NA LAMA FORTE DO VÍCIO DE LARGO FÔLEGO: NATURALISMO E PROSTITUIÇÃO NO BRASIL Leonardo Mendes Universidade do Estado do Rio de Janeiro Brasil No romance O cortiço (1890), do escritor maranhense Aluisio Azevedo (1857-1913), a prostituta Leonie é o único personagem que escapa à notória estrutura bipolar que Affonso Romano de Sant’Anna detectou na obra1. Ao contrário de todos os outros personagens relevantes da narrativa, ela não habita o cortiço nem o sobrado ao lado. Personagem das brechas e dos interstícios, Leonie é um foco privilegiado para a investigação da natureza ambígua e contraditória do principal romance de Aluisio Azevedo e, por extensão, de outras obras do naturalismo brasileiro2. Quando a prostituta entra pela primeira vez em cena, em visita à casa dos compadres Augusta e Alexandre no cortiço, o narrador fornece uma descrição detalhada das roupas desse personagem:O seu vestido de seda cor de aço, enfeitado de encarnado sangue de boi, curto, petulante, mostrando uns sapatinhos à moda com um salto de quatro dedos de altura; as suas luvas de vinte botões que lhe chegavam até os sovacos; a sua sombrinha vermelha, sumida numa nuvem de renda cor-de-rosa e com um grande cabo cheio de arabescos extravagantes; o seu pantafaçudo chapéu de imensas abas forradas de veludo escarlate, com um pássaro inteiro grudado à copa; as suas jóias caprichosas, cintilantes de pedras finas; os seus lábios pintados de carmim; suas pálpebras tingidas de violeta; o seu cabelo artificialmente louro; tudo isto contrastava tanto com as vestimentas, os costumes e as maneiras daquela pobre gente, que de todos os lados surgiam olhos curiosos a espreitá-la pela porta da casinha de Alexandre.3 A reação é de curiosidade e assombro diante da extravagância, exagero e petulância de Leonie, que são a expressão de um excesso, não de peso (como em outras mulheres naturalistas), mas de cores e camadas que se acumulam sobre o seu corpo. Tudo nela é a expressão de certo artificialismo, de uma capacidade de impressionar os outros através da manipulação competente dos elementos que compõem sua imagem, das luvas de vinte botões ao cabelo artificialmente louro. Cores quentes como vermelho, carmim e cor-de-rosa somam-se ao aspecto de intensidade que sua figura traduz – uma presença maciça e fatal da qual os moradores do cortiço não conseguem desviar os olhos. Leonie, uma “prostituta de casa aberta”, era muito amiga e querida de todos os moradores do cortiço São Romão. Entre eles não se ouvem palavras de reprovação à vida que levava. Quem se encarrega de colocar em xeque o ambiente de confraternização da cena é o narrador, quando diz que a pequena Juju, afilhada da prostituta e filha de um casal de moradores do cortiço, “era a coisa boa da sua vida de cansaços depravados; era o que aos seus próprios olhos a resgatava das abjeções do ofício”4. Esse contraste deve nos alertar. Ele estabelece um padrão de funcionamento da economia narrativa tão ou mais importante do que a estrutura bipolar. Ao longo de todo o romance, o leitor vai encontrar esse confronto de opiniões e julgamentos não só quando em contato com prostitutas. A narrativa se configura como uma arena onde se travam batalhas entre discursos e vocabulários conflitantes – uma configuração que, no limite, coloca em xeque o próprio estatuto da obra como romance naturalista. Neste artigo, procuro explorar essa ambigüidade e tentar relacioná-la com o ambiente cultural e literário do final do século XIX no Brasil. É assim que, malgrado “as abjeções do ofício” que lhe atribui o narrador, Leonie era adorada por todos e criava a pequena Juju em sua casa sem que ninguém sugerisse que isso pudesse fazer mal à menina. Nesse dia, na casa da comadre, a prostituta foi logo “cercada por uma roda de lavadeiras e crianças”. Quando mandou buscar ao bar três garrafas de cerveja importada, sua generosidade inspirou comentários do tipo “Que alma grande!”. Dotada de autoridade moral – “discreteava sobre assuntos sérios, falando compassadamente, cheia de inflexões de pessoa prática e ajuizada, condenando maus atos e desvarios, aplaudindo a moral e a virtude” – Leonie comanda uma audiência silenciosa e submissa:E aquelas mulheres, aliás tão alegres e vivazes, não se animavam, defronte dela, a rir nem levantar a voz, e conversavam a medo, cochichando, a tapar a boca com a mão, tolhidas de respeito pela cocote, que as dominava na sua sobranceria de mulher loura vestida de seda e coberta de brilhantes.5 O domínio se estabelece a partir da independência econômica e da liberdade que as lavadeiras sabem ser as marcas de vida de Leonie, além de certas insígnias de poder e beleza, como cabeleira loura, brilhantes e vestidos de seda. Não surpreende que seja a Rita Baiana aquela que articula em palavras o apreço que essas mulheres sentiam pela prostituta, porque ela é a mulher, no romance, que mais se aproxima dessa posição de autonomia:- Não sei, filha! pregava depois a mulata, no pátio, a uma companheira: seja assim ou assado, a verdade é que ela passa muito bem de boca e nada lhe falta: sua boa casa; seu bom carro para passear à tarde; teatro toda noite; bailes quando quer e, aos