ÍNDICE POR ORDEM ALFABÉTICA SEPARADO POR TIPO DE APRESENTAÇÃO
01
Temas Livres……………………………………………………………………………………………. 06
02
Comunicações Temáticas……………………………………………………………………….. 29
03
Mesas Redondas……………………………………………………………………………………... 41
04
Cursos………………………………………………………………………………………………………... 63
05
Painéis………………………………………………………………………………………………………. 70
06
Fórum Especial………………………………………………………………………………………… 113
TEMAS LIVRES………………………………………………………………………………06
01
Adolescentes em situação de risco e o processo de vinculação psicossocial
- Maria Carolina Gatti (B. TL09 ……………………………………………………………………….
07
02
A oficina terapêutica do brincante: do desenvolvimento emocional da criança
a um espaço para a implementação da interdisciplinaridade (CAPs Cria SJRP) Thiago Henrique Bomfim; Jane Coelho Macedo; Cristiane Perpétua do Amaral;
Flávia Torres de Lima; Melina Markies (D. TL19)………………..………………………………
09
03
Configurações Vinculares: estudo de caso de uma adolescente em
processo de reabilitação psicossocial - Cristiane Perpétua do Amaral; Flávia
Torres de Lima; Jane Regina Q. Coelho Macedo; Melina Markies; Thiago
Henrique Bomfim (D. TL20)………………………………………………………..………………………. 10
04
Encontros, expressões e laços sociais - Alba Regina de Souza Bastos Freitas;
Rosenéia Braz de Souza (A. TL03)……………………………………………………………………….. 11
05
Grupo de discussão para pessoas no processo judicial de separação
conjugal - Juliana Maria Guazzelli Pereira da Silva Arantes (B. TL 10)………..….
13
06
Os grupos dentro de uma empresa: possibilidades de lidar com o sofrimento
no trabalho - Maria Antonieta Pezo (A. TL05)…………………………………………..……….
17
07
Origens e funções dos sentimentos de culpa - Antonio Fyskatoris (C. TL13)……..
19
08
Sobre a função analítica do terapeuta de grupo: Considerações iniciais Andreza V. Buzaid (C. TL11)………………………………………………….……………………………
21
09
Teoria e Prática – uma questão da Psicologia Institucional – Lilian A. A.
Veronese (D. TL17)……….………………………………………………………………………………………
10
Um Estudo Sobre a Evolução de Vínculos Amorosos Originados de
Relacionamentos Virtuais - Carla Pontes Donnamaria; Antonios Terzis(B.
TL08)…………………………………………………………………………………………………………………….
24
26
COMUNICAÇÕES TEMÁTICAS…………………………………………………………….29
01
A importância do VÍNCULO na (Re) Habilitação Educacional – Regina Lúcia
Franco Fernandes (MCT01)……………………………………………………………………………………
30
2
02
03
04
Considerações sobre o real, o simbólico e o imaginário na situação de grupo
-Tiago Corbisier Matheus ( CT03)…………………………………………………………………………
33
O uso da sedução, manipulação, pressão e outras violências pelos Gestores
no trabalho organizado. Como falar em vínculos adequados? Mais conviver é
preciso! - Juan Adolfo Brandt (MCT03)………………………………………………………………… 35
Uma possível dobra no tempo – (Guga Dorea) (MCT01)………………………………………
38
MESAS REDONDAS………………………………………………………………………..41
01
A invasão das novas formas de comunicação no setting terapêutico – Ruth
Blay Levisky e Maria Cecília Rocha da Silva (MR02)…………………………………………… 42
02
Cenários: reflexões sobre família e drogadicção - Sílvia Brasiliano (MR05)….
45
03
Como trabalhamos com grupos – Luiz Carlos Osório (MR03).……………………………….
47
04
Como trabalhamos com grupos de pacientes somáticos - Edilberto Maia (MR03).
49
05
CUIDADORES – um vínculo complexo – descobertas de uma experiência Grupal –
Ada Maria Riberti e Alaíza Helena S. R. Citrângulo (MR04)…………………………………
51
06
Equipe multiprofissional, interdisciplinariedade,
transdisciplinariedade
e
saúde: desafios do nosso tempo – Maria de Lourdes Feriotti (MR04)..…..………….. 53
07
O CAPSi como lugar de convivência - Amaury Tadeu Rufatto e Rose Pompeu
de Toledo (MR04)………………...……………………………………………………………………………….
55
Orientação profissional para pessoas em situação psicótica: uma estratégia
Grupal – Marcelo Afonso Ribeiro (MR01)…….………………………………………………………..
56
08
09
Psicoterapia de Grupo das Patologias Pós-modernas: Transtorno Alimentar –
Carlos Alberto Sampaio Martins de Barros (MR06)………………………………………………. 59
10
Transformando as demandas sociais em espaços terapêuticos – Ana Margarida
Tischler Rodrigues da Cunha e Marilda Goldfeder (MR02)…………………………………… 61
3
CURSOS………………………………………………………………………………………….63
01
Até onde vai o corpo? - Lazslo Antonio Ávila (C2)………………………………………………
64
02
Curso sobre Casais – Alguna Idea acerca de las problemáticas vinculares Janine Puget (C4)…………………………………………………………………………………………………
66
03
Tutoria e práticas inclusivas - José Pacheco (C1)……………………………………………….
67
04
Vínculos, diálogos e vivência com a diversidade, na perspectiva do pensamento
complexo - Maria de Lourdes Feriotti C5)…………………………………………………………..
68
PAINÉIS…………………………………………………………………………………………70
01
Abuso Sexual contra Crianças: diagnóstico psicológico pericial sob o
olhar psicanalítico – Silvia Maria Bonassi e Osana Noujain Ramos Nitani (C.
P28)………………………………………………………………………………………………………………………
72
02
A importância do apoio aos familiares de portadores da Doença de
Alzheimer - Maria Carolina Gatti (C.P21)…………………………………………………………….
75
Grupo de Orientação e oficinas de pais: alternativas possíveis no CAPSi
- Jane Regina Q. Coelho Macedo; Cristiane Perpétua do Amaral; Flávia
Torres de Lima; Melina Merkies; Thiago Henrique Bomfim (C. P22)…………………..
77
03
04
05
06
07
Grupo de Pessoas com Diabetes Mellitus na ótica da educação em saúde –
Camila Rezende Pimentel, Valmir Aparecido de Oliveira, Manoel Antônio dos
Santos, Maria Lúcia Zanetti (B. P.10)…………………………………………………………………. 78
Grupo de Reflexão: o desafio do trabalho de grupo em serviço de apoio
Escolar - Marisa Machado Cavallieri e Érika Arantes de Oliveira (B. P09)………….
82
Grupos de Reflexão – aspectos teóricos e vivenciais – Maria Amélia Andrea e
Beatriz Silvério Fernandes (C. P24)………………………………………………………………………
84
Holding e Continência: A experiência de um Grupo de Reflexão com
Monitoras em um abrigo - Carla Lam (A. P03)……………………………………………….. 87
4
08
O atendimento grupal e as configurações vinculares no serviço de saúde
pública – Carla Lam; Mary Lise Moyses Silveira; Marcílio Sandoval Silveira;
Mariângela Mendes de Almeida; Luciane Faccini; Conceição Aparecida
Nazareth (A. P08)…………………………………………………………………………………………………
90
09
Obesidade e grupo: a contribuição de Merieau-Ponty - Valmir Aparecido de
Oliveira e Camila Rezende Pimentel (B. P11)………………………………………………………. 94
10
O elemento transicional como fator de vinculação na oficina terapêutica:
Relato de experiência no CAPSi - Ana Carolina Nicoletti (C. P. 26).…………….
98
11
O grupo com autistas como instrumento psicoterapêutico - André Apolinário
Silva Marinho (A. P01)……………………………………………………………………………………………
101
12
Percepções da família sobre a anorexia e bulemia nervosa - Laura Vilela e 104
Souza; Manoel Antonio dos Santos; Fábio Scorsolini Comin (B. P17)………………….
13
Prevenção em escolas: do ideal ao possível - Luciana Slaviero Pinheiro
Cerdeira; Mônica Lazzarini Ferreira Valente (B. P14)…………………………………………. 108
14
Reconstruindo a história familiar: uma experiência de atendimento familiar
breve com pacientes dependentes de álcool e outras drogas – Mônica Lazzarini
Ferreira Valente (B. P 15)…………………………………………………………………………………….. 110
Fórum Especial…………………………………………………………………………….113
FÓRUM SOBRE O FUTURO DAS FAMÍLIAS E GRUPOS (F2) De qué futuro hablamos?
5
TEMAS LIVRES………………………………………………………………………………06
01
Adolescentes em situação de risco e o processo de vinculação psicossocial
- Maria Carolina Gatti (B. TL09 ……………………………………………………………………….
07
02
A oficina terapêutica do brincante: do desenvolvimento emocional da criança
a um espaço para a implementação da interdisciplinaridade(CAPs Cria SJRP) Thiago Henrique Bomfim; Jane Coelho Macedo; Cristiane Perpétua do Amaral;
Flávia Torres de Lima; Melina Markies (D. TL19)……………………….……………………….. 09
03
Configurações Vinculares: estudo de caso de uma adolescente em
processo de reabilitação psicossocial - Cristiane Perpétua do Amaral; Flávia
Torres de Lima; Jane Regina Q. Coelho Macedo; Melina Markies; Thiago
Henrique Bomfim (D. TL20)………………………………………………………..……………………… 10
04
Encontros, expressões e laços sociais - Alba Regina de Souza Bastos Freitas;
Rosenéia Braz de Souza (A. TL03)……………………………………………………………………….. 11
05
Grupo de discussão para pessoas no processo judicial de separação
conjugal - Juliana Maria Guazzelli Pereira da Silva Arantes (B. TL
10)…………….…………………………………………………………………………………………………………. 13
06
Os grupos dentro de uma empresa: possibilidades de lidar com o sofrimento
no trabalho - Maria Antonieta Pezo (A. TL05)…………………………………………..……….
17
07
Origens e funções dos sentimentos de culpa - Antonio Fyskatoris (C. TL13)……..
19
08
Sobre a função analítica do terapeuta de grupo: Considerações iniciais Andreza V. Buzaid (C. TL11)………………………………………………….……………………………. 21
09
Teoria e Prática – uma questão da Psicologia Institucional – Lilian A. A.
Veronese (D. TL17)……….……………………………………………………………………………………..
10
24
Um Estudo Sobre a Evolução de Vínculos Amorosos Originados de
Relacionamentos Virtuais - Carla Pontes Donnamaria; Antonios Terzis(B. 26
TL08)…………………………………………………………………………………………………………………….
6
(B. TL09)
ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO E O PROCESSO DE VINCULAÇÃO PSICOSSOCIAL
Maria Carolina Gatti
O Projeto de Exploração Sexual e/ou Risco inserido no CRAMI – Centro Regional de
Atenção aos Maus Tratos na Infância - atende crianças e adolescentes que sofreram violência
sexual e são notificados através dos Conselhos Tutelares, Vara da Infância e Juventude,
Delegacia de Polícia da Mulher do município de São José do Rio Preto e do Disque 100.
A violência sexual, que inclui o abuso e a exploração sexual de crianças e
adolescentes manifesta-se de forma complexa, apresentando dimensões que precisam ser
compreendidas articuladamente. Devem-se considerar aspectos sociais, culturais, econômicos,
históricos, políticos, jurídicos e éticos de nossa sociedade, bem como a diversidade cultural
existente no país (TEIXEIRA E NOVAES, 2004).
Segundo Yunes e Szymanski (2001), os fatores de risco referem-se a situações objetivas de
vida, consideradas como estressoras do desenvolvimento infantil. Dentre elas são apontadas a
pobreza e a violência durante a infância e adolescência. Ressaltam ainda que os riscos não
devem ser compreendidos de forma estática, mas sim do ponto de vista dinâmico (LIBÓRIO,
2005).
Tomando como referência as adolescentes do grupo operativo do CRAMI que estão em
situação de risco, este trabalho pretende refletir sobre o processo de vinculação entre as
mesmas e o seu contexto psicossocial.
Através de entrevista realizada com as adolescentes que freqüentam o grupo, foi
observado em relação à faixa etária que houve uma predominância da idade média de 15 anos.
No que se refere à origem sócio-econômica das adolescentes e sua famílias foi observado que na
maioria dos casos (04, das 05 adolescentes) suas famílias residem em regiões do município
caracterizadas como de exclusão social, apresentando problemas sociais e vivendo em condição
de privação econômica. Com relação à escolaridade, foi constatado que das 05 adolescentes
apenas 02 freqüentavam a escola regularmente e as outras 03 haviam abandonado os estudos.
Na questão da saúde, as adolescentes relataram procurar assistência médica quando acham
necessário e procuram tirar as dúvidas que freqüentemente possuem. Relatam ainda que
conseguem estabelecer um bom contato com a equipe das unidades básicas de saúde as quais
freqüentam. Dentre as 05 adolescentes, 02 demonstram desejo de engravidar logo e este é um
tema constantemente discutido nas sessões do grupo.
No que se refere à caracterização dos vínculos afetivos estabelecidos entre as
adolescentes e suas famílias, foi observado que há o predomínio de conflitos familiares desde a
infância que se intensificaram na puberdade. As 05 adolescentes relataram que a família não
realiza nenhuma atividade junta, cada um se envolve com as suas coisas individualmente. Cabe
ressaltar que os pais são citados como violentos e muitas vezes usuários de drogas lícitas e em
alguns casos, também de drogas ilícitas como a maconha.
Em relação aos vínculos estabelecidos com os amigos estas demonstram ter facilidade de
fazer amizade, entretanto têm dificuldade de estabelecer confiança e acolhimento,
principalmente quando os vínculos familiares estão frágeis e/ou rompidos. Nestes casos quando
os vínculos com os amigos não atendem suas expectativas, elas se decepcionam e tentam
retomar o contato afetivo com os familiares, que devido a toda vivência complicada e frágil, não
se dá de maneira suficientemente boa para que a situação de risco seja superada.
Conseqüentemente essas meninas permanecem envolvidas em situações que as mantém em
risco, levando-as a vivências de alto risco, como o envolvimento com traficantes e aliciadores.
7
Diante do contexto exposto de violência doméstica, psicológica e sexual podemos
constatar que essas adolescentes se permitiram vincular de maneira afetiva à equipe técnica que
as acompanham através de um atendimento psicossocial. Este atendimento compreende a busca
e o contato com toda a rede de apoio dessa adolescente e da sua família, como a saúde, a
educação e a assistência social. Entendemos que por este motivo essas adolescentes se sentem
acolhidas e protegidas podendo assim vivenciar suas dúvidas, angústias, alegrias e tristeza
compartilhando umas com as outras no trabalho de grupo realizado semanalmente na CRAMI.
Referências Bibliográficas
LIBÓRIO R. M. C. Adolescentes em situação de prostituição: uma análise sobre a exploração
sexual comercial na sociedade contemporânea. Psicologia: Reflexão e Crítica, Rio Grande do
Sul, v. 18(3), p.413-420, 2005.
TEIXEIRA L. C. & NOVAES E. B. Acompanhamento psicossocial de adolescentes: uma metodologia
inovadora no enfrentamento da exploração sexual. São Paulo: Casa do Psicólogo, v.1, p. 291311, 2004.
8
(D. TL19)
A OFICINA TERAPÊUTICA DO BRINCANTE: DO DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL DA CRIANÇA A
UM ESPAÇO PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA INTERDISCIPLINARIDADE (CAPS Cria SJRP)1*
Thiago Henrique Bomfim1
Jane Coelho Macedo2
Cristiane Perpétua do Amaral3
Flávia Torres Lima4
Melina Markies5
O Centro de Atenção Psicossocial infantil (CAPSi) pode ser definido como um serviço de
saúde aberto de referência e tratamento interdisciplinar de crianças e adolescentes que sofrem
com transtornos mentais, cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua permanência em um
dispositivo de cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida.
Devido a essas características, o atendimento em grupo vem ao encontro das demandas
trabalhadas em uma instituição cujo objetivo principal é a reabilitação psicossocial. Assim,
pode-se apontar que a oficina terapêutica é um dos principais dispositivos desse tratamento, na
medida em que se constitui como atividades grupais de socialização, expressão e inserção social.
A partir de um aporte teórico psicanalítico e construtivista, pode-se dizer que o brincar é
a linguagem típica da criança e um modo simbólico a partir do qual questões-chave do
desenvolvimento emocional infantil podem ser trabalhadas.
Deste modo, o objetivo desse trabalho é apresentar um relato de experiência das
atividades desenvolvidas em uma oficina terapêutica em que o brincar constitui-se como um
meio de implementação da reabilitação psicossocial e em que medida a oficina torna exeqüível
a prática da interdisciplinaridade no tratamento em saúde mental. As atividades são
desenvolvidas por uma equipe interdisciplinar no CAPS Cria Duas Vendas, um CAPS infantil da
Secretaria Municipal de Saúde e Higiene da cidade de São José do Rio Preto (população de
aproximadamente 400.000 habitantes).
Conclui-se que a oficina terapêutica do brincante é uma ferramenta para a criação de
situações terapêuticas nas quais a criança manifesta novos comportamentos e capacidades,
estimulando o seu crescimento emocional, em termos de auto-imagem, socialização, linguagem
verbal e não-verbal e controle da impulsividade e agressividade.
Por fim, concluímos que a oficina é um dispositivo em que a interdisciplinaridade tornase factível, uma vez que muitas questões relevantes para o tratamento sob a ótica dos diversos
profissionais podem ser trabalhadas ao mesmo tempo em um ambiente grupal e único.
__________________________
1
* A Coordenação do congresso optou por publicar este resumo, ainda que, bem menor do que o solicitado para
beneficiar os congressistas, com alguma informação.
1. Psicólogo, mestre em Epistemologia da Psicanálise pela UFSCar.
2. Assistente Social, Aprimoramento em Saúde Pública pela UNESP/Presidente Prudente, Especialista em Violência
Doméstica pela USP/SP, em formação em Terapia Familiar - Orientação Sistêmica, e gerente do serviço.
3. Enfermeira
4. Terapeuta Ocupacional
5. Fonoaudióloga, especialista em Saúde Publica e Saúde da Família/CAPS Cria Duas Vendas/Secretaria Municipal de
Saúde e Higiene de São José do Rio Preto, SP.
9
(D. TL20)
CONFIGURAÇÕES VINCULARES: ESTUDO DE CASO DE UMA ADOLESCENTE EM PROCESSO DE
REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL 1*
Cristiane Perpétua do Amaral1
Flávia Torres Lima2
Jane Coelho Macedo3
Melina Markies4
Thiago Henrique Bomfim5
Este trabalho tem o objetivo de apresentar um estudo de caso de uma adolescente
inserida, desde 2005, no CAPS CRIA Duas Vendas, um dos CAPSi da cidade de São José do Rio
Preto – SP. A adolescente R. apresenta um quadro de esquizofrenia com sintomas positivos
desde os 15 anos de idade e antecedentes de transtorno psicótico na família.
Sua mãe não fez o pré-natal e tentou aborto durante a gestação. A avó paterna possui a
guarda legal da adolescente desde seus primeiros dias de vida, uma vez que a mãe era
negligente e agredia a filha fisicamente. Além da avó, R. reside com seu avô, sendo que a renda
da família é precária.
A adolescente tem histórico de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e escolar.
Iniciou processo escolar na 1ª série, com dificuldades de adaptação e reprovou várias vezes,
abandonando a escola na 4ª série do Ensino Fundamental. Dificuldades de interação social
também sempre foram presentes. Ela veio encaminhada ao serviço com queixas de alteração de
humor, alterações de sono, isolamento social, alucinações auditivas e visuais. Ao longo dos 3
anos de acompanhamento psicossocial, a adolescente e familiares foram inseridos em oficinas
terapêuticas semanais, grupos de orientação de pais, grupo de orientação sobre medicação,
atendimento psicológico e acompanhamento psiquiátrico, bem como a reorganização da rede de
cuidado, principalmente com a educação.
Considerando que no início dos atendimentos a adolescente somente comparecia às
consultas médicas individuais, e mesmo assim não fazia uso regular das medicações, em suas
rediscussões de Projeto Terapêutico Individual/Singular, o trabalho da equipe multiprofissional
voltou-se de maneira mais estreita ao modo como seus vínculos sociais estavam sendo
estabelecidos. Diante disso foi vista a necessidade de implementação de outros atendimentos
e oficinas com a co-responsabilidade da adolescente e sua família em seu projeto terapêutico.
Hoje, o quadro da paciente encontra-se estabilizado, tendo diminuído o número de passagens
pela emergência psiquiátrica no pronto-socorro, uma vez instaurada uma melhora significativa
em seus vínculos. Atualmente, R. está em processo de transição para o CAPS adulto da cidade.
Deste modo, concluímos que o trabalho interdisciplinar das configurações vinculares é uma
importante ferramenta para a humanização do tratamento em Saúde Mental.
__________________________
1
* A Coordenação do congresso optou por publicar este resumo, ainda que, bem menor do que o solicitado para
beneficiar os congressistas, com alguma informação.
1. Enfermeira
2. Terapeuta Ocupacional
3. Assistente Social, Aprimoramento em Saúde Pública pela UNESP/Presidente Prudente, Especialista em Violência
Doméstica pela USP/SP, em formação em Terapia Familiar - Orientação Sistêmica, e gerente do serviço.
4. Psicólogo, mestre em Epistemologia da Psicanálise pela UFSCar.
5. Fonoaudióloga, especialista em Saúde Publica e Saúde da Família/CAPS Cria Duas Vendas/Secretaria Municipal de
Saúde e Higiene de São José do Rio Preto, SP.
10
(A.TLO3)
ENCONTROS, EXPRESSÕES E LAÇOS SOCIAIS
Alba Regina de Souza Bastos Freitas*
Rosenéia Braz de Souza**
Segundo Costa e Figueiredo (2004), durante muitos anos a psiquiatria tendeu a focalizar
apenas a doença, procurando a remissão de sinais e sintomas, através do tratamento
medicamentoso, deixando de lado o que se poderia oferecer ao paciente para que este, de
algum modo, pudesse ultrapassar sua condição de excluído sociamente e dependente do sistema
institucional. Na proposta da Reforma Psiquiátrica surgem novas modalidades de assistência ao
portador de transtorno mental grave, onde estão inseridos os Centros de Atenção Psicossocial CAPS. Estes serviços apresentam os ideais de ressocialização e reintegração dessas pessoas a
uma rede comum de significados cotidianos partilhados socialmente. Dentro destes ideais criamse nesses serviços grupos e oficinas com tal finalidade.
“Um grupo é um invólucro que mantém indivíduos juntos. Sem a contribuição desse
invólucro temos somente uma agregação humana mas não um grupo. Um invólucro que contém
os pensamentos, as palavras e as ações, possibilita a constituição de um espaço intenso pelo
grupo, que traz um sentimento de liberdade e garante a manutenção das trocas dentro do
grupo” (ANZIEU, 1990).
O propósito deste trabalho é relatar a experiência vivenciada em um grupo denominado
“Grupo de Expressões” num serviço público municipal – Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)
“Dr. Nelson Fernandes” do município de Araraquara – SP, destinado ao atendimento de usuários
com transtorno mental grave.
O grupo surgiu da necessidade de trabalhar as emoções dos usuários do serviço sem se
preocupar com a técnica e sim com a livre expressão de seus sentimentos. Criado há cinco anos,
o grupo passou por várias transformações na metodologia do trabalho, porém, mantiveram-se os
objetivos iniciais.
O “Grupo de Expressões” caracteriza-se por um grupo aberto e os usuários, portadores de
transtorno mental grave, são encaminhados pelos profissionais da equipe como parte do projeto
terapêutico construído em conjunto (usuário/profissional). Por grupo aberto entende-se que a
qualquer momento podem entrar novos usuários ou os mesmos terem alta. O movimento do
grupo é facilitado pela heterogeneidade, o que provoca a administração das dificuldades
advindas das diferentes personalidades, patologias e problemas (KACHIS, 1976). O encontro
ocorre semanalmente, às quartas feiras, com duração de uma hora e meia, sendo coordenado
por uma psicóloga e uma enfermeira. È constituído por vinte cinco a trinta pessoas. Na inserção
de novos integrantes os próprios participantes orientam a dinâmica e os objetivos propostos. O
serviço possui objetos, roupas, acessórios e instrumentos que estão disponíveis para a dinâmica
do grupo.
A dinâmica do grupo se inicia com a troca de informações trazidas pelo grupo relacionado
a notícias, vivências e/ou acontecimentos, estejam estes próximos aos usuários ou nos meios de
comunicação. Após a discussão, o grupo escolhe quais os temas a serem discutidos nas
apresentações. De acordo com a quantidade de componentes, o próprio grupo articula o número
de subgrupos a serem formados levando em consideração os temas escolhidos. Os integrantes
são estimulados a liderarem com a formação de subgrupos e os demais escolhem em qual
subgrupo, ou com qual tema querem trabalhar. Feito isso, os subgrupos se reúnem em espaços
diferentes para discussão do tema, elaboração do quadro a ser apresentado, construção de
personagens e escolha de roupas, objetos e acessórios que darão corpo à apresentação.
Concluído este passo, enquanto alguns integrantes do grupo organizam o ambiente de forma a
delimitar o palco e a platéia, outros convidam os demais usuários, profissionais e familiares que
11
se encontram no CAPS para prestigiarem a apresentação. O próprio grupo define a ordem das
apresentações. Para as apresentações são pontuadas algumas técnicas de teatro, como falar em
voz alta, sempre de frente para a platéia e deixar claro o tema apresentado. Após as
apresentações, conforme iniciativa do próprio grupo, o grito de guerra, elaborado por eles, é
expresso como forma de fechamento dos trabalhos. Após, o ambiente é organizado por todos e
em seguida servido o lanche da tarde. É importante salientar que este lanche é preparado por
uma equipe que integra o grupo e que teve a iniciativa de tal proposta. Os ingredientes para a
confecção do lanche são doados pelos participantes. Quando novos integrantes são inseridos,
todos se apresentam, falando um pouco de si e de como funciona o grupo. Existe também uma
lista de presença para controle de freqüência e faltas. Periodicamente, a cada três meses, os
prontuários dos usuários são atualizados, levando-se em consideração seu envolvimento e
evolução no grupo. Há uma parceria com uma universidade do município no oferecimento de
campo de estágio para alunos do curso de Psicologia. Durante o ano letivo, os alunos, no máximo
dois, participam do grupo e auxiliam nas atividades e evolução dos prontuários. Neste momento
os pontos de vista dos profissionais envolvidos e dos alunos se cruzam, gerando fontes ricas de
discussão e trocas.
Percebemos durante o acompanhamento da evolução deste grupo alta taxa de adesão e
assiduidade, o que caracteriza o envolvimento e o retorno da satisfação por parte dos usuários.
O grupo gera espaços para integração social e construção de relacionamentos positivos,
contribuindo para a melhora da auto-estima de cada integrante, o que motiva os integrantes a
se interarem dos acontecimentos atuais a sua volta, provocando o exercício da cidadania. A
criatividade também é motivada ao percebermos constantes sugestões do aproveitamento do
espaço e dos materiais disponíveis e da própria elaboração da apresentação. Tem emergido no
grupo usuários líderes, os quais tomam iniciativas estimulando o trabalho e a confiança do
grupo. Esperamos com este relato de experiência motivar os serviços que trabalham com
grupoterapia na implantação do novo sem se preocupar com técnicas ou teorias e sim com o
prazer e satisfação de reconhecer em seus pacientes as potencialidades, interações
e expressões.
Referências Bibliográficas
ANZIEU, D. O grupo e o inconsciente: o imaginário grupal. Tradução de A. Fuks. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 1990.
COSTA, C. M.; FIGUEIREDO, A. C. Oficinas terapêuticas em saúde mental: sujeito, produção
e cidadania. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2004.
KACHIS, KRASWER WINICK, FOULKES. Psicoterapia de Grupo. IBRASA, 1976.
* Psicóloga – Centro de Atenção Psicossocial “Dr. Nelson Fernandes” – Araraquara-SP
** Enfermeira-Centro de Atenção Psicossocial “Dr. Nelson Fernandes” – Araraquara-SP
12
(B.TL10)
GRUPO DE DISCUSSÃO PARA PESSOAS NO PROCESSO JUDICIAL DE SEPARAÇÃO CONJUGAL
Juliana Maria Guazzelli Pereira da Silva Arantes
Compreendendo que a separação, apesar da dor, é um evento na vida como uma
oportunidade de amadurecimento e crescimento individual, de um despertar para rever
conceitos e atitudes e não como um fracasso pessoal, para ambos estão envolvidos nesse
processo, cada qual de sua maneira.
Esta etapa dolorosa da vida não se resolve apenas num rito de passagem representada
pela cerimônia da audiência onde será efetivada a aplicação de leis, numa ruptura mecânica e
isolada, desconsiderando a vida do ser humano com suas peculiaridades de ordem particular e
pessoal. Pode afetar a área psicológica, econômica e social e ser uma situação traumática
quando mal elaborada.
A partir dessas questões o profissional de serviço social sentiu a necessidade de formar o
Grupo de Pessoas em processo de Separação Conjugal, onde as pessoas poderão ter necessidades
semelhantes de ajuda, com indagações, aflições e pedido de ajuda, com os objetivos que podem
não variar tanto, utilizando finalidades operativas, com a classificação de grupos de discussão.
Podemos entender que a família, é a unidade de crescimento, de experiência; de sucesso
e de fracasso; ela também é a unidade de saúde e da doença.
A Política Nacional de Assistência Social realiza-se de forma integrada às políticas
setoriais, considerando as desigualdades sócio-territoriais, visando seu enfrentamento, à
garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à
universalização dos direitos sociais, objetiva:
● Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e, ou,
especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem.
● Contribuir com a inclusão e a equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando o
acesso aos bens e serviços sócio-assistenciais básicos e especiais, em áreas: urbana e
rural.
● Assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família,
e que garantam a convivência familiar e comunitária.
Baseando-se nos preceitos do Programa Da Política Publica De Assistência Social onde
está inserido o Programa de Atenção Integral às Famílias – PAIF. O trabalho com famílias deve
considerar novas referências para a compreensão dos diferentes arranjos familiares, superando o
reconhecimento de um modelo único baseado na família nuclear, e partindo do suposto de que
são funções básicas das famílias: prover a proteção e a socialização dos seus membros;
constituir-se como referências morais, de vínculos afetivos e sociais; de identidade grupal, além
de ser mediadora das relações dos SUS membros com outras instituições sociais e com o Estado.
Sendo assim, foi elaborado um projeto de desenvolver grupos de discussão para tratar das
questões que vão além das judiciais.
Objetivo Geral
13
O grupo tem como objetivo discutir sobre as questões das alianças desfeitas na separação
conjugal, permitindo elaborar o novo processo de vida. O objetivo fundamental não é o de
interpretar aspectos inconscientes, mas compreender a nova situação do estado civil.
É fazer circular o saber, o pensar de cada participante, despertar associações e formar
conhecimento, procurando horizontalizar o saber e a prática de cada um. Fernandez (2000).
Objetivos Específicos
1- Tentativa de compreensão do sofrimento causada pela união feita ou desfeita,
para que possa ser entendida sob um prisma pessoal e distinto do sistêmico;
2- Esclarecer temas, situações, tarefas e proporcionar algum aprendizado para o
progresso dos participantes;
3- Contribuir para analisar, rever e compreender os preconceitos e crenças, as próprias,
as estabelecidos pelos familiares e a dos amigos que observam ouvem sentem e
interpretam conforme seus referenciais, para elaborar e libertar-se de pesos
inúteis.
4- Estabilização gradativa dos sentimentos de novas perspectivas através da retomada
de projetos e realizações pessoais independentes do vínculo anterior.
Metodologia
Para este projeto será adotada a modalidade dos Grupos Operativos de Pichon-Rivière.
Estes grupos possuem uma tarefa a ser realizada que é a de esclarecer as dificuldades
individuais, romper com os estereótipos e identificar os obstáculos que impedem o
desenvolvimento do indivíduo, auxiliando para encontrar suas próprias soluções.
A atividade central em Grupo Operativo está na mobilização de estruturas
estereotipadas, na superação das dificuldades de aprendizagem e comunicação entre o emissor e
o receptor, por ansiedades devido a mudanças de situações (ansiedade depressiva - resolução de
situações de ansiedade despertadas pela mudança por perda do esquema anterior – ou ansiedade
persecutória - por ameaça do novo, do desconhecido). O esclarecimento, a comunicação e a
aprendizagem coincidem com a resolução da tarefa, ou seja, a cura (que seria a resolução de
situações de ansiedades).
Nos Grupos Operativos:
“A finalidade do grupo operativo é de mobilizar estruturas estereotipadas,
obstáculos à comunicação e à aprendizagem despertada pelo temor à mudança,
provocando, conseqüentemente, maior flexibilidade de papéis e esclarecimento
que podem facilitar o aprender a pensar e a resolução da tarefa.” (Fernandes,
Svartman, Fernandes & cols., pag. 188).
Um grupo operativo pressupõe aprendizagem. Aprender é sinônimo de mudança e em
toda mudança são mobilizados dois medos básicos: da perda e do ataque. Medo de perder o já
estabelecido, conquistado, o já estabelecido e o ataque é como ficarei numa situação não
conhecida, do que está por vir. Essas ansiedades básicas são mobilizadas em qualquer situação
de mudança, seja de valores das referências internas ou do mundo externo.
A avaliação dos processos de interação grupal é medida pela dinâmica do implícito e
explicito do grupo – são os vetores do cone invertido (CITAR), que podemos elencar como:
14
1- Afiliação e pertença – o grau de identificação dos membros com a tarefa;
2- Cooperação – capacidade de ajuda mútua e com o coordenador;
3- Pertinência – capacidade de concentração na tarefa;
4- Comunicação – diferentes formas de vinculação entre as pessoas (bode expiatório,
líder, um para todos, todos para, parcerias excludentes e todos por um)
5- Aprendizagem – capacidade de cada participante de se adaptar, de inovar e de
desenvolver condutas diante dos obstáculos;
6- Tele – sentimento de atração ou rejeição maior ou menor entre os membros.
