizer-lhe cara a cara que a amava para toda a eternidade. O vento, que ouviu a sua súplica dançou e assobiou à sua volta, e numa ligeireza subtil, fê-lo voar por cidades, vilas, aldeias, montanhas, colinas e vales profundos até que chegou finalmente ao jardim encantado onde nasceu e cresceu feliz. Facilmente deu com a casinha da sua amada que ficava situada num pequeno buraco de um tronco do velho plátano. Àquelas horas não havia visitas. Apenas os seus pais, tristes e silenciosos. Pareciam aguardar por algo indesejável. - Quem és tu velho cravo? – Perguntou a mãe da frágil borboleta. – Mais um dos amigos da minha filha? Não te conheço. Nunca te vi pelo jardim… - Eu sou… o cravo vermelho. Vivia lá ao fundo, num recanto do jardim. Posso ver a sua filha? - Claro! Claro! Segue em frente e facilmente darás com o seu quarto. A minha menina está muito doente. Não te demores por favor. - Serei breve na visita. O velho cravo vermelho entrou no pequeno quarto forrado a folhas secas de plátano. Ali estava ela, a sua amada, deitada sobre o seu leito mergulhada na dor, embora não demonstrasse tristeza. O rosto do velho cravo tornou-se melancólico e sombrio, e os seus olhos ficaram húmidos numa ameaça de choro. As suas hastes penderam para o chão. Aproximou-se. A bela borboleta abriu os olhos e sorriu como se um milagre iluminasse todo o seu ser. - Cravo vermelho… - Murmurou ela com a voz entrecortada. - Meu amor. – Respondeu ele comovido. - Sempre vieste visitar-me. - Desculpa. A notícia foi tão dura para mim que cai em desespero e afastei-me para bem longe para não te ver sofrer. Mas agora eu estou aqui; para partir contigo para um lugar sagrado. Sim! Partiremos juntos para um novo jardim onde as plantas, as flores e os animais não envelhecem nem morrem. Um jardim exuberante, repleto de cores e odores que bailam ao sabor do vento. A borboleta, que tinha dificuldade em falar simplesmente lhe sorriu confiante. O velho cravo beijou-a com doçura. Um beijo ardente cheio de paixão. Em seguida deitou-se a seu lado, desfolhou as suas pétalas já muito velhinhas e murchas e estendeu-as sobre o leito da sua amada, como se a confortasse antes da partida. Felizes olharam-se com doçura e de mãos enlaçadas fecharam os olhos para sempre, viajando eternamente por lugares sagrados como os anjos perfeitos dignos de perpétua paixão. Rio de Moinhos, 22 de Outubro de 2015