domingos, corridas, regatas, pagodes fora da cidade e dinheirama grossa para gastar à farta! Enfim, só o que afianço é que esta não está sujeita, como a Leocádia e outras, a pontapés e cachações de um bruto de marido! É dona das suas ações! Livre como o lindo amor! Senhora do seu corpinho, que ela só entrega a quem muito bem lhe der na veneta.6 As reflexões de Rita Baiana apontam para uma visão bastante positiva do ofício da prostituição e chega ao ponto de celebrá-lo como um caminho de libertação feminina. A comparação com a lavadeira Leocádia – que fora flagrada se entregando ao jovem Henrique, morador do sobrado, em troca entregando ao jovem Henrique, morador do sobrado, em troca de um coelho – sugere que o casamento às vezes não passa de uma forma de servidão para a mulher e que a prostituta, ao contrário, tem controle total sobre sua vida, tanto social como sexual. O que torna a caracterização da prostituta Leonie ainda mais surpreendente é o seu interesse nada inocente por mulheres, especificamente por Pombinha, “a flor do cortiço” de João Romão. No dia da visita, a prostituta logo perguntou pela menina. Ao chegar, Pombinha foi recebida “com exclamações de agrado” seguidas de beijos nos dentes e nos olhos 7. Leonie marca com Pombinha e a mãe da menina um jantar em sua casa, dali a dois dias. Essa ida à casa da prostituta vai constituir um divisor de águas na vida do personagem. O evento é narrado em flashback, o que lhe dá uma dimensão de lembrança poderosa que para sempre ficará marcada em sua memória – “trouxe de lá impressões e íntimos vexames que nunca mais se apagariam por toda a sua vida”8 –, além de definir seus caminhos futuros. Na luxuosa casa da “madame”, o narrador se entrega à mais longa e detalhada cena de sexo do romance 9. Quando cai em si, Pombinha se enoja do que fez e tem vontade de desaparecer. Leonie faz de tudo para retirar essa impressão negativa da cabeça da menina. Cai-lhe aos pés, beija-lhe as saias, “comprometendo-se a ser sua escrava e obedecer-lhe como um cachorrinho”10. Mais tarde, depois do jantar, a prostituta “tomou a mão de Pombinha e meteu-lhe no dedo um anel com diamante cercado de pérolas”11. A jóia formaliza uma espécie de noivado simbólico entre as duas mulheres e antecipa a trajetória futura de Pombinha, quando, ao final do romance, une-se a Leonie e se transforma, também ela, numa prostituta de luxo. É importante, nessa configuração, que Leonie ocupe o topo da hierarquia da prostituição na cidade. Na classificação oitocentista do médico carioca Herculano Augusto Lassance Cunha, cujo estudo sobre a prostituição no Rio de Janeiro apareceu em 1845, a personagem seria uma “prostituta pública” (que viveria exclusivamente da prostituição), representante das “mulheres de primeira ordem; aquelas freqüentadas por ricos, vivendo isoladamente em casas de sobrado decentes”12. Por ser parte integrante da elite da prostituição na cidade, Leonie tem autonomia e poder econômico. Mas o universo do comércio sexual no Rio de Janeiro era bem mais vasto e Aluísio Azevedo devia saber disso. A taxonomia do Doutor Lassance Cunha apresenta várias categorias e subcategorias, chegando à base com as escravas domésticas que atraíam seus senhores para as “imundas senzalas”13. É a opção deliberada por caracterizar a prostituição através de um personagem como Leonie – uma prostituta de luxo – que permite a Aluísio Azevedo destacar os aspectos positivos do ofício. Estamos longe, no romance, da caracterização de prostitutas como mulheres arruinadas física e moralmente, reféns de cafetões violentos ou de clientes sádicos. Se a prostituta no Naturalismo de Aluísio Azevedo é uma mulher livre e feliz, o mesmo não pensavam os médicos brasileiros da segunda metade do século XIX. A tese de 1845 do Doutor Lassance Cunha é apenas um entre uma série de estudos médicos sobre o tema que a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro patrocinou e publicou. Houve ainda, no mesmo ano, o trabalho de Miguel Antônio Heredia de Sá, intitulado Algumas reflexões sobre a cópula, onanismo e prostituição do Rio de Janeiro; o estudo Da prostituição no Rio de Janeiro e de sua influência sobre a saúde pública, de João Álvares de Azevedo Macedo Júnior, de 1869; e três anos depois aparece a tese de Francisco Ferraz Macedo, com o título Da prostituição em geral. A idéia era fazer uma radiografia da prostituição na cidade. Compartilhando a opinião de que a prostituição era um mal necessário, nenhum estudo propunha a extinção do meretrício, contentando-se, assim, em sugerir estratégias de regulamentação e contenção14. Entretanto, o ponto de vista clínico não impedia que os médicos se acercassem do assunto por meio de uma prosa violenta e ansiosa. As teses médicas pretendem deixar claro que o interesse de seus autores pela prostituição (e pela sexualidade) era estritamente científico; abordam-na para conhecê-la melhor e, no processo, para não deixar dúvidas quanto ao desprazer de tratar de assuntos dessa natureza, atacam-na, mesmo que se digam dispostos a tolerá-la. Para além dos quadros classificatórios que pretendem dar ordem ao universo do comércio sexual na cidade, um posicionamento moral inequívoco agrega todas as prostitutas, da madame em seu sobrado decente à escrava que ocasionalmente dorme com seu senhor, em torno do mesmo opróbrio: a prostituição é, nas palavras do pioneiro Doutor Lassance Cunha, “uma forma de mediocridade, uma torpe lascívia, uma revoltante imoralidade, uma cilada do vício”15. Essa revolta moral tinha uma causa médica concreta: através da propagação da sífilis e de outras doenças venéreas, a prostituição representava um prejuízo à saúde pública. No século XIX, a prostituta entra “para a lista negra da higiene”, como se percebe: As prostitutas tornaramse inimigas dos higienistas principalmente pelo papel que supostamente tinham na degradação física e moral do homem e, por extensão, na destruição das crianças e da família. Contaminando os libertinos com suas doenças venéreas, induziam a produção de filhos doentes e votados à mortalidade precoce. Seduzindo os incautos com suas sensualidades depravadas, levavam a miséria e a infelicidade a famílias inteiras.16 O horror ao alastramento da sífilis e de outras doenças venéreas (além de questões de ordem moral e religiosa) suscitou um longo e acirrado debate em torno da necessidade de se regulamentar a prostituição na cidade do Rio de Janeiro. Inspirados pelo modelo introduzido na França desde o início do século XIX, o projeto regulamentarista pretendia organizar a prostituição em bordéis que seriam registrados na polícia, vigiados pela administração pública e pelas autoridades sanitárias17. A oposição de Pedro II a tais projetos impediu que eles se tornassem lei durante o Segundo Reinado. Com o advento da República em 1889, o controle da prostituição e a profilaxia da sífilis ganharam novo alento através do empenho e do prestígio do então presidente da Academia Nacional de Medicina, o médico Silva Araújo18. Várias propostas foram feitas, mas a oposição dos chamados abolicionistas – que por moralismos estreitos ou por ideais libertários se opunham a qualquer espécie de regulamentação estatal do meretrício – acabou por prevalecer, se estendendo, com sucesso, até o primeiro quartel do século XX. Enquanto as autoridades médicas e policiais brasileiras debatiam os horrores da prostituição e da sífilis, propondo, ansiosas, entre moralismos e preocupações sanitárias legítimas, medidas de higienização e controle do comércio do sexo na cidade, a imaginação literária de Aluísio Azevedo oferecia ao público leitor da mesma cidade prostitutas felizes, independentes e saudáveis como Leonie e Pombinha. Na literatura européia do final do século, entretanto, a sífilis (associada ou não à prostituição) cumpria um papel simbólico central. Em Dr. Jekyll and Mr. Hyde (1886), a fantasia de Robert Louis Stevenson a respeito do eu doente e dividido é construída a partir do vocabulário da deformidade sifilítica. E os repugnantes Morlocks, criados por H. G. Wells em The Time Machine (1895), são, entre outras leituras possíveis, espécies de representantes dos estágios finais da degeneração sexual causada pela sífilis em sua forma Mas nenhuma fantasia ultrapassa em hereditária19. repugnância e terror a descrição de Émile Zola para a morte da prostituta Naná, o que nos traz de volta a representações literárias da doença e da prostituição nos limites do Naturalismo. Por meio do personagem-título de Naná (1880), Zola deu ao século XIX o protótipo naturalista da prostituta20 que, ao contrário da Leonie de Aluísio Azevedo, não conta com as simpatias do narrador nem dos demais personagens do romance. Se a prostituta brasileira parece viver uma vida sem problemas financeiros, Naná, apesar do luxo que a cerca nos primeiros capítulos da obra, deve nove meses de aluguel, além de ter entre seus credores o alugador de carruagens, a costureira e o carvoeiro21. Ao longo do romance, alternam-se períodos de dificuldades financeiras e de romance, alternam-se períodos de dificuldades financeiras e de amplo conforto material. O desapego relativo que nutre por alguns de seus amantes, aliado a seu estatuto de objeto incontestável de desejo da sociedade parisiense, não livra a protagonista de problemas emocionais: Naná tem um filho (concebido aos dezesseis anos) que ela quer recuperar. Para tanto vê-se portadora de mais uma dívida – o retorno do filho depende de um pagamento de 300 francos à mulher que cuidara dele até então. Atriz medíocre dos palcos, alvo da crítica teatral e moral de Paris, Naná é o objeto de um artigo demolidor publicado no Le Figaro, intitulado “A mosca de ouro”. O artigo reficcionaliza a trajetória da prostituta e oferece, na sua brevidade, o teor das opiniões mais sinceras que o romance como um todo tem de sua protagonista:A crônica de Fauchery, intitulada “A mosca de ouro”, era a história de uma rapariga proveniente de quatro ou cinco gerações de bêbados, com o sangue estragado por uma longa hereditariedade de miséria e álcool, o que nela se traduzia por um desequilíbrio nervoso e sexual. Criara-se num subúrbio, pelas ruas parisienses, e, grande e bela, de carnação soberba, como flor brotando da estrumeira, vingava os pobres e os abandonados, dos quais descendia. Com ela, a podridão que se deixava fermentar entre o povo elevava-se até a aristocracia, apodrescendo-a também. Transformara-se numa força da natureza, numa inconsciente semente de destruição, corrompendo e desorganizando Paris em suas coxas níveas, desagregando a cidade do mesmo modo que as mulheres, no período menstrual, fazem azedar o leite. E era no final do artigo que se encontrava a simbologia da mosca, uma mosca cor de sol, saindo de entre o lixo, uma mosca que bebia a morte nos cadáveres abandonados ao longo dos caminhos e que, zumbindo, dançando, libertando um clarão de pedrarias, envenenava os homens, bastando para isso pousar sobre eles, nos palácios onde entrava pelas janelas.22 Sem colocar em xeque o seu distanciamento de escritorcientista, Zola diz o que ele próprio pensa através da pena de Flauchery. As fermentações e podridões típicas da narrativa naturalista cercam o corpo da prostituta desde seu nascedouro. O corpo de Naná, até mesmo por ser tentador, é um organismo doente e contagioso, dotado de uma história de desequilíbrios que remonta a quatro ou cinco gerações. A sexualidade da prostituta desorganiza Paris, pensa o articulista, que não esconde a virulência de sua misoginia quando usa a imagem da mulher menstruada como um veículo de corrupção e desagregação. Por fim, a imagem da mosca como um correlativo objetivo da prostituta (e também, sem dúvida, da sexualidade feminina como um todo), um inseto de aparência inofensiva, que encontra seu alimento nas lixeiras e traz aos palácios, como uma vampira, a doença e a morte. No final do romance, depois de uma ausência prolongada (tendo vendido todos os seus pertences para saldar dívidas), Naná retorna a Paris e aloja-se em um hotel, já exibindo, por meio das bexigas espalhadas pelo corpo, os sintomas dos avanços da doença em seu organismo. A morte chega de repente. Zola encerra a narrativa com uma descrição detalhada, digna de um manual de medicina, dos efeitos da doença sobre o rosto da prostituta:Naná ficou só, com a face voltada para o teto, iluminada pela luz da vela. Era uma pasta de carne putrefata, uma mistura de humores purulentos e de sangue, ali abandonada sobre uma almofada. Pústulas tinham invadido todo o rosto, as marcas da varíola pegadas umas às outras. Descoradas, flácidas, com uma cor acinzentada de lama, pareciam fungos nascidos na terra, sobre aquela informe máscara, onde era já impossível reconhecer os traços fisionômicos. Um olho, o esquerdo, afundava-se no borbulhar da purulência. O outro, semi-aberto, enterrava-se cada vez mais, como um buraco negro e apodrecido. O nariz supurava ainda. Uma grande crosta violácea partia de uma face, invadia a boca, torcida num riso abominável.23 Por meio dessa análise quase geológica do rosto do cadáver, Zola não deixa dúvidas quanto às conseqüências terríveis que podem ter uma vida de excesso e de vício. É com alívio com ele encerra: “Vênus decompunha-se. Parecia que o vírus contraído por ela nas sarjetas, nos cadáveres abandonados pelos caminhos, aquele fermento com que ela envenenara tanta gente, acabava de lhe subir ao rosto, apodrecendo-a”24. Inscrita no enredo do romance, a morte de Naná é uma vingança masculina que mistura preocupações sanitaristas com arroubos de misoginia; o veneno que ela espalhara entre tantos homens por fim volta-se contra ela. Com a morte de Vênus, restauram-se as disciplinas médicas e sociais. Em O cortiço, ao contrário, para além da eloqüente produção acadêmica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, as disciplinas não são jamais impostas; na obra, não há qualquer preocupação de ordem médica no tratamento da prostituição. Há, como vimos, por ocasião da apresentação de Leonie, remotas expressões de condenação moral que vão reaparecer no final do romance, quando a prostituta e Pombinha unem-se e assumem o posto de rainhas do alto meretrício da cidade. Tais manifestações, entretanto, são tímidas, limitam-se à voz do narrador e permanecem no âmbito da bravata, isto é, elas não se realizam como configurações narrativas. Seria esse ponto de vista essencialmente positivo sobre o tema um exemplo isolado? Em suas pesquisas sobre a prostituição brasileira, a historiadora Margareth Rago assinala que, em praticamente toda documentação a que teve acesso, de modo geral “a prostituta aparece identificada à mulher vitimizada pelas condições adversas do destino”25. E lembra que, na literatura, nem Naná nem Lucíola triunfam na prostituição. Uma análise comparativa entre os romances de Zola e o de José de Alencar de fato revela serem a morte e o fracasso os instrumentos com que as respectivas narrativas resolvem os conflitos gerados pela prostituição. Mas, no âmbito das sexualidades indisciplinadas femininas, o tema que animou a imaginação romântica, como vemos em Alencar, foi o da prostituta regenerada26. Lúcia, apesar de fracassar e morrer, demonstra seu desejo de dar contornos respeitáveis à sua demonstra seu desejo de dar contornos respeitáveis à sua sexualidade. O mesmo não se pode dizer de Naná, nem de Leonie ou Pombinha. O Naturalismo, como se sabe, trouxe franqueza e despudor à literatura. Nas últimas décadas do século XIX, a prostituição deixa de ser uma memória que se evoca, como em Lucíola (1862), de José de Alencar, e A dama das camélias (1848), de Alexandre Dumas Filho, para se tornar algo que o narrador realista vê se desenrolar diante de seus olhos atentos, no tempo presente. A franqueza recémdescoberta, entretanto, animada pelos avanços da ciência e pela idéia de progresso, não livra a prostituta já nãoarrependida da condenação moral do narrador, que agora argumenta com vocabulário clínico, e assiste, como médico, à mesma morte e ao mesmo fim. Se na França a morte de Naná escamoteia uma profilaxia da sífilis, no México a morte da prostituta do romance Santa (1903), de Frederico Gamboa, em virtude da mesma doença, demonstra como foram sólidas, em outros países, as relações entre o discurso médico e a ficção naturalista. A prostituta também deve morrer na literatura norte-americana. Em um estudo comparativo sobre o romance naturalista da América Latina e dos Estados Unidos, João Sedycias destaca as variantes que definem o tratamento diferenciado dado ao tópico da prostituição em O cortiço e em Maggie: A girl of the streets (1893), do escritor norte-americano Stephen Crane (1871-1900). Enquanto Leonie e Pombinha terminam o romance aparentemente felizes como duas prostitutas de sucesso, Maggie comete suicídio para escapar precisamente da prostituição, que, para ela, não passava de um universo de fracassos e violências. O crítico chama a atenção para a tendência moralista que informa o desfecho do romance norte-americano, para a configuração didática que a morte da jovem prostituta denuncia – em uma estratégia de desenlace que lembra o suicídio do homossexual nas narrativas homoeróticas do final do século XIX e também do século XX27. Mais revelador ainda, num romance sobre sedução e prostituição, é a total ausência de qualquer passagem explícita sobre sexo em Maggie. Apesar de suas relações íntimas com as prostitutas de Nova York (e de seu repúdio à experiência religiosa norte-americana), Stephen Crane não consegue impedir que a severidade puritana aprisione certos conteúdos de seu romance28. Aluisio Azevedo, por outro lado, faz amplo uso de material erótico, e o leitor nunca encontra qualquer condenação moralista ao sexo em O cortiço29. Ao contrário, e possivelmente por estar escrevendo em uma tradição cultural menos rígida em questões de ordem moral, o escritor brasileiro empurra seu naturalismo a zonas de audácia – como na cena explícita e detalhada de sexo entre Leonie e Pombinha – que nem mesmo Zola se atreveu a mapear com tanta precisão. É verdade que em Naná o escritor naturalista francês não deixa dúvidas de que a protagonista explora os prazeres do sexo entre mulheres. A idéia a repugna a princípio, mas Naná acaba por instalar em sua casa, como sua amante, a lésbica Satin. De qualquer modo, o leitor não tem acesso às intimidades da alcova das duas mulheres e pode-se dizer que, mesmo nas cenas de sexo heterossexual, Aluísio Azevedo é mais generoso em suas descrições e minúcias do que Zola. A receptividade dos moradores do cortiço ao estilo de vida de Leonie deve ser, então, fruto de uma postura geral pouco rígida no que diz respeito à domesticação da prostituição e da sexualidade 30. Aos olhos de Rita Baiana, são irrelevantes as tais abjeções do ofício, que só aparecem no discurso do mesmo narrador que, em confronto radical com as teses médicas contemporâneas – o que sugere descontinuidades reveladoras entre o discurso médico e o ficcional –, configura um quadro geral desprovido de qualquer impedimento moral à prática da prostituição. Leonie, popular e independente, representa no romance a possibilidade de prostituir-se por escolha. No processo, a personagem constitui o meretrício “como um espaço efetivo de resistência ao ideal da mulher frágil e submissa”31. Fiel às vertentes contemporâneas que atribuíam às prostitutas características de independência, liberdade e poder32, em O cortiço a prostituta é a mais livre das mulheres, que vive à cortiço a prostituta é a mais livre das mulheres, que vive à margem da sociedade e cuja sexualidade não pertence a ninguém. Como Leonie antes dela, Pombinha é submetida ao mesmo tratamento ambíguo na economia narrativa. O trecho que descreve o desfecho de sua trajetória é narrado a partir de um ponto de vista que lhe nega autonomia de ação. Ela, que num lance de vista havia compreendido, no capítulo XII, a que mesquinharias se submetem os homens, colocando-se assim, como mulher, num patamar superior e autônomo, vê-se, no capítulo XXII (o penúltimo do romance), reduzida a uma pobre criatura a quem, faltando o equilíbrio, só resta escorregar para os braços de outros homens. Se levamos em conta as percepções anteriores de Pombinha, notamos que esse desfecho já estava anunciado desde então e que o personagem aqui perdeu o acesso aos primeiros planos do discurso que encaminha a ação do romance, uma vez que estamos próximos do fim e o narrador se apressa em amarrar todas as pontas dos fios das histórias que criou. No capítulo XII o narrador quase se confunde com a própria Pombinha; aqui o distanciamento que permite ao narrador ter uma visão de águia também lhe permite passar alguns julgamentos morais que nada se parecem com a visão que a própria Pombinha parece ter de sua vida e de suas escolhas. A decisão de se tornar prostituta e dividir o teto com Leonie faz com que Pombinha frature deliberadamente as relações entre sexo, dever, família e procriação. O narrador diz que com essa decisão “a serpente vencia afinal”33. A serpente é Leonie, que na voluptuosa cena de sexo animal a seduzira alguns anos antes, mas também é o mundo de vícios em nível mais geral que, segundo o ponto de vista do narrador, triunfa sobre a vontade débil de uma moça desequilibrada – uma tese naturalista em contradição frontal com o grito de autonomia e independência da própria Leonie no capítulo XII (e em contradição também com os elogios esporádicos que alguns personagens do romance fazem ao ofício da prostituição como um caminho de libertação feminina). Unida a Leonie, Pombinha coloca em prática todas as suas formulações a respeito da hierarquia que divide homens e suas formulações a respeito da hierarquia que divide homens e mulheres. O pacto entre as duas amigas é um pacto de exclusão da masculinidade, que torna concreta a união de forças simbolizada pela troca de anéis quando Pombinha ainda era uma menina virgem. O mundo dos homens se transforma em uma dimensão de uso e descarte permanentes: Agora, as duas cocotes, amigas inseparáveis, terríveis naquela inquebrantável solidariedade, que fazia delas uma só cobra de duas cabeças, dominavam o alto e o baixo Rio de Janeiro. Eram vistas por toda a parte onde houvesse prazer; à tarde, antes do jantar, atravessam o Catete em carro descoberto, com a Juju ao lado; à noite, no teatro, em um camarote de boca, chamavam sobre si os velhos conselheiros desfibrados pela política e ávidos de sensações extremas, ou arrastavam para os gabinetes particulares dos hotéis os sensuais e gordos fazendeiros de café, que vinham à corte esbodegar o farto produto das safras do ano, trabalhadas por seus escravos. Por cima delas duas passara uma geração inteira de devassos. Pombinha, só com três meses de cama franca, fizera-se tão perita no ofício como a outra; a sua infeliz inteligência, nascida e criada no modesto lado da estalagem, medrou logo admiravelmente na lama forte dos vícios de largo fôlego; fez maravilhas na arte; parecia adivinhar todos os segredos daquela vida; seus lábios não tocavam em ninguém sem tirar sangue; sabia beber, gota a gota, pela boca do homem mais avarento, todo o dinheiro que a vítima pudesse dar de si.34 Ao descrever os clientes de Pombinha e Leonie como “velhos desfibrados” e “gordos sensuais”, o narrador confirma a ausência de tensão sexual no dia-a-dia das duas avassaladoras profissionais do sexo e reafirma a suspeita de que só entre elas mesmas, no encontro narcísico entre as duas cabeças da mesma cobra, elas encontram o verdadeiro gozo sexual. O que os homens têm a lhes dar é dinheiro e não prazer. Como duas poderosas vampiras irmanadas em seu projeto impiedoso, Pombinha e Leonie arrancam dinheiro mesmo do homem mais avarento como quem tira sangue de uma vítima indefesa. As figuras pouco atraentes dos homens que solicitam os serviços da dupla implacável também servem para acentuar o sentimento de repugnância moral que o narrador parece nutrir pela vida que levam as duas personagens. A crítica discreta à escravidão se insere no ideário abolicionista e republicano dos escritores naturalistas e sugere um nivelamento entre o trabalho servil e a prostituição no sentido de que ambas são uma imoralidade. O fruto do trabalho roubado de escravos sem paga é dissipado em orgias – uma dupla devassidão35. Há ainda o empenho do narrador em caracterizar a prostituição como um “vício de largo fôlego”, e o reconhecimento de que Pombinha é dotada de inteligência, mas de uma inteligência “infeliz”. O narrador, contudo, parece estar sozinho em suas reprovações ao estilo de vida das personagens. Como Leonie antes dela, Pombinha é recebida com festa todas as vezes que visita o cortiço:Entretanto, lá na Avenida São Romão, era, como a mestra, cada vez mais adorada pelos seus velhos e fiéis companheiros de cortiço; quando lá iam, acompanhadas por Juju, a porta de Augusta ficava, como dantes, cheia de gente, que as abençoava com o seu estúpido sorriso de pobreza hereditária e humilde. Pombinha abria muito a bolsa, principalmente com a mulher de Jerônimo, a cuja filha, sua protegida predileta, votava agora, por sua vez, uma simpatia toda especial, idêntica a que noutro tempo inspirava ela própria à Leonie.36 Dona Isabel, a mãe de Pombinha, ficara bastante vexada com os rumos que a filha dera à sua vida. Mesmo assim foi morar com ela e, depois de algum tempo, diz-nos o narrador, morreu de desgosto. Os outros moradores do cortiço, no entanto, não parecem se importar com a profissão de sua antiga vizinha. O trecho aponta para a permanência de uma solidariedade franca e popular entre os moradores do cortiço. O poder econômico da prostituta (como ocorrera antes com Leonie) lhe confere prestígio e liderança. O narrador se apressa em avançar sua tese naturalista, desta vez sugerindo que a vida é feita de ciclos naturais e inexoráveis. O ciclo aqui é o de criação e recriação de prostitutas como resultado de desamparos e desequilíbrios, no caso uma cadeia que começa com Leonie, passa por Pombinha e prossegue com a filha de Jerônimo: “a cadeia continuava e continuaria interminavelmente; o cortiço estava preparando uma nova prostituta naquela pobre menina desamparada, que se fazia mulher ao lado de uma infeliz mãe ébria”37. O cortiço como um nascedouro de prostitutas funciona bem como tese naturalista, mas vai de encontro ao que dizem quase todos os personagens do romance. As duas prostitutas da obra o são por escolha própria e parecem satisfeitas com suas escolhas. Talvez as criaturas de O cortiço não ilustrem muito bem as teses naturalistas do narrador. Esse discurso fracionado comporta, ao mesmo tempo, uma voz que passa julgamentos médico-moralizantes esporádicos e outra voz popular que, nascida da solidariedade entre os moradores do cortiço, aceita com naturalidade e até simpatia a prostituição e a homossexualidade. O interesse do romance reside nessa dupla voz que é, sem dúvida, a de que é, sem dúvida, a de Aluísio Azevedo. Possivelmente, mais expressiva do que as teses médicas, a ambigüidade de Aluísio Azevedo no tratamento da prostituição em O cortiço dramatiza, em suas linhas gerais, a postura que a sociedade carioca assumia diante da questão nas últimas décadas do século XIX. Apesar de ter sido um tema freqüente de debate entre as elites profissionais e os representantes dos poderes públicos, medidas de controle da prostituição no Rio de Janeiro nunca foram claramente definidas 38. O Código Penal de 1890 considerava ilegal somente a cafetinagem, enquadrando desse modo a prostituição numa zona ambígua de semilegalidade que, ao mesmo tempo em que não salvaguardava as meretrizes de serem presas sob a acusação de vagabundagem ou por provocarem por provocarem desordem, dava-lhes a oportunidade de tirar vantagens das brechas da lei e manter seus negócios em funcionamento39. Muitas das mais renomadas madames (como a personagem Leonie) viviam sob a proteção de juristas e políticos poderosos que freqüentavam os bordéis de luxo da cidade. Na década de 1890, quando O cortiço foi publicado, o advogado Evaristo de Moraes – autor, em 1921, de um trabalho anti-regulamentarista sobre a prostituição40 – defendeu com sucesso uma série de prostitutas afetadas por batidas policiais seguidas de ordens de despejo41. No Brasil, se lemos com atenção o tratamento que a mais importante manifestação da literatura naturalista no país dá ao tema da prostituição, percebemos que O percebemos que O cortiço incorpora a franqueza, mas passa ao largo do discurso médico-científico, muito embora ocasionalmente faça breves restrições morais ao tema. Essas restrições, entretanto, não desestabilizam a simpatia geral com que o romance e seus personagens encaram as sexualidades indisciplinadas. Isso é resultado, sugere Peter Frye, da capacidade de Aluísio Azevedo de transmitir representações sobre a marginalidade social a partir da lógica interna destes “outros” sociais. Sem rejeitar em bloco o paradigma das teorias deterministas de que era contemporâneo, o autor consegue, no entanto, matizá-lo de modo a retratar com sensibilidade e respeito relativos a prostituição e a homossexualidade, passando, ao mesmo tempo, breves juízos médico-moralizantes: “O resultado é um discurso resultado é um discurso essencialmente contraditório, caindo ora no determinismo biológico, ora naquilo que mais tarde irá constituir a tradição antropológica que hoje conhecemos”42. Se é verdade que no século XIX a prostituta entra para a lista negra da higiene, tudo indica que, no Brasil, as políticas higienistas relacionadas à prostituição, quando foram formuladas, encontraram grandes dificuldades para se tornarem lei. E daí para o cumprimento da lei, outro abismo se interpõe entre o discurso e a prática, como mandava e manda a tradição brasileira43. Até pelo menos a década de 1920 – tempos áureos da prostituição supervisionada na zona do Mangue – todos os ataques aos horrores morais e médicos do meretrício parecem ter sido como as bravatas sido como as bravatas de Aluísio Azevedo, que chama o que fazem Leonie e Pombinha de “ofício abjeto”, ao mesmo tempo em que cria os dois raros exemplos de prostitutas que, na ficção do século XIX, sobrevivem ao final das narrativas que contam suas histórias. 1 Em conhecido estudo sobre o romance, o crítico empreende uma análise da obra que se constrói a partir da oposição entre o cortiço (conjunto simples = natureza) e o sobrado (conjunto complexo = cultura). João Romão transita de um a outro como elemento dinâmico de passagem. Cf. Affonso Romano de Sant’anna. Análise estrutural de romances brasileiros. Petrópolis, Vozes, 1973. p. 97-115. 2 Leonardo Mendes. O retrato do imperador: negociação, sexualidade e romance naturalista no Brasil. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2000. p. 216. 3 Aluísio Azevedo. O cortiço. Rio de Janeiro, Americana, 1973. p. 120-121. 4 Azevedo, 1973, p. 121. 5 Azevedo, 1973, p. 122. 6 Azevedo, 1973, p. 123. 7 Azevedo, 1973, p. 124. 8 Azevedo, 1973, p. 149. 9 Azevedo, 1973, p. 149-153. 10 Azevedo, 1973, p. 152. 11 Azevedo, 1973, p. 153. Herculano Augusto Lassance Cunha. Dissertação sobre a prostituição, em particular na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Typographia Imparcial de Paula Brito, 1845. p. 17. 12 13 Lassance Cunha, 1845, p. 24. Luís Carlos Soares. Rameiras, ilhoas, polacas. A prostituição no Rio de Janeiro do século XIX. São Paulo, Ática, 1992. p. 84. E Rachel Soihet. Condição f eminina e f ormas de violência. Mulheres pobres e ordem urbana 1890-1920. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1989. p. 200. 14 15 Lassance Cunha, 1845, p. 17-18 . Jurandir Freire Costa. Ordem médica e norma f amiliar. Rio de Janeiro, Graal, 1989. p. 265. 16 Margareth Rago. Do cabaré ao lar. A utopia da cidade disciplinar, Brasil 18901930. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985. p. 92. 17 Sérgio Carrara. A luta antivenérea no Brasil e seus modelos. In: Richard Parker & Maria Barbosa (org.). Sexualidades brasileiras. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1996. p. 20. 18 19 Elaine Showalter. Syphilis, sexuality and the fiction of the fin de siècle. In: Ruth Bernard Yeazell (ed). Sex, politics, and science in the nineteenth-century novel. Baltimore, The Johns Hopkins University Press, 1986. p. 104. Irene Gammel. Sexualizing power in naturalism. Calgary, University of Calgary Press, 1994. p. 3. 20 21 Émile Zola. Naná . Lisboa, Europa-América, s. d. p. 29. 22 Zola, op. cit., p. 144. 23 Zola, op. cit., p. 311. 24 Zola, op. cit., p. 311. Margareth Rago. Prostituição e mundo boêmio em São Paulo (1890-1940). In: Richard Parker & Maria Barbosa (org.). Sexualidades brasileiras. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996. p. 58. 25 Valéria Demarco. A cortesã do Império. Lucíola: um perfil de Alencar. São Paulo, Martins Fontes, 1986. p. 148. 26 Num breve ensaio sobre o homoerotismo na literatura hispano-americana, Alfredo Villanueva-Collado, discutindo romances publicados até a década de 1970, aponta para o fato de que, nessas narrativas, os personagens homossexuais terminam sempre sendo assassinados, cometendo suicídio ou enlouquecendo. Alfredo Villanueva-Collado. Machismo vs. Gayness. Gay Sunshine. San Francisco, nº 29-30, 1976. p. 22. 27 Os vetos puritanos alastraram-se até as traduções americanas de romances naturalistas de outros países. Quando, em 1926, O cortiço apareceu em tradução nos EUA, todas as passagens tratando abertamente de sexo haviam sido 28 deliberadamente suprimidas. João Sedycias. The naturalistic novels of the nex world: comparative studies of Stephen Crane, Aluisio Azevedo and Federico Gamboa. New York, University Press of America, 1993. p. 58. 29 Sedycias, 1993, p. 51. A falta de rigor na delimitação do que era e do que não era aceitável também se manifestava na geografia sexual da cidade do Rio de Janeiro, onde “não existiam limites muito precisos entre o espaço da prostituição – identificado com a imoralidade – e o espaço da família – identificado com a moralidade”. Magali Engel. Meretrizes e doutores. Saber médico e prostituição no Rio de Janeiro (1840-1890). São Paulo, Brasiliense, 1989. p. 37. 30 31 Engel, 1989, p. 27. Margareth Rago. Os prazeres da noite. Prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo (1890-1930). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991. p. 37. 32 33 Azevedo, 1973, p. 251. 34 Azevedo, 1973, p. 252. As relações entre a escravidão e a prostituição foram exploradas pelo Dr. Herculano Lassance Cunha em sua tese pioneira. O autor sugere que, no Rio de Janeiro, a causa específica da prostituição seria a escravidão, que conteria em si os males que conduzem à degradação moral. Cf. p. 26-33. 35 36 Azevedo, 1973, p. 252. 37 Azevedo, 1973, p. 252. 38 Sueann Caulfield. The birth of Mangue: race, nation, and politics of prostitution in Rio de Janeiro, 1850-1942. In: Daniel Balderston & Donna Guy (ed). Sex and sexuality in Latin America . New York, New York University Press, 1997. p. 86. Sandra Lauderdale Graham. House and street. The domestic world of servants and masters in nineteenth-century Rio de Janeiro. Austin, University of Texas Press, 1992. p. 132. 39 Evaristo de Moraes. Ensaios de Patologia Social: vagabundagem, alcoolismo, prostituição, lenocínio. Rio de Janeiro, Livraria Editora de Leite Ribeiro e Maurillo, 1921. Cf. Carrara, 1996, p. 28. 40 41 Caulfield, 1997, p. 91. 42 Peter Frye. Leonie, Pombinha, Amaro e Aleixo: prostituição, homossexualidade e raça em dois romances naturalistas. In: Alexandre Eulálio (org.). Caminhos cruzados. Linguagem, antropologia e ciências naturais. São Paulo, Brasiliense, 1982. p. 36. Ao estudar processos de crimes sexuais ocorridos no Rio de Janeiro entre 1900 e 43 Ao estudar processos de crimes sexuais ocorridos no Rio de Janeiro entre 1900 e 1913, a historiadora Martha Esteves detectou, na mesma linha, a distância que separava os discursos médicos oficiais e os valores morais dos populares da cidade. Segundo a autora, “o projeto sexual civilizador das elites médicas e jurídicas da virada do século” não conseguiu impedir que grande parte da população vivesse à margem da “família higiênica”. Martha Esteves. Meninas perdidas. Os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989. p. 205.