Procedimentos:
Os encontros serão em grupo, realizados em três (03) sessões, uma vez por semana, com
duração de 01 hora e 30 minutos, com mínimo duas pessoas e máximo oito participantes.
O espaço físico utilizado para realização das reuniões será nas instalações da
universidade, na sala 21 T da clínica multiprofissional.
O público alvo serão os usuários atendidos pelo Escritório de Assistência Jurídica da
UNAERP, cujos processos de separação consensual ou litigiosa, que estejam em fase pré-judicial,
cujo processo esteja sob a responsabilidade entre um dos quatro advogados que integram a
equipe do escritório jurídico.
O convite aos encontros poderá ser transmitido aos usuários:
- pelo funcionário da recepção que faz o primeiro contato com a pessoa que procura pelo
atendimento jurídico gratuito,
- dos advogados responsáveis pelo processo e/ou os seus estagiários que realizam o
estágio prático do curso de direito,
- pela assistente social através de entrevista para realizar a triagem.
A aceitação de participação nas reuniões grupais é voluntária por parte do usuário.
Referências Bibliográficas
ANTÓN, I. L. C.. A Escolha do Cônjuge – um entendimento sistêmico e psicodinâmico. Porto
Alegre: ARTMED, 2000.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal 8069 de 13/07/1990.
A Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004. Norma Operacional Básica- NOB/SUAS.
Brasília, 2005.
FERNANDES, W. J., SVARTMAN, B. & FERNANDES. B. S. Grupos e Configurações Vinculares.
Grupos Operativos. Porto Alegre: ARTMED EDITORA S.A, 2003.
ANACLETO, M. I. C.; Terapia Familiar – Elos Entre as Concepções Analíticas e Sistêmicas.
REVISTA DA SPAGESP. Número 01, Editora Paulista, 2.000.
15
ZIMERMAN, D. E. Fundamentos Básicos das Grupoterapias. 2ª edição, Porto Alegre: ARTMED
EDITORA S.A, 2000.
FERNANDES, W. J. Alguns Aspectos do Trabalho Psicanalítico com Grupos de Discussão. REVISTA
DA SPAGESP, Número 01. Editora Paulista, 2000.
16
(TL05)
OS GRUPOS DENTRO DE UMA EMPRESA: POSSIBILIDADES DE LIDAR COM O SOFRIMENTO NO
TRABALHO
Maria Antonieta Pezo
A empresa é um espaço fértil para o trabalho com grupos, desde que haja um trabalho
prévio de reconhecimento e valorização da importância das pessoas poderem se comunicar e
falarem do trabalho, em espaços de compartilhamento de experiência, saberes e dificuldades. A
grande questão é que tipo de empresa tem interesse em favorecer a reflexão sobre as práticas
num mundo corporativo de referencias, que exige respostas e execução imediatas e efetivas.
Pede-se eficiência e cobram-se resultados, e apesar de haver um crescente reconhecimento da
importância de competências psico-afectivo-sociais, as práticas de desenvolvimento de pessoas,
ainda visam o sujeito e não o relacionamento interpessoal, grupal e organizacional. Assim, por
exemplo, se busca trabalhar o líder e a liderança - como competência adquirida ou a
desenvolver - sem considerar o funcionamento do grupo no qual esse líder estará trabalhando, e
as relações interpessoais que poderiam ou não favorecer a atuação dessa pessoa como líder. O
que é priorizado no ambiente de trabalho é o desenvolvimento da carreira do individuo e o
maior empenho é que esse sujeito que em curto ou médio prazo traga de resultados e lucro para
a empresa. Nesse panorama, observam-se alguns sintomas de sofrimento no trabalho, que não se
restringem ao absentismo, e si a situações vividas e levadas ao próprio local de trabalho, como
sintomatologia presente no corpo, e que de maneira velada fala desse corpo que sofre em
quanto vai trabalhando.
O individuo que tem dificuldades em acompanhar os avanços do mundo corporativo: que
não consegue mudar de paradigma de relacionamento e que espera receber do chefe o “como
fazer”, que se acomoda, que não conseguir alcançar resultados, se vê irremediavelmente
remetido a sua própria experiência prática e a impressão de que a incompetência é um assunto
pessoal. Portanto, deverá trabalhar se quiser mudar de paradigma, se apropriando do
desenvolvimento da própria carreira para atingir resultados para a empresa.
O tipo de funcionamento descrito prioriza ações individuais e correlativamente traz
algumas conseqüências como falta de cooperação, competição, luta por espaço pessoal sem se
importar pelos meios para conseguir-lo, e sentimentos como ciúmes e inveja.
Sonia Abadi (2005, 2007) propõe como novo paradigma o pensamento em rede, considera
que o modelo de comunicação é a conectividade, sendo o modelo freudiano de inconsciente o
protótipo. O pensamento em rede impõe algumas mudanças e valores como sair das conexões
lógicas em favor de conexões diversas e inéditas, das relações causais para as múltiplas e
inesperadas possibilidades de relação; do desenvolvimento seqüencial para a associação de
idéias, da delimitação de fronteiras para a conexão com diversos campos, da realização
concreção para a fantasia e imaginação (ABADI, S. 2007, p. 35).
O trabalho com grupos dentro de uma empresa surge de uma experiência onde foi
constatado de que alguns fenômenos tidos como individuais, correspondiam a formas de
funcionamento organizacional. Funcionamento que estava marcado pelos relacionamentos
autoritários, de favoritismo, de apelo ao afeto, à fidelidade e a formas de vinculação de
modelos parentais e fraternos. Imperava a rivalidade, os ciúmes e a competição, na aparência
de um discurso “neutro”, no apelo a “formalidade” do relacionamento havia uma dupla
mensagem: “trabalha e gosta do que eu te mando se quiseres continuar comigo” ou “sendo
favorecida serás chamada para horas extras”. Nesse clima de trabalho fui chamada para realizar
um trabalho com alguns funcionários que tinham algumas queixas individuais num modelo de
consultas terapêuticas, pontuais e dirigidas a trabalhar a dificuldade trazida para a consulta e,
portanto não uma psicanálise. Nesse contexto, foi sendo detectadas formas de funcionamento da
empresa que contribuíam ao sofrimento dos trabalhadores. Assim depois de escutar o sofrimento
17
de muitos que consultavam foi proposto um trabalho com alguns segmentos da organização
(chefias e supervisores).
Utilizaram-se alguns recursos além da fala, a dramatização do quotidiano e o desenho
coletivo. Em relação à dramatização do quotidiano os funcionários eram convidados a pensar
numa situação do dia a dia e que de preferência fosse vivido fora da empresa, e após a
dramatização pedida associações a experiência e estabeleciam-se vínculos com a situação de
trabalho. A experiência grafo-grupal teve diversos momentos e formatos desde desenhar aquilo
que eles desejassem e que de comum acordo ou individualmente desenvolvessem, até o convite
a rabiscar e completar com um desenho o que fosse surgindo e assim sucessivamente construindo
diversos sentidos e significados. Aqui a atuação psicanalítica supõe alguns supostos como a
importância dos objetos mediadores para a expressão de sentimentos e situações de difícil
expressão sejam por receio, medo ou desconhecimento. Os objetos mediadores entre eles o
desenho, a dramatização do quotidiano, a modelagem, e a foto-linguagem trazem para o
encontro situações desconhecidas pelos membros, que remetem a sentimentos e desejos.
Confrontados com o inesperado ou novo que os sujeitos são convidados a pensar em sua pratica e
experiência profissional. Os recursos mediadores permitem viver o encontro como um espaço
lúdico e descontraído, construir laços de confiança com o coordenador, os membros e a tarefa.
O paradigma da modernidade exige um reconhecimento da importância da conexão entre
saberes, idéias, pessoas, e o trabalho com grupos permitiriam justamente, colocar em
funcionamento a interconexão, a criatividade, a reflexão sobre as praticas, os erros os acertos,
os afetos e o corpo implicado no trabalho. Um corpo que em quanto fala daquele fazer-trabalhar
não precisa adoecer.
Conclusões
1. Apesar do reconhecimento da mudança do cenário empresarial e da importância do
valor do relacionamento interpessoal, do desenvolvimento de redes, o trabalho individual
ainda é uma prática muito utilizada no trabalho com empresas.
2. É necessário um trabalho com grupos dentro das empresas, que vise não apenas os
indivíduos e possa reconhecer alguns mecanismos de funcionamento organizacional
através dos discursos e práticas. Contribuir a uma reflexão das praticas, das dificuldades,
dos sujeitos, dos relacionamentos interpessoais e da relação dos indivíduos com a função,
as metas e práticas organizacionais.
3. Os grupos utilizam o método psicanalítico, portanto a associação livre e a atenção
livremente flutuante, a palavra, a escuta.
18
(C.TL13)
ORIGEM E FUNÇÕES DO SENTIMENTO DE CULPA
Antonio Fyskatoris1
A partir do estudo de duas obras de Sigmund Freud – “O Mal-Estar na Civilização” (1930
[1929]) e “Notas Sobre Um Caso de Neurose Obsessiva” (1909) – as idéias sobre o sentimento
de culpa, para mim, foram gradativamente se evidenciando e adquirindo significativa
relevância. A partir de então, passei a desenvolver este trabalho onde faço reflexões sobre a
essência e funções do sentimento de culpa.
Em Notas Sobre um Caso de Neurose Obsessiva, podemos observar a atuação no paciente,
de uma instância psíquica censora – superego – e conseqüente sentimento de culpa e
necessidade de punição, assim como em várias partes deste texto como, por exemplo, na parte
(G) Freud comenta:
(...) “ele praticara uma travessura, pela qual seu pai lhe batera. O
pequeno foi tomado de terrível raiva e xingara seu pai ainda
enquanto apanhava. Entretanto, como não conhecia impropérios,
chamara-o de todos os nomes de objetos comuns que lhe vinham à
cabeça e gritara: „Sua lâmpada! Sua toalha! Seu prato!‟, e assim por
diante. Seu pai, abalado com uma tal explosão de fúria natural,
parou de lhe bater, e exclamara: „O menino ou vai ser um grande
homem, ou um grande criminoso!‟ O paciente acreditava que a cena
causara uma impressão permanente tanto em si próprio como em
seu pai. Ele disse que seu pai jamais bateu nele de novo; e também
atribuiu a essa experiência parte da mudança que ocorreu em seu
próprio caráter. A partir daquela época, tornou-se um covarde, por
medo da violência de sua própria raiva. Aliás, por toda a sua vida,
teve terrível medo de pancadas, e costumava agachar-se e
esconder-se, cheio de terror e indignação, quando um de seus
irmãos ou irmãs era espancado”.
Aqui, observamos a explosão de agressividade por parte do paciente, censurada pelo seu
superego, sentimentos de medo e culpa e a necessidade de punição. Em “O Mal-Estar Na
Civilização”, no início do capítulo 8, Freud comenta:
“Nosso estudo das neuroses, ao qual, afinal de contas, devemos as
mais valiosas indicações para uma compreensão das condições
normais, nos leva de encontro a certas contradições. Numa dessas
afecções, a neurose obsessiva, o sentimento de culpa faz-se
ruidosamente ouvido na consciência; domina o quadro clínico e
também a vida do paciente, mal permitindo que apareça algo mais
ao lado dele. Entretanto, na maioria dos outros casos e formas de
neurose, ele permanece completamente inconsciente, sem que, por
isso, produza efeitos menos importantes. Nossos pacientes não
acreditam em nós quando lhes atribuímos um „sentimento de culpa
inconsciente‟. A fim de nos tornarmos inteligíveis para eles,
falamos-lhes de uma necessidade inconsciente de punição, na qual o
sentimento de culpa encontra expressão. Apesar disso, sua
vinculação a uma forma específica de neurose não deve ser
superestimada. Mesmo na neurose obsessiva há tipos de pacientes
______________________
1
Especialização em Saúde Pública e Psicopatologia/Faculdade de Saúde Pública da USP.
19
que não se dão conta de seu sentimento de culpa, ou que apenas o
sentem como um mal-estar atormentador, uma espécie de
ansiedade, se impedidos de praticar certas ações.”
Em meu trabalho proponho que, inicialmente, no desenvolvimento do psiquismo, nota-se
que o indivíduo vivencia um sistema de normas propostas pelo mundo externo, que lhe propicia
de alguma forma conforto, segurança e bem-estar. Normas essas que contém o que é
significativo para o mundo externo em suas cobranças e solicitações. E, que o sentimento de
culpa e a agressividade fazem parte da mesma compulsão, um como mantenedor do outro, e o
quanto isso pode ser prejudicial à saúde psíquica e física.
Enfatizo a influência das relações familiares na constituição deste sentimento.
Encerro minha reflexão pontuando que o sentimento de culpa retrata quais são os
verdadeiros desejos para poder se desenvolver, ou dar continuidade a um desenvolvimento
saudável do “ego”. Este sentimento serve como um norteador de para onde devemos caminhar.
Penso o sentimento de culpa como algo que pode instigar a dualidade entre “querer” e “poder”.
Quando essa dualidade é compreendida e aceita, o resultado pode ser outro. Diferente do que
muitos imaginam, podemos não ser rejeitados por ir ao encontro daquilo que pensamos nos
realizar. Talvez sejamos aceitos e verdadeiramente amados, pois nos amarão por aquilo que
realmente somos e não pelo que os outros desejam. E, estando mais próximos de um estado de
felicidade, talvez estejamos mais próximos do verdadeiro sentido da vida, conforme Freud
comenta no capítulo dois do Mal-Estar na Civilização (1929[1930]):
(...) “a que se refere àquilo que os próprios homens, por seu
comportamento, mostram ser o propósito e a intenção de suas
vidas. O que pedem eles da vida e o que desejam nela realizar? A
resposta mal pode provocar dúvidas. Esforçam-se para obter
felicidade; querem ser felizes e assim permanecer.”
20
(C.TL11)
SOBRE A FUNÇÃO ANALÍTICA DO TERAPEUTA DE GRUPO:
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Andreza V. Buzaid
Inicio esse texto com o desafio de pensar e refletir sobre a função analítica do
terapeuta de grupo, lugar complexo, repleto de expectativas, ansiedades e em constante
construção. Como a proposta é que seja um texto não muito extenso, escolho desenvolver de
maneira breve, uma reflexão sobre interpretação analítica de grupos, pois entendo que
interpretar é um recurso importante no processo da terapia, e compõe a função do analista
que tem o desafio de usar este recurso com responsabilidade e zelo.
Na busca por artigos que falassem sobre esse tema, encontrei um texto de Fernandes
(2003) que me mostrou como é complexo pensar essas questões sobre interpretações e outras
intervenções. Segundo este autor, intervenções dizem respeito a tudo o que se faz ou se diz no
grupo, são inerentes ao processo grupal e fazem parte das funções do psicoterapeuta no sentido
de auxiliar o grupo em sua evolução (p. 177).
As interpretações seriam uma comunicação verbal feita pelo coordenador do grupo,
dirigida ao grupo todo ou a membros do grupo, esperando atrair a atenção para alguns
significados que acredita que não estão conscientes, com a ajuda de sua verbalização. Outro
autor que nos ajuda a pensar a interpretação é Foulkes e para ele: “interpretar é transferir ou
traduzir alguma coisa de um contexto para outro” (in Ribeiro, 1981).
Refletindo sobre o lugar do analista e o recurso da interpretação, acredito que seja
importante considerar algumas definições de Janine Puget, pois ajudam a desenhar as
atribuições que compõe a função analítica. Segundo Puget, em um grupo terapêutico, são
desenvolvidos processos transferenciais múltiplos, os quais possibilitarão ao terapeuta conhecer
as modalidades vinculares dos pacientes, bem como a organização de seus grupos internos, assim
a interpretação poderá ser o veículo para a compreensão desses processos. Ou seja, “... a
observação das configurações grupais, o reconhecimento da particular modalidade de cada
integrante, a fina captação das mudanças e a capacidade de discriminar e tolerar a ansiedade
são a base do exercício da função analítica do terapeuta de grupo” (Puget et al., 1991, p.67).
Pensando nos trechos acima citados, percebo que dentre outras coisas, nós analistas
somos uma espécie de intérpretes, que para fazer a tradução do inconsciente precisamos saber
que no mundo subjetivo não existem exatidão e certezas. Trabalhamos com o desconhecido,
carregado de emoções e lembranças difíceis de serem acessadas, o que torna o caminho sinuoso
e, por vezes, árido.
O objetivo deste trabalho é propor uma reflexão sobre a função analítica do terapeuta de
grupo, destacando a complexidade da atividade interpretativa, baseada na psicanálise das
configurações vinculares. Articularei minhas reflexões a uma sessão de psicoterapia de um grupo
por mim coordenado. Desta forma, pretendo criar um espaço, ainda que breve, para pensar este
lugar de tanta responsabilidade.
O grupo que ilustrará minhas reflexões é atendido no Instituto Kora, que realiza
atendimento psicológico a crianças, adolescentes e adultos. Foi fundado em maio de 2007 sob
uma posição epistemológica que pensa o grupo como uma potência terapêutica e, por isso,
prioriza esta modalidade clínica.
Na sessão (apresentada na versão completa), aparece, em alguns trechos, como o vínculo
das pacientes com as respectivas chefes (plano interpessoal) está carregado de sentimentos de
raiva, impotência, desvalorização, insegurança e medo. Estas sensações e percepções que
acontecem nesta relação empregado-chefe se repete em outras relações e na forma de se
21
vincularem com outras pessoas e com o ambiente que as cerca (plano transpessoal). Por isso,
entendi que era importante ampliar a reflexão para outras relações da vida delas, e quando
digo: - Esse jeito de se calar, engolir a raiva, provavelmente acontece em outras relações;
procuro estimular esta reflexão.
As pacientes trazem o início de um movimento, demonstram a tentativa de se colocarem
de outro jeito no mundo, onde têm a percepção que merecem mais, num possível resgate da
auto-estima e auto-confiança. Isso fica claro com as seguintes falas:
- Eu tenho percebido que estou conseguindo me colocar mais, mesmo que seja
pra discordar da minha cunhada ou do meu namorado, por exemplo. Mas eles
estão estranhando, porque sempre abaixei a cabeça, mas prefiro assim, me
sinto mais eu, eu também tenho esse direito, né? (Malú).
- Com o meu ex-namorado foi assim, eu terminei, porque cansei de ficar
submissa. Eu não podia falar nada que ele já me zoava ou nem ouvia. Ah,
chega disso, quero alguém que realmente queira estar comigo. (Irene).
Na seqüência, com a seguinte fala: “Vocês estão... se colocando mais, estão se fazendo
ouvir... mas também sentem medo...”, procuro evidenciar que estão falando (nas entrelinhas),
que começam a se sentirem mais potentes, porém, são ainda mais fortes a insegurança e os
sentimentos de medo (do abandono, de não ser amada).
Considerei importante tornar acessível à consciência do grupo o que estava acontecendo
transferencialmente; as pacientes estavam durante toda a sessão falando do medo de
enlouquecer, de perder o controle sobre si e de como estavam assustadas com a possibilidade de
ter um espaço (a grupoterapia) para falar e pensar sobre elas mesmas. Como este é um grupo
novo, que está em processo de construção de uma identidade grupal, ainda frágil, tenho uma
hipótese de que as três semanas de férias mobilizaram as defesas, resistências e fantasias de
abandono. Entendo que nesta sessão que descrevi o tema “medo de enlouquecer” está
relacionado ao medo de não terem a continência para suas loucuras e ao medo do abandono.
Os sentimentos e fantasias de abandono relativo ao período de férias foram vividos de
forma dolorida e difícil. Elas demonstraram raiva, mas ao mesmo tempo não se autorizaram a
sentir raiva da terapeuta, sentimentos ambivalentes de amor e ódio e conflito para integrar o
objeto bom e mau (seguindo a teoria kleiniana). Contra transferencialmente às faltas, o grupo
que não consegue vir, também mobilizaram em mim, um sentimento de abandono e até o
momento, não tinha encontrado uma forma de fazer esses sentimentos circularem no grupo.
Este fato, mais as mobilizações das pacientes, provavelmente colaboraram para aumentar as
fantasias e resistências, e facilitam que este tema ainda esteja tão presente no grupo, mesmo
um mês após o retorno das férias.
Entendi que era preciso dar continência às falas mais agressivas, ser acolhedora e
empática com a dor que estava sendo expressa e fazer algumas interpretações sobre o que
estava acontecendo naquela sessão, como: “... o medo de enlouquecer, medo de pensar, pode
gerar medo de voltar pra terapia...”. Tais intervenções foram importantes para autorizá-las a
viver tais sentimentos em sua intensidade, colocando-as em contato com os medos latentes, o
que pode ajudá-las a continuar a grupoterapia.
Desta forma, também pude facilitar que as pacientes possam testar e fortalecer o vínculo
entre elas e comigo. Acredito que desconfianças e inseguranças fazem parte do processo de
desenvolvimento e crescimento humano e, portanto, são temas que ganham destaque no grupo
terapêutico, já que este é um espaço para chegar mais perto de si mesmo.
Através desta reflexão, procurei compartilhar e expor questionamentos que considero
importantes para o desenvolvimento da função do analista de grupo. Desenvolver a
22
capacidade de interpretar e intervir de forma a auxiliar o grupo a pensar sobre suas questões
e conflitos (propiciando diminuição de suas angústias), e desta forma, criar um espaço
continente para facilitar a construção de uma vida com mais saúde e qualidade.
Referências Bibliográficas
FERNANDES, W. J.; SVARTMAN,B. e FERNANDES, B. S. (org) [et. al] Grupos e configurações
vinculares. Porto Alegre: Artmed, 2003.
PUGET, J. et al. El grupo y sus configuraciones: terapia psicoanalítica. Buenos Aires: Lugar
Editorial, 1993.
RIBEIRO, P. Psicoterapia grupo-analítica: abordagem Foulkiana- teoria e técnica. Petrópolis:
Vozes, 1981.
WINNICOTT, D. W. Tudo começa em casa. 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
ZIMERMAN, D. E. Fundamentos Básicos das grupoterapias. 2ª Ed. Porto Alegre: Artmed,
2000.
23
(D. TL17)
TEORIA E PRÁTICA – UMA QUESTÃO DA PSICOLOGIA INSTITUCIONAL
Lilian A. A.Veronese1
Este trabalho é uma reflexão teórica a partir de uma possibilidade da prática interventiva
da psicologia no âmbito institucional.
A idéia central do trabalho surgiu de uma problemática teórica, a qual tem seus
contrapontos nas definições dos conceitos e na forma de entender o contexto institucional.
Entender e conceituar grupo é uma tarefa altamente complexa, tanto quanto o trabalho
de intervenção prático. Pichon (1998) recorre à Freud quando parte para investigação do ponto
de partida da psicologia social, e recorda que as primeiras relações humanas individuais estão
sempre integradas com o outro como modelo, isto é, a relação entre os sujeitos. Segundo o
autor a vida mental inconsciente e os vínculos internos se relacionam dialeticamente com os
objetos do mundo externo, tornando todo o estudo da psicologia com a lógica social, e não
somente individual, propondo a inter-relação do grupo interno com o externo. Segundo Bleger
(1980) há algo compartilhado no grupo que não é apenas a interação observável, o grupo é
fundamentalmente uma sociabilidade estabelecida sobre um fundo de indiferenciação ou de
sincretismo, no qual os indivíduos não têm existência como tais e entre eles atua um
transitivismo permanente (p. 104). A partir do conceito de grupo é importante determinar o que
diz o termo instituição, Georges Lapassade (1983) cita que no século XIX, na época de Marx,
instituição referia aos sistemas jurídicos, e a lei, fazendo parte de uma estreita relação com a
ideologia das forças produtivas e relações de produção. Já no século XX, o estudo das
instituições é relacionado diretamente à sociologia, sendo esta definida como uma ciência das
instituições.
Fauconnet e Mauss (apud Lapassade, 1983) afirmam que: “as instituições são um
conjunto instituído de atos ou de idéias que os indivíduos encontram à sua frente e que se
impõem mais ou menos a eles (...) entendemos, portanto, por essa palavra tanto os costumes,
os modos, os preconceitos e as superstições, quanto às constituições políticas ou as organizações
jurídicas essenciais.”p.193
Sabemos que é fundamental para o psicólogo social compreender o sujeito não como um
ser isolado em suas ações e dificuldades, mas sim um representante de um grupo social que
participa e transforma sua realidade. (Pichon, 1998)
Lapassade (1983) define - o que pode-se pensar como correspondente à psicologia
institucional - a prática psicossociológica como o cuidado das instituições através de pequenos
grupos que falam, e relaciona assim a fala reprimida desses grupos um grande instrumento de
acesso para a transformação e intervenção social.
Os dois autores citados se aproximam na medida em que compreendem a visão grupal na
prática do profissional, seja do psicólogo, ou o psicossociólogo, já que direcionam a intervenção
para o grupo compreendendo-o numa intersecção institucional.
Na análise institucional, o plano interventivo é psico-social, tomando as instituições
concretas (escolas e hospitais, por exemplo) como um foco de determinações de outras
instâncias institucionais, como sendo sempre outra coisa também, além do que se é enunciado.
(Albuquerque, 1986)
1
Orientador: Liomar Quinto de Andrade.
24
Em um contexto institucional em que o contrato de trabalho compreende uma atuação
além da concebida como, por exemplo, a psicologia escolar, qual o argumento teórico que
poderia sustentar o trabalho institucional? Se há um espaço e um lugar no qual o olhar
institucional é esperado nas intervenções do profissional da Psicologia, que tipo de enquadre
pode ser feito e argumentado na teoria da Psicologia Institucional?
Segundo Guilhon Albuquerque (1986) o objeto da teoria é a prática, estruturada de uma
forma sistemática, ao passo que o objeto da prática é o momento atual. Poulantzas o define
como “o lugar a partir do qual pode-se numa situação decifrar a unidade da superestrutura e a agir sobre ela em vista de sua transformação”. Nessas condições o autor afirma
que a prática só pode ser estruturada teoricamente.
Se o momento atual é a prática, e esta ilumina a teoria – entendo de uma forma dialética
- as intervenções estruturadas na área da psicologia são passíveis de discussões dentro de lentes
específicas que facilitam entrar em contato com a realidade a ser analisada em uma
possibilidade. Talvez relembrar que, a realidade analisada é um recorte de algo muito maior,
mesmo que no âmbito clinico, e que, o que é olhado, apesar dos grandes esforços e
distanciamentos propostos e necessários nas teorias da Psicologia, nunca corresponde
fidedignamente a um objeto real.
A reflexão não vislumbra um esgotamento da questão, muito menos um afronte ao que já
foi desenvolvido pela psicologia institucional, mas talvez uma forma diferente de entender os
conceitos, portanto outro ponto de análise, que despretensiosamente objetiva a instituição
como um sujeito de investigação do trabalho prático do psicólogo e instrumento de sua análise.
Palavras-chave: Instituições, Grupos, Práticas Institucionais.
Referências Bibliográficas
ALBUQUERQUE, J. A. G. Instituição e Poder – 2ªed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1986
BLEGER, J. Temas de Psicologia: entrevista e grupos – 2ªed. São Paulo: Martins Fontes, 1998
LAPASSADE, G. Grupos, Organizações e Instituições – 2ªed. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1983
PICHON-RIVIÉRE, E. O processo grupal – 6ªed. São Paulo: Martins Fontes, 1998
Referências Bibliográficas Complementares
BOEIRA, N. NIETZSCHE – 2ªed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2004
BLEGER, J. Psico-higiene e Psicologia Institucional – Porto Alegre: Artmed, 1984
25
(B.TL08)
UM ESTUDO SOBRE A EVOLUÇÃO DE VÍNCULOS AMOROSOS ORIGINADOS DE RELACIONAMENTOS
VIRTUAIS
Carla Pontes Donnamaria*
Antonios Terzis **
A insistência da mídia comum de que dificuldades de relacionamento e interesses em
relações parciais e voláteis estariam levando pessoas a procurar relações na Internet e, pelo
lado da academia, a carência de estudos a respeito da realidade da estabilidade de muitos dos
vínculos originados do mesmo ciberespaço, conduziram-nos a este foco de pesquisa. Conhecer
possíveis repercussões deste novo caminho de vinculação, caracteristicamente “acorporal”,
contribuirá para o discernimento das implicações do uso da Internet em relação a outros eventos
do mundo contemporâneo, para a compreensão das vicissitudes de uma vida conjugal.
Segundo Spivacow (2005), a diferença mais notável entre a escolha de objeto para uma
relação de tipo institucional/duradoura e outras formas transitórias de vida amorosa, está na
aceitação inconsciente decorrente das características da personalidade do outro que ajudem a
reforçar os mecanismos de defesa destinados a reprimir aquilo que gera angústia ao sujeito.
Deste modo, sob a hipótese de a Internet oferecer condição de acesso à personalidade do outro,
supomos que esta realização poderá ocorrer mesmo sob a interface de um computador.
É relevante observar que as relações amorosas no mundo contemporâneo sustentam-se,
mais do que em qualquer época, pela qualidade da própria relação. O casamento perdeu a
condição de instituição indissolúvel que o caracterizou no mundo moderno, para subordinar-se
ao critério de bem-estar (GIDDENS, 1993; VAITSMAN, 1994; ESCÁRCEGA e ESTRADA, 2005). Este
fenômeno tem origem anterior à inauguração do uso comercial da Internet. Deste modo, a
função deletar do computador surge num mundo já marcado por relações mais instáveis. Ou
seja, a instabilidade não decorre de seu uso.
E que experiências estariam marcando a evolução de vínculos virtuais estáveis? Para
respondermos a este questão, propomos estudar experiências emocionais de casais de orientação
heterossexual, casados, ou em união permanente, que transformaram vínculos virtuais em
vínculos conjugais, com objetivos específicos de descrever as condições do ambiente virtual
favoráveis à geração de um vínculo; analisar a evolução do mesmo, contemplando os aspectos
que se revelaram associados ao desejo e à decisão de transpô-lo para a convivência face a face,
e compreender o imaginário gerado no vínculo virtual, bem como os aspectos de convergência e
de divergência entre as expectativas e as realizações decorrentes de sua transposição.
Participaram desta pesquisa, três casais, com idades dentre vinte e nove e trinta e três
anos, todos com formação escolar superior, com variações de experiência quanto: à ferramenta
de comunicação virtual utilizada (Chat, ICQ e Orkut), ao tempo de relacionamento virtual (de
um mês a dois anos), ao intervalo de tempo entre o primeiro encontro presencial e o casamento
(de seis meses a quatros anos), e do tempo em que estão casados (de um ano e meio a quatro
anos).
Para a emergência de um discurso marcado por associação livre, por ocasião da aplicação
de entrevistas de tipo aberta (BLEGER, 1998), apresentamos a seguinte questão disparadora:
“que experiências emocionais marcaram a construção do relacionamento de vocês desde
___________________________
* Mestranda pela PUCCAMP
** Orientador, Prof. Dr. do Programa de Pós-Graduação da PUCCAMP
26
o primeiro contato virtual”? Sobre o material coletado, utilizamos de Análise de Conteúdo
proposta por Mathieu (1967), a qual objetiva desvendar conteúdo latente relevado em temas
recorrentes, ligados por laços estruturais. Os conteúdos assim evidenciados foram interpretados
de acordo com o aporte teórico-metodológico da psicanálise de grupo aplicada ao casal e da
psicanálise das configurações vinculares.
Pudemos observar que nem todos os romances originados da Internet nascem de um plano
de encontrar um parceiro. E quando há a pretensão de navegar no ciberespaço para encontrá-lo,
há também variação nas motivações para fazê-lo na Rede, como pela facilidade de conexão com
pessoas de interesse comum, e pela fantasia propiciada pelos programas de interação assíncrona
de que na Internet a relação estaria isolada da presença de terceiros, portanto livre de
potenciais condições de disputa.
Relatos sobre as primeiras experiências no relacionamento on-line revelam aspectos da
subjetividade com a qual seus protagonistas se encaminham para o ambiente virtual. As três
esposas manifestaram o mesmo pensamento de que o homem privilegia os aspectos físicos, a
matéria. Os aspectos mais elevados, o plano das idéias, estariam desprestigiados. Evidencia-se,
assim, um imaginário relacionado ao gênero. Elas também assumem uma proposta comum de
evitar ou de romper os primeiros contatos nos quais o homem já enunciasse interesse por
conhecer os aspectos físicos da potencial parceira.
As mulheres mostraram-se também mais cautelosas e pacientes no tempo que se revelou
necessário para a confirmação dos dados da realidade, enquanto os homens mostraram
hesitação, revelado em diluição dos contatos iniciais (conduta que dificulta a evolução de um
vínculo), e atuações impulsivas embasadas em meras suposições, seja de rejeição ou de
aceitação. Ficamos com a hipótese de que estas diferenças estejam associadas à variação na
força superegóica entre os gêneros.
A distância geográfica que coloca o outro tanto distante de si quanto da própria rede de
relações, favorece a espontaneidade nas expressões.
No mundo “acorporal” e “desterritorializado” que caracteriza a Internet, as primeiras
impressões sobre o outro ficam condicionadas àquilo que ele diz, ainda mais quando ainda não
está em uso um microfone ou a webcam. Deste conteúdo verbalizado, valores de família
destacaram-se para a minimização das angústias ante o desconhecido, na fomentação de
perspectiva de relacionamento estável, e para a realização do “momento fantasmático” (KAËS,
1997), primeira etapa de um processo de vinculação, quando grupos internos são externalizados
para destinar a si próprio e ao outro um lugar determinado.
A expressão de quem está do outro lado, sujeita à seleção da consciência, e recortada de
um todo, favorece projeções, fantasias e ilusões que irão, ou provocar um desinteresse e
rompimento do contato, ou incrementar um desejo de aproximação.
Entre o primeiro contato virtual e o primeiro encontro presencial, dados da realidade
foram buscados, através da oportunidade de consultar um terceiro conhecido em comum,
através da confirmação de um sobrenome em lista telefônica, e, marcando a última etapa antes
do encontro, pelo contato ao telefone.
A perspectiva de dificuldade de realização do encontro presencial coloca em dúvida a
sustentabilidade do relacionamento.
O primeiro encontro também marca uma decisiva oportunidade de confirmação dos dados
de realidade, caracterizando-se como parte constitutiva do vínculo. Experiências de
reconhecimento nesta etapa (até então preservado o desconhecimento quanto à aparência) nos
esclarecem que a vivência virtual permite acesso a traços da personalidade do outro, conformo
supomos inicialmente.
27
Os três casais por nós entrevistados referiram um processo que começou imerso em
fantasias e que se encaminhou para a realidade com encontros e desencontros, ilusões e
desilusões, que foram sendo superados na medida em que as expectativas foram se confirmando,
assim como as frustrações foram sendo superadas, de uma forma reconhecida por eles próprios
como necessária para o equilíbrio na vivência conjugal.
Concluímos, com esta pesquisa, que um vínculo mediado pela Internet é desenvolvido por
etapas que passam: pela identificação de valores e desejos mútuos, pela confirmação dos dados
da realidade, e pela marca que faz o primeiro encontro face a face, num processo onde o bem
ou o mal suceder estão condicionados à maturidade das pessoas envolvidas tanto quanto estão
em suas relações presenciais.
Referências Bibliográficas
BLEGER, J. Temas de Psicologia: entrevistas e grupos. São Paulo: Martins Fontes, 1998,
137 p.
ESCÁRCEGA, J. S.; ESTRADA, L. Amor.com: vínculos de pareja por Internet. Revista
Intercontinental de Psicología y Educación, jul-dez, n. 7, v. 2, p. 43-56, 2005.
GIDDENS, A. A transformação da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades
modernas, São Paulo: Unesp, 1993, 221 p.
KAËS, R. O grupo e o sujeito do grupo: elementos para uma teoria psicanalítica do grupo. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 1997, 333 p.
MATHIEU, P. Essai d‟interpretation de quelques pages du revê celtique. Interpretación, 1967, p.
232 – 59.
SPIVACOW, M. A. Clínica psicoanalítica con parejas: entre la teoría y la intervención. Buenos
Aires: Lugar Editorial, 2005, 197 p.
VAITSMAN, J. Flexíveis e plurais: identidade, casamento e família em circunstâncias pósmodernas. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, 203 p.
28
COMUNICAÇÕES TEMÁTICAS………………………………………………………..29
01
02
03
04
A importância do VÍNCULO na (Re) Habilitação Educacional – Regina Lúcia
Franco Fernandes (MCT01)……………………………………………………………………………………
30
Considerações sobre o real, o simbólico e o imaginário na situação de grupo Tiago Corbisier Matheus ( CT03)…………………………………………………………………………
33
O uso da sedução, manipulação, pressão e outras violências pelos Gestores
no trabalho organizado. Como falar em vínculos adequados? Mais conviver é
preciso! - Juan Adolfo Brandt (MCT03)………………………………………………………………… 35
Uma possível dobra no tempo – (Guga Dorea) (MCT01)………………………………………
38
29
(MCT01)
A IMPORTÂNCIA DO VÍNCULO NA (RE) HABILITAÇÃO EDUCACIONAL
Regina Lúcia Franco Fernandes2
Desenvolvemos este projeto com o objetivo de sensibilizar o educador a perceber e
vivenciar a importância do vínculo no seu papel de mediador entre o educando e seu processo de
(Re) Habilitação educacional. A realização desse trabalho em pequenos grupos permite a
reflexão das atitudes e formas de relacionamento do aprendiz com seu processo de
aprendizagem.
VÍNCULOS – “São elos intra, inter e transpessoais e que sempre estão acompanhados de emoções
e fantasias inconscientes.” Zimerman, 1995, p.128.
GRUPO – “É no grupo que o estudante elaborará os seus conflitos, entrará em contato com a sua
subjetividade, os conflitos e as defesas, bem como com o que emerge do vínculo com os
companheiros e com a cultura.” Fernandes, Svartman, Fernandes & Cols, Grupos e Configurações
Vinculares, 2003, pg. 53.
HABILITAÇÃO – Ato ou efeito de habilitar (-se). Disposição natural ou adquirida; aptidão,
capacidade. 1- fig. Cabedal de conhecimentos ou atributos que habilitam alguém ao
desempenho de uma função; qualificação. (Dicionário HOUAISS da língua portuguesa)
REABILITAÇÃO - Ação ou efeito de reabilitar (-se) física, intelectual, moral, social, profissional,
psicológica e materialmente; recapacitação. 1- fig. Recuperação da estima (própria ou de
outrem) por meio de regeneração. (Dicionário HOUAISS da língua portuguesa)
Parece-me impossível pensar em (RE) Habilitação sem pressupor a necessidade de
trabalhar com vínculos e conseqüentemente com grupos. O trabalho desenvolvido em grupo
proporciona um espaço de inter-relação e de troca onde a comunicação favorece o
estabelecimento de vínculos. O trabalho de grupo permite a elaboração das frustrações
individuais e a reflexão sobre a atuação de cada participante, favorecendo a troca de
experiências individuais. É fundamentado na linguagem/diálogo, como estratégia de
troca.Durante minha jornada na educação, observei que educandos com distúrbios ou
dificuldades de aprendizagem necessitam de parâmetros que os levem a perceber-se em seu
contexto escolar.
Assim, surgiu o CAOE. CAOE Centro de Avaliação e Orientação Educacional que atende e
acompanha educandos da educação infantil, ensino fundamental, médio e universitário,
provenientes ou não de várias instituições de ensino. Sua equipe está orientada para desenvolver
atividades e recursos adequados que têm por objetivo proporcionar o prazer em aprender.
Possibilitar que o aprendiz seja protagonista da construção de seu conhecimento.
Integra esse trabalho a família, a escola e demais profissionais envolvidos, favorecendo o
desenvolvimento da autoconfiança e auto-estima de nossos educandos.
Ao longo do trabalho desenvolvido em (Re) Habilitação Educacional, sentimos a
necessidade de cada vez mais, aprofundarmos o conhecimento sobre o “funcionamento dos
vínculos” entre o “sujeito” de nossa atuação, seus familiares e demais profissionais responsáveis
pelo encaminhamento ao CAOE.
2
Psicóloga, Especialista em Psicoprofilaxia e Desenvolvimento, Psicopedagogia, Psicologia Escolar e em Orientação e
Técnicas de Estudos; Diretora do CAOE – Centro de Avaliação e Orientação Educacional S/S Ltda.
30
Desta forma percebemos que a “dinâmica” que envolve os membros do núcleo familiar, é
de fundamental importância para o desenvolvimento do projeto psicopedagógico concebido para
atender às necessidades específicas de cada educando.
De acordo com Dra. Solange Aparecida Emílio, no texto “Os Ruídos familiares e a escola:
mediações e encaminhamentos possíveis”: O conhecimento sobre alguns aspectos presentes nas
dinâmicas familiares não é suficiente para resolver os problemas familiares que enfrentamos. O
profissional envolvido com as famílias não estará no papel de terapeuta familiar, muito menos
de conselheiro, simplesmente por estar atento aos conflitos e às relações das famílias, mas
estará habilitado a reconhecer os seus limites de atuação e, inclusive encaminhar esse grupo
para uma terapia familiar sempre que necessário.
Existem dois outros conceitos que podem nos auxiliar a compreender os ruídos familiares:
as idéias de porta-voz e de bode expiatório.
Para Pichon-Rivière (1994), o porta-voz é aquele membro do grupo familiar que, ao
adoecer, está denunciando a enfermidade grupal. Esse conceito também é válido quando
pensamos que as comunicações de um indivíduo podem contar sobre questões presentes no
grupo, como um todo.
O bode expiatório, por sua vez, é aquele membro da família que recebe as projeções de
aspectos negativos dos demais membros e fica como o representante das manifestações
indesejadas do grupo familiar.
A diferença entre o porta-voz e o bode expiatório é que o segundo tende a ser expelido
do grupo, pois as projeções sobre ele são inconscientes e os demais membros da família não
percebem que aqueles aspectos manifestados possam pertencer ao grupo, como um todo.
A importância de conhecermos esses dois conceitos reside na possibilidade de olharmos
para os fenômenos percebidos e tentarmos enxergar para além do que se apresenta. Significa
considerar que nem sempre às coisas são como parecem ser, muitas vezes a pessoa conta algo
que não diz respeito somente a ela, mas a todo um contexto familiar e ela é somente a
mensageira. Também nos permite duvidar de algumas “verdades” familiares pré-estabelecidas,
tais como: “fulano é „o revoltado‟, ciclano é „o estudioso‟, beltrano é „uma peste‟, etc.”. Será
que tais características não estão presentes em todos eles, em menor ou maior grau?
É importante que os profissionais das áreas da saúde e educação ampliem sua visão
acerca da família, buscando compreender, a partir dos contatos com todos os envolvidos, como
é a relação estabelecida entre eles.
O profissional tem o dever de orientar os pais acerca de sua responsabilidade na
prevenção de problemas. No entanto, não deve confundir o estabelecimento de limites claros
com conselhos ou repreensões, que geram ações evasivas e ineficazes.
Referências Bibliográficas
CAPOVILLA, Fernando César, Gonçalves, Maria de Jesus e Macedo, Elizeu Coutinho (org.).
Tecnologia em (Re) Habilitação Cognitiva. 1a Edição. São Paulo, Edunisc, 1998.
COLL, César e outros - tradução: Cláudia Schilling e revisão técnica: Sônia Barreira. O
Construtivismo na sala de aula. 6a Edição. São Paulo, Editora Ática, 1999.
DELVAL, Juan - tradução: Jonas Pereira dos Santos. Aprender a Aprender. 1a Edição. Campinas,
Editora Papiros, 1997.
31
DOLLE, Jean-Marie e Bellano, Denis - tradução: Cláudio João Paulo Saltini. Essas crianças que
não aprendem – Diagnósticos e Terapias cognitivas. 4a Edição. Petrópolis, Editora Vozes,
1999.
EMÍLIO, S. A. (2000). Algumas Contribuições da Psicologia para a Questão da Deficiência. In:
MUSTACCHI, Z; PERES, S. (ORG.)Genética Baseada em Evidências: síndromes e heranças. São
Paulo, CID Editora.
EMÍLIO, Solange Aparecida – Grupos e Inclusão Escolar: Sobre laços, amarras e nós. 1ª Edição.
São Paulo, Editora Paulus – 2008.
FERNANDES, SVARTMAN, FERNANDES & cols. - Grupos e configurações vinculares – 1ª Edição.
São Paulo, Editora Artmed, 2003.
FERNÁNDEZ, Alicia - tradução: Iara Rodrigues, Supervisão e Revisão técnica da tradução: Maria
Carmem S. Barbosa. A inteligência aprisionada. Porto Alegre, Arte Med Editora, 1991.
FREIRE, Paulo - tradução: Moacir Gadotti e Lilian Lopes Martin. Educação e Mudança. 7a Edição.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.
GROSSI, Esther Pillar e Bordin, Jussara (org.). Paixão de Aprender. 2a Edição. Petrópolis,
Editora Vozes, 1993.
KUPSTAS, Márcia (org.). Educação em debate. 1a Edição. São Paulo, Editora Moderna, 1998.
PICHON-RIVIÈRE, E. (1994). O Processo Grupal. 5. ed. São Paulo, Martins Fontes
TIBA, Içami. Ensinar Aprendendo. 1a Edição. São Paulo, Editora Gente, 1998.
ZANCANER, Carmem Lúcia Coube e Pellegatti, Marco. Como estudar melhor. Coleção Fazendo
Futuro, volume 2, 1a Edição. Bauru, Editora Tilibra, 1995.
32
(MCT03)
CONSIDERAÇÕES SOBRE O REAL, O SIMBÓLICO E O IMAGINÁRIO NA SITUAÇÃO DE
GRUPO
Tiago Corbisier Matheus
Se o uso do dispositivo grupal tem sido utilizado há décadas, por diversos psicanalistas,
sobretudo em instituições, o trabalho de reflexão sobre o tema não parece acompanhar seu
exercício na mesma intensidade. Se há fatores políticos e culturais envolvidos nisso, em função
do sentido que o trabalho com o coletivo pode conquistar em determinados contextos, do ponto
de vista teórico, como se disse acima, alguns embates colaboraram para que o campo de
pesquisas sobre grupo tenha permanecido sob suspeita em vários círculos psicanalíticos. No
entanto, trabalhos que utilizam o dispositivo grupal mostram sua fecundidade nos efeitos
produzidos sobre os sujeitos implicados, de modo que continua a ser um desafio a compreensão
do que se passa em tais situações. Será possível pensar neste desafio a partir da contribuição de
Lacan sobre os três registros da experiência humana – o imaginário, o simbólico e o real?
A situação de grupo, por sua vez, seja ele terapêutico ou operativo, sugere um contexto
de provocação das possibilidades imaginárias decorrentes do encontro com vários outros. De
modo análogo ao estádio do espelho descrito por Lacan, a recorrente ilusão inicial suscitada na
situação de grupo, na qual cada um se vê participante e cúmplice de seus pares, parece ser a
condição a partir da qual são possíveis outras experiências menos idealizadas. A ilusão de
pertencer a um grupo, formando um todo harmônico, é a renegação da insuficiência originária
do ser humano, é o sonho de vir a realizar o projeto narcísico onipotente que segue vivo em
cada um.3 Por outro lado, é nesta condição de ser-um-entre-outros que existe a possibilidade de
elaborar o luto da castração, pois a aceitação de que nenhum dos indivíduos se posicione acima
dos demais como líder, depende da horizontalidade dos laços identificatórios estabelecidos.
Logo, a renegação da castração, vivida na ilusão da experiência de completude no imaginário
grupal, dá lastro à inscrição da castração, do qual depende a emergência de cada sujeito, bem
como o estabelecimento de qualquer laço social, considerando o fragmento de alteridade que
este possa portar. Em outros termos, seguindo a formulação de Kehl, a função fraterna sustenta
e viabiliza o cumprimento da função paterna.4
A emergência do sujeito, na situação de grupo, por sua vez, pode ser entendida a partir
da descrição de Lacan dos três tempos lógicos. Trata-se de um percurso onde cada sujeito, ao se
deparar com um elemento ou situação frente ao qual não encontra registros simbólicos
suficientes, vive inicialmente o instante de ver. Ali, a temporalidade fica reduzida a um instante
e a insuficiência do sujeito surge para ele como uma surpresa irreversível. A tentativa de
compreender o que ocorre o conduz ao momento seguinte, o tempo de olhar, quando recursos
simbólicos e imaginários são resgatados, a fim de dar sentido à experiência vivida. O terceiro
tempo é o momento de concluir, quando é possível ao sujeito afirmar-se enquanto tal, marcando
sua singularidade na enunciação significante que é capaz de produzir.
A situação grupal tende a ser uma experiência impactante, inusitada, conforme o sentido
que uma dada realidade possa ter, ou melhor, deixar de ter, para cada um. Conforme o contexto
institucional ou social no qual se encontra, ou mesmo as condições de seu psiquismo, sua
estrutura e arranjos próprios, o sujeito é constantemente convocado a realizar um trabalho
psíquico, quando, numa dada situação grupal, se depara com sua insuficiência simbólica. É a
partir deste instante que se encontra susceptível a experimentar a situação de grupo como uma
ilusão, momento que dá ao sujeito o tempo de que necessita para construir um sentido para sua
experiência. Este segundo tempo é o momento em que a experiência de estar-entre-outros
3
4
Anzieu descreve a importância da ilusão grupal na experiência em grupos – O grupo e o inconsciente.
Ver M. R. Kehl, Função fraterna, e M. C. Poli, A clínica da exclusão, p.27-33.
33
oferece elementos imaginários para a compreensão possível do vivido. O olhar dos demais se
confunde com o do indivíduo, permitindo a apropriação dos elementos disponíveis na rede
identificatória estabelecida, conforme sua multiplicidade ambivalente. É no momento seguinte,
quando cada um se permite dispensar o olhar dos demais, que é possível ao sujeito afirmar-se
como tal, diferenciando-se dos demais e marcando sua singularidade.
A emergência do sujeito na situação de grupo depende, portanto, de um movimento e de
um tempo próprios a cada um, não passíveis de serem compartilhados homogeneamente. Porém,
à medida que o movimento de algum dos indivíduos insinua uma diferença entre os semelhantes,
há uma provocação aos demais. É certo que cada qual vive a seu modo os diferentes momentos
da situação grupal, mas o cenário experimentado pode favorecer ou dificultar determinados
movimentos dos outros sujeitos em questão.
Logo, o descolamento do sujeito da dimensão imaginária na experiência grupal é incerto
e fugidio, mas é esta dimensão, nas possibilidades que oferece, que dá apoio ao trânsito de cada
um no campo simbólico, conforme os recursos de que dispõe e o tempo em que se encontra,
além do enquadre do grupo, a ser considerado. A sustentação do enquadre é que viabiliza o
deslocamento de significantes entre os membros do grupo, o que, por si só, já é uma provocação
ao descolamento da fantasia de totalidade que a imagem do grupo pode sugerir, na medida em
que os diferentes sentidos das palavras, quando escutados, portam uma pluralidade significante
que contradiz a pretensa coesão grupal. Além disso, como lembra O‟Donnell, a posição do
observador representa uma condição terceira, pois marca, com sua presença, a impossibilidade
de que os demais se alienem num gozo cúmplice e especular, sem se depararem com o olhar de
um Outro, lembrança de que não estão sozinhos5.
Porém, como assinala este autor, o olhar do Outro não se restringe ao observador, na
medida em que o discurso que circula no grupo remete todos a um Outro múltiplo. 6 Neste
sentido, dependendo da capacidade de cada um de se confrontar com a fragmentação do
enquadre grupal, o Outro que ali se anuncia pode ser visto como incompleto, pela própria
pluralidade dos discursos produzidos. Cada um se vê buscando o olhar e o reconhecimento de um
Outro, que por sua vez se remete a um outro Outro e assim sucessivamente, estabelecendo uma
circulação infinita. Quando a ilusão de cada um não encobre esta pluralidade, o sujeito pode
fazer uso da multiplicidade de referências disponíveis, posicionando-se como sujeito
propriamente dito, ao ser capaz de enunciar um discurso singular.
O real, que sobra como resto não simbolizado, retorna para o sujeito também ali, na
situação de grupo, nas transferências horizontais ou verticais estabelecidas entre os
participantes, conforme cada contexto. Trata-se do retorno daquilo que foi recalcado ou
foracluído não somente na história de vida de cada um, mas também na história das instituições
e dos arranjos sociais dos quais os sujeitos participam ou em que estão implicados, em função de
suas identificações. Como se sabe, toda formação coletiva carrega consigo sua história, de modo
a atualizar, em suas formações, arranjos e discursos, aquilo que entre seus membros pregressos
e atuais não alcançou significação suficiente e insiste em buscar expressão7.
A situação de grupo é uma realidade privilegiada na experiência de vida dos seres
humanos, da qual participam as dimensões imaginária – nas ilusões que suscita, como um campo
de “ressonância fantasmática”8 – simbólica – nas produções significantes que acompanham a
emergência dos sujeitos – e real – quando se considera que da realidade da situação de grupo
sempre resta algo a mais, que não alcança inscrição simbólica. A situação de grupo é, então,
uma potência provocadora aos sujeitos que dele participam, a partir da rede de laços
identificatórios estabelecidos, que segue como questão a ser investigada também por aqueles
que privilegiam a leitura francesa da obra freudiana.
5
O termo proposto pelo autor é terceiridade - P. O‟Donnell e col., El análisis freudiano de grupo, p.78.
Idem, ibidem, p.76.
7
Ver, por exemplo, M. e M. Viñar, Exílio e tortura.
8
A. M. Fernández, ibidem, p.145.
6
34
(MCT03)
O USO DA SEDUÇÃO, MANIPULAÇÃO, PRESSÃO E OUTRAS VIOLÊNCIAS PELOS GESTORES NO
TRABALHO ORGANIZADO. COMO FALAR EM VÍNCULOS ADEQUADOS? MAS, CONVIVER É
PRECISO!
Juan Adolfo Brandt1
Palavras-chave: Grupos; Alianças Inconscientes; Liderança; Relações Assimétricas.
1. Introdução
Esta apresentação tem o propósito de promover o debate a respeito das implicações das
condições de elevada competitividade presentes atualmente nas organizações de trabalho, para
as relações assimétricas entre os líderes formais desses “lugares” e as pessoas de suas equipes.
Trazemos conclusões parciais devido a fundamentar-nos em pesquisas ainda inconclusas.
Procuramos compreender a trama que une ou ata e ao mesmo tempo afasta ou desata as
pessoas no trabalho quando pertencem a hierarquias distintas.
Propomos algumas reflexões sobre temas que se tornam críticos no convívio entre as
pessoas que têm a atribuição de determinar o que deve ser feito ou acontecer e aquelas pessoas
que devem executar.
2. Método
Trata-se da análise de conteúdos que foram manifestados por profissionais que ocupam
cargos de comando no trabalho. Foram obtidos durante a participação dessas pessoas em
dispositivos grupais na forma de grupo de reflexão sobre temas do trabalho. Contamos com
algumas verificações realizadas internamente em organizações e outras verificações obtidas
mediante processos grupais realizados fora, na Universidade.
3. Desenvolvimento
Reportamo-nos às conclusões de Chanlat (1995) sobre o modo de gestão pela excelência,
superposto muitas vezes aos modos de gestão neotaylorista e tecnoburocrático. Nesse modo de
gestão encontramos o pano de fundo em que se desenvolvem processos produtivos que
atravessam as relações de um modo que perturba o equilíbrio emocional das pessoas.
Os profissionais que comandam envolvem-se com obrigações e compromissos que exigem deles e
das equipes uma produtividade que vai muito além das possibilidades da atuação coerente com
as suas disponibilidades físico-emocionais para fazer, pensar e controlar. A possibilidade do
desemprego os força a atuar constantemente de modo a manter seus postos de trabalho.
Os processos produtivos não estão sendo considerados como espaços em que homem e sistema
organizacional interagem pela sobrevivência do negócio; este é sempre apresentado como
estando em risco incluindo o risco equivalente para os trabalhadores. Na aplicação desses
modelos de gestão é afirmado que neles prevalece uma filosofia que privilegia o desempenho e
que essa condição assegura a justiça do processo; mas, ao mesmo tempo é negada a sua
falsidade.
_______________________________
1
Mestre e Doutorando em Psicologia Social pela USP. e-mail: [email protected]
35
Esse sistema também afirma que contempla e viabiliza vantagens especiais para as
pessoas que “entregam a alma pela organização”; a organização elogia essa entrega como
simbólica de comprometimento, algo que é visto como sendo heróico, típico dos vencedores.
Esse discurso não abre espaço para as possibilidades do insucesso.
É necessário que a produção máxima que alguma vez foi alcançada em qualquer lugar do
planeta, ou foi imaginada possível apesar de absurda, seja considerada com o status de
benchmarking que se faz desafio e precisa ser buscado para colocar aquela empresa no topo.
Trabalha-se para estar no topo e não para a sobrevivência do negócio. O propósito é exaurir as
energias, como se numa maratona os competidores corressem todos os 42195 metros com o
mesmo ritmo, cadência e esforço físico que devem ser feitos na reta de chegada por quem
realmente disputa o título. Enriquez (1997) tece importantes considerações sobre a manipulação
dos campos simbólico e imaginário nas organizações.
Consideramos que essas condições da competitividade constituem uma das fontes que
sustentam a continuidade de conflitos para os trabalhadores, porque se faz presente uma
distância importante entre os objetivos do trabalho para estes e as condições efetivas em que é
desenvolvido.
Os profissionais de comando devem exaurir as próprias energias no trabalho e provocar
esse mesmo empenho nos subordinados. São convocados a adotar nas relações com seus
subordinados um conjunto de técnicas de liderança que são incentivadas para dar conta de
induzir motivação e comprometimento. Para tanto, fazem uso de estratagemas como sedução,
uso de eufemismos, negação da informação incômoda, afirmação ideológica, uso de chavões
negando a realidade e outros. Entretanto, é comum que não obtenham sucesso nessa empreitada
de “convencer” e ocorram dificuldades para superar resistências.
Deparando com o fracasso, pressionados externamente pelas instâncias de poder
organizacional e internamente pelo próprio narcisismo que procura o sucesso, buscam fórmulas
que lhes assegurem a adesão das pessoas consideradas “difíceis”. Se liderar não dá conta,
socorrem-se de fórmulas alternativas. Uma possibilidade é a pressão mais além do considerado
adequado. Em decorrência, tornaram-se habituais a violência psicológica e assédio moral,
ocupando o espaço dos procedimentos de liderança ineficazes.
Com Kaës (1991) temos acesso aos conceitos que fundamentam o campo das alianças
inconscientes. Estão presentes nessas relações assimétricas entre chefe e subordinados, os
pactos denegativos e os contratos narcísicos que estabelecem as bases do convívio, estando
determinados espaços comuns e partilhados que unem e também separam; assim limitam a
atuação dos subordinados. Temos nas organizações certos arranjos intersubjetivos que
asseguram o vínculo e negam o que pode ser contrário a ele. A violência psicológica pode estar
contida como uma possibilidade nos contratos narcísicos porque nesses contratos se sustenta a
forma do vínculo e está determinado como interagem as partes que o constituem, bem como o
que não pode ser aceito e aquilo que não pode ser contestado. As partes devem respeitar esse
modo de ser. Se assim não acontece, fica habilitado à parte que detém o poder, fazer valer o
que está previsto no contrato narcísico. Numa intervenção grupal realizada dentro de uma
empresa verificamos essas condições; quando os gerentes se sentiram ameaçados pelo
rompimento das relações de poder, passaram a agir usando o autoritarismo e depois uma
violência sutil.
Nas pesquisas com grupos de líderes empresariais aplicando uma variação do dispositivo
Balint, que desenvolvemos na Universidade, obtivemos relatos sobre as relações que os
participantes dos grupos estabelecem com seus subordinados, que nos permitem o pensar a
respeito da distância que os separa de seus subordinados. Eles partilham os mesmos espaços e ao
mesmo tempo estão separados por alianças inconscientes que determinam uma autonomia
razoável para um grupo e a subordinação extremada para o outro grupo. Ficam definidos os
limites de interação e autonomia, bem como as possibilidades de dialogar e sobre o quê. Limites
36
que no caso de um grupo subordinado não podem ser ultrapassados para evitar-se o confronto
com o outro grupo. Para manter o convívio.
4. Conclusão
Vimos que os líderes empresariais tendem a atuar de acordo com os modelos de conduta
da liderança para obter de suas equipes o máximo desempenho. Porém, quando essa forma de
comandar não traz resultados, existe a possibilidade de tornarem-se autoritários e, finalmente
violentos.
Quanto aos subordinados, precisam do emprego e podem aceitar o uso da manipulação
praticada por chefes para não afrontá-los; ou podem provocar o autoritarismo ou a violência se
lhes faltar o necessário “preparo” para conviver.
Na leitura da gestão, essa pessoa é considerada carente das competências essenciais para
o trabalho e tende a ser eliminada desse cenário pela demissão ou violência psicológica.
Referências Bibliográficas
BRANDT, J. A. A problemática da mudança
e as relações entre os
Trabalho organizado: um velho estudo de caso com uma nova análise. São
Dissertação de Mestrado, 2006.
homens no
Paulo: USP.
BRANDT, J. A. e OLIVEIRA, I. C. Análise das relações do chefe com sua equipe no
organizado, In Revista Psicologia USP, no prelo.
trabalho
BRANDT, J A e DAMERGIAN, S. A Violência Psicológica como uma estratégia. Quando outros
recursos gerenciais fracassam: uma pesquisa com grupos de gestores, in SOBOLL, L. A. P.
Violência psicológica e assédio moral no trabalho: pesquisas brasileiras. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 2008, pg. 217-246.
CHANLAT, Jean-François. Modos de gestão, saúde e segurança no trabalho. In: DAVEL, Eduardo,
VASCONCELLOS, João (Orgs.). "Recursos" Humanos e subjetividade. Petrópolis, RJ: Vozes,
1995. pg. 118-128.
ENRIQUEZ, E. A Organização em Análise. Petrópolis: Vozes, 1997.
KAËS, R., Realidade psíquica e sofrimento nas instituições. In: KAËS et al. A
Instituições. São Paulo: Casa do Psicólogo, 991. pp. 19-58.
MISSENARD, A. (et al).
Psicólogo, 1994.
Instituição e as
A Experiência Balint: história e atualidade. São Paulo: Casa Do
37
(MCT01)
UMA POSSÍVEL DOBRA NO TEMPO
Guga Dorea9
Iniciei esse texto exatamente às 16h. O dia e o ano? Não importa. Inclusive, ele deveria
ter começado com uma vírgula, pois considero que esse exato instante foi, na prática, uma
espécie de síntese de toda uma singular existência misturada ao que se costuma chamar de
presente. Dessa forma, essas palavras estão recheadas de certezas e incertezas; medos e
otimismos, potencialidades possíveis e mesmo negatividades que me atravessaram nos diversos
tempos de minha vida.
É nesse sentido que pensadores, como o etnólogo Daniel Stern, apontaram para a idéia de
que as tradicionais fases da vida, chamada por ele de selfs, não podem ser consideradas
estanques. O passado, diante desse ponto de vista, é uma síntese de nosso momento presente
que logo na seqüência ou mesmo simultaneamente se tornará futuro. Segundo ele, cada um das
fases da vida pode emergir, mesmo que inconscientemente, na fase posterior.
O que proponho aqui, diante disso, é pensar na chamada inclusão social da pessoa com
deficiência diante dessa noção anti estática do tempo. Foi dessa maneira que, desde o
nascimento de meu filho Thiago, com a síndrome de Down, pensei e imaginei o seu existir, seus
momentos presentes e futuros. O simples contato com a natureza e com as pessoas que
circularam em seu entorno foram fatores geradores, ou não, de momentos presentes felizes e,
conseqüentemente, futuros existenciais de vida mais autônomos e criativos.
A pergunta inicial relaciona-se aos perigos provenientes quando pais ou outras pessoas
acreditam em fantasmas estigmatizantes produzidos aprioristicamente, produzindo-se o que
Deleuze e Guatarri chamaram de territórios existenciais não propícios para as potencialidades
desejantes inerentes a cada um de nós. Ora, a tendência a partir daí ainda é culpar o mapa
genético, sempre levando em consideração de que existe um modelo idealizado de normalidade
a ser perseguido.
Qual é então a tênue fronteira entre o determinismo biológico e o meio ambiente quando
se pensa nas possibilidades reais de uma criança com alguma síndrome mapeada geneticamente?
O importante a demonstrar, nesse contexto, é que independentemente do que esteja revelando
o mapa, deve-se sempre apostar no que Deleuze e Guattari chamaram de linhas rizomáticas de
vida. O rizoma é um caule cujos ramos rompem com a raiz podendo trilhar por múltiplas e até
inesperados caminhos, em detrimento a uma eventual origem pré-estabelecida.
Como já nos disse Stern, cada uma das concepções do “eu” podem emergir no presente
como um “companheiro evocado do passado”. O “self-emergente”, segundo ele, é a hora em
que o bebê tem a sua primeira descoberta do mundo de fora. O “self-núcleo”, por sua vez, é
quando a criança descobre que possui um corpo desejante.
Já o “self-subjetivo” é o momento em que ela ativa todos os seus instantes, bons ou
maus, processados nos selfs anteriores. Em uma seqüência não linear, vêm o “self-verbal”, no
qual a criança irá transformar toda a sua vida até então em linguagem. É conveniente frisar que
nenhum dos selfs anteriores deixará de existir, significando dizer que, e isso vale para qualquer
pessoa, a não aceitação ou a super-proteção terão reflexos inevitáveis em cada passo que essa
criança dará em sua existência.
9
Gumercindo Rocha Dorea Filho - Sociólogo e professor de cursos de pós-graduação em inclusão social.
38
É possível dizer ainda que essa heterodoxa forma de ver o tempo aumenta a
responsabilidade dos pais em relação aos filhos, o mesmo ocorrendo nas salas de aula e nos
atendimentos terapêuticos, entre outros encontros. Dessa forma, a conclusão que se pode
chegar é a de que o presente puro não existe. Ele é uma mescla de vários passados conectados
ao que estiver acontecendo em cada acontecimento atual de nossas vidas. E o futuro? Ele já está
contido nesse mesmo presente. É isso que alguns pensadores, como Deleuze e Guattari,
chamaram de virtual que nunca cessa de se atualizar a todo segundo.
Stern procurou mostrar, diante disso, que “os bebês buscam estimulação sensorial” desde
o início. Eles formam e testam hipóteses sobre o mundo exterior a eles, além de estarem sempre
avaliando a mistura do fora de si com o para si, em uma possível troca de informações e de
conexões sempre recíprocas e jamais unilaterais.
Mesmo a aprendizagem, para Stern, está carregada de afetos. As sensações e percepções
iniciais de uma criança vão também das mais simples às mais complexas. A ativação de sua
mente será efetivamente afetada diminuindo ou aumentando suas potencialidades criativas
como diria, inclusive, o filósofo Espinosa.
De um lado, disse Stern, a nossa potencialidade interna é inata; de outro, múltiplos
fatores externos tendem a assediá-lo no transcorrer da vida. No período do self-núcleo e,
sobretudo, do self-verbal, para ele, a criança já estará revelando ao fora o que ela apreendeu e
o que descartou em uma múltipla e simultânea conexão dialógica com o seu fora.
A escola tradicional, diga-se de passagem, ainda não compreendeu que o excesso de
conteúdo, naquela forma de ensinar chamada por Paulo Freire de educação bancária, só gera um
descartar por parte dos alunos, alimentando o desinteresse pela aprendizagem. Daí cria-se
rótulos do tipo dificuldade de aprendizagem.
Da mesma forma que Daniel Stern aponta para a riqueza do período pré-verbal em uma
criança, o pensador Gilbert Simondon nos ajudou a pensar sobre o chamado pré-individual.
Segundo ele, é usual conceituarmos o indivíduo como sendo um ser totalizador e já constituído
em uma unidade pronta. A proposta de Simondon vai a sentido contrário, quando ele defende a
hipótese de que em primeiro lugar vem a “individuação” e não o indivíduo em si.
Para ele, o raciocínio deve ser invertido, ou seja, devemos desconectar o indivíduo pronto
e conhecê-lo a partir de seu processo de individuação, do que fez torná-lo dessa e não daquela
forma em uma simbiose constante entre passado-presente-futuro. No sistema pré-individual, o
sujeito está sempre em processo de transformação, jamais alcançando o seu estágio definitivo.
Quando chegamos na concepção de “indivíduo” fechado em si mesmo e paramos por aí,
disse Simondon, bloqueia-se a emergência de um novo processo de individuação, que é uma
coextensividade viva e permanente entre o meio ambiente e o indivíduo provisoriamente
constituído. Como diria o próprio Espinosa, um bom encontro é aquele que potencializa o agir
produzindo em nossos corpos afetos alegres e não tristes.
A partir do instante em que rompemos com as hierarquizações valorativas, cada ser
humano será vitorioso em suas singulares conquistas e avanços. É nesse sentido que emerge a
proposta da importância de não se pretender mais discutir apenas a dicotomia exclusão/inclusão
e sim colocar a questão de outra forma: o que pode ser encontrado entre a exclusão social e a
simples adequação a um modelo ideal de vida pré-definido como verdade absoluta.
O perigo, portanto, é não permitir a entrada de fluxos individualizantes a partir de um
diagnóstico supostamente definitivo, deixando de investir positivamente nas crianças rotuladas
de “especiais” em função do estigma da incapacidade ou tratá-las como eternas devedoras de
algo que supostamente não tem, restando aos que detém algum poder sobre suas vidas
preencher esse vazio em nome do que podemos denominar como mito da normalidade.
39
Trata-se, ao contrário, de fazer com que essa pessoa possa viver, a cada instante de sua
existência, segundo seus próprios desejos e não conceber mais a inclusão como uma dinâmica de
mão única. É nesse sentido que para Deleuze e Guattari, o desejo não pode ser confundido com
a necessidade ou carência de algo inalcansável ou a ser alcançado, sendo possível dizer que
entre indivíduos supostamente fechados em si há sempre uma composição de afetos, efeitos dos
bons ou maus encontros espinosistas, uma mistura de corpos.
Incluir verdadeiramente não é negar as diferenças em nome de uma fictícia igualdade,
postulando-se um estilo de vida “normal”. É afetar o outro e deixar ser afetado por ele
propiciando, para ambos os lados, a oportunidade de estar traçando novas virtualidades, sempre
no momento presente, como sínteses de um passado bem construído capaz de engendrar para o
futuro o que Nietzsche chamou de potência de vida.
Referências Bibliográficas
DELEUZE, Gilles, Espinosa: filosofia prática, São Paulo, Escuta, 2002.
_____________, Nietzche e a Filosofia, RÉS-Editora Ltda, Porto, Portugal, (s/d).
DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix,“Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia, vol 1, ed. 34, Rio
de Janeiro, 1995.
DOREA, Guga (2003), Síndrome de Down: entre a exclusão e a inclusão na lógica capitalista,
Revista Reichiana, nº12, Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo.
SIMONDON, Gilbert, Le Individu et sa Gênese Physico biologique, PUF, Paris, France.
STERN, Daniel N., Diário de um Bebê: O que seu filho vê, sente e vivencia, Artes Médicas, Porto
Alegre, 1991.
40
MESAS REDONDAS…………………………………………………………………………41
01
A invasão das novas formas de comunicação no setting terapêutico – Ruth
Blay Levisky e Maria Cecília Rocha da Silva (MR02)…………………………………………… 42
02
Cenários: reflexões sobre família e drogadicção - Sílvia Brasiliano (MR05)….
45
03
Como trabalhamos com grupos – Luiz Carlos Osório (MR03).………………………………
47
04
Como trabalhamos com grupos de pacientes somáticos - Edilberto Maia (MR03).
49
05
CUIDADORES – um vínculo complexo – descobertas de uma experiência Grupal –
Ada Maria Riberti e Alaíza Helena S. R. Citrângulo (MR04)…………………………………. 51
06
Equipe multiprofissional, interdisciplinariedade,
transdisciplinariedade
e
saúde: desafios do nosso tempo – Maria de Lourdes Feriotti 53
(MR04)...………………………………………………………………………………………………………………..
07
O CAPSi como lugar de convivência - Amaury Tadeu Rufatto e Rose Pompeu
de Toledo (MR04)………………...……………………………………………………………………………….
55
Orientação profissional para pessoas em situação psicótica: uma estratégia
Grupal – Marcelo Afonso Ribeiro (MR01)…….………………………………………………………..
56
08
09
Psicoterapia de Grupo das Patologias Pós-modernas: Transtorno Alimentar –
Carlos Alberto Sampaio Martins de Barros (MR06)………………………………………………. 59
10
Transformando as demandas sociais em espaços terapêuticos – Ana Margarida
Tischler Rodrigues da Cunha e Marilda Goldfeder (MR02)…………………………………… 61
41
(MR02)
A INVASÃO DAS NOVAS FORMAS DE COMUNICAÇÃO NO SETTING TERAPÊUTICO
Ruth Blay Levisky
Maria Cecília Rocha da Silva
Nossa caminhada pelo século XXI apenas se inicia e, no entanto, os impactos oriundos dos
grandes avanços científicos e tecnológicos mostram suas repercussões sociais.
Fora e dentro dos consultórios nos perguntamos sobre o destino do diálogo, da
confidência, do direito à privacidade, dos limites e direitos de interferência na “liberdade de
expressão”.
Uma nova fisionomia vai sendo impressa em todas as áreas da sociedade e como não
poderia deixar de ser, se imiscuindo também nas concepções e metodologias do nosso
instrumento de trabalho: o vínculo terapêutico, seu enquadre e processo. Pressionados a atender
as demandas atuais e considerando as variáveis que afetam nosso objeto de estudo, vários
profissionais da área da saúde se perguntam: que homem é esse que emerge nesta época
histórica onde se diluem as fronteiras culturais, onde o indivíduo sucumbe aos apelos da
“massa”, ao refinamento da propaganda que o incita ao narcisismo, ao consumo, ao
individualismo? Agarrado ao celular, ao computador, ao carro, ao avião, este homem se envolve
cada vez menos com o “outro”, consigo mesmo e com os valores fundamentais consagrados pela
cultura do viver em grupo.
O setting analítico representa um espaço potencial, onde as mais variadas expressões de
fantasias de nosso mundo interno emergem e se misturam aos discursos do real e do cotidiano
das pessoas.
A era pós-moderna caracteriza-se pelo desenvolvimento da alta tecnologia e de grandes
descobertas que revolucionaram a vida, aproximaram os continentes, trazendo conseqüências e
transformações que se refletem na formação da identidade do sujeito. A difusão do
conhecimento, das trocas de experiências e a maior facilidade na comunicação modificaram
substancialmente a maneira de o sujeito “ser e estar” no mundo globalizado.
A construção de novos paradigmas trouxe como conseqüência necessidade de rearranjos e
transformações nos tipos de vínculos entre os indivíduos.
Discutiremos alguns pontos impactantes que hoje fazem parte do dia a dia de nosso
trabalho psicanalítico, principalmente com casais e famílias, que merecem nossa reflexão:
1. Contrato analista-paciente:
Como lidar com o contrato tradicionalmente feito entre analistas e pacientes, se é cada
vez mais freqüente a influência de fatores externos que invadem o setting, como
congestionamentos imprevisíveis, reuniões agendadas nas empresas na última hora, e que
impossibilitam a chegada dos pacientes à sessão? A reposição é hoje uma questão a ser
considerada de modo diferente do que entendíamos há alguns anos. Era freqüente interpretar os
atrasos dos pacientes como possíveis resistências ao trabalho analítico. Atualmente, além das
questões intra-subjetivas, das fantasias e dos mecanismos defensivos inconscientes, é necessário
considerar e investigar os fatores relacionados com as influências do mundo real, da transsubjetividade.
2. Uso do computador:
42
a. a escolha do analista por vezes é feita através de pesquisa feita no computador. Alguns
pacientes telefonam para marcar consulta e, quando perguntamos quem nos indicou, respondem
que acharam nosso nome através do “Google”. É uma situação inusitada;
b. como lidar com pacientes que querem se comunicar conosco através de e-mails, para
desmarcar ou marcar consultas? E aqueles que desejam fazer o pagamento através da internet e
solicitam nossos dados pessoais? E quando um dos cônjuges, em uma terapia de casal, envia um
e-mail confidencial para o analista, com um pedido para discutir um determinado problema na
sessão? E quando surge um pedido de um adolescente, numa terapia de família, para colocar o
analista no seu grupo de MSN?
c. crianças e adolescentes têm solicitado o uso de computador nas sessões, que acaba
funcionando como material lúdico ou como um instrumento de comunicação entre analista e
paciente. Tem sido interessante o uso do computador em alguns momentos da sessão, como um
instrumento que viabiliza outras formas de comunicação do material reprimido. Pode funcionar
também como um espaço potencial entre a realidade concreta e a psíquica;
d. supervisões clínicas pelo Skype: alguns colegas tem tido oportunidade de fazer
supervisões através do Skype com pessoas que residem em locais distantes, ou até em outros
países. A experiência tem se mostrado bastante interessante. São questões muito recentes para
se avaliar resultados.
3. Telefone celular:
Tem sido bastante usual os pacientes esquecerem de desligar seus celulares quando
entram na sessão. Muitos resistem até a não atender às ligações recebidas. Tem sido material de
análise a ambivalência de sentimentos que emerge na relação transferencialcontratransferencial com o analista, onde o paciente quer estar dentro e fora ao mesmo tempo.
No mundo contemporâneo é difícil o envolvimento das pessoas e a capacidade de olharem para
dentro de si e se distanciarem das influências do mundo externo. Percebemos esse fenômeno
principalmente com adolescentes nos trabalhos terapêuticos com famílias.
4. Natureza dos conteúdos trazidos para as sessões:
Solidão, vazio, dificuldades para criar vínculos, patologias da contemporaneidade, como
anorexia, bulimia, drogadicção, são queixas freqüentes que aparecem em nossos consultórios,
sem deixar de lembrar os ciúmes de amantes virtuais que penetram na vida dos casais criando
desafetos e até rompimentos de casamentos.
5. Intimidade do analista sendo vasculhada através do Google:
A busca de neutralidade do analista, se antes já era questionada, o que diríamos hoje,
que é possível saber dados sobre a vida dele através da internet? O limite entre o público e o
privado está esgarçado e novos modelos estão sendo de ser construídos.
6. Novas demandas buscam terapias:
Casais que passam pelos métodos de fertilização assistida, casais de homossexuais e
famílias reconstituídas têm buscado terapias com maior freqüência. O papel e o lugar dos pais
têm sofrido modificações na dinâmica familiar. Observa-se que o aumento da taxa de
desemprego trouxe oportunidades para a mulher assumir o sustento da família e o homem para
se ocupar das tarefas domésticas.
43
Vivemos momentos de mudanças e transformações. A psicanálise também passa por um
processo de construção e desconstrução, assim como a identidade do analista.
É sabido que os objetos virtuais potencializam a tendência narcísica da cultura atual pela
abolição dos limites das relações objetais humanas.
O que vale a pena refletir é a maneira como o sujeito tem lidado com essas
transformações da subjetividade. No mundo real o sujeito se comunica com o outro real, mas no
mundo virtual é com o objeto idealizado do desejo. O uso de defesas sublimatórias e a formação
de sintomas têm sido recursos mentais freqüentes utilizados para disfarçar a dor mental do
sujeito.
A constituição emocional do ser humano se forma a partir de fenômenos identificatórios
que se desenvolvem na vivência com o outro. Atualmente, discute-se a possibilidade de se
formar vínculos virtuais com natureza afetiva, pois, esse “outro” está presente apenas no mundo
imaginário do internauta; no entanto, ele provoca no sujeito, um sentimento de ambivalência,
pelo fato desse objeto com que ele se relaciona estar ao mesmo tempo presente e ausente no
seu mundo real. Esse estado cria uma confusão e uma dificuldade de discriminação na mente do
sujeito entre aquilo que é real e aquilo que é ilusório.
O novo sempre vem carregado de conteúdos ameaçadores e fantasmáticos. Cabe a nós
abrirmos um espaço mental para reflexão e digestão desses conteúdos, para ser possível
representá-los simbolicamente, nomeá-los e encontrar um modo de assimilação e
transformação. Dessa maneira, teremos condições internas para lidar com o sofrimento e as
ameaças persecutórias que invadem o nosso mundo mental.
As teorias grupais têm assimilado novos referenciais, como a Psicanálise das
Configurações Vinculares que entende o funcionamento mental de grupos e famílias, a partir da
interseção das instâncias intra, inter e transubjetivas.
O foco nos processos de comunicação, na interação constante entre indivíduo família e
cultura, e a consideração pelo outro real externo faz parte de nossa identidade e nos pressiona a
adaptações necessárias, que, ao mesmo tempo nos coloca perguntas: Afinal, que família é
essa? Como acompanhar as novas demandas? O que transformar e o que conservar?
44
(MR05)
CENÁRIOS: REFLEXÕES SOBRE FAMÍLIA E DROGADICÇÃO
Silvia Brasiliano
A prática dos profissionais que trabalham com famílias no campo da drogadicção é
constantemente atravessada por uma série de questões. Assim, se é verdade que, por um lado,
ele deve aprofundar seu saber sobre a drogadicção, por outro seu campo conceitual, como diz
Sudbrack (2001)1 , “não pode jamais ser reduzido às modalidades farmacológicas e psicológicas
ou psicoterápicas, sendo inerente a esta problemática a dimensão relacional e contextual”.
Talvez seja na dimensão contextual que o psicoterapeuta encontra seu maior desafio.
Afinal, vivemos na mesma sociedade que nossos clientes. Tal como eles somos atores e autores
do processo social e o encontro terapêutico exige que simultaneamente mergulhemos e nos
afastemos do que ocorre. Quando a nossa atenção prende-se demais ao drama encenado, em
geral não percebemos que é o cenário que lhe confere seu matiz, sua cor e sua intensidade.
Nesta perspectiva, o propósito deste artigo é refletir sobre cenários, pois são eles que nos
dão a referência sobre a ação e talvez seja nossa tendência a tomá-los somente como pano de
fundo, ao qual pouco tempo dedicamos, uma das fontes em que se debruça muito da
problemática da inter-relação entre indivíduo, família e drogas.
Escolhi então três cenários para que juntos possamos refletir e, quem sabe, trilhar
caminhos diferentes para enfrentar nossas dificuldades terapêuticas com nossos clientes.
O primeiro diz respeito à questão das drogas e o perigo inerente à concepção, bastante comum
na atualidade, de que estamos vivendo uma epidemia de alcoolistas e drogadictos. Se sabemos
que essa preocupação não é infundada, já que os valiosos levantamentos do CEBRID (Centro de
Informações sobre Drogas Psicotrópicas) realmente têm apontado para uma maior precocidade
no consumo de álcool e para um aumento no uso de certas drogas, também os resultados nos
mostram claramente que não é verdade, como querem alguns, que nossa juventude esta toda
doente! Esta visão traz em sua vertente principal uma concepção do problema que centra a
atenção no objeto droga, visto como um agente patogênico, que pode atacar qualquer pessoa
em qualquer circunstância. Contudo, deixa de lado o aspecto mais importante, isto é, a relação
que os indivíduos estabelecem com esse objeto. É claro que não se trata aqui de negar as
propriedades químicas e o potencial aditivo das diferentes substâncias, mas sim, de focalizar a
atenção no sujeito, que, afinal, é quem busca, usa e, eventualmente, perde o controle sobre a
substância tornando-se um drogadicto. No trabalho com famílias, a principal conseqüência deste
cenário é que ao retirar dos pais a sua responsabilidade pelo processo que está ocorrendo com o
jovem, dificulta-se, ou mesmo impede-se, que a família tenha a possibilidade de mobilizar seus
aspectos mais saudáveis para modificar algo em seu próprio funcionamento para auxiliar o seu
filho.
O segundo cenário busca a reflexão sobre a sociedade atual e os padrões de
comportamento que ela impõe. Se tomarmos como base que nossa sociedade pós-moderna tem
como valor fundamental o consumo, não é difícil perceber como a drogadicção pode ser um
sintoma do nosso tempo. Tempo caracterizado por um individualismo extremo e pelo
enfraquecimento dos vínculos sociais, impondo modos de subjetivação que aproximam o
indivíduo de vivências de solidão e desamparo. Este individualismo esta fundado na busca de
prazer imediata, com evitação da dor e do sofrimento, através da incorporação de objetos. A
focalização desse cenário alerta o psicoterapeuta para o fato de que a dependência é um
fenômeno individual, que se apóia em uma história familiar, que se interliga a um contexto
social no qual está inserida. Assim, se ao retirarmos da droga o poder único de adoecer o
sujeito, implicamos a família, ao contextualizá-la, restringimos também o seu poder nesse
processo. Neste sentido, a dependência de drogas nem é privilégio ou culpa do chamado doente,
45
nem é responsabilidade única da dita família patológica. Até porque na cultura de consumo, os
limites entre o sadio e o doentio tornaram-se muito tênues!
O terceiro cenário tem como foco a adolescência, mais especificamente o intenso
enaltecimento da juventude que ocorre atualmente e como isso repercute na família. Abordamse aqui vários aspectos. Primeiramente foca-se no processo dialético que ocorre entre o
adolescente e sua família. Da mesma forma que para ele alternam-se momentos de proximidade
e intenso afastamento, para os pais também a admiração e o orgulho pelo filho, seu corpo, sua
vitalidade, suas habilidades físicas e intelectuais mesclam-se muitas vezes com sentimentos de
inveja e ciúme “associados a dura realidade da percepção de que se esta sendo superado” 2. Se
nesse movimento a fascinação predomina, o adolescente torna-se o herói, aquele que pode ir
tão longe quanto o pai desejaria ter ido e não foi, colocando-se como objeto, a serviço da
realização dos mais secretos desejos do pai de experimentar todos os prazeres, sem nada a
impedi-lo.
Em seguida, aborda-se o prolongamento quase infindável da adolescência nos dias de
hoje e sua relação com a indeterminação do lugar social a ser atribuído ou ocupado pelo jovem
no futuro. Questionando como este tempo tem sido visto como uma época de responsabilidade,
pouco sucesso e fracasso nas realizações, discute-se como a dependência de drogas, ao
obstaculizar a subjetivação do indivíduo e sua inscrição ativa no mundo, é um reflexo e um
sintoma desta condição. Estritamente vinculado a esse ponto, aborda-se, então, o último
aspecto, que focaliza a ilusão de separação da família que o uso de drogas representa. A
princípio, a ilusão esta no dispositivo que é real e não simbólico. Mesmo quando a conseqüência
é extrema, e o rompimento dos laços familiares ocorre, a separação não se efetua de fato. Em
qualquer caso, ela será concretizada em um produto e não tem o efeito de uma mediação
simbólica entre o eu e o outro, o que verdadeiramente conduziria o crescimento. Por outro lado,
a ilusão advém do fato de que o uso de drogas pode constituir-se como uma repetição da relação
ambivalente que o adolescente tem com os pais. Na adolescência, a necessidade de afastamento
do núcleo familiar, com todas as promessas de independência que isto significa, coexiste
juntamente com o desejo de permanecer protegido e seguro dentro do lar. Como a dependência,
em geral, mobiliza a família a cuidar do jovem e a mantê-lo ao seu lado, ele pode continuar
iludindo-se e imaginando que tem um estilo de vida diferente do dos pais, ao mesmo tempo em
que adia indeterminadamente a possibilidade real de afastamento e independência deles.
Referências Bibliográficas
1. Sudbrack MFO. Terapia familiar sistêmica. In: Seibel SD, Toscano Jr. (Orgs.) Dependência de
drogas. São Paulo: Editora Atheneu, 2001. p. 403-415.
2. Levisky DL. Adolescência: reflexões psicanalíticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998. 2
ed. rev. e atualizada.
46
(MR03)
COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS
Luiz Carlos Osorio
No trabalho com grupos, terapêuticos ou não, uso um referencial teórico-técnico
interdisciplinar, ou seja, me apoio em conhecimentos advindos de diferentes correntes de
pensamento que influenciaram a abordagem grupal. São elas:
Psicanálise
Dinâmica de Grupo
Teoria dos vínculos e dos grupos operativos
Psicodrama
Teoria Sistêmica e da Comunicação Humana
Eis o que me parecem ser as principais contribuições que cada um desses marcos
referenciais teórico-práticos traz para minha práxis com grupos:
 Psicanálise  a compreensão das motivações inconscientes das ações humanas
 Dinâmica de Grupo  as noções básicas de campo grupal e das distintas formas
de liderança e exercício da autoridade
 Teoria dos Vínculos e dos Grupos Operativos  a forma de discernir os objetivos
(tarefas) dos grupos e o modo de abordá-los operativamente a partir dos vínculos
relacionais
 Psicodrama  a visualização dos papéis designados no cenário dos sistemas
humanos e a utilização do role-playing como ferramenta operacional
 Teoria Sistêmica  a possibilidade de perceber e discriminar o jogo interativo
dos indivíduos no contexto grupal e, a partir dessa percepção, catalisar as
mudanças possíveis no sistema, trabalhando com os elementos fornecidos pela
Teoria da Comunicação Humana no sentido de esclarecer os “mal-entendidos” e
desfazer os “nós comunicacionais” que obstaculizam o fluxo operativo
De uma forma sintética poderia dizer que trabalho com o grupo visualizando-o como um
sistema interacional, compreendendo essas interações sob a ótica psicanalítica e me utilizando
de certos recursos psicodramáticos como mobilizadores do processo grupal.
Durante os mais de 40 anos em que trabalho com grupos algumas mudanças fundamentais
ocorreram em minha forma de abordá-los. Resumidamente posso dizer que meu enfoque passou
a ser menos intrapsíquico e mais interacional, na medida em que incorporei as noções oriundas
do paradigma sistêmico; passei a valorizar mais o clima grupal do que as interpretações e seus
conteúdos como agente de transformação nos grupos terapêuticos e em minha postura como
coordenador ou terapeuta de grupos passei a por a ênfase na atividade como catalisador dos
processos grupais e não apenas na função de emissor de significados (atividade interpretativa).
Quanto a meu papel de grupoterapeuta as mudanças ocorreram no sentido de me colocar
mais como facilitador das interações e comunicação entre os membros do grupo, funcionando
como uma “memória viva” do grupo, conectando os fragmentos do material associativo
emergente e estabelecendo relações de sentido entre eles, bem como estimulando os
participantes a uma atividade reflexiva sobre o que ocorre no processo grupal.
47
Com isso, ocorreu uma menor hierarquização da atividade interpretativa como
ferramenta técnica e uma maior ênfase nas intervenções dos próprios membros do grupo,
experimentadas como outros olhares ou percepções dos conteúdos verbais e não verbais surgidos
durante o processo grupal.
Penso hoje que a resolução das situações conflituosas aportadas pelos membros do grupo
não são obtidas tão somente com a ajuda da função do terapeuta como emissor de significados
(atividade interpretativa), mas também dos “feedbacks” dos demais participantes do grupo.
Visualizo os membros do grupo cada vez menos como “pacientes” e sim como “agentes”
de seu processo terapêutico. Sistemicamente o processo terapêutico é uma rede de relações e
significados tecida conjuntamente entre terapeuta e membros do grupo. Somos “parceiros” de
uma tarefa, embora com funções diversificadas na sua operacionalidade.
Tanto na abordagem dos grupos terapêuticos como não terapêuticos sinto que está
presente e de uma forma indissociável minha identidade de cuidador, ou seja, focado no alívio
do sofrimento humano Isso ocorre em função de minhas inclinações vocacionais e da formação
médica original. A essa tendência se acresce um estilo pessoal que me leva a ser antes um
conotador das possibilidades (conotação positiva) e não das limitações (conotação negativa)
daqueles a quem atendo em meu cotidiano profissional. Por essa razão me sinto mais à vontade
em tarefas preventivas que curativas.
Por outro lado, acho que tenho entre minhas competências no trabalho com grupos o
saber funcionar como mediador de conflitos, o que aprimorei com a experiência como terapeuta
de casais e famílias, bem como em consultorias a equipes multidisciplinares, empresas familiares
e instituições em geral.
48
(MR03)
COMO TRABALHAMOS COM GRUPOS DE PACIENTES SOMÁTICOS
Edilberto Maia
INTRODUÇÃO
A doutrina médica mostra que desde os tempos de Hipócrates os princípios da medicina
psicossomática nela já se encontravam contidos. Porém, no Brasil é a figura de Danilo
Perestrello que aparece como o marco da medicina psicossomática, através de sua Tese de livre
docência, “A Psiquiatra Atual como Psicobiologia”, de 1945, da qual se torna seu principal
divulgador e o primeiro presidente da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática10.
Psicossomática: conceituação
Uma conceituação importante é aquela que integra três perspectivas: a doença com sua
dimensão psicológica; a relação médico-paciente com seus múltiplos desdobramentos; e a ação
terapêutica voltada para a pessoa do doente, este sendo visto como um todo biopsicossocial.
Nosso self constitui-se a partir das primeiras relações com a mãe e o ambiente, e se
estrutura de modo mais sólido ou frágil de acordo com o que se recebeu de afeto, adequação,
respostas, coerência ou ambigüidade. Contêm um potencial hereditário mórbido que irá ou não
se expressar de acordo com as situações de estresse e má adaptação que serão vividas
posteriormente nas várias etapas da vida.
A doença, como ela se apresenta e como significa para nossa fantasia, pode atingir nosso
self, a auto-estima, a qualidade de vida, nossas perspectivas vitais e de sobrevivência, nossa
sexualidade e qualidade de relações pessoais.
O paciente somático apresenta um aparelho psíquico que funciona próximo ao dos
psicóticos. Em suas angústias, encontramos a mesma confusão inconsciente a propósito da
representação do corpo como continente. Existem fantasias de fusão corporal e o temor de
perder o direito à identidade separada, tanto quanto de ter pensamentos e emoções pessoais.
Poderíamos dizer que estes pacientes constroem seus sintomas a partir de núcleos psicóticos de
suas personalidades. Poderíamos ir adiante e dizer que nas afecções psicossomáticas, o sentido é
de ordem pré-simbólica e provoca uma cisão na representação da palavra. McDougall11 diz que os
processos de pensamentos dos somatizadores procuram esvaziar a palavra de sua significação
afetiva. Nos pacientes psicossomáticos é o corpo que se comporta de maneira delirantealucinatória. Poderíamos dizer que as reações psicossomáticas são defesas contra vivências
mortíferas experimentadas em uma fase bastante primitiva na qual a sexualidade se apresenta
dotada de aspectos sádicos e fusionais. É como se não houvesse distinção entre si mesmo e o
outro. É como se existisse apenas um corpo para dois.
Teoria e Técnica

Médico psiquiatra e psicanalista. Presidente do Centro de Estudos de Psicanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo de
Pará.
10
EKSTERMAN, Abram. Medicina Psicossomática no Brasil. In: Mello Filho, Júlio de. Psicossomática hoje. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1992, p.29
11
MCDOUGALL, Joyce. Tetros do Corpo. O psicossoma em psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 22
49
Apesar de o objetivo final de nosso trabalho ser a aplicação da psicoterapia analítica de
grupo, na qual a interpretação esteja vinculada ao inconsciente levando à conscientização, ao
auto-conhecimento e insight, o que temos nos grupos somáticos são pacientes regredidos,
necessitados de vários aportes teóricos e técnicos.
Como há uma cisão na representação da palavra, estamos, então, sempre estimulando o
grupo a falar. A catarse sempre é um objetivo presente. Falar da doença somática, de algo que
não se sabe direito o que é, é sempre uma meta terapêutica, pois inclui as fantasias sobre a
doença que o paciente por vezes nunca confessou a ninguém. Suas ansiedades também são
trabalhadas.
Na medida em que o grupo permanece conosco por um tempo maior e percebemos certa
evolução, vamos utilizando ferramentas mais complexas, através das intervenções vamos
ajudando o grupo a conhecer os meandros e os significados da enfermidade, as formas de
conviver com o mundo e a perspectiva de mudar esta convivência para melhor, conhecendo
também, do que se sofre e por que se sofre.
Assim passamos de uma terapia de apoio para o trabalho focal, até chegar à terapia que
leva à reflexão, conhecimento e insight.
Conclusão
É reconhecido que desde Freud a psicanálise privilegiou o papel da linguagem na
estruturação do psiquismo e no tratamento psicanalítico, porém sabemos que há outras vias de
comunicação além da linguagem. Na tentativa de abordar a percepção de determinados
pensamentos, de determinadas fantasias ou situações conflituosos, um paciente pode, por
exemplo, desencadear uma explosão somática. Procuramos, então, neste trabalho, através da
vinheta, privilegiar a palavra, mostrando que é através da fala, da verbalização de seus conflitos
que o paciente vai conseguir passar do sentido pré simbólico para o simbólico, assim, refletindo
sobre os verdadeiros significados de suas enfermidades, e com isso mudar para melhor sua
convivência com o mundo.
50
(MR04)
CUIDADORES – UM VÍNCULO COMPLEXO – DESCOBERTAS EM UMA EXPERIÊNCIA GRUPAL
Ada Maria Riberti1
Alaíza Helena S. R. Citrângulo2
Falar, simbolizar, comunicar; este é o instrumento de nosso trabalho.
O objetivo deste trabalho é compartilhar experiências e reflexões à cerca das vivências
de terapeutas na condução de um grupo de cuidadores.
O grupo ocorre dentro de um Ambulatório de Saúde Mental, e que embora ele seja
conduzido por 2 psicólogas, ele faz parte de um trabalho multidisciplinar.
À partir de um dado concreto trazido pela farmacêutica à cerca do aumento significativo
na dispensação de medicação para doenças degenerativas, inicia-se o questionamento sobre
quem são estes cuidadores.
Um dado relevante: uma vez dado início ao grupo, aberto à cuidadores de doenças
crônicas, constatou-se que a maioria eram cuidadores de pacientes com Alzheimer, ou seja,
pacientes que apresentam um distúrbio neurológico, degenerativo, progressivo que evolui para
perdas graduais da função cognitiva, provocando distúrbios no comportamento e afeto.
O inicio do grupo pode também levar à apropriação a utilização, de diversos recursos já
existentes na rede de saúde: um deles o CAPS.
Na medida em que existimos dentro de relações, não somos, nem nos reconhecemos no
nada, necessitamos ser para alguém, ser com alguém. Como uma pessoa elabora uma vivência,
aonde a maior parte do seu contato se dá diante de alguém que não lembra, não recorda, não
retém a informação? O que este tipo de experiência, causa no próprio eu do cuidador?
E como o cuidado, “cuidar” de pessoas implica em nossa realidade diária, nossa
identificação foi imediata. A angústia frente a incapacidade de simbolização e comunicação foi
nosso ponto de partida.
O grupo foi estruturado segundo os seguintes critérios:
- O 1º contato ocorre no Acolhimento
- O cuidador passa por uma entrevista semidirigida
- Os encontros são semanais
- O grupo é aberto
- Os temas são livres, e são apresentados através de dinâmicas, textos, vídeos.
________________________
1. Psicóloga
2. Psicóloga
51
A reunião de pessoas com a mesma problemática cumpre o papel de acolher, ampliar as
vivências e fornecer o suporte necessário para os pacientes.
Inicialmente os integrantes do grupo apresentavam uma fala homogênea e restrita, com
um discurso linear.
O grupo também mantinha uma fantasia/expectativa, onipotente em relação às
terapeutas, buscando soluções mais concretas e imediatas para as angustias.
Durante todo o trabalho com o grupo o foco terapêutico foi justamente a ampliação das
vivências e a criação de um espaço para maior reflexão sobre as próprias necessidades, os
desejos e escolhas dentro da dinâmica familiar.
A inicial apatia, inércia, conformismo acabam por dar lugar a questionamentos mais
profundos.
O cuidador pode desprender-se da relação estagnada com o paciente e voltar a ser
agente de sua própria historia, buscando outros significados de uma forma mais ativa; e para
além de seu papel de cuidador.
Isto ocorre justamente quando a comunicação, a simbolização e um distanciamento
mínimo abrem um espaço mental para novas vivências.
E são estas novas vivências que enriquecem nosso trabalho diário como terapeutas.
52
(MR04)
EQUIPE MULTIPROFISSIONAL, INTERDISCIPLINARIDADE, TRANSDICIPLINARIDADE E SAÚDE:
DESAFIOS DO NOSSO TEMPO
Maria de Lourdes Feriotti
A concepção de saúde do SUS, sustentada pelo princípio da integralidade da atenção,
pretende a superação do modelo centrado na doença, buscando o desenvolvimento de
estratégias que abordem a complexidade inerente à saúde, articulando ações de promoção,
prevenção, tratamento e reabilitação e, ainda, integrando os aspectos bio-psico-sociais para
análise das condições de vida de indivíduos e populações. Esta tarefa pressupõe a constituição
de redes de comunicação interpessoal, interdisciplinar, interinstitucional e intersetorial, guiadas
por profundas transformações paradigmáticas, tanto no âmbito da ciência, quanto das
organizações de trabalho e relações sociais.
Para enfrentar as transições paradigmáticas características de nosso tempo, podemos
buscar apoio em Morin, pensador francês contemporâneo, que desenvolve estudos sobre o
“pensamento complexo”. A abordagem complexa da realidade, contrária à fragmentação do
conhecimento, sustenta a religação dos diferentes saberes e a análise das relações dinâmicas
entre partes-todo-contexto, integrando o conhecimento e, ao mesmo tempo, contemplando o
caráter multidimensional da realidade humana e social.
No campo científico, a complexidade enfatiza a interdisciplinaridade e a
transdisciplinaridade, compreendidas como diferentes possibilidades de relação entre as
disciplinas ou, ainda, além das disciplinas. As práticas interdisciplinares e transdisciplinares
que visam à constituição da unidade ou integralidade sem, no entanto, perder a multiplicidade,
pressupõe a vivência com a diversidade, uma vez que colocam em comunicação diferentes
formas de descrever, analisar, explicar e intervir na realidade. Neste processo podem
confrontar-se muitas diferenças, seja no campo das idéias, das linguagens, das profissões, das
habilidades, das competências, das crenças, dos costumes, das etnias, das classes sociais, das
características de personalidade, dos gêneros, enfim, de tudo aquilo que fizer parte da
constituição das relações humanas.
O conceito de diversidade se coloca ainda como condição para o desenvolvimento de uma
sociedade inclusiva e sustentável. Assim sendo, a construção deste projeto de saúde implica uma
profunda transformação dos aspectos teórico-filosóficos, técnicos, políticos, gerenciais e éticos
nos mais diversos níveis de relações institucionais e pessoais, organicamente interligados. As
equipes multiprofissionais podem ser consideradas um dos núcleos desta rede de atenção à
saúde, um dos elos desta complexa trama. Tais equipes constituem-se grupos que vivenciam e
operam esta construção na prática cotidiana, carregando as contradições inerentes ao nosso
tempo. Contradições que colocam, de um lado, os novos paradigmas e, de outro, o processo
histórico de formação dos profissionais e instituições da saúde, marcado pela fragmentação do
conhecimento, pela setorização do trabalho, pelas estruturas hierárquicas de poder e pela
cultura corporativa. Contradições que são experimentadas no campo das interações objetivas e
subjetivas, nas múltiplas ações e relações que configuram a vida institucional. Deste modo,
podemos supor que esta construção não ocorre sem sofrimentos e conflitos.
Há várias contribuições para subsidiar a organização das equipes multiprofissionais, a
partir do estudo de grupos e relações interpessoais, de análises institucionais, de formação e
capacitação profissional, de mecanismos de gestão e estruturas organizacionais, de estratégias
de comunicação, dentre outras. Este trabalho pretende agregar-se a essas contribuições com
uma abordagem ético-filosófica que possa provocar uma reflexão acerca dos obstáculos e
facilitadores, objetivos e subjetivos, para o exercício da prática transdisciplinar e das interações
criativas com a diversidade, como desafio cotidiano das equipes multiprofissionais da saúde.
53
Referências Bibliográficas
FERIOTTI, Maria de Lourdes. Universidade, formação de professores e movimentos sociais: a
colcha de retalhos como metáfora das relações interdisciplinares e transdisciplinares. –
Campinas: PUC-Campinas, dissertação mestrado, 2007.
FERIOTTI, Maria de Lourdes. Diversidade, educação, cultura e sustentabilidade: relacionando
conceitos. In: O Mundo da Saúde. – São Paulo: Centro Universitário São Camilo, ano 32, v.32,
n.3, jul./set. 2008, p.359-366.
MATTOS, Ruben Araujo de. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores
que merecem ser defendidos. In: Pinheiro, Roseni; Mattos, Ruben Araujo de. Os sentidos da
integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro, IMS ABRASCO, 2001. p. 39-64.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Trad. Catarina Eleonora F.
da Silva; revisão técnica Edgard de Assis Carvalho. – 4. ed. – São Paulo: Cortez; Brasília, DF:
UNESCO, 2001.
SHIVA, Vandana. Biopirataria: A pilhagem da natureza e do conhecimento. Trad. Laura
Cardellini Barbosa de Oliveira. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
54
(MR04)
O CAPSi COMO LUGAR DE CONVIVÊNCIA1
Amaury Tadeu Rufatto2
Rose Pompeu de Toledo3
Nesse trabalho pretendemos refletir sobre algumas questões relativas à convivência da
equipe técnica com os usuários do CAPSi Santo Amaro.
O Centro de Atenção Psicossocial Infantil Santo Amaro
É um serviço que cuida de crianças que sofrem com transtornos mentais e está localizado
na região sul da cidade de São Paulo. O trabalho desenvolvido procura estabelecer vínculos entre
a equipe técnica e os usuários, estes centrados no acolhimento e numa ambiência terapêutica
acolhedora que possa incluir pacientes muito desestruturados. A atenção, além do atendimento
às crianças, inclui ações dirigidas aos familiares e compromete-se com a construção de projetos
de inserção social, visando à organização de uma rede de cuidados em saúde mental de caráter
intersetorial e inclusiva, com base territorial, garantindo a integralidade e a eqüidade.
O CAPSi, conta com uma equipe multiprofissional composta por, psicólogos,
fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiras, psiquiatra infantil, assistente social e
auxiliar de enfermagem.
Frente às propostas de convivência, ambiência terapêutica e inclusão surgem algumas
inquietações, que dizem respeito às relações entre a equipe, os usuários e seus familiares.
1. Como o CAPSi entende e propõe o atendimento a uma família que tem entre seus
membros uma criança com transtorno mental?
2. Como entender e atender a famílias cuja configuração é muito vulnerável, onde
nenhum de seus membros pode servir de apoio para os demais, nas quais ocorrem,
por exemplo, tentativas de suicídio de crianças que as famílias não conseguem
entender?
3. Como sair de um vínculo de dependência absoluta, para um vínculo que considere a
possibilidade de autonomia de cada um?
Desta forma, buscamos entender como a experiência vivida dentro do CAPSi, pode ajudar
a lidar com situações que vão do isolamento provocado pelo autismo, ao abandono vivido pelo
suicida. Assim, a qualidade dos vínculos se mostra como peça fundamental para o surgimento de
uma nova maneira de se relacionar, consigo mesmo e com o mundo.
55
(MR01)
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL PARA PESSOAS EM SITUAÇÃO PSICÓTICA:
UMA ESTRATÉGIA GRUPAL
Marcelo Afonso Ribeiro1
A “pessoa em situação psicótica” esteve afastada da possibilidade de uma vida dotada de
sentido e de ação sobre o mundo durante quase todo século XX, marcado por uma configuração
sociolaboral normativa e estável, que delimitava quem poderia e quem não poderia nele laborar.
A psicose é a ameaça da desintegração do self unitário, propiciada por falhas no holding
materno, que se repetem seguidamente, criam um padrão fragmentado de ser no lugar do
padrão de continuidade existencial e engendram agonias primitivas, que promovem cortes na
continuidade existencial. Nesse sentido, a “pessoa em situação psicótica” necessita sentir-se
real e poder habitar o mundo como espaço transicional, de construção e desconstrução desse
mundo, agora familiar e apropriado, como espaço do acontecer humano, por exemplo, via
trabalho.
O mundo contemporâneo vive um momento de transição no qual suas estruturas
sociolaborais estão em transformação, o que, em tese, possibilitaria o retorno da “pessoa em
situação psicótica” a laborar no mundo, entretanto não de forma direta, mas através de um
intermediário que a prepare para este retorno e uma das dimensões que permitiria tal
construção é o vínculo com o trabalho.
Partindo do pressuposto que a Orientação Profissional seria a área que deve auxiliar nesta
vinculação ao trabalho e que essa tarefa depende da (re) construção do projeto de vida no
trabalho, o presente trabalho analisa como um dispositivo grupal pode auxiliar nesse processo ao
se constituir no espaço intermediário necessário para o desenvolvimento de projetos (holding
qualitativo), que começam no espaço grupal continente para depois ter lugar na relação
dialética sujeito/mundo social: espaço de concretização dos projetos profissionais.
Não será apresentada uma proposta de orientação profissional, mas realizar-se-á uma
reflexão sobre as necessidades da “pessoa em situação psicótica” na dimensão específica das
suas possibilidades de vínculo com o mundo através do trabalho e como um dispositivo grupal
poderia auxiliar a orientação profissional a construir uma estratégia específica para atender a
demanda de retomada do projeto de vida no trabalho desse público-alvo.
O trabalho com dispositivos grupais para “pessoas em situação psicótica” não é uma
estratégia recente, mas qual sua contribuição a uma estratégia de orientação profissional?
Tradicionalmente, o processo de orientação profissional tem sido realizado de forma
individualizada, mas há muito tempo vem sendo, também, realizado através de grupos com
finalidades operativas ou grupos com finalidades terapêuticas.
Um dos motivos é que, em um mundo em transição, a orientação profissional teve seus
objetivos modificados e ampliados, passando de um auxílio pontual para a escolha profissional
de um lugar no mundo do trabalho previamente estabelecido para uma ajuda contínua na
construção, desenvolvimento e gestão de um projeto de vida no trabalho num mundo
sociolaboral não estabilizado. Antes havia um ajustamento ou adaptação a uma ordem
sociolaboral predefinida e agora há necessidade de construção relacional contínua num mundo
instável e mutante.
Um grupo é uma micro-sociedade, representando, dessa forma, a sociedade como um
todo, o que permite a cada pessoa se instrumentar para a construção de projetos dentro de um
56
contexto relacional, possibilitando que esse processo tenha características e formas semelhantes
ao que poderá acontecer em suas relações sociais concretas.
A questão da “pessoa em situação psicótica” passa pela possibilidade de relação dialética
entre o espaço singular (estrutura subjetiva) e o espaço social (estrutura social), que são pólos
extremos de um mesmo elo de continuidade.
Ela necessita reorganizar sua possibilidade de dialetização dessa relação subjetiva e
social (psicossocial), mas que encontra dificuldades se esse processo é realizado diretamente no
mundo social, necessitando, portanto, de um espaço para construir uma organização que
permita a realização de tal tarefa, que é o dispositivo grupal, basicamente configurado como um
espaço provisório de sustentação externa, continência e transição, no qual as pessoas possam
laborar no seu desenvolvimento psicossocial e profissional.
Um dispositivo grupal permitiria, então, que uma “pessoa em situação psicótica”, que
necessita de um espaço transicional de recepção, elaboração e reparação das rupturas sofridas e
de restauração das atividades de simbolização, tivesse uma experiência de revivência e de
reencontro dos laços humanos fundamentais: a vida fantasmática dos grupos tem um estatuto
metapsicológico intermediário entre o estado fusional (narcisismo) e a realidade exterior.
Essa experiência não seria realizada diretamente no mundo social, pois, invariavelmente
poderia levar a novas crises e rupturas, mas seria intermediada pelo dispositivo grupal o qual
buscaria construir uma passagem entre a situação de “fora do mundo”, que a situação psicótica
tende a colocar às pessoas, para uma situação “dentro do mundo”, não de forma imposta, mas
de forma intermediada, primeiramente pela sustentação externa de um grupo gerada pela ilusão
grupal até atingir a possibilidade de diferenciação do outro e ação sobre o mundo.
O grupo seria, então, uma área de experimentação ou espaço transicional, no qual
emerge um espaço potencial, que é a área intermediária situada entre o que é subjetivo e o que
é objetivamente percebido, ou seja, o grupo se constituiria como um espaço intermediário
através do qual o sujeito primeiramente tem suporte para seus déficits narcísicos, para num
segundo momento se autonomizar através da realização de uma tarefa grupal.
O dispositivo grupal propiciaria um holding qualitativo–sustentação que visa fornecer
pontos de referência estáveis necessários para a integração no tempo e espaço – graduando
qualidades e continências.
O grupo não tem instâncias psíquicas, mas se constitui como espaço extratópico para as
encenações inconscientes, ligando, contendo e organizando os conteúdos inconscientes. A
realidade psíquica subsistiria fora de sua singularidade, e isso só é possibilitado pelas formações
e processos intermediários que são as formações e processos psíquicos de ligação, de passagem
de um elemento a outro, seja no espaço intrapsíquico, seja no espaço interpsíquico, seja na
articulação entre esses dois espaços. O dispositivo grupal, como possibilitador de formações e
processos intermediários cumpriria, então, algumas funções que são indispensáveis para a
reapropriação da vida, estabelecidas em ordem das possibilidades da “pessoa em situação
psicótica” laborar no mundo, sendo um espaço:
-
De continência para sua forma de ser;
-
De depósito, mas também de cripta de seus conteúdos;
-
De apoio transitório para que ele possa reedificar sua subjetividade;
-
De reconstrução de uma base corpórea para alojar a subjetividade;
-
De transição para, gradativamente, ir ressignificando a sua vida; e
57
-
De produção concreta para viabilizar a produção subjetiva e objetiva, via tarefa, no
mundo social, numa rematrização de suas relações sociais e na criação de projetos de
vida, por exemplo, no trabalho.
Com isso há também um auxílio protegido para ir saindo gradativamente do isolamento e
ir desenvolvendo uma estrutura para lidar com sua tendência ensimesmante, que possibilite
requisitar uma autonomia gradualmente e propiciar a habilidade de relações intersubjetivas
com sentido, gerado pela experiência de contatos constantes com outras pessoas no grupo e
fora dele, saindo da estagnação (cronicidade psicótica) e arriscando novas relações e projetos no
mundo, como o projeto de vida no trabalho.
Concluindo: o grupo seria o espaço intermediário necessário para o desenvolvimento de
projetos (holding qualitativo), que começam no espaço grupal continente (espaço protegido de
construção de projetos ocupacionais) para depois terem lugar a relação dialética sujeito/mundo
social: espaço no qual serão concretizados os projetos profissionais, perfazendo sua importância
como estratégia da orientação profissional para “pessoas em situação psicótica”.
Palavras-chave: orientação profissional; carreira; psicose; grupos; vínculo.
58
(MR06)
PSICOTERAPIA DE GRUPO DAS PATOLOGIAS PÓS-MODERNAS: TRANSTORNO ALIMENTAR
Dr. Carlos Alberto Sampaio Martins de Barros 1
A Bulimia Nervosa (BN), um transtorno alimentar descrito em 1979, tem despertado,
recentemente, interesse pela sua freqüência significativa, conduta bizarra com os alimentos,
dificuldade na abordagem terapêutica, padrão aditivo, forte tendência à crucificação e intenso
sofrimento psicológico. Na BN temos episódios de hiperfagia seguidos de comportamento
purgativo, como vômitos auto-induzidos, enemas, uso de laxativos e diuréticos e/ou jejuns e
exercício físico excessivo. A percepção da imagem corporal é inapropriadamente influenciada
pela forma e peso corporais e atinge preferentemente mulheres jovens. É compreendida como
um paradigma psicossomático.
Segundo Campos (1994), “a fala somática deve ser sempre traduzida, ora como meio
primitivo de expressão e de defesa (uma forma narcísica), ora como meio simbólico de expressar
seus impulsivos reprimidos (forma edipiana)”.
Garfinkel (1995) observa que a psicoterapia para o tratamento da BN envolve,
atualmente, componentes cognitivos, comportamentais e psicodinâmicos. A prática atual sugere
o valor de combinar elementos destes três componentes. “As terapias de grupo são geralmente
proveitosas para a BN. O grupo pode tomar diferentes formas, incluindo orientações
psicodinâmicas, comportamentais, feministas ou de auto-ajuda”.
Rosenvinge (1990) enfatiza que a psicoterapia de grupo pode representar um maior
avanço terapêutico para os transtornos alimentares. Haper-Giuffre e colaboradores (1996)
reforçam que “os problemas de autoestima e as percepções equivocadas das expectativas dos
outros, que constituem um núcleo central na psicologia dos transtornos alimentares, são
particularmente bem tratados pelos fatores terapêuticos grupais comuns”.
É importante, segundo O‟Neil e colaboradores (1987), que os terapeutas de grupo com
bulímicas sejam ativos ao focar, clarificar, confrontar e interpretar os conflitos dos pacientes.
Também sustentam que a psicoterapia de grupo orientada psicodinamicamente é, de fato, um
método de tratamento promissor.
Nossa grupoterapia com pacientes que sofrem de BN funciona em Clínica Privada, na
cidade de Porto Alegre, desde julho de 1994. É um grupo do tipo aberto, homogêneo por todos
estarem acometidos do mesmo transtorno, de periodicidade semanal, com sessões de 60 minutos
de duração e sendo todos os participantes, até o presente momento, do sexo feminino. A idade
varia entre 19 a 57 anos.
O processo seletivo para o ingresso na grupoterapia é constituído de entrevista clínica
diagnóstica individual, com avaliação da motivação para o trabalho grupal, da capacidade de
insight e identificação do grau de sofrimento psicológico. É importante haver compromisso e a
manutenção do tratamento médico-nutricional e/ou psicoterápico - caso já esteja realizando
com outro profissional - e aceitação no grupo em andamento. Após o processo seletivo, o
terapeuta apresenta verbalmente a nova pessoa ao grupo, descrevendo algumas características
pessoais e do seu transtorno alimentar, omitindo o nome da candidata. Indaga aos componentes
do grupo como se sentiram recebendo a nova companheira. É um momento em que as demais
evocam como foi consigo. Após o assentimento é que anuncia o nome da pessoa, com o objetivo
________________________
1
Médico Psiquiatra. Porto Alegre-RS
59
de identificar a existência de um possível conhecimento ou relacionamento social prévio que
possa vir a prejudicar o tratamento.
A orientação do trabalho psicoterápico grupal é psicodinâmica, acrescida de manejos
operativos educativos, privilegiando restituir ao paciente a capacidade de expressar seus
conflitos verbalmente, de forma a desvendar o transtorno alimentar oculto, passando, nesse
percurso, inicialmente pela fase de expressão da “palavra vomitória”, até chegar ao uso da
“palavra falada e não de vaso sanitário”. Essa trajetória terapêutica procura decifrar o que
significa a bulimia. O uso deste transtorno alimentar, oculto e sofrido, e seu tratamento em
grupo podem ser esquematizados da seguinte forma: a BN expressa uma linguagem do corpo em
que a grupoterapia busca desvendar o transtorno alimentar oculto, que é uma comunicação
regressiva em que usa a palavra vomitória. Tenta transformar em fala o sofrimento psíquico
gerando a palavra falada e não purgativa, que passa a ser a palavra da mente. Assim inicia a
decodificação da significação emergindo o sofrimento psicológico com a trama conflitiva, é o
processo da neurotização dos conflitos sensível a efetiva e eficaz ação psicoterápica, a cura pela
palavra.
Destacamos que nesse período da grupoterapia observou-se algumas modificações nas
pacientes, na maneira de ser e estar, como uma maior adesão ao tratamento psicoterápico
grupal, médico e nutricional com redução da rotatividade comumente encontrada em tais
pacientes; maior uso da palavra, expressando os conflitos psicológicos e suas adversidades
existenciais; desenvolvimento da capacidade de insight, vinculando as situações conflitivas à
compulsão ao comer, aos mecanismos purgativos compensatórios inadequados, à dieta restritiva
auto-imposta e às atividades físicas exageradas; diminuição dos sintomas purgativos;
estabelecimento de um clima de cordialidade, solidariedade e ajuda entre os membros do grupo
e, finalmente, redução acentuada do uso de medicamentos auto-prescritos e de substâncias
psicoativas.
Referências Bibliográficas
BARROS, C. A. S. M. de. Grupos com pacientes bulímicas. In: MELLO FILHO, J. e col. Grupo e
corpo. Psicoterapia de grupo com pacientes somáticos. Porto Alegre: ArtMed, 2000, p.295306.
CAMPOS, E. P. O paciente somático em grupo terapêutico. In: MELLO FILHO, J. et al.
Psicossomática Hoje, Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
GARFINKEL, P. E. (1995). Eating disorders. In: KAPLAN, I. K.; SADOCK, B.J. Comprehensive
textbook of psychiatry 6ed. Baltimore: Williams; Wilkins, 1995.
HAPER-GIUFFRE, H.; MACKENZIE, K. R. Psicoterapia de grupo com transtornos da alimentação.
In: KAPLAN, H.I.; SADOCK, B.J. (org.). Compêndio de psicoterapia de grupo, 3ed. Porto
Alegre: Artes Médicas Sul, 1996.
O‟NEIL, M. K. et al. Psychodinamic group treatment of young adult bulimic women: preliminary
positive results. Canadian Journal of Psychiatry. Ottawa,v. 32, n.2, p.153-155, 1987.
ROSENVINGE, J. H. Group therapy for anorexic and bulimic patients. Some aspects on the
conduction of group therapy and a critical review of some recent studies. Acta Psychiatry
Scandinavian Suppl., Munksgaard, v. 361, n. 4, p. 38-43, 1990.
60
(MR02)
TRANSFORMANDO AS DEMANDAS SOCIAIS EM ESPAÇOS TERAPÊUTICOS
Ana Margarida Tischler Rodrigues da Cunha
Marilda Goldfeder
Bons tempos aqueles... em que sabíamos o que esperavam de nós! As demandas
familiares assim como as sociais, estavam instituídas e aconteciam naturalmente na vida de cada
sujeito, cada família, nos diferentes contextos e ciclos vitais. É verdade que a continência para
o diferente era pequena, campo fértil para os preconceitos e modelos previsíveis,
compartilhados e moldados pela cultura vigente. Em casa, nas escolas, a comunicação de
valores, rituais e comportamentos adequados à cada situação eram transmitidos sem grandes
contradições permitindo uma aprendizagem no campo social, que servia de apoio e dava
segurança ao “ser” de cada um em conformidade com sua pertença `a determinada classe
social, gênero, família, nacionalidade, estado civil... A socialização, produzia seres humanos
moldados em nome de um bem comum e o destino dos diferentes, subprodutos indesejáveis, era
a marginalidade.
Mas afinal, bons tempos para quem e para que? Porque o saudosismo? Pela insegurança e
confusão engendradas pelas mudanças?
Os tempos são outros agora... Evoluindo de comunidades paralelas, modelos diferentes
foram aparecendo e se integrando par e passo e através, dos grandes avanços tecnológicos e dos
meios de comunicação. O ideal de integração entre os povos, corpo e mente, entre classes
sociais, transformaram-se em ideologias que escorregam muitas vezes para a outra face da
mesma moeda, levando a confusões e demandando significações... O comum, deixa de ser
valorizado para dar lugar ao individual, ao original, ao diferente; ao ideal “ser” em detrimento
do “pertencer”. Com isso, os guetos continuam, desafiando nossos referenciais na busca do
diálogo e do equilíbrio ótimo entre o ser e o pertencer, entre o indivíduo e o grupo, entre as
instituições e a cultura.
Nesta busca, perdeu-se o significado de muitas palavras do universo familiar: tia,
também é professora; casar, pode ser cohabitar; o que nos remete à importância da
comunicação, tema da nossa mesa.
A conversa que se segue, exemplifica este caldeirão onde distintas gerações tentam
encontrar uma linguagem comum.
- Mãe! Acabei de me casar...
- Como assim?
- É que viemos ao cartório pra fazer uma declaração de união estável; pro seguro saúde,
sabe? Descobrimos que é igual ao casamento, com escolha para comunhão ou separação de bens
e tudo; então casamos.
- Mas isso não é casamento; e os votos, o que diz a sua carteira de identidade? Diz solteiro
não é? Parece casamento, mas não é.
Dias depois... – Mãe, ficamos noivos! Vou mandar as fotos por email.
- Com pedido e tudo, filho? Parabéns; passa o telefone pra minha norinha.
61
Pai: - ora essa, pensei que estava acertado que não houve casamento! Portanto você
ainda não tem nora.
A irmã: - vocês não tem jeito mesmo!
Compreender a complexidade das relações e fenômenos do campo grupal, institucional e
social, suas transformações e conseqüências, é condição para a eleição de abordagens e recursos
que ao mesmo tempo abracem as grandes transformações e preservem o que na linguagem de
Janine Puget, são os parâmetros definitórios das relações, dos vínculos e se expressam na
comunicação. É o cuidado com os vínculos nas suas diferentes dimensões: intra, inter e trans
subjetivas que caracteriza nosso referencial, a PCV o que inevitavelmente organiza nossa tarefa
em torno da comunicação, interação e interdependência do indivíduo, família, sociedade e a
cultura.
62
CURSOS…………………………………………………………………………………………63
01
Até onde vai o corpo? - Lazslo Antonio Ávila (C2)…………………………………………………
64
02
Curso sobre Casais – Alguna Idea acerca de las problemáticas vinculares Janine Puget (C4)………………………………………………………………………………………………….
66
03
Tutoria e práticas inclusivas - José Pacheco (C1)……………………………………………….
67
04
Vínculos, diálogos e vivência com a diversidade, na perspectiva do pensamento
complexo - Maria de Lourdes Feriotti C5)…………………………………………………………..
68
63
(C2)
ATÉ ONDE VAI O CORPO?
Lazslo Antonio Ávila
O presente curso é uma apresentação da Psicossomática Psicanalítica. Faremos um
percurso pelas idéias seminais de Georg Groddeck e Joyce McDougall, complementadas por
intuições advindas de poetas e literatos. O curso pretende interessar e motivar os profissionais
de saúde mental para esse instigante campo de investigação: as complexas relações mentecorpo, que tanto acontecem na doença como na saúde; no ambiente terapêutico, quanto na vida
em sentido mais amplo.
Para Otávio Paz, o grande ensaísta mexicano, o corpo vai até o infinito: “O corpo é uma
janela para o infinito, ele é o próprio infinito”. Já para John Donne, místico e poeta, o corpo é a
fonte e essência do prazer, tal como formulado no belo verso depois musicado por Caetano
Veloso: “Todo prazer provêm do corpo”. Outro poeta e místico inglês, William Blake, já vê o
corpo apenas submetido a outra instância mais importante: “O corpo é uma parcela da alma” e
considera os sentidos como os principais acessos da alma.
Para a Fisiologia, o corpo é uma máquina maravilhosa composta por mais de 4 trilhões de
células, cada uma um ser com vida própria. Desse total, cem bilhões são neurônios.
Curiosamente este é o mesmo número das estrelas de nossa galáxia, a Via Láctea, leite de nossa
vida.
O corpo é, às vezes, mera sombra (Clarice Lispector: “A sombra da minha alma é meu
corpo”). Outras vezes o corpo é o inimigo a vencer, como em Drummond: “Meu corpo não é meu
corpo, é ilusão de outro ser/sabe a arte de esconder-me.../me sabe mais que me sei”.
Para a Psicanálise, o corpo é mito (Freud: “A teoria das pulsões é a minha mitologia”), ou
a gênese do psíquico (“O ego é sempre, desde o início, um ego corporal”). O corpo é sexo, é
território dividido, é impasse, é conflito. O corpo é angústia, é insight.
Até onde vai o corpo: vai até a mente, aos símbolos. Às vezes é vazio, é nada, é deserto.
Às vezes vive em plenitude e é Cosmos. O corpo é abrigo para a alma e para o Outro. O corpo é
lugar de violação e de adoração. O corpo é palco de violência e âmbito de exclusão. O corpo se
marca e demarca territórios e identidades. O corpo é de extremos: agoniza, se extasia, nos
lança além. O corpo está mais além do princípio do prazer. O corpo está além da imaginação.
O corpo transpira prazer e transpira medo. O corpo é opaco na doença, na revolta, na
miséria. O corpo é transparente da dor, no amor.
O corpo é vínculo e é solidão. O corpo é sólido e não se sustenta. O corpo é frágil e
arrebenta. O corpo arrebata. O corpo transcende e acende. O corpo é Arte, mas o corpo parte.
O corpo é a parte do corpo que não queremos perder. O corpo é a perda. O corpo é a guerra do
viver.
O corpo nos conduz. O corpo é o caminho. O corpo é o caminhante. O corpo é a verdade.
Mas o corpo mascara. O corpo é a mais cara posse.
O corpo é a nossa margem. Até ali vamos, até ali somos. O corpo é a nossa paz, nosso
porto.
O corpo é o cenário para a vida, nosso teatro, nossa literatura. O corpo é o livro onde
aprendemos o que somos, onde inscrevemos o que fomos. No corpo nosso destino, nossa sina. O
64
corpo, o que nos ensina? Com ele, através dele, para ele = só existimos graças a ele, mas é ele
quem um dia nos levará, ao nos deixar.
Sendo nossa mais próxima experiência, por quê o desconhecemos tanto? Por quê nos
perdemos dele? Como o escondemos? Corpo com quem bailamos, corpo em que nos afogamos,
nos apoiamos, corpo que somos nós, como nos libertar de seus nós?
65
(C4 - Curso de Casais)
ALGUNA IDEA ACERCA DE LAS PROBLEMÁTICAS VINCULARES
Janine Puget
Durante el transcurso del curso buscaré establecer un diálogo entre los participantes a
partir de experiencias clínicas que nos faciliten la comprensión de la dinámica vincular.
Insistiremos en como presentar un material, qué se entiende por material, qué se
entiende por intervenir, qué se busca cuando se interviene.
Ello está basado en la idea que muchas veces resulta difícil darse cuenta lo que hay que
privilegiar, lo que es posible comprender y en algunas ocasiones resulta complejo descubrir lo
que se entiende por material vincular.
He notado que solemos aplicar nuestro método adquirido en los análisis llamados
individuales para pensar la relación entre las personas
66
(C1)
TUTORIA E PRÁTICAS INCLUSIVAS
José Pacheco
“Existe muita discussão e preocupação com a necessidade de enriquecer o processo de
ensino-aprendizagem através de mecanismos que permitam ao aluno aprender a pensar, a
ser pessoa, a conviver e a tomar decisões. Para tanto é preciso modificar a estrutura da
escola, isto é, criar uma estrutura democrática, dando voz aos alunos e aos educadores. O
objetivo é mudar o foco da escola na sua prática, priorizando a aprendizagem dos alunos,
para que eles sejam livres para refletir, questionar, pensar e agir, contribuindo para a
melhoria do mundo.” (Vieira, Patrícia, Tutoria: responsabilidade, autonomia, convivência,
Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara, 2005)
Na Escola da Ponte (locus de pesquisa de Patrícia Vieira), a prática da tutoria está
associada à idéia de “educação inclusiva.”
“Um sistema educacional que fornece inclusão total baseia-se em algumas ou em todas as
seguintes crenças e princípios:
Todas as crianças conseguem aprender;
Todas as crianças precisam aprender a conceber currículos relevantes, que atendam às
suas necessidades;
Todas as crianças devem aprender num ambiente colaborativo.”
(Adaptado de Brunswick, 1994)
Objetivos do curso:
Caracterizar a tutoria como processo de orientação da aprendizagem do aluno, com o
propósito de instigá-lo a atingir um pensamento autônomo;
Adaptar o conceito de tutoria a diferentes realidades e contextos;
Operacionalizar o conceito de inclusão;
Conceber e desenvolver projetos operadores de mudança;
Reconfigurar práticas escolares e sociais em coerência com princípios assumidos.
67
(C5)
VÍNCULOS, DIÁLOGOS E VIVÊNCIA COM A DIVERSIDADE, NA PERSPECTIVA DO PENSAMENTO
COMPLEXO
Maria de Lourdes Feriotti
As descobertas científicas do início do século XX e as demandas da humanidade no
processo de globalização vêm exigindo profundas transformações das formas tradicionais de
abordagem do conhecimento, da natureza e das relações sociais, caracterizando o momento
histórico atual como um período de transição paradigmática.
A interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade têm sido apontadas como possíveis saídas para o
enfrentamento dessa questão, uma vez que buscam redefinir não apenas os modos de produção
do conhecimento, como também da organização social, tendo em vista a abordagem da
realidade em sua complexidade. No entanto, esta é uma árdua tarefa, pois implica a
transformação de estruturas institucionais e culturais historicamente construídas e, por
conseguinte, de valores e hábitos adquiridos pela cultura da sociedade moderna.
Nesse processo é inevitável o enfrentamento de obstáculos sociais, pedagógicos, ideológicos,
políticos, psicológicos, metodológicos e técnicos. Colocadas deste modo, a interdisciplinaridade
e a transdisciplinaridade podem fornecer subsídios para novas metodologias de análise e
intervenção na realidade, assim como para o desenvolvimento de relações sociais e interpessoais fundadas na perspectiva de uma cultura que constitua não apenas símbolos e
representações, mas também ações e atitudes condizentes com os novos paradigmas.
A vivência da diversidade e a transformação da lógica do poder hoje instituída acompanham
essas reflexões, pois representam condições para o desenvolvimento desse processo. O conceito
de diversidade ocupa, portanto, um lugar de destaque na construção de relações
interdisciplinares e transdisciplinares, assim como no desenvolvimento de uma sociedade
inclusiva e sustentável. A diversidade pode ser compreendida como a diferença ou o não
reconhecimento do outro como igual a “nós”, seja no campo das idéias, das crenças, dos
costumes, das etnias, das classes sociais, das linguagens, das profissões, das habilidades, das
características de personalidade, dos gêneros, enfim, de tudo aquilo que fizer parte da
constituição das relações humanas.
Tradicionalmente, as diferenças têm sido tratadas como desigualdades, estabelecendo-se
relações de dominação ou violência entre as culturas ou comportamentos considerados
referência e aqueles considerados marginais. Para alterar esta lógica faz-se necessário construir
novos referenciais para compreender as relações entre o Eu e o Outro, o uno e o múltiplo, o
individual e o coletivo. O difícil trânsito pelas fronteiras da diversidade implica o
desenvolvimento do sentido de alteridade, ou seja, o reconhecimento do valor implícito do
outro. Exige ainda mudanças de atitudes e hábitos adquiridos por uma cultura que tende ao
movimento de homogeneização diante da diversidade, apagando as diferenças ou então,
catalogando-as.
Os processos de homogeneização não eliminam totalmente a diversidade, mas transformam-na
em experiências de competição e exclusão, tornando a intolerância à diversidade uma
característica social. Shiva (2001) fazendo analogias entre a biodiversidade e a diversidade
cultural e entre monocultura mental e monoculturas agrícolas, identifica que, tanto para a
organização da natureza quanto da sociedade, os processos coercitivos de homogeneização, que
objetivam eliminar a diversidade, acabam rompendo a integração sistêmica pela perda dos
mecanismos intrínsecos de auto-regulação, gerando comunidades vulneráveis e dependentes de
uma força externa ao sistema, em sentido contrário à sustentabilidade e auto-organização.
Constituir a unidade sem anular a diversidade é, portanto, o grande desafio dessa nova
perspectiva.
68
Para enfrentar esse desafio, Morin (2001), pensador francês contemporâneo que vem
desenvolvendo estudos sobre a complexidade, nos fornece referências para identificação dos
obstáculos e facilitadores para o diálogo com a diversidade. O pensamento complexo, contrário
ao reducionismo, consiste em acessar, articular e organizar as informações sobre a realidade de
modo a perceber o local, o global e as múltiplas relações entre partes-todo-contexto,
possibilitando não apenas uma abordagem multidimensional, contextual, dinâmica e
transdisciplinar da realidade, mas também um minucioso estudo dos mecanismos de exclusão
social, constituindo uma metodologia de vida, de ciência e de educação que, de fato, venha a
permitir a vivência com a diversidade.
Este curso objetiva promover instrumentos teórico-práticos para a reflexão acerca da vivência
com a diversidade, seus obstáculos e facilitadores, segundo Morin, assim como sua importância
para o cotidiano das equipes multiprofissionais de saúde.
Referências Bibliográficas
FERIOTTI, Maria de Lourdes. Diversidade, educação, cultura e sustentabilidade: relacionando
conceitos. In: O Mundo da Saúde. – São Paulo: Centro Universitário São Camilo, ano 32, v.32,
n.3, p.359-366, jul./set. 2008.
FERIOTTI, Maria de Lourdes. Universidade, formação de professores e movimentos sociais: a
colcha de retalhos como metáfora das relações interdisciplinares e transdisciplinares. –
Campinas: PUC-Campinas, dissertação mestrado, 2007.
FERIOTTI, Maria de Lourdes. A questão da interdisciplinaridade na saúde. In: Revista de
Ciências Médicas PUCCAMP, Campinas: PUC-Campinas, v.4, n. 3, p.130-132, set./dez.1995.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Trad. Catarina Eleonora F.
da Silva; revisão técnica Edgard de Assis Carvalho. – 4. ed. – São Paulo: Cortez; Brasília, DF:
UNESCO, 2001.
MORIN, Edgar. O Método 1: a natureza da natureza. Trad. Ilana Heineberg. – Porto Alegre:
Sulina, 2ª. Edição, 2003.
PÁDUA, Elisabete M. M. de. Trabalho de Conclusão de Curso: elementos para a construção de
um projeto integrado de desenvolvimento curricular. Revista Série Acadêmica, PUCCampinas, n. 19, p. 31-52, jan./dez.2005.
SHIVA, Vandana. Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento. Trad. Laura
Cardellini Barbosa de Oliveira. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia.
Trad. Dinah de Abreu Azevedo. – São Paulo: Gaia, 2003.
OBSERVAÇÕES:
O curso deverá ser ministrado em dois dias.
69
PAINÉIS…………………………………………………………………………………………..70
01
02
03
04
05
06
07
08
Abuso Sexual contra Crianças: diagnóstico psicológico pericial sob o olhar
psicanalítico – Silvia Maria Bonassi e Osana Noujain Ramos Nitani (C.
P28)………………………………………………………………………………………………………………………..
72
A importância do apoio aos familiares de portadores da Doença de
Alzheimer - Maria Carolina Gatti (C.P21)……………………………………………………………..
75
Grupo de Orientação e oficinas de pais: alternativas possíveis no CAPSi
- Jane Regina Q. Coelho Macedo; Cristiane Perpétua do Amaral; Flávia
Torres de Lima; Melina Merkies; Thiago Henrique Bomfim (C. P22)…………………..
77
Grupo de Pessoas com Diabetes Mellitus na ótica da educação em saúde –
Camila Rezende Pimentel, Valmir Aparecido de Oliveira, Manoel Antônio dos
Santos, Maria Lúcia Zanetti (B. P.10)………………………………………………………………… 78
Grupo de Reflexão: o desafio do trabalho de grupo em serviço de apoio
Escolar - Marisa Machado Cavallieri e Érika Arantes de Oliveira (B. P09)………….
82
Grupos de Reflexão – aspectos teóricos e vivenciais – Maria Amélia Andrea e
Beatriz Silvério Fernandes (C. P24)………………………………………………………………………
84
Holding e Continência: A experiência de um Grupo de Reflexão com
Monitoras em um abrigo - Carla Lam (A. P03)………………………………………………..
87
O atendimento grupal e as configurações vinculares no serviço de saúde
pública – Carla Lam; Mary Lise Moyses Silveira; Marcílio Sandoval Silveira;
Mariângela Mendes de Almeida; Luciane Faccini; Conceição Aparecida
Nazareth (A. P08)…………………………………………………………………………………………………
90
09
Obesidade e grupo: a contribuição de Merieau-Ponty - Valmir Aparecido de
Oliveira e Camila Rezende Pimentel (B. P11)………………………………………………………. 94
10
O
elemento
transicional como fator de vinculação na oficina
terapêutica: Relato de experiência no CAPSi - Ana Carolina Nicoletti (C. P.
26)…………………………………………………………………………………………………………………………. 98
11
O grupo com autistas como instrumento psicoterapêutico - André Apolinário
Silva Marinho (A. P01)……………………………………………………………………………………………
101
70
12
Percepções da família sobre a anorexia e bulemia nervosa - Laura Vilela e 104
Souza; Manoel Antonio dos Santos; Fábio Scorsolini Comin (B. P17)…………………..
13
Prevenção em escolas: do ideal ao possível - Luciana Slaviero Pinheiro
Cerdeira; Mônica Lazzarini Ferreira Valente (B. P14)…………………………………………
108
14
Reconstruindo a história familiar: uma experiência de atendimento
familiar breve com pacientes dependentes de álcool e outras drogas – Mônica
Lazzarini Ferreira Valente (B. P 15)……………………………………………………………………… 110
71
(C. P28)
ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS: DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO PERICIAL SOB O OLHAR
PSICANALÍTICO
Bonassi, Silvia Maria
Nitani, Osana Noujain Ramos
Palavras-Chave: Perícia Psicológica; Negligência Familiar; Vitimização infantil; Abuso sexual
contra crianças.
1. Introdução
A violência urbana, institucional e familiar, em suas diversas formas de manifestação,
tem sido invariavelmente compreendida pelos estudiosos e pesquisadores como um fenômeno de
alta complexidade, em especial aquelas que afetam a sexualidade. Quando praticada contra
crianças e adolescentes, atinge os mais altos níveis de complexidade e, como vem sendo
demonstrado por pesquisadores, deve ser analisada em um contexto histórico-social de violência
endêmica e de profundas raízes culturais. No campo da violência sexual contra crianças e
adolescentes, tendo como base a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, a
Constituição Federal Brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente12 - Lei 8069/90, hoje as
ações de enfrentamento dessas questões no Brasil estão sob a égide do Plano Nacional de
Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, construído pelos movimentos sociais e
aprovado pelo CONANDA em julho do ano 2000 como instrumento de defesa e garantia de
direitos das crianças e adolescentes. O Plano Nacional prevê a criação, fortalecimento e
implementação de um conjunto articulado de ações e metas fundamentais para assegurar a
proteção integral da criança e do adolescente em situação ou risco de violência sexual.
2. Personalidade
A personalidade é uma organização construída por todas as características cognitivas,
afetivas, volitivas e físicas de um indivíduo. Ela é um traço de originalidade de uma pessoa e o
resultado da integração de três aspectos fundamentais no seu desenvolvimento e evolução: o
biológico, o psicológico e o social, cuja interação é dinâmica e evolutiva. Cada indivíduo tem a
sua história pessoal, única e intransferível de desenvolvimento, e sua conduta pode ser
entendida como uma manifestação da personalidade (D‟Andrea, 1978).
O modelo de desenvolvimento mental é concebido como “uma flor desabrochando em
toda sua beleza e perfeição desde que lhe fosse dado um ambiente apropriado” (Meltzer, 1989).
3. Psicanálise
A teoria psicanalítica postula um dualismo pulsional: à pulsão de vida, também chamada
de Eros, voltada para o amor e ao que é construtivo, opõe-se ao Thanatos, a pulsão de morte,
que age destrutivamente nas edificações da pulsão de vida.
Freud13 estudou
o
desenvolvimento
psicossexual da
criança, descrevendo as suas
várias
12
13
A partir de agora, será denominado de ECA.
FREUD, S. O instinto e suas Vicissitudes. In: ___. 1980. Edição
Completas. Rio de Janeiro, Imago, Vol. 14.
Standard Brasileira das Obras Psicológicas
72
etapas nas fases oral, anal, fálica e genital, depois complementadas pelos achados de Melanie
Klein14 e outros psicanalistas.
Melanie Klein é uma das mais importantes precursoras da Psicanálise infantil, uma
técnica de análise do comportamento humano que usa a atividade lúdica como meio de
comunicação projetiva da personalidade. Nesta experiência analítica a criança expressa seus
sentimentos em cenas lúdicas, associadas livremente tais como, fantasias, contos, sonhos, e
devaneios. As brincadeiras e os desenhos podem indicar conteúdos latentes ocultos sob um
conteúdo manifesto. Estas manifestações promovem a comunicação de vivências sejam elas
positivas ou negativas e contribuem para o diagnóstico e tratamento de crianças vitimizadas,
seja por maus-tratos, negligência, abuso ou exploração sexual15.
4. Perícia Psicológica
Os mecanismos de comunicação verbal das crianças muitas vezes não são suficientes para
esclarecer um inquérito policial, necessitando a policia do serviço de investigação pericial
psicológica. A atividade do psicólogo na função de perito também ficou legitimada através de
seu órgão de classe – O Conselho Federal de Psicologia16 (CFP). No Decreto 53.964 (21.01.64),
que regulamenta a Lei 4.112, responsável pela criação da profissão psicólogo, já esta
prevista, entre outras situações a de “realizar perícias e emitir pareceres sobre matéria de
Psicologia”. Em 1992, esse Conselho remeteu ao Ministério do Trabalho uma descrição mais
completa das atividades que caracterizam o trabalho do psicólogo, e entre as quais destacam:
Avaliar as condições intelectuais e emocionais de crianças,
adolescentes e adultos em conexão com processos jurídicos seja por
deficiência mental e insanidade, testamentos contestados, aceitação
em lares adotivos, posse e guarda de crianças ou determinação de
responsabilidade legal por atos criminosos. Atuar como perito judicial
nas varas cíveis, criminais, justiça do trabalho, da família, da criança
e do adolescente, elaborando laudos, pareceres e perícias a serem
anexados aos processos. (Conselho Federal de psicologia, 1995).
5. Laudo Pericial
O objetivo de uma investigação diagnostica pericial 17, é a elucidação de situações e fatos
controversos, decorrentes de conflitos de interesses em relação a um direito pleiteado, ou
mesmo anteriores a estes, por ação do Ministério Público que busca a apuração de
responsabilidades por atos ilícitos.
A perícia, como meio de prova, não se constitui em uma verdade soberana. Quando
anexada aos autos deverá ser objeto de análise minuciosa por parte dos agentes envolvidos na
questão litigiosa, que devem apresentar, de forma clara e lógica, seus achados e conclusões. O
resultado do trabalho pericial precisa ser apresentado por meio de um laudo técnico18 sucinto,
mas com seus achados descritos com precisão e analisados de forma a fundamentar cada
conclusão (Taborda, 2004).
6. Abuso sexual contra a infância
14
KLEIN, M.: El Psicoanálisis de niños. Buenos Aires, Hormé, 1964, 2ª ed. trad. por A. Aberastury.
GUERRA, Viviane N. de A. A violência de pais contra filhos: procuram-se vítimas. São Paulo Cortez, 1987.
16
Ver Conselho Federal de Psicologia, C. F. P.
17
Na área cível a perícia judicial esta regulamentada pelo Código Civil de 1973 (CPC, Lei n. 5.869/73, parcialmente
alterado pela Lei 8.455 de 24/08/92.
18
TABORDA, J. G. V. Exame pericial psiquiátrico. In TABORDA, J. G. V., CHALUB, M. Abdalla, E. Psiquiatria Forense.
Porto Alegre: Artmed, 2004.
15
73
O abuso sexual de seres humanos pelos seus semelhantes têm sido uma constante na
história da humanidade. Parece que tal conduta também se deu dirigida contra as crianças e
adolescentes. Todavia, meninas, muito mais do que os meninos parecem não estarem a salvo em
nossa cultura, de todos os tipos de abusos sexuais, desde a sedução pura e simples, passando
pelo incesto, pelas experiências erotizadas e sexuais, até o estupro. Só recentemente, essa
questão vem sendo problematizada, enquanto um fenômeno social a ser explicado,
compreendido e enfrentado pela sociedade brasileira. Como conseqüências de tal fato, parecem
ser variadas as iniciativas para se efetivar o respeito aos seus direitos associado com as
melhorias de suas condições e qualidade de vida.
A problemática do abuso sexual não é somente da alçada privada e familiar. Suas
conseqüências e seqüelas já são fartamente documentadas. Os custos pessoais, sociais e
econômicos são muito altos para que se mantenha a omissão face à sua responsabilização.
A responsabilização apesar de ser predominantemente do abusador, é também, social e
política. A ordem legal deve responsabilizar e punir os abusadores. As instituições sociais devem
ser melhor estudadas e analisadas, provendo de informações as políticas públicas e sociais para
prevenir e tratar a existência de meninas abusadas e adultos sexualmente abusadores.
A Constituição Brasileira refere-se a dois tipos de violação de direitos sexuais passíveis de
sofrerem punição: violência sexual e exploração sexual.
O Código Penal (Art. 224) reconhece como violência sexual a participação de experiências
sexuais de pessoas com menos de quatorze anos, mesmo que não tenha havido resistência por
parte da vítima. O Código Penal Brasileiro inclui como violência sexual atos considerados como
"conjunção carnal" e "atos libidinosos". Conjunção carnal- compreende as situações de estupro,
posse sexual mediante fraude, sedução, corrupção de menores e raptos (mediante fraudes ou
consensual).
7. Método
Estudo de Caso periciado, na Clínica Escola de Psicologia conforme os procedimentos:
Análise documental do inquérito, Estudo de Caso, Parecer Psicológico Pericial. Instrumentos
utilizados: Entrevista familiar, Anamnese, Exame clínico lúdico, Teste projetivo de
personalidade, Documentos de inquérito policial, Resultados: O ambiente familiar era
vitimizador, os pais eram negligentes, a família vivia agregada em função do estado de pobreza,
segundo a fala das crianças (6; 8 e 10 anos) e atividades lúdicas analisadas, o tio materno
cometeu o abuso sexual contra três sobrinhas por manipulação manual dos genitais e a família
tem alimentado o complô do silêncio. Conclusão: As crianças estavam em sofrimento psíquico,
sua família apresentou características incestogênicas, desde outras épocas, uma vez que os pais
são primos. A prole está em risco, mas apresentam um desejo idealizado de família harmoniosa.
Indicação terapêutica feita foi: Psicoterapia Familiar e Acompanhamento Psico-social.
74
(C. P21)
A IMPORTÂNCIA DO APOIO AOS FAMILIARES DE PORTADORES
DA DOENÇA DE ALZHEIMER
Maria Carolina Gatti
Diante da realidade do envelhecimento populacional no Brasil, a exemplo do que vem
ocorrendo nos países desenvolvidos, cresceram os problemas sociais relacionados ao impacto
provocado pelo aumento da expectativa de vida, principalmente com a manutenção da saúde da
população idosa e a preservação de sua permanência junto à família.
De um modo geral, a extensão e a complexidade de algumas doenças crônicas,
progressivas e degenerativas que atingem os idosos repercutem de tal forma sobre a família
como um todo e, especialmente sobre o familiar responsável em prover os cuidados no
domicílio, que esse deveria receber atenção especial dos profissionais da saúde, tendo em vista
que, na maioria das vezes, desconhece as condutas adequadas frente às manifestações das
doenças e às exigências de cuidar do paciente idoso. Tal situação fica evidente naquelas famílias
que convivem com uma pessoa idosa demenciada (LUZARDO E WALDMAN, 2004).
“A Doença de Alzheimer (D. A.) é apenas uma das várias formas de
demências. Essas são doenças que causam deterioração das funções
mentais, do comportamento e da funcionalidade. Atinge homens e
mulheres de todas as raças e classes sociais, sendo considerada uma
doença do envelhecimento, pois é mais comum em pessoas com 60
anos ou mais” (CAOVILLA E CANINEU, 2002).
A instalação da D. A. leva o paciente e a família a um transtorno que parece reduzir a
vida de todos a uma intensa perturbação emocional. O diagnóstico apresenta ao grupo familiar
uma perspectiva difícil pela frente já que todo o grupo é atingido pela D. A. Seus membros são
envolvidos pelas mudanças devastadoras que ocorrem com o paciente e a família adoece junto.
É uma situação de crise que consome pela exaustão (CAOVILLA E CANINEU, 2002).
De acordo com Anderson (1998), cuidar de um idoso com Doença de Alzheimer pode ser
uma das tarefas mais difíceis para a família, razão pela qual o cuidador necessita não só de
informações sobre a doença e suas manifestações, mas, sobretudo, que suas limitações e
inseguranças sejam conhecidas e valorizadas (LUZARDO E WALDMAN, 2004).
Tomamos como referência o grupo de apoio da ABRAz (Associação Brasileira de
Alzheimer) de São José do Rio Preto, cujo trabalho consiste em transmitir informações sobre o
diagnóstico e tratamento da doença e, também, orientar sobre os aspectos cotidianos do
acompanhamento do portador. O principal papel dos grupos de apoio da ABRAz é dar suporte
emocional e servir de auxílio, de cooperação e de orientação no trabalho dos
cuidadores/familiares.
Este trabalho pretende refletir sobre os possíveis motivos da permanência de alguns excuidadores familiares no grupo de apoio da ABRAz apesar da perda de seus familiares portadores
de Doença de Alzheimer (DA).
São sujeitos deste estudo, 03 familiares ex-cuidadores de portadores de D. A.,
selecionados no grupo de apoio da ABRAz de São José do Rio Preto.
Os critérios de inclusão dos sujeitos são: a) ter sido cuidador familiar de portador de
Doença Alzheimer; b) estarem em condições físicas e psicológicas favoráveis para se
expressarem de modo natural no decorrer da entrevista; c) consentimento prévio, após lhes ser
assegurado que não seriam identificados nominalmente, garantindo a sua privacidade.
75
Considerações sobre a pesquisa
Foram sujeitos desta pesquisa 03 familiares ex-cuidadores, sendo duas pessoas do sexo
feminino e uma do sexo masculino. Uma era filha ex-cuidadora da mãe a qual cuidou por 14 anos
com ajuda profissional e a outra era esposa e cuidou sem ajuda profissional por 17 anos do
marido. A pessoa do sexo masculino era um marido que cuidou da sua esposa por 06 anos sem
ajuda profissional. Os sujeitos são católicos e possuem o 2º completo. Relataram conhecer
muito sobre a Doença da Alzheimer já que buscaram informações por conta própria. Chegaram
ao grupo através de convite da médica geriatra que divulgava este trabalho na mídia.
Através do contato direto com os familiares ex-cuidadores foi constatada a necessidade
de suporte, atenção e acolhimento de maneira intensa e digna para que estes possam ter forças
físicas e emocionais para conviver com a Doença de Alzheimer mesmo depois do período de
convivência com o seu familiar portador. Nos relatos colhidos através de entrevista semiestruturada foi observado que o “cuidar” para os sujeitos deste trabalho é muitas vezes sofrer,
passar por muitas dificuldades, é cansativo, é estar disponível sempre, é renunciar, é se sentir
impotente muitas vezes e principalmente é ter amor, pois “sem amor não se cuida de uma
pessoa com Doença de Alzheimer”.
Diante dessa perspectiva, as pessoas que se tornam cuidadores vêem a importância
fundamental de compartilhar suas dúvidas e angústias com outras pessoas que passam pelas
mesmas situações com seus portadores de D. A.. Sendo assim o grupo de apoio da ABRAz se
tornou uma excelente fonte de informação e suporte para as famílias que buscam auxílio e
acolhimento. Proporcionando ainda que esses cuidadores mesmo após a perda dos seus
familiares consigam permanecer no grupo e assim poder compartilhar e ajudar o próximo
familiar que enfrentará os mesmos problemas e necessitará do mesmo apoio e acolhimento.
Neste trabalho foi constatado que o grupo de apoio da ABRAz proporciona conforto,
suporte, conscientização e sentimento de utilidade para os familiares que perderam seus
portadores. Sendo assim, estes relataram que o companheirismo, a amizade, a união e o
acolhimento os mantêm ligados a este grupo para que assim possam continuar compartilhando
suas experiências de vida como cuidadores de portadores de Doenças de Alzheimer.
Referências Bibliográficas
CAOVILLA VPA. & CANINEU PR. Você não está sozinho. São Paulo: ABRAz, 2002.
LUZARDO AR. & WALDMAN BF. Atenção ao familiar cuidador do idoso com doença de Alzheimer.
Acta Scientiarum. Health Sciences, Maringá, v.26, n.1, p. 135-145,
2004.
76
(C. P22)
GRUPO DE ORIENTAÇÃO E OFICINAS DE PAIS: ALTERNATIVAS POSSÍVEIS NO CAPSi
Jane Regina Q. Coelho Macedo1
Cristiane Perpétua do Amaral2
Flávia Torres de Lima3
Melina Markies4
Thiago Henrique Bomfim5
O Centro de Atenção Psicossocial infantil (CAPSi) é um serviço de saúde aberto de
referência e tratamento interdisciplinar de crianças e adolescentes que sofrem com transtornos
mentais, cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua permanência em um dispositivo de
cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida.
Devido a essas características, o atendimento em grupo vem ao encontro das demandas
trabalhadas em uma instituição cujo foco principal é a reabilitação psicossocial.
Assim, este trabalho tem o objetivo de mostrar como este dispositivo pode auxiliar no
atendimento às famílias de crianças e adolescentes portadoras de transtorno mental.
Tradicionalmente a orientação de pais é realizada em grupos terapêuticos, porém, notase alta taxa de absenteísmo dos pais nos grupos, fato este que nos deixou com a seguinte
questão: as faltas eram devido às características das famílias em lidar com os próprios conteúdos
no desenvolvimento do transtorno mental dos filhos, ou outro dispositivo para trabalhar a crítica
dos membros da família deveria ser criado pelo próprio serviço?
Com isso o método utilizado foi a divisão do atendimento com famílias em grupo de
orientação de pais e oficina de pais, sendo que o primeiro apresenta como características: ser
um grupo fechado, heterogêneo, período e número de participantes limitados, e encontros
semanais, já o segundo é um grupo aberto, heterogêneo,duração ilimitada, número de
participantes limitados e encontros semanais.
Dessa experiência podemos ter como resultados e conclusão a importância de
considerarmos o P. T. I e demanda do grupo familiar na qual se insere a criança/adolescente,
uma vez que há pais que se beneficiarão com grupos de orientação e outros com oficina.
Nota-se maior adesão de familiares com dificuldade de compreensão da problemática
psicossocial em oficinas de pais, pois este espaço oportuniza a produção de algo concreto, o qual
contribui para o entendimento do transtorno mental e das relações familiares e sociais.
Ressalta-se que é característica inerente da oficina de pais estimular a autonomia para a
geração de renda de famílias com dificuldade sócio-econômica.
_________________________________________
1
2
3
4
5
Assistente Social, Aprimoramento em Saúde Pública pela UNESP/Presidente Prudente, Especialista em Violência
Doméstica pela USP/SP, em formação em Terapia Familiar - Orientação Sistêmica, e gerente do serviço)
Enfermeira
Flávia Torres de Lima (Terapeuta Ocupacional)
Melina Markies (Fonoaudióloga e Especialista em Saúde Pública e Saúde da Família)
Thiago Henrique Bomfim (Psicólogo e Mestre em Epistemologia da Psicanálise pela UFSCar) – CAPS Cria Duas
Vendas/Secretaria Municipal de Saúde e Higiene de São José do Rio Preto - SP).
77
(B. P10)
GRUPO DE PESSOAS COM DIABETES MELLITUS NA ÓTICA DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE
Camila Rezende Pimentel Ribas1
Valmir Aparecido de Oliveira2
Manoel Antônio dos Santos3
Maria Lúcia Zanetti4
INTRODUÇÃO
O Centro de Pesquisa e Extensão Universitária da Escola de Enfermagem de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo oferece um Grupo de Educação em Diabetes para adultos de
ambos os sexos. Esse grupo encontra-se inserido em um contexto da equipe de saúde
multiprofissional, composta por enfermeiras, educadores físicos, nutricionistas, psicólogos,
docentes, pós-graduandos e graduandos.
A modalidade de grupo educativo é priorizada. Desse modo, os participantes freqüentam
grupos semanais coordenados pela Psicologia, Enfermagem, Nutrição e Educação Física. O grupo
de apoio psicológico tem como finalidade promover uma maior aceitação da doença e do
tratamento, e, conseqüentemente, uma atitude de maior aproveitamento dos aportes
educativos viabilizados por meio das intervenções da equipe de saúde.
O presente estudo tem como objetivo refletir acerca das potencialidades deste grupo
funcionar como espaço de reflexão, autoconhecimento e co-construção de conhecimento em
relação às dificuldades emocionais vinculadas ao diabetes.
O QUE É EDUCAÇÃO EM SAÚDE
Segundo Mühlhauser e Berger (2002), a educação em saúde é considerada a inovação mais
notável nos cuidados ao paciente, devendo ser incluída na complexa abordagem terapêutica das
pessoas com doenças crônicas não-transmissíveis.
A estratégia educacional tem impacto impressionante sobre o comportamento das pessoas
com doenças crônicas, repercutindo favoravelmente na evolução do quadro e nas condições de
saúde desses indivíduos. Dentre os benefícios potenciais, podemos destacar a diminuição dos
custos do atendimento à saúde, uma vez que estudos mostram que as mudanças no estilo de
vida, obtidas com a educação em saúde, melhoram o estado geral dos pacientes
(GAZZINELLI et al., 2005; OLIVEIRA, 2006). Desse modo, é fundamental que os indivíduos com
doenças crônicas adquiram o conhecimento acerca das ferramentas de autocuidado para tomar
decisões diárias no seu cotidiano.
_______________________
1
2
3
4
Psicóloga, mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo-USP, bolsista CAPES. Membro da equipe do Grupo de Educação em
Diabetes vinculado à EERP-USP. E-mail: [email protected]
Psicólogo, mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo-USP, bolsista CAPES. Membro da equipe do Grupo de Educação em
Diabetes vinculado à EERP-USP. E-mail: [email protected]
Psicólogo, professor doutor do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de Ribeirão Preto, USP. Membro da equipe do Grupo de Educação em Diabetes vinculado à EERP-USP. E-mail:
[email protected]
Enfermeira, professor Associado do Departamento de
Enfermagem Geral e Especializada da EERP-USP.
Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Enfermagem e Diabetes Mellitus cadastrado no Diretório do CNPq.
Coordenadora do Grupo de Educação em Diabetes vinculado à EERP-USP. E-mail: [email protected]
78
Os programas de saúde para o controle do diabetes devem conter ações individuais de
assistência e ações populacionais de abrangência coletiva direcionadas à promoção da saúde,
com o intuito de promover impacto educacional e melhor resolubilidade das intervenções
(ZANETTI, 2002). Para tanto, é necessário que a equipe multiprofissional esteja capacitada e
qualificada para o atendimento, o que vem sendo recomendado de forma reiterada por vários
pesquisadores (FERRAZ et al., 2000; GAGLIARDINO & ETCHEGOYEN, 2001).
De acordo com Chiesa e Veríssimo (2001) a atividade educativa não é um processo de
condicionamento para que as pessoas aceitem, sem questionar, as orientações que lhes são
passadas. Uma simples informação, divulgação ou transmissão de conhecimentos a respeito de
como ter saúde ou evitar doenças, por si só não contribuirá para que uma população seja mais
sadia, nem é fator que pode contribuir para mudanças desejáveis para melhoria da qualidade de
vida.
GRUPO DE APOIO: POTENCIALIDADES
O grupo de apoio psicológico reúne-se semanalmente, com duração de 90 minutos. É
constituído por pessoas adultas com diabetes mellitus, de ambos os sexos, ficando a critério do
coordenador a admissão, ou não, de novos membros. Ou seja, é aberto, o que significa dizer que
se admite a entrada e saída de pessoas a qualquer momento.
O grupo é desenvolvido como um grupo operativo. Como a própria nomenclatura indica,
visa a “operar” em uma determinada tarefa, sem que haja uma precípua finalidade
psicoterápica. Envolve princípios de grupo de ensino-aprendizagem, cuja ideologia fundamental
caracteriza-se por enfatizar a essência do “aprender a aprender”. Seu lema pode ser resumido
na reflexão de que, mais importante do que encher as cabeças com conhecimentos, é formar
cabeças (ZIMERMAN, 2007).
O fenômeno responsável por centralizar a atividade de qualquer agrupamento humano
consiste na interação entre seus componentes, sendo a dinâmica dessa interação o lócus do
enfoque do interesse especulativo, independentemente da vertente teórica sob a qual se esteja
posicionado com o intuito de entender a atividade grupal dos seres humanos (OSORIO, 2003).
Assim como Rufatto (2006) preconiza, compreende-se o escutar como uma ferramenta
relevante, mas que precisa ser desenvolvida, e esta é uma das primeiras questões que o
enquadre grupal confronta, agora não mais vista como uma prerrogativa exclusiva do
psicoterapeuta. É fundamental saber escutar os outros, tanto quanto escutar o que pensamos e
dizemos. É necessário escutar como que repercute em cada um aquilo que foi vivido de modo
compartilhado no grupo. No entanto, tão importante quanto escutar o que se diz é o escutar o
que não se diz, o não-dito, aquilo que não aparece: o inominável (RUFATTO, 2006).
OBJETIVOS DO GRUPO
Deve-se possibilitar à pessoa com diabetes um espaço de apoio, suporte e acolhimento,
que propicie a livre expressão de sentimentos, atitudes e pensamentos em torno da
enfermidade, para uma conscientização do vínculo entre seu estilo de vida e sua doença,
evitando, dessa forma, abordar conteúdos psíquicos mais profundos, que não estejam
estritamente vinculados à doença (CAMPOS, 1992). Tendo isso em vista, o grupo educativo
proposto tem como finalidades gerais:
a) ênfase na necessidade de mudanças no estilo de vida e na adoção de hábitos
saudáveis, por meio do desenvolvimento de técnicas de dinâmica de grupo que
oportunizam suporte psicológico às pessoas que vivem com diabetes, para o
enfrentamento das vicissitudes do tratamento.
79
b) proporcionar um contexto de convivência entre iguais, pois, ao compartilhar das
experiências de outras pessoas que também vivem com diabetes, favorece-se a busca
de soluções reais para problemas de saúde similares.
c) possibilitar um espaço para lidar com as dificuldades emocionais relativas à doença
crônica não-transmissível, por meio de um enfoque educativo.
d) identificar e elaborar as dificuldades referentes ao diabetes e que podem afetar na
adesão ao tratamento;
e) promover uma maior aceitação do diabetes, reforçando uma atitude positiva e uma
perspectiva esperançosa diante do futuro;
f) estimular a responsabilidade de cada indivíduo com diabetes em relação ao seu
próprio tratamento, incentivando sua autonomia e independência quanto à tomada
de decisões referentes ao seu autocuidado, além de estimular o uso ininterrupto dos
medicamentos.
Um dos grandes equívocos dos programas de educação para a saúde tem sido a
priorização da transmissão de informações, sem a valorização dos processos de decodificação e
ressignificação dessas mensagens pela população que as recebe (SILVA, 2002). A informação,
mesmo quando clara, objetiva e adequada aos diferentes segmentos da população, não é em
si suficiente para a sensibilização pessoal.
Partindo-se desse pressuposto, os jogos e vivências interativas ludopedagógicas
(dinâmicas ludopedagógicas) podem constituir-se em meios facilitadores para a ocorrência de
reflexão e tomada de consciência de aspectos fundamentais envolvidos no dia-a-dia. Busca-se,
junto às cognições, o envolvimento dos sentimentos e das emoções.
São enfatizadas tarefas consideradas “infantis”, como: recorte e colagem,
dramatizações, murais, atividades com bola, dentre outras. Intencionou-se, com essa estratégia,
viabilizar a quebra de barreiras e a transposição da fronteira do medo de errar, pois, quando
adotamos atitudes infantis, conseguimos ir à nossa essência e transcender o mito realístico do
adulto; o sonho e a fantasia conduzem ao envolvimento pleno com o objeto de encantamento, a
brincadeira (SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE SÃO PAULO/NÚCLEO DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE
– CVE/SES/SP, 2002).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio do uso de jogos e dinâmicas ludopedagógicas, implementados de maneira
criativa e adequada, propiciou-se uma atmosfera de ânimo e aceitação para reflexão e discussão
sobre novas atitudes perante as questões apresentadas pelos integrantes.
Houve uma tentativa de resgatar, por meio desses recursos, a naturalidade e a
espontaneidade. As dinâmicas grupais aumentam as possibilidades de que novas práticas e
atitudes sejam adotadas e modeladas por seus membros (SILVA, 2002). Por essa razão, as
vivências interativas, os jogos e todas as técnicas lúdicas, quando bem utilizadas no processo de
ensinar e aprender, têm poder de transformação. Os resultados observados têm sido cada vez
mais positivos e o seu uso, cada vez mais freqüente.
Tendo isso em vista, compreende-se que os jogos, vivências interativas e dinâmicas
ludopedagógicas atuaram, no grupo educativo em questão, como instrumentos que permitiram
às pessoas aprimorar seu modelo de tomada de decisão e desenvolver habilidades para prevenir
possíveis complicações advindas do diabetes.
80
Referências Bibliográficas
CAMPOS, E. P. O paciente somático no grupo terapêutico. In: MELLO FILHO, J. (Coord.).
Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. cap. 38, p. 371-385.
CHIESA, A. M.; VERÍSSIMO, M. L. O. R. A educação em saúde na prática do PSF: manual de
enfermagem. Brasília, 2001.
FERRAZ, A. E. P.; ZANETTI, M. L.; BRANDÃO, E. C. M.; ROMEU, L. C.; FOSS, M. C.; PACCOLA, G.
M. G. F.; PAULA, F. J. A.; GOUVEIA, L. M. F. B.; MONTENEGRO JR, R. Atendimento
multiprofissional ao paciente com diabetes mellitus no Ambulatório de diabetes do HCFMRPUSP. Medicina, Ribeirão Preto, v. 33, p. 170-175, abr.-jun. 2000.
GAGLIARDINO, J. J. ; ETCHEGOYEN, G. A model educational program for people with type 2
diabetes. A cooperative latin american implementation study (PEDNID-LA). Diabetes Care,
New York, v. 24, n. 6, p. 1001-1007, jun. 2001.
GAZZINELLI, M. F. et al. Educação em saúde: conhecimentos, representações sociais e
experiências da doença. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 1, n. 21, p. 200-206,
jan.-fev. 2005.
MÜHLHAUSER, I; BERGER, M. Patient education: evaluation of a complex intervention.
Diabetologia, Berlin, v. 45, n. 12, p. 1723-1733, dec. 2002.
OLIVEIRA, C. C. Uma perspectiva salutogênica das doenças crônicas: Educação para a saúde e
Educação Médica. Porto: Edition Web, 2006.
OSORIO, L. C. Entendendo e atendendo sistemas humanos. In: FERNANDES, W. J; SVARTMAN, B.;
FERNANDES, B. S. (Orgs.). Grupos e configurações vinculares. Porto Alegre: Artmed, 2003,
cap.4, p. 57-62.
RUFATTO, A. T. O grupo como lugar de aprendizagem. Vínculo, São Paulo, v. 3, n. 3, p. 37-45,
dez. 2006.
SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE SÃO PAULO/ NÚCLEO DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE –
CVE/SES/SP. Educação em saúde: Coletânea de técnicas – Volume II. São Paulo, 2002. 312 p.
SILVA, R. C. Metodologias participativas para trabalhos de promoção de saúde e cidadania.
São Paulo: Vetor, 2002.
ZANETTI, M. L. O cuidado com a pessoa diabética no Centro Educativo de Enfermagem para
adultos e idosos. 2002. 178f. Tese de Livre Docência em Enfermagem Fundamental. Escola
de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.
ZIMERMAN, D. A importância dos grupos na saúde, cultura e diversidade. Vínculo, São Paulo, v.
4, n. 4, p. 1-16, dez. 2007.
Endereço para correspondência:
Camila Rezende Pimentel Ribas
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Av. Bandeirantes, 3900, Monte Alegre, 14040-902,
Ribeirão Preto-SP.
E-mail: [email protected]
81
(B.P09)
GRUPO DE REFLEXÃO: O DESAFIO DO TRABALHO DE GRUPO EM SERVIÇO DE APOIO ESCOLAR
Marisa Machado Cavallieri1
Érika Arantes de Oliveira2
O estudo de trabalho de grupo em instituição está sendo uma forma de trazer
colaborações para compreendermos os processos relacionais que ali se estabelecem. Em algumas
situações as relações que se estabelecem na escola podem interferir na escolarização do aluno,
que podem gerar conflitos e mal entendidos, que se arrastam pelos anos de escolaridade
prejudicando o desenvolvimento da criança/adolescente, a relação da família com o aluno, com
a escola e a vida pessoal, profissional daqueles que no espaço escolar, realiza seu trabalho.
Assim ao pensarmos em grupo e nos fenômenos grupais que numa escola se estabelece
podemos nos remeter ao estudo de trabalho de grupos que nos fornece dados para pensar como
essas relações de conflito se constroem e se mantêm ao longo do cotidiano escolar.
Bleger (1980) coloca que uma instituição pode ser pensada como um conjunto de normas,
padrões e atividades que estão agrupadas em torno de valores e funções sociais. Neste sentido
podemos considerar a escola como uma instituição, pois há um conjunto de normas e atividades
que são direcionadas por um conjunto de valores e funções sociais.
Para Emílio (2004) e Andrade (2005), ao estudarem o trabalho do psicólogo, no contexto
escolar colocam que nele o(s) grupo(s) se estabelece como um dos componentes da escola.
Então, são no grupo que os papéis se estruturam, as relações se estabelecem, onde os processos
vinculares se constroem.
Neste sentido o trabalho com grupos em instituições tem contribuições importantes da
literatura sobre o tema, como a prática de grupos de reflexão Delarossa (1979). Tal prática teve
seu início na área do ensino/aprendizado, e depois se expandiu para as áreas das relações
humanas e seus problemas, e como ferramenta de trabalho de grupo, passou a ser utilizada em
outras situações que ocorrem tensões grupais decorrentes da realização de outras tarefas
(trabalho etc.).
Fernandes (2003) também aponta a questão salutar de tais grupos, pois é neste espaço de
reflexão que dúvidas e inquietações aparecem, são elaboradas e deixam de circular na
instituição como fator de impedimento para a realização das tarefas.
Neste trabalho pretendo descrever o processo de implantação de um trabalho de grupo
em um serviço de apoio escolar, numa cidade do interior do estado de São Paulo. Neste serviço
crianças e adolescentes, bem como suas famílias e profissionais das escolas municipais, com
dificuldades de escolarização são atendidas por uma equipe interdisciplinar. Nesse contexto,
realizo a psicoterapia das crianças e dos adolescentes, em grupo e senti a necessidade de
introduzir o trabalho de grupo com os professores. Esse desejo veio através das discussões nas
orientações, que aconteciam de forma isolada, realizadas com eles, onde percebi a necessidade
de um espaço para que eles falassem sobre suas dificuldades com os alunos e suas famílias e
sobre questões da rotina de trabalho na escola. Esse grupo não aconteceu, devido a não adesão
dos professores, mas foi instituído um grupo de reflexão com diretoras das escolas municipais,
coordenado por mim desde maio de 2006. Algumas reflexões foram elaboradas sobre o não
acontecimento do grupo com os professores e a possibilidade do grupo com os diretores.
___________________________
1
2
Psicóloga, especializada da SPAGESP. E-mail: [email protected]
Professora, preceptora da SPAGESP, Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - FFCLRP-USP.
82
Dentre elas podemos citar: se o grupo de reflexão é uma ferramenta de trabalho do
psicólogo, que disponibiliza um espaço para fluir os pensamentos e sentimentos presentes nas
relações interpessoais, no trabalho, que possam ser melhores esclarecidos, compreendidos, e
assim proporcionar uma saúde funcional e mental, mais ajustadas é pouco usado na educação?
Por que diante de tal proposta de trabalho os professores tiveram resistência em
participar, em não aderir ao grupo de reflexão? Os agentes escolares - professores, diretores,
vice-diretores, coordenadores pedagógicos têm receio de se colocarem em grupo? É uma
proposta que não partiu do próprio grupo (de professores)? Ou ainda têm uma pré-concepção do
trabalho do psicólogo na educação que atrapalha a percepção da importância do grupo de
reflexão como facilitador de manejos para o dia a dia no trabalho com os alunos?
Referências Bibliográficas
ANDRADE, S. A. Sociodrama Educacional – uma estratégia de pesquisa – ação em psicologia
escolar institucional; in: MARRA, M. M.; FLEURY, H. J. Intervenções Grupais na Educação,
São Paulo: Agora, 2005, p. 49 – 66.
BLEGER, J. (1948) Psico- higiene e Psicologia Institucional. Porto Alegre: Artes Médicas.
DELAROSSA, A. (1975) Grupos de Reflexión. Buenos Aires: Paidós.
EMÍLIO, S. A. O Cotidiano Escolar pelo Avesso; sobre laços, amarras e nós no processo de
inclusão. Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo, 2004.
FERNANDES, W. J. (2003) Grupos de Reflexão e Grupos de Discussão; in: FERNANDES, W. J. ;
SVARTMAN, B.; FERNANDES, B. S. Grupos e Configurações Vinculares. Porto Alegre: Artmed,
2003, p. 205 – 207.
83
(C. P24)
GRUPOS DE REFLEXÃO – ASPECTOS TEÓRICOS E VIVENCIAIS
Beatriz S. Fernandes
Maria Amélia Andrea
Introdução
Conceitualmente o grupo de reflexão é um grupo operativo aplicado ao ensinoaprendizado, que objetiva indagar e refletir as tensões oriundas deste processo (CORONEL,
1997).
Segundo Zimerman (1991) é adequado pensar no grupo dentro do processo de educação,
até mesmo a partir da etimologia da palavra que se forma de ex (para fora) e ducare (dirigir), ou
seja, “o educador permite que sejam sadiamente drenados para fora as capacidades
preexistentes em cada um” (Zimerman, 1991, p. 49).
Objetivo
Fazer uma reflexão (revisão bibliográfica implica muito mais pesquisa) sobre o tema, e
discutir a utilização destes grupos nas instituições de ensino e os resultados obtidos nos
trabalhos desenvolvidos. E também pensar no papel e postura esperados do coordenador.
Aspectos Teórico-Técnicos
A técnica grupal foi escolhida por ser abrangente, por ser plural, e por contar com
múltiplos fenômenos e elementos do psiquismo. É como diz Zimerman “uma melodia que resulta
não da soma das notas musicais, mas da combinação e do arranjo entre elas” (Zimerman, 2000,
p.84).
A técnica empregada em nossos grupos é a de Grupo Operativo segundo os ensinamentos
de Pichon-Rivière, é um instrumento de trabalho, um método de investigação e cumpre, além
disso, uma função terapêutica. Optou-se por esta vertente uma vez que eles são terapêuticos
em seus fins, mas temos uma tarefa a trabalhar. Os participantes se encontram sempre, e a
nossa posição enquanto “técnicas”, também é mesclada, isto é, mantemos contatos extrasetting.
Fernandes (2000) esclarece que no grupo, as resistências fragmentam-se, diluem-se,
permitindo certa elaboração e alguma reestruturação grupal, configurando-se como um meio
eficaz de aprendizado (Fernandes, 2000).
Por meio do grupo de reflexão é possível ao aluno “viver o andamento do curso e não
apenas passar por ele” (FERNANDES, 2003).
O aluno poderá utilizá-lo para perceber sua integração neste grupo, bem como deste
grupo na instituição de ensino, além de participar de um grupo como membro, entrar em
contato com as diferentes ansiedades que surgem na formação e também desenvolver seu papel
de grupoterapeuta. (FERNANDES, 2003).
Como não existe um tema pré - fixado, as projeções podem emergir com facilidade.
Muitas vezes fantasias relacionadas à sua origem. Desta maneira muitos conteúdos pessoais
surgem e precisam ser compreendidos dentro do contexto institucional, para assim ser
devolvidos ao grupo.
84
Isto exige do coordenador uma neutralidade no que diz respeito a não participar do
quadro de docentes e nem mesmo de aspectos administrativos da instituição. Desta forma, ele
poderá então diferenciar o que existe nas questões apresentadas de conteúdo pessoal ou
institucional, verdadeiro foco em questão, que pode ser captado pelo grupo. Pois muitas vezes
ao expressarem o que sentem e pensam, estão revelando o que está acontecendo na instituição
(FERNANDES, 2003).
O coordenador tem como regra, não intervir nas ansiedades individuais, e sim nas do
grupo, que estão ligadas ao processo de aprendizado, tensões que se originam nos estudos, na
formação e na convivência institucional (CORONEL, 1997).
O grupo de reflexão é o fenômeno mais próximo da vivência de um grupo terapêutico; é o
espaço catalisador do processo de formação, um processo que faz pensar em mudança e, é a
identidade do então profissional que, no decorrer do curso, será adicionada à de psicoterapeuta
analítico de grupo.
Com estas questões sendo trabalhadas,
conviver e trabalhar.
o
grupo fica mais livre para estudar,
Aspectos Práticos
O emprego desta técnica em instituição de ensino-aprendizagem colabora muito para que
a compreensão dos canais salutares de comunicação; evita conversa de corredores, de ponto de
ônibus, e permite que os canais competentes possam agir e assim usufruírem de seus benefícios.
O trabalho grupal tem como finalidade dar lugar aos seus participantes para poderem
falar de suas dificuldades e facilidades frente à realidade de suas ansiedades. Não é de
orientação.
Num grupo realizado numa instituição de ensino, a princípio observou-se que quase todos
os estudantes achavam-se deslocados, não entendiam o porquê daquele grupo, perda de tempo,
qual a serventia? Era muito chato.
Ninguém conseguia falar de sua frustração, apenas queixavam-se. Alguns expressavam
raiva, não se achando merecedores de tamanho castigo... Assim era visto o grupo. Tanta
ignorância da coordenação... Perguntas permeavam o grupo, como: o que será que pretendem
com este grupo? Será que a mensalidade vai baixar? Porque tantos alunos desistem? Será que é
isto que vamos fazer? Estudar?
Perguntavam à coordenadora porque ela estava ali. Se era contratada, e se a
direção resolveria os problemas que estavam trazendo para ela no grupo.
Devagar, lentamente, a coordenadora foi conseguindo mostrar a necessidade de um ouvir
o outro, de falarem um de cada vez, de não formarem subgrupos, pois se perderiam muitas
contribuições.
Tentando esclarecer as dúvidas e queixas, aceitando as críticas dirigidas a instituição
e a ela própria, aliviava as tensões. Podendo colocar a todos qual o canal que teriam disponível
para resolverem diretamente este ou aquele assunto possibilitou abrir comportas até então
lacradas.
Os alunos puderam descobrir como reivindicar assertivamente suas prioridades, procurar
canais diretos de comunicação. Criticar sim, mas de maneira construtiva, formulando
possibilidades de resolução de conflitos ou problemas concretos.
85
Assim como a água mole bate em pedra dura, até que fura, após três meses de grupos, o
grupo começou a sair do estágio primitivo para o grupo de trabalho.
Algumas Notas de conclusão
Administrar, conviver e comunicar-se é uma tarefa possível, sim; na medida em que se
podem respeitar as diferenças, dificuldades, incapacidades e potencialidades de cada um.
Percebeu-se ao longo dos meses que os grupos evoluíram, não como talvez, tenham sido
idealizados, mas dentro das capacidades grupais, e de cada um. Os participantes do grupo
esboçaram solidariedade, preocupação com o outro, com a instituição e interesse pela atividade
alheia, no caso, a da coordenadora.
A comunicação verbal foi pouca, mas de grande valor para expressar o que desejavam.
Esperaram o acontecer dos grupos, mas sempre questionando que o grupo era fraco, até
perceberem que o grupo se transforma conforme seus componentes o conduzem de maneiras
diferentes.
O trabalho do grupo depende de cada um nós, e não um só individualmente. Este foi o
grande aprendizado para o aprendiz de coordenação de grupo. Acreditar nele e na sua força.
Quando o coordenador não atrapalha o desenrolar do grupo, muito está fazendo para o seu
crescimento.
Referências Bibliográficas
CORONEL, L. C. I. Grupos de Reflexão. In ZIMERMAN, D. E. e OSORIO, L. C. Como trabalhamos
com grupos – Porto Alegre: Artmed, 1997, p. 346.
FERNANDES, B. S. Como eu trabalho com grupo de reflexão. In: Revista da SPAGESP, N.1, p. 97,
2000.
FERNANDES, W. J. Grupos de Reflexão - Importância institucional no processo de ensino
aprendizagem. In: Revista da ABPAG V.03 (1991–1994) p.88-92. Ed. Paulista – Ribeirão Preto
Ed. Paulista, 1996.
FERNANDES, W. J. Grupos de Reflexão e Grupos de Discussão. In: Fernandes, W. J. ; Svartman,
B.; Fernandes, B. S. Grupos e Configurações Vinculares. Porto Alegre: Artmed, 2003, p.
205-212.
ZIMERMAN, D. E. Grupos de reflexão. In: Revista GrupAL, N. 1, p. 49, S. Paulo: FLAPAG, 1991.
ZIMERMAN, D. E. Fundamentos básicos das Grupoterapias. Porto Alegre: Artmed, 2000, p. 8491.
86
(A P03)
HOLDING E CONTINÊNCIA: A EXPERIÊNCIA DE UM GRUPO DE REFLEXÃO COM
MONITORAS EM UM ABRIGO
Carla Lam
Esse trabalho tem como objeto de estudo o grupo de monitoras de uma instituição que
abriga crianças em situação de vulnerabilidade e em processo de reinserção familiar e social.
Muitas vezes, não há a possibilidade da reinserção na família, mas o jovem precisa ter um
Projeto Político Pedagógico voltado às suas necessidades para que possa ter o seu
desenvolvimento biopsicossocial satisfatório, além de suas garantias legais, sociais e políticas.
O desenvolvimento biopsicossocial da criança depende de seu meio, tendo como principal
protagonista a mãe. Como veremos mais adiante, a mãe com sua capacidade de holding
(conceito de Winnicott) e de continência (conceito de Bion), dá à criança a possibilidade de
diminuir sua angústia e de incrementar a simbolização.
Ações políticas às crianças no Brasil
As ações políticas e sociais, e a maneira pela qual o adulto se relaciona com as crianças
estão intimamente ligados a concepção que a sociedade tem da infância.
Segundo Áries (1981), antigamente a família não tinha uma função afetiva, mas de
conservação dos bens e de proteção da honra e das vidas. Segundo o autor, foi a partir do século
XVII, com o advento da escola, que surge a idéia de infância. As crianças passaram a ser
afastadas do convívio com os adultos e a família começou a se organizar em torno da criança.
Foi nesse século que a criança passou a ser vista com alma. A personalidade da criança
estava ligada a cristianização. Surge a preocupação em educar na moral para que se tornem
homens racionais e cristãos.
A colonização do Brasil se deu nesse período moralista e está ligada aos jesuítas que
tinham como missão, persuadir os indígenas a aceitarem a doutrinação católica. As crianças
indígenas eram o principal foco de suas ações. Afastadas de suas tribos e junto com crianças
órfãs passaram a viver em instituições mantidas pela Coroa Portuguesa e por religiosos.
No século XVIII, as Casas de Misericórdia assumiram os cuidados as crianças órfãs e as
injetadas. Em 1824, inicia-se em São Paulo, a roda dos expostos, sendo essa a principal política
de atendimento na época.
Dentro do âmbito jurídico, a preocupação com as crianças surgiu na ordem da
delinqüência e desamparo. Em 1927 foi aprovado o primeiro código de menores. Em 1964, a
FUNABEM e grandes internatos foram criados. As crianças denominadas de “menores” foram
isoladas e passaram a ser objeto de intervenção do estado.
Na década de 70 e 80 surgiram entidades e movimentos não governamentais com idéias
divergentes aos cuidados prestados até então às crianças.
Em 1990, foi criado o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Enquanto no código de
menores a preocupação era com as crianças e adolescentes em situação irregular com
intervenção do estado, o ECA se preocupa em proteger os direitos de todas as crianças.
87
Holding e Continência
Holding e Continência são dois conceitos distintos, mas com muita proximidade. O
primeiro é um conceito de Winnicott e o segundo, de Bion. Nos dois casos, há necessidade de um
objeto externo que por meio do vínculo afetivo tenha capacidade de lidar com a pulsão e se
discriminar do outro e que possa assim dar suporte às angústias e às transferências.
Para Camargo (2000, p. 100), “o holding é a primeira função que o ambiente exerce. O
próprio ato de segurar o corpo do bebê resultará em circunstâncias satisfatórias ou desfavoráveis
em termos psíquicos”. Segundo Della Nina, para Winnicott, “o holding está ligado à teoria do
estado de “não-integração” inicial do bebê e a “preocupação materna primária”, em que a mãe
tem disposição para lidar com os cuidados com o corpo do bebê e tem capacidade de sustentar
situações emocionais de ansiedade, e assim permite que se desenvolva o sentimento de
esperança”. (2002, p. 260). O holding alimenta a onipotência do bebê. Esse precisa acreditar
que está criando e controlando o mundo para construir um self verdadeiro.
Segundo Della Nina, na teoria de Bion, a continência é a capacidade afetiva e de
transformação dos afetos em elementos simbólicos, em que a função α (alfa) está presente.
Segundo Camargo (2000, p. 97), a “noção de conter relaciona-se ao conceito de Melanie
Klein de identificação projetiva”.
A identificação projetiva requer cooperação por parte do objeto para que possa conter
esse estado mental (elemento beta) e transformá-lo, através da função alfa em elemento alfa. A
“identificação realista bem sucedida depende não só do estado mental do projetor, mas também
do estado mental do objeto”. (DELLA NINA, 2002, p. 268).
Holding e Continência têm finalidades em comum, buscam a integração individual,
aceitação da independência relativa e possibilidade de lidar com angústias e esperar que novas
elaborações ocorram. Mas, enquanto o Holding apóia a crença do bebê em sua onipotência, a
continência tem a função de apoiar o bebê na perda dessa.
Grupo de reflexão
O trabalho com grupos na Instituição mostra ser uma oportunidade para trabalhar as
relações interpessoais da equipe com a instituição, através do incremento de recursos ao mundo
interno. Esse incremento se dá através da vivência de holding e continência no grupo, que
posteriormente poderá ser utilizada em outras relações.
No grupo de reflexão, a tarefa é refletir sobre determinada experiência afetiva, e
cognitiva. Nessa vivência, cada participante influencia e é influenciado pelos demais.
(ZIMERMAN, 2002, p.63).
Seu objetivo prioritário, para Fernandes (2002, p. 78) é o conhecimento que se pode
adquirir na vivência grupal, entre eles: os vínculos com os colegas e o sentimento de pertença à
instituição.
O grupo de reflexão não tem um tema pré-fixado. O início de um grupo é marcado por
uma situação caótica, em que os participantes procuram criar algum tipo de estrutura familiar,
por outro lado, o espaço pouco definido facilita projeções e fantasias, assim o grupo se estrutura
a partir do clima emocional. (OLIVEIRA JR, 2002, p. 93)
O Grupo na instituição
88
Grupo formado por monitoras teve a proposta de contribuir para que essas se
apropriassem mais de sua função e tivessem um melhor vínculo com a instituição e com as
crianças.
O grupo de educadoras ocorreu quinzenalmente, durante oito meses, com duração de
1hora e meia.
Pensando no processo grupal, vimos que no início, o grupo necessitou de contorno e de
apoio a onipotência. As participantes precisam acreditar que são fortes, e que entendem o que
está acontecendo com elas e com a instituição. Foi um momento de muita angústia em que o
grupo mais necessita de holding.
Após alguns encontros, o grupo começou a se perceber discriminado: não era mais uma
atividade como as demais que acontecem na instituição. As participantes puderam se reconhecer
como integrantes de um grupo e com intimidade.
Alguns encontros depois, pudemos observar que o grupo pôde mostrar suas dúvidas. Foi
possível a simbolização em que os elementos β (beta) se transformam em elementos α (alfa).
Com o grupo tendo uma identidade, a coordenadora pôde ter uma função de continência.
Nesse grupo, foi necessário um período em que o holding estivesse mais presente, para
que o grupo tivesse uma integração para posteriormente poder vivenciar de maneira mais
significativa a continência.
Referências Bibliográficas
ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família, Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e
Científicos Editora S.A., 1981. 196 p.
CAMARGO, C. N. M. transferência – Continência – Holding – Rêverie. Boletim Formação em
Psicanálise, São Paulo: Instituto Sedes Sapientiae, v. 8/9, n 2/1, jan./jun. 2000. p. 95-102
CNBB – PASTORAL DO MENOR. Marco Referencial de Atendimento em Abrigos, 2002. 83 p.
DELLA NINA, M. Holding e continência em Winnicott: sua relação com o campo empático de
interação. Alter – Jornal de Estudos Psicanalíticos, Brasília: Sociedade de Psicanálise de
Brasília, v. 21, n.2, dezembro 2002. p. 257-275.
FERNANDES, B. S. Como trabalho com grupos de reflexão. Revista da SPAGESP, Ribeirão Preto,
n. 3, p77-81, 2002.
MARICONDI, M. A. et. al. Falando de abrigo: cinco anos de experiência do Projeto Casas de
Convivência, São Paulo: FEBEM, 1997. 77 p.
OLIVEIRA Jr, J. F. O grupo de reflexão. In: OLIVEIRA Jr, J. F. Grupo de reflexão no Brasil:
grupos e educação, Taubaté: Cabral Editora e Livraria Universitária, 2002. p. 87-107.
ZIMERMAN, D. A minha prática com grupos de reflexão. In: OLIVEIRA Jr, J. F. Grupo de reflexão
no Brasil: grupos e educação, Taubaté: Cabral Editora e Livraria Universitária, 2002. p. 6378.
89
(A. P 08)
O ATENDIMENTO GRUPAL E AS CONFIGURAÇÕES VINCULARES NO SERVIÇO DE SAÚDE
PÚBLICA
Carla Lam**
Mary Lise Moyses Silveira*
Marcílio Sandoval Silveira*
Mariângela Mendes de Almeida**
Luciane Faccini**
Conceição Aparecida Nazareth**
O Setor de Saúde Mental da Disciplina Pediatria Geral e Comunitária da UNIFESP vem no
decorrer dos últimos anos intensificando os atendimentos grupais, e seu olhar sobre as
configurações vinculares, através de grupos terapêuticos, psicodiagnóstico grupal, intervenção
precoce mãe-bebê e grupo de pais.
Os usuários do serviço são crianças de 0 a 11 anos, encaminhadas por pediatras do
ambulatório e outros profissionais ligados a UNIFESP, e por escolas. O serviço que prestamos é
público e a maioria das famílias tem pouco recurso financeiro, os pais possuem baixo nível de
escolarização e emprego instável. Poucos têm a oportunidade de participar de grupos sociais
e/ou comunitários, restringindo a experiência de trocas de conhecimento e de trocas afetivas.
Temos como proposta no nosso setor que os grupos sejam atendidos em duplas
(terapeuta, co-terapeuta), mas em alguns grupos, um terapeuta atende um grupo de crianças,
enquanto outro, concomitantemente atende ao grupo de pais dessas crianças, portanto mesmo
em atendimentos onde não haja o estabelecimento de uma dupla há um trabalho realizado em
conjunto. Vale ressaltar que as atividades grupais fazem parte do Curso de Pós Graduação de
Psicologia da Infância, o que permite que os alunos do curso também participem das atividades e
supervisões.
Os grupos no nosso setor propõe oferecer aos usuários e realizadores do serviço uma
vivência transformadora já que ampliam a experiência de pertença e, muitas vezes, possibilitam
o vínculo de reconhecimento. Segundo David E. Zimerman, o vínculo de reconhecimento abriga
quatro conceituações: 1) A de reconhecimento (de si próprio). 2) Reconhecimento do outro
(como alguém diferente dele). 3) Ser reconhecido ao outro (como expressão de gratidão). 4) Ser
reconhecido pelos outros.
Temos como proposta, refletir sobre nossa prática grupal e seus impactos nos usuários do
serviço e na equipe do setor.
Para que se realize uma efetiva aprendizagem é necessária uma capacidade de lidar com
o novo.
Utilizaremos como ilustração uma vinheta clínica de um grupo terapêutico de crianças,
semanal. O grupo é aberto e composto por 7 crianças entre 7 e 11 anos (4 meninos e 3 meninas).
As crianças foram encaminhadas para o grupo após um psicodiagnóstico realizado no próprio
setor. Não há nenhum requisito em relação à sintomatologia para a formação do grupo, porém
este tem como queixa prevalente a encoprese (4 crianças).
_________________________
* Psicanalistas, Supervisores do trabalho com Grupos no Setor de Saúde Mental do Depto. de Pediatria da UNIFESP
*** Psicólogas, Setor de Saúde Mental do Depto. de Pediatria da UNIFESP
90
Vinheta
Essa vinheta refere-se a uma sessão que contou com a presença de 6 crianças (João, Daniella,
Eliane, Carlos, Andrea e Kaique). Essa é a primeira sessão de Kaique neste grupo, já que ele
participava de outro grupo no setor.
Eliane vai à lousa com a Daniella.
João, Carlos e Andrea jogam o jogo da memória (mico). Kaique assiste.
Terapeuta – Parece ser gostoso estar junto.
Continuam os jogos
Kaique entra de baixo da mesa.
Terapeuta – Mas é difícil estar num grupo novo.
João – Quer brincar? (pergunta para Kaique).
Kaique – Não. (E coloca o rosto dentro do casaco).
As crianças continuam jogando.
Andrea perde o jogo.
Eliane – Agora vou jogar.
Andrea – Eu não vou jogar.
Andrea vai à lousa com Daniella. Dividem a lousa. Andrea escreve “Daniella” e pede para
Daniella escrever para ver se fez certo.
Kaique se aproxima do jogo da memória.
Daniella vai à mesa e Andrea desenha uma menina.
Andrea – Daniella, é você.
Daniella – Pensei que a mão fosse um coração.
Começa uma nova partida do jogo da memória. João sai da brincadeira, Kaique e Andrea
entram. Eliane fica assistindo. Carlos começa ganhando.
Andrea – Tia, quer jogar? (para terapeuta)
Terapeuta senta com eles.
Andrea – Você joga com o Kaique. E eu com o Carlos.
Carlos – Quero jogar com a tia.
Andrea – Não. Ela joga com o Kaique. É assim: menina com menino, menina com menino.
João brinca com os soldadinhos, fazendo uma guerra e chama Daniella para brincar junto. João
diz a Daniella o que é para fazer.
Andrea – Soltou pum na minha cara.
91
Terapeuta – O que aconteceu?
Andrea – O Marcelo soltou pum na minha cara.
Terapeuta – O Marcelo? (ele não estava)
Andrea – No outro dia.
Carlos – Um peidão.
... riem e se provocam com tapas....
Terapeuta – Tem coisas que não conseguem segurar dentro e saem como um pum. Empurra, dá
tapa... Como pum que não pode ficar dentro e sai levando mau cheiro na cara dos outros.
Riem...
Terapeuta – Está na hora de guardar as coisas.
Brincam mais um pouco, mas logo começam arrumar.
Carlos – João, você também brincou com o mico, vem arrumar.
João – Mas saí antes.
Carlos fala para Andrea alguma coisa que a deixa brava.
Andrea – A sua mãe vai para o hospício.
Carlos – Não fala da minha mãe.
Andrea – Você que começou.
Eliane – Mas ele falou de você e não de alguém da sua família.
Andrea – Ele falou que eu e minha mãe vamos para o hospício.
Terapeuta – Será que as pessoas que soltam pum vão para o hospício?
Eliane guarda a caixa.
Todos saem...
Daniella volta.
Daniella – Os loucos vão para o hospício, quem solta pum não vai.
Daniella desce, Terapeuta desce atrás.
Estão todos entre o portão e a porta.
Terapeuta – preciso falar uma coisa para vocês. Semana que vem é feriado, nós vamos nos ver
daqui duas semanas.
João – Você soltou pum na nossa cara.
As crianças ficam se empurrando até as mães chegarem.
92
Percebemos a movimentação das crianças para formar parcerias. Trocam de brincadeiras
e pares, buscam a identidade do grupo. O “pum” é trazido à sessão como um repertório do
grupo e revela o desejo de ter seus conteúdos internos (não muito desejados) acolhidos. O
“pum” também tem um significado importante por representar mais diretamente a queixa de
parte do grupo – a encoprese. Os gazes são o processo interno mais subjetivo do que as fezes,
ao mesmo tempo é um prenuncio do que vem depois. Ademais, é evocada a lembrança de uma
criança que não estava presente no grupo, o que corrobora com a idéia de Fernandes (pag.112)
“Nos grupos terapêuticos, o vínculo do Reconhecimento processa-se em uma via de mão dupla:
além da necessidade vital de ser reconhecido pelos demais, o reconhecimento que um indivíduo
faz dos outros não pode ficar limitado à percepção da presença física das outras pessoas do seu
grupo, o que indicaria uma configuração narcísica”. Também observamos a possibilidade de
utilizar e se apropriar, de maneira lúdica, algo que a terapeuta já havia utilizado: “você soltou
pum na nossa cara”.
Quem pode brincar e soltar “pum” não vai para o hospício – não enlouquece.
Assim sendo o grupo funciona como um continente para aqueles conteúdos por vezes
indesejados, incômodos e que não podem ser contidos dentro de si e acabam escapando.
Observa-se aqui uma função vinculadora que dá sentido e significado às experiências emocionais,
segundo Bion, o vínculo K (vinculo do conhecimento). Tendo em vista que cria um espaço para
aquilo que ainda não se sabe (o que virá depois do pum?), possibilitando que o grupo entre em
contato com conteúdos penosos, externos ou internos.
Em relação à equipe também há uma relação de interação e troca, com a oportunidade
de compartilhamento e sentimento de pertença entre os profissionais, que durante as
supervisões e discussões, também em grupo podem conversar e refletir sobre suas diferentes
impressões das sessões, o que aproxima em muito o entendimento do ocorrido.
Busca-se assim, criar um espaço, também para os profissionais da equipe, onde os seus
conteúdos internos possam ser acolhidos, catalisados e re-conhecidos propiciando a
aprendizagem.
Exemplo disso foi à confecção deste próprio trabalho, onde pudemos pensar, dentre
outras coisas, como o sentido de pertença do terapeuta na sessão possibilita sua percepção do
grupo. O que acontece no grupo revela em parte o que acontece na instituição?
Referências Bibliográficas
FERNANDES, W. J. Bion: O conhecimento e a Vincularidade – Vínculos K, L, H, R. Os níveis de
Funcionamento Grupal: O Pensar e os Pensamentos. In FERNANDES, W. F.; SVARTMAN, B.;
FERNANDES, B. Grupos e configurações vinculares. Porto Alegre: Artmed, 2003. p. 109-127.
ZIMERMAN, D. E. Bion: da teoria à prática – uma leitura didática. Porto Alegre: Artmed, 1995.
93
(B. P11)
OBESIDADE E GRUPO: A CONTRIBUIÇÃO DE MERLEAU-PONTY
Valmir Aparecido de Oliveira1
Camila Rezende Pimentel Ribas2
Manoel Antônio dos Santos3
Maria Lúcia Zanetti4
Introdução
Atualmente a obesidade é caracterizada como um acúmulo excessivo de gordura
corporal, associando-se a diversas outras condições agravantes à saúde, como hipertensão,
doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2, constituindo um grave problema de saúde pública
(VELÁSQUEZ-MELÉNDEZ; PIMENTA, 2004).
Indicadores sugerem que, à medida que ingressamos no século 21, a obesidade torna-se
uma epidemia mundial (FREDRICH, 2002; WORLD HEALTH ORGANIZATION-WHO, 1997 apud
DOBROW; KAMENETZ; DEVLIN, 2002, p. 63). No Brasil, a prevalência aumentou em 70% entre
1975 e 1989, indicando que o excesso alimentar está rapidamente se tornando um acentuado
problema (MONTEIRO; MONDINI; SOUZA; POPKIN, 1995).
Contudo, a obesidade está diretamente associada ao estilo de vida das pessoas, bem
como aos hábitos alimentares inadequados, relacionados a fatores psicológicos que
desempenham um papel fundamental para o desenvolvimento dos riscos associados (PEREZ &
ROMANO, 2004).
Perez e Romano (2004) colocam que a ingestão alimentar é uma das necessidades
fisiológicas básicas das pessoas, essencial para o equilíbrio do organismo. Entretanto, por meio
do funcionamento psíquico e do contexto sociocultural a relação com os alimentos e a forma de
se alimentar modulam o comportamento alimentar do indivíduo, salientando suas preferências,
hábitos e organização das refeições. No complexo ato de se alimentar está envolvido o prazer,
que se entende como um fenômeno complexo, que concerne ao processo de simbolização e de
atribuição de significados às experiências vividas pelas pessoas. Dessa forma, na estruturação do
hábito alimentar estão em jogo diversos fatores, entre eles os de ordem biológica, psicológica e
sociocultural. O prazer resultante surge como um dos motores do funcionamento psíquico e do
comportamento humano.
Por isso a obesidade vai muito além de sua dimensão médica. Trata-se de uma doença
singular, pois engloba um grupo heterogêneo de condições com múltiplas causas que, em última
apreciação, resultam no fenótipo de obesidade (FRANCISCHI; PEREIRA; FREITAS, 2001).
Nos últimos anos tem sido dado grande destaque às intervenções não-médicas para o
tratamento da obesidade. Diversas modalidades de tratamento têm sido propostas, com
particular ênfase na estratégia de grupos, com objetivos diversos, abrangendo desde a
reeducação alimentar até os grupos com finalidade terapêutica. Compreender a percepção da
______________________
1
Psicólogo, mestrando em Enfermagem Fundamental pela EERP-USP. Membro do Grupo de Educação em Diabetes
vinculado à EERP-USP. E-mail: [email protected]
2
Psicóloga, mestranda em Enfermagem Fundamental pela EERP-USP. Membro do Grupo de Educação em Diabetes
vinculado à EERP-USP. E-mail: [email protected]
3
Professor Doutor do Departamento de Psicologia e Educação da FFCLRP-USP. Membro do Grupo de Educação em
Diabetes vinculado à EERP–USP. E-mail: [email protected]
4
Professor Associado do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da EERP-USP. Coordenadora do Grupo de
Educação em Diabetes vinculado à EERP-USP. E-mail: [email protected]
94
pessoa obesa frente às repercussões da obesidade na organização grupal é de extrema
importância para a qualidade de vida, enfrentamento e controle da doença.
O referencial teórico-metodológico da fenomenologia, à luz da filosofia de Maurice
Merleau-Ponty, em particular de sua concepção de corpo vivido, é uma vertente que pode
contribuir para a compreensão da percepção do corpo no contexto da obesidade. O presente
estudo tem por objetivo apresentar reflexões sobre as contribuições da fenomenologia para com
o trabalho em grupo no contexto da obesidade.
A fenomenologia e os grupos
A fenomenologia propõe a investigação direta e descritiva do fenômeno. É considerada
uma concepção filosófica que busca compreender o homem e o mundo a partir de sua
facticidade. Valoriza a experiência vivida, fundamentada no ato perceptivo, no qual se dá o
entrelaçamento do corpo e o mundo. Sob o olhar da fenomenologia, os fenômenos são
experienciados pela consciência, sem teorias prévias sobre uma explicação causal e livre de
pressupostos e pré-conceitos (MERLEAU-PONTY, 2006).
Sendo a percepção a porta de entrada e de saída do Ser para o mundo exterior, na qual o
real deve ser descrito e não construído ou constituído, o perceber não pode ser entendido como
ato de julgamento, imaginação ou recordação, mas o apreender um sentido imanente ao sensível
antes de qualquer juízo (MERLEAU-PONTY, 2006).
Desse modo, Merleau-Ponty (2006) coloca que o homem não tem um corpo, mas é um
corpo, o qual percebe e é percebido, e que é mediador da relação entre homem e mundo. É
através do corpo que existimos, ou seja, estamos no mundo, o percebemos e nos comunicamos.
Como ser-no-mundo nos deparamos com as facticidades – a enfermidade é uma delas – e diante
delas o homem pode aceitá-las ou recusá-las. Ao aceitá-las, pode alargar seu Ser e modificar sua
existência, adaptando-se ao seu novo corpo acometido pelo adoecimento.
A obesidade, como qualquer outra manifestação doentia, pode modificar o existir, mas
não interrompê-lo. A pessoa pode adaptar-se às dificuldades decorrentes, promovendo o
enfrentamento, de modo a compreender sua vivência, buscando novos horizontes de
possibilidades no seu cotidiano.
Vivenciar os sentimentos em grupo permite que as pessoas deixem de ser vistas como
objetos – situação na qual o olhar de um para com o outro não é sentido e compreendido nas
ações de ambos – e passem a ser vistas como seres humanos. Mesmo diante de um olhar penoso
sobre o doente, ocorre um modo de comunicação possível. É por meio do olhar que a aparência
do outro é explorada, “não és eu, uma vez que me vês e eu não me vejo. O que me falta é esse
eu que tu vês. E a ti, o que falta é tu que eu vejo. Tu tomas a minha imagem, minha aparência,
eu tomo a tua” (MERLEAU-PONTY, 1991, p. 262).
O lidar com a percepção do corpo do outro cria temores e sofrimentos para si. O corpo de
uma pessoa com obesidade reflete, como um espelho, o Ser do outro.
Refletindo sobre o indivíduo, pode-se dizer que este está envolvido com o mundo e com o
outro numa ligação que não se pode delimitar. É ao se projetar no mundo que se desenham as
condutas dos outros. O mundo social deve ser redescoberto na dimensão da existência e o
indivíduo situado em relação a esse mundo social, pois o social já existe quando conhecemos ou
julgamos (MERLEAU-PONTY, 2006).
95
A obesidade é vivenciada somente pela pessoa que a possui, entretanto o meio em que a
pessoa vive pode vivenciar empaticamente desse processo. A compreensão em relação à vivência
da pessoa obesa se faz necessária para a adaptação ao novo modo de existir com o seu corpo.
Por meio da percepção pode-se apreender e interpretar as coisas, o mundo
circundante, abrindo uma possibilidade de ter acesso ao mundo da experiência vivida pelo outro.
A percepção se dá sempre em uma relação com o corpo (CARMO, 2000).
O grupo de obesos
A obesidade provoca mudanças nos hábitos dos indivíduos e no meio em que ele vive,
influenciando na motivação e capacidade do paciente lidar com seu corpo.
Apesar do obeso deter informações sobre a importância dos cuidados com a saúde,
percebe-se uma resposta insatisfatória relacionada à perda de peso e à baixa vivência e contato
com seus sentimentos, falta de percepção refinada de sua doença e dos comprometimentos que
promove no seu corpo. De acordo com a visão existencialista do universo da fenomenologia
introduzida por Merleau-Ponty, muitos utilizam o próprio corpo como forma de se posicionar
frente ao grupo ao qual pertencem e ao mundo com o qual se relacionam.
Deve-se considerar também a qualidade de vida da pessoa obesa. É importante que ela
assuma a responsabilidade sobre suas escolhas e decisões, de modo a dar conta de suas
necessidades e do enfrentamento de seus sentimentos e vicissitudes relacionados ao seu
peso/corpo.
Por esse prisma, o trabalho em grupo oferece um contexto de convivência entre pessoas
obesas, buscando identificar, elaborar e fazer com que vivenciem seus sentimentos, dificuldades
na vida e, principalmente, seus corpos, promovendo maior adesão ao tratamento. O mundo
social faz parte da pessoa com obesidade. A relação com o outro proporciona suporte e conforto
para o enfrentamento da doença.
Referências Bibliográficas
CARMO, P. S. Merleau-Ponty: uma introdução. São Paulo, EDUC, 2000, 161p.
DOBROW, I. J.; KAMENETZ, C.; DEVLIN, M. Aspectos Psiquiátricos da obesidade. Revista
Brasileira de Psiquiatria, v. 24, Supl. III, p. 63-64, 2002.
FRANCISCHI, R. P. P.; PEREIRA, L. O.; FREITAS, C. S. Obesidade: Atualização sobre sua etiologia,
morbidade e tratamento. Revista de Nutrição, v. 13, n. 1, p. 17-28, jan./abr., 2000.
MERLEAU-PONTY, M. A fenomenologia da percepção. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São
Paulo: Martins Fontes, 2006. 662 p.
MERLEAU-PONTY, M. Signos. Trad. Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Martins
Fontes, 1991. 392 p.
MONTEIRO C. A., MONDINI, L.; SOUZA, A. L.; POPKIN, B.M. The nutrition transition in Brazil.
European Journal of Clinical Nutrition, n. 49, p. 105-13, 1995.
PEREZ, G. H.; ROMANO, B. W. R. Comportamento alimentar e síndrome metabólica: aspectos
psicológicos. Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 14,
n. 4, p. 544-550, jul./ago. 2004.
96
VELÁSQUEZ-MELÉNDEZ, G.; PIMENTA, A. M.; KAC, G. Epidemiologia do sobrepeso e da obesidade
e seus fatores determinantes em Belo Horizonte (MG), Brasil: estudo transversal de base
populacional. Revista Panamericana de Salud Publica, v. 16, n. 5, p. 308-314, 2004.
97
(C. P26)
O ELEMENTO TRANSICIONAL COMO FATOR DE VINCULAÇÃO NA OFICINA TERAPÊUTICA:
RELATO DE EXPERIÊNCIA NO CAPSi.
Ana Carolina Nicoletti
O Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPS Cria Centro) passou a funcionar
no município de São José do Rio Preto em maio de 2005, sendo implantado com a proposta de
organizar a rede de cuidados em saúde mental para crianças e adolescentes de um determinado
território.
Atualmente a equipe está composta por 2 médicos (psiquiatra e homeopata), 1
enfermeira, 3 psicólogas, 1 assistente social, 1 terapêuta ocupacional, 1 fonoaudióloga, 1
pedagoga, 1 oficineiro, 2 agentes administrativos, 1 serviços gerais, 2 guardas, 1 gerente e 1
supervisor clínico-institucional.
Preferencialmente, são utilizados dispositivos grupais para o atendimento das crianças e
adolescentes. Segundo Kaës (1989, apud TOLEDO, 2004, p.55),
o grupo é investido com a capacidade de albergue psíquico, com a
função de ser a psique ou de hospitalizar suas partes enfermas, onde
se possa formar o que não se constituiu: o lugar onde as palavras que
não foram ditas, as proibições que não foram promulgadas possam se
enunciar e abrir seu caminho.
Dentre os dispositivos grupais estão as oficinas terapêuticas, os grupos terapêuticos e os
grupos operativos.
A oficina terapêutica é um trabalho estruturado com grupos, focalizado em torno de uma
questão central que os elementos se propõem a elaborar. Trabalha com os significados afetivos e
as vivências relacionadas com o tema/produto a ser discutido/produzido. E, embora suscite um
processo de elaboração da experiência que envolve emoções e revivências, a oficina se
diferencia do grupo terapêutico, uma vez que se limita a um foco e não pretende a análise
psíquica profunda de seus participantes (AFONSO, 2006).
O grupo se une em torno de uma tarefa concreta e também pela dimensão do afeto.
Existem dois níveis de atividade mental. Um é racional, lógico e conectado com a tarefa, e
outro, é intensamente carregado de emoção e conectado com a dinâmica psíquica dos
participantes, suas fantasias, medos e demandas (PICHON-RIVIÈRE, 1998). A finalidade
claramente clínica da oficina visa a expressão dos conflitos intra-psíquicos manifestos nas
produções plásticas e artesanais dos seus integrantes (COSTA, 2004).
Uma das principais tarefas da oficina consiste em possibilitar oportunidades de inserção
do produto na rede de trocas simbólicas. O produto se faz simbólico quando escapa do
automatismo, da pura repetição, do sem-sentido; quando é tornado público, investido pela
cultura e pelas relações sociais e carregado de significado; e quando produz efeitos subjetivos e
socializantes por operar sobre uma superfície material concreta que permite supor a
manifestação e realização do desejo (COSTA, 2004).
As relações e interações facilitadas pelo convite de compor um grupo e com isso dar vida
à oficina podem funcionar como ponte para o processo de reconhecimento do eu,
conseqüentemente, discriminação eu-outro e posterior individuação. Existe então um caminho
transicional a ser percorrido da dependência absoluta que inclui os estados de indiferenciação,
passando pela dependência relativa onde iniciá-se a separação eu-não eu e a abertura para o uso
98
da capacidade simbólica, de encontrar significados, rumo à independência e à realidade
compartilhada.
As relações e interações vividas no grupo podem ser comparadas às experiências de
reconhecimento e posterior vinculação entre mãe e bebê. Os fenômenos transicionais designam
a área intermediária da experiência que se deve à capacidade especial da mãe de adaptar-se às
necessidades de seu bebê, permitindo-lhe a ilusão de que o que ele cria realmente existe.
Funcionam como uma defesa contra a ansiedade, especialmente a ansiedade depressiva, para
não sentir a falta e perceber a dependência. Essa área intermediária da experiência, na qual as
realidades internas e externas se aproximam, constitui a parte maior da experiência do bebê, e
pela vida afora se mantém como o lugar das experiências intensas no campo da arte, da religião,
da imaginação, da criação e do trabalho científico criativo (WINNICOTT, 2000).
A função terapêutica da oficina é dada de partida pela própria convivência que ela
instaura, através da relação que se estabelece entre coordenadores e sujeitos, entre os sujeitos
e destes com o material oferecido e o produto construído. A partir da relação, da convivência e
comunicação estabelecida entre o coordenador e os sujeitos, e destes com o produto construído
é que atribui-se sentido, significado e valor simbólico a essa experiência. As intervenções
terapêuticas carregam de sentido os encontros, as trocas e as construções.
A sala em que acontece a oficina funciona como moldura que autoriza o brincar,
permitindo a realização simbólica e a transformação. O brincar é a expressão dos conflitos, mas
também da criatividade e da construção e, portanto, do desenvolvimento do sujeito.
A oficina é uma outra
COSTA, 2004, p.50),
forma de exercitar a clínica. Como afirma Zenoni (2000, apud
“… acho que essa clínica possibilita desfazer politicamente,
culturalmente esse lugar do louco como elemento desqualificado. É
a clínica inventiva. O louco, dentro dessa formulação, é um
batalhador, é um sujeito que trabalha para lidar com a dispersão e
com as dificuldades pulsionais”
Ao criar objetos concretos e reais, o sujeito confere uma dimensão sobre sua
corporalidade real, que lhe dá a noção de existência. Ao endereçá-lo ao social, via coordenador
ou integrantes do grupo, ou ainda qualquer outra pessoa ou instituição, o sujeito tem a chance
de constituir-se como tal. A oficina pode operar sobre os pontos de desligamento com a
realidade.
Assim, pode-se pensar que as oficinas permitem um tratamento dos desvios da pulsão,
tomada no sentido de outra satisfação, o da construção de um objeto real que na relação com a
linguagem ressoa no corpo, marcando-o e o carrega de novos sentidos.
As oficinas permitem a construção de outra superfície para localização da satisfação, seja
através do objeto construído; do material disponibilizado; do próprio coordenador; dos demais
integrantes do grupo; do espaço da oficina; do setting ou ambiente terapêutico; ou da própria
instituição.
A comunicação e a capacidade de se comunicar estão intimamente ligadas às relações
objetais. Relações com os objetos são um fenômeno complexo, e o desenvolvimento da
capacidade para se relacionar com os objetos é um ponto complexo no processo de maturação. A
maturação requer e depende da qualidade do ambiente favorável. O ambiente facilitador ou o
apoio do ego da mãe ao ego imaturo do bebê, são as partes essenciais para o desenvolvimento
suficientemente bom da criança. São as pontes a serem conservadas abertas entre a vida da
imaginação e a realidade (WINNICOTT, 1983).
99
Há um estado intermediário no desenvolvimento normal em que a experiência mais
importante do sujeito com relação ao objeto bom ou potencialmente satisfatório é a recusa do
mesmo. A recusa é parte do processo de “criação” do objeto/produto, no qual o sujeito tem a
chance de “criar”, de se reconhecer e de se encontrar como sujeito (WINNICOTT, 1983).
Para que haja algum tipo de arranjo subjetivo com vistas ao estabelecimento do
enlaçamento social, é preciso que algo do sujeito seja fisgado e transformado em atividade
sobre um objeto qualquer, produzindo nele uma significação. Assim, real e simbólico se enlaçam
sobre a produção de um objeto imaginário, produzindo, na significação do objeto criado, a
possibilidade de construção e desenvolvimento do eu.
Referências Bibliográficas
AFONSO, M. L. M. Oficinas em dinâmica de grupo: um método de intervenção psicossocial. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.
COSTA, C. M.; FIGUEIREDO, A. C. (org.). Oficinas terapêuticas em saúde mental: sujeito,
produção e cidadania. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2004.
PICHON-RIVIÈRE, E. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
TOLEDO, R. P. de. O ambiente terapêutico, o grupo e a equipe num CAPSi. In Vínculo – Revista
do NESME, 2004, v.1, n.1, pp. 52-57.
WINNICOTT, D. W. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do
desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artmed, 1983.
_________________. Objetos transicionais e fenômenos transicionais. In Da pediatria à
psicanálise: obras escolhidas. Cap. XVIII, Rio de Janeiro: Imago, 2000. p. 316-331.
100
(A. P01)
O GRUPO COM AUTISTAS COMO INSTRUMENTO PSICOTERAPÊUTICO
André Apolinário Silva Marinho
O presente artigo visa examinar a utilização do grupo como instrumento psicoterapêutico
em casos de autismo.
Freud (1987), em texto publicado originalmente em 1921, compreende o grupo como
constituído pelas identificações de seus membros com um mesmo objeto, sendo que a partir
delas identificam-se entre si. Um grupo é formado por relações estabelecidas e por vínculos
construídos entre os sujeitos que dele fazem parte. Nele se supõe dois planos: um que se refere
às interações nas quais são observados indivíduos em relação; e outro, no qual os vínculos se
estruturam e que não é diretamente observável. As interações e os vínculos do campo grupal
possuem componentes tanto conscientes quanto inconscientes. Um grupo com finalidades
psicoterapêuticas pretende atuar em ambos os planos e com isto ensejar transformações
psíquicas em seus membros.
O DSM-IV-TR (2003) classifica o autismo como um transtorno global do desenvolvimento
com aparecimento anterior aos três anos de idade. As suas principais características são o
comprometimento da interação social e da comunicação, além de um repertório muito restrito e
repetitivo de comportamentos e interesses. Os autistas raramente fazem contato visual direto,
apresentam dificuldades para compartilhar prazer e interesses, quase sempre não desenvolvem
linguagem verbal, fazem uso de linguagem idiossincrática, aderem a rotinas inflexíveis e
manifestam maneirismos e estereotipias.
A psicanálise entende o autismo como uma falência no processo de constituição da
subjetividade de seus portadores expressa na dificuldade severa para a formação de vínculos, na
precariedade da capacidade simbólica e na frágil inserção no mundo da cultura. Enquanto
estrutura clínica, é anterior à psicose. A marca do recalque que circunscreve o inconsciente, e
organiza a neurose, não se instaura. Se fosse permitido o uso de uma metáfora, poder-se-ia dizer
que no autismo há mais corpo do que mente, pois o desenvolvimento responsável por inscrever
psiquicamente as pulsões falha. Os conteúdos e os processos utilizados para se lidar com eles são
predominantemente corporais. As pulsões permanecem em estado bruto, ou seja, a partir delas
quase não se derivam os impulsos mais sofisticados que permitem a inclusão do sujeito no mundo
sócio-cultural.
A consideração destas características conduziria à quase inevitável conclusão de que a
psicoterapia de grupo não seria indicada nestes casos. O que o cotidiano da clínica psicanalítica
do autismo tem a dizer sobre isto? A discussão deste questionamento é baseada em
atendimentos de grupo realizado pelo autor deste artigo em instituição pública municipal
destinada ao atendimento de portadores de autismo e psicose na cidade de São José do Rio
Preto.
O grupo, cujo material serve de base para as discussões, possui finalidades
psicoterapêuticas, é formado por adolescentes autistas do sexo masculino, tem freqüência
semanal com duração de uma hora cada sessão e acontece há aproximadamente três anos.
O cotidiano da clínica com grupos de autistas, orientado pela leitura psicanalítica, tem
demonstrado que apesar da precariedade dos seus recursos simbólicos, estes indivíduos são
capazes de, quando agrupados, formar grupo.
______________________
* Psicólogo
101
O relato do material clínico visa mostrar o movimento grupal configurado dentro dos
limites de uma sessão psicoterapêutica. No início, as manifestações de relacionamento não são
perceptíveis. Os membros posicionam-se separados em locais diferentes da sala. As suas ações,
porém, se conectam com o passar do tempo e revelam elementos de sociabilidade, de interação
afetiva, de possibilidade de construção de sentido e de comunicação.
No início do trabalho, logo após a formação do grupo, as sessões eram realizadas de
portas abertas. Os pacientes freqüentemente entravam e saiam da sala. Eram raros os momentos
em que todos ficavam reunidos. As manifestações que ocorriam mesmo fora da sala eram
compreendidas como comunicações referidas ao grupo e assim assinaladas aos seus membros.
Após meses de trabalho foi possível conduzir todos os membros à sala e a sessão acontecer de
portas fechadas. Este momento foi considerado um marco evolutivo na história do grupo, pois a
sala de atendimento, com todos os elementos do setting terapêutico, pode ser reconhecida
como o espaço onde as sessões ocorriam.
Bleger (1991, p. 44) apresenta um importante conceito para a compreensão do
funcionamento dos grupos formados por psicóticos e autistas, a sociabilidade sincrética,
ilustrada com a situação de uma mãe e um filho, numa sala, realizando atividades diversas e
isoladas. Ela vê televisão ou lê; ele se ocupa com um jogo. Entre eles não há comunicação
verbal, nem contato físico ou visual, inexistindo interação. No entanto, quando a mãe sai da sala
o garoto a acompanha, o que atesta a existência de um laço que os mantinha juntos no mesmo
espaço, apesar de aparentemente isolados. A este laço, que lembra a força gravitacional entre
os corpos celestes, Bleger chamou de sociabilidade sincrética.
Há, no material clínico, algumas situações nas quais os membros do grupo mostram-se
isolados. Porém, a ação de um provoca reação em outro. Os integrantes se observam, disputam
a atenção do terapeuta, tocam-se, entre outras coisas. Mesmo havendo pouquíssimas interações
verbais, um membro toma uma posição em referência aos demais. É esta “referência ao outro”
que alude a um fundo de sociabilidade sincrética e que se constitui na matéria-prima com a qual
o coordenador trabalha.
As comunicações do grupo são predominantemente pré-verbais, constituídas por ações e
por fenômenos fisiológicos concretos. Conteúdos primitivos que aparecem nos grupos de
neuróticos modificados pelas defesas e mediados pela linguagem, nos grupos de autistas se
manifestam na sua forma bruta e de modo concreto. Se na, neurose, as intervenções visam
atingir os níveis mais profundos e primitivos do funcionamento mental imiscuídos no material
clínico produzido pelo grupo, na psicose e no autismo elas objetivam oferecer recursos
simbólicos para representar os conteúdos expressos tão primitivamente e sem representação.
Segundo Lima (2001, p. 35), “a interpretação não caminha na direção da revelação de um
sentido, mas na constituição deste”.
O coordenador, tentando caminhar na direção da construção de significados, narra ao
grupo as suas interações e dá nomes aos conteúdos constituintes dos vínculos entre os membros.
Além disto, ele exerce uma função de continência para o grupo que existe inicialmente em seu
próprio desejo. Sua fala vincula eventos aparentemente desconectados atribuindo-lhes sentidos
e assim construindo uma trama. Assim como uma mãe em relação ao seu bebê, o coordenador
sonha com a existência e a constituição do grupo. Segundo BIRMAN (1997, p 11), “exige-se
destes [dos terapeutas de autistas] uma aposta, a antecipação desejante de um sujeito possível
onde existe apenas a pontualidade de um proto-sujeito”. Considerando-se a dificuldade de
desenvolver vínculos e estabelecer relações sociais como a marca distintiva e diagnóstica do
autismo, é permitido afirmar que o objetivo de um grupo psicoterapêutico com autistas é
fomentar que eles se configurem como grupo, o que, por si só, já é transformador.
Referências Bibliográficas
102
American Psychiatric Association. Referência rápida aos critérios diagnósticos do DSM-IV-TR.
4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.
BIRMAN,J. A Gramática do Impossível. In: ROCHA, P. S. (org.). Autismos. São Paulo: Escuta,
1997. Apresentação, p. 11-13.
BLEGER, J. O Grupo como Instituição e o Grupo nas Instituições. In: KAËS, R. et al. A Instituição
e as Instituições. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1991. Cap. 2, p. 41-52.
FREUD, F. (1921) Psicologia de Grupo e Análise do Ego. In: Além do Princípio do Prazer,
Psicologia de Grupo e Outros Trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Completas.
Rio de Janeiro: Imago, 1987. v. 18, p. 89-179.
103
B. P17)
PERCEPÇÕES DA FAMÍLIA SOBRE A ANOREXIA E BULIMIA NERVOSA1
Laura Vilela e Souza2
Manoel Antônio dos Santos3
Fábio Scorsolini-Comin4
Ainda que exista um esforço na área para a proposição de estratégias para a inclusão da
família no tratamento dos Transtornos Alimentares, é comum percebermos uma intensa
dificuldade de entenderem o transtorno alimentar e seus sintomas (SOUZA; MOURA;
NASCIMENTO, 2007).
Torna-se importante, dessa forma, conhecer como esses familiares entendem a Anorexia
Nervosa e a Bulimia Nervosa. Considerando esses pressupostos, o objetivo desse trabalho é
compreender de que modo as famílias entendem o que é a doença.
O contexto desse estudo
No Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares (GRATA) um dos espaços de
atendimento disponíveis para o acolhimento da família é o Grupo de Apoio Psicológico. Trata-se
de um grupo aberto, semanal e com uma hora de duração, coordenado por dois psicólogos, que
têm como objetivo principal oferecer um espaço de troca de experiências entre as famílias que
buscam ajuda.
MÉTODO
Participantes
Participaram desse estudo 37 familiares, participantes de um conjunto de 10 sessões
grupais, lembrando que se trata de um grupo aberto, composto por diferentes participantes a
cada semana. Dentre os participantes, 20 mães, 7 pais, um padrasto, 2 irmãos, uma irmã, um
tio, uma tia, um namorado e um marido.
Procedimento
Foram áudiogravadas 10 sessões consecutivas do Grupo de Apoio Psicológico aos
Familiares durante um período de três meses. Todos os participantes presentes nessas sessões
concordaram em participar da pesquisa, dando sua anuência por meio da assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
As sessões foram transcritas na íntegra e literalmente e lidas sucessivas vezes. Para a
análise dessas sessões foi utilizada uma metodologia qualitativa de avaliação do processo grupal,
na qual as transcrições foram submetidas a uma análise de conteúdo temática, que permitiu o
recorte das principais unidades de significado. Essa análise permitiu a constatação de alguns dos
“tópicos/temas” mais significativos que emergiram durante as sessões relacionadas aos objetivos
desse trabalho.
Resultados e Discussão
1. Como é a pessoa com transtorno alimentar?
104
Aos descreverem o seu familiar adoecido – no caso das sessões aqui analisadas eram todos
familiares de adolescentes ou pessoas adultas do sexo feminino – os participantes do Grupo
sustentam uma noção de transtorno alimentar como uma entidade fixa, que reside na
interioridade do paciente e que controla os seus comportamentos. É uma visão essencialista, que
pode ser vislumbrada nas seguintes falas:
Mãe: Gente como eles põem barreira na relação com os outros.
Irmã: Geralmente as pessoas... portadoras dessa doença... elas são impacientes, né?
Mãe: Tem esses altos e baixos, pois uma pessoa doente é muito carente.
Pai: Essas pessoas são muito nervosas.
Mãe: Toda pessoa envolvida nesse processo tem dificuldade de comunicação com a família.
Mãe: Essas pessoas que são doentes são muito sensíveis. Tem que ser delicado ao falar com eles.
Nesses relatos é possível perceber uma tendência à generalização: “gente como elas
põem...”, “geralmente as pessoas portadoras... são”, “uma pessoa doente é...”, “essas
pessoas são...”, “Toda pessoa envolvida nesse processo tem...” Assim, pode-se perceber a
construção do grupo – das – pessoas – com – transtornos - alimentares, que seria um grupo
diferente do restante das pessoas, no qual os membros que o constituem estão ou são adoecidos,
impacientes, carentes, sensíveis, nervosos, com dificuldade de se comunicarem. Por terem
supostamente a mesma doença, compartilham características semelhantes. Não só a “doença” é
naturalizada, como também um determinado perfil de personalidade é claramente traçado como
próprio das pessoas acometidas pelos transtornos alimentares.
Os familiares buscam dar sentido para a conduta estranha e inesperada do paciente. A
justificativa para as ações do paciente ficam pautadas na sintomatologia da doença.
2. O que é o transtorno alimentar?
A dificuldade em compreender o que define a doença ou de delimitar precisamente quais
são os seus contornos aparece nas falas a seguir:
Pai: Não é uma ciência exata, por isso tem que conversar muito.
Mãe: É algo que transcende, está entre a sanidade e a loucura.
Pai: Tenho a percepção exata de que estou diante de um problema psíquico, problema...
problema psíquico... lógico... mas um problema.
Mãe: Acredito que a doença é a mesma para todas, quando não é anorexia, é bulimia.
Nesses relatos é possível perceber a construção de uma identidade psicopatológica e
desviante, que seria algo de difícil definição. A não palpabilidade do mal-estar, isto é, o fato de
a doença ser entendida como um problema psicológico, não concreto como uma patologia
orgânica que pode ser comprovada por meio da realização de exames, como “raio-X”, parece
aumentar a dificuldade de sua definição.
A doença marcaria o momento no qual a (o) filha (o), até então sadia (o), passaria a não
ser mais considerado normal. A doença seria uma espécie de marcador que assinalaria que a
pessoa definitivamente transpôs “a fronteira entre a sanidade e a loucura”. Nos segmentos de
105
fala transcritos abaixo, percebe-se que a pessoa adquire uma identidade social de doente e se
torna a própria doença:
Mãe: As pacientes não estão no seu normal, não estão em sã consciência e com a "cabeça firme".
Mãe: Era uma pessoa saudável!
Uma mãe diz, com orgulho, como o filho sempre foi inteligente, que ele por si só não
teria caído na “burrice” de “passar fome para emagrecer” ou “vomitar tudo fora”. Levando ao
extremo essa linha de raciocínio, essa mãe conclui que foi a doença que “deixou ele burro”,
tirando sua capacidade para discernir o certo e o errado em suas atitudes.
É bastante recorrente nesse grupo a discussão do que seriam as “questões psicológicas”
envolvidas, o que abre espaço para o aparecimento das fantasias dos próprios familiares sobre a
origem do problema, como veremos a seguir.
3. Quais são as causas?
Aos conversarem sobre o que causa a Anorexia e Bulimia, os pais se questionam se é uma
doença que “vêm de fora”, relacionada a fatores externos, tais como a mídia, pressão cultural
para se alcançar um ideal de beleza física insustentável, dificuldades nas relações familiares,
traumas de infância, ou se seria algo que se desenvolveria em razão das características
emocionais da personalidade.
Os familiares que estavam há mais tempo freqüentando o grupo apontaram que a
experiência do cuidado do paciente foi lhes mostrando que a doença parece decorrer de um
somatório de aspectos internos e externos. Deixam de culpabilizar a mídia com a sua propagação
do ideal de beleza magra, afirmando que a vontade de ficar magra teria sido só o pretexto para
o aparecimento da doença que indicaria conflitos emocionais mais profundos:
Mãe: Não é influência negativa do outro, mas algo que já está dentro da pessoa, a doença.
Mãe: A comida da filha era muito seletiva, desde pequena.
Já as famílias iniciantes no tratamento mostram suas dúvidas sobre a etiologia do
problema. Uma mãe se questiona se a doença pode ser em função de sua relação com a filha ser
muito forte. Aqui ela parece estar se referindo ao discurso psicológico, também presente no
senso comum, de que a Anorexia e Bulimia seriam decorrentes da relação simbiótica entre mãe
e filha (LANE, 2002).
Outra mãe acredita que a doença é o preço que se paga pelo desenvolvimento
tecnológico, pela influência crescente da mídia sobre a vida das pessoas e pelo culto da imagem
– que passa a adquirir vida própria na sociedade de consumo, pela excessiva valorização da
aparência física em detrimento dos valores morais e da integridade ética dos indivíduos. Alguns
pais fazem uso de uma das explicações divulgadas por pesquisadores da área, que coloca a moda
como fator predisponente e mantenedor de transtornos alimentares (MORGAN; VECCHIATTI;
NEGRÃO, 2002).
Considerações finais
Pode-se depreender, a partir da análise das sessões grupais, o sofrimento vivido pelos
familiares participantes do grupo, para significarem a experiência da doença. A busca pela
generalização do que supostamente seria a pessoa com anorexia ou bulimia parece ser uma
tentativa de dar conta de explicar o problema.
106
Nesse contexto, o grupo de apoio é um espaço privilegiado para a exploração desses
sentidos sobre a doença, para o esclarecimento das dúvidas e para a construção conjunta das
possibilidades de se ultrapassar o desafio que o transtorno alimentar impõe.
Referências Bibliográficas
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION Practice guideline for the treatment of patients with
eating disorders. Disponível em <http://www.psych.org>. Acesso em 16 de agosto de 2007.
Publicado em 2006.
FLEMINGER, S. A model for the treatment of eating disorders of adolescents in a specialized
centre in The Netherlands. Journal of Family Therapy, v. 27, p. 147-57, 2005.
GOWERS, S.; BRYANT-WAUGH, R. Management of child and adolescent eating disorders: the
current evidence base and future directions. Journal of Child Psychology and Psychiatry and
Allied Disciplines, v. 45, n. 1, p. 63-83, 2004.
LANE, R.C. Anorexia, masochism, self-mutilation, and autoerotism: the spider mother.
Psychoanalytic Review, Feb; v. 89, n. 1, p. 101-123, 2002.
MACKENZIE K. R. Time-managed group psychotherapy: Effective clinical applications.
Washington, DC: American Psychiatric Press, 1997.
MORGAN, C. M.; AZEVEDO, A. M. C. Transtornos alimentares e cultura. Psychiatry on-line Brazil,
v. 3, 1998. Disponível em: www.polbr.med.br/arquivo/culture. Acesso em 23 de março de
2007.
SOUZA, L. V.; NASCIMENTO, P. C. B. D. ; MOURA, F. E. G. A. A voz da família no tratamento da
Anorexia e Bulimia. Revista FAFIPE Online, n. 3, 2007.
107
(B. P14)
PREVENÇÃO EM ESCOLAS: DO IDEAL AO POSSÍVEL
Luciana Slaviero Pinheiro Cerdeira
Mônica Lazzarini Ferreira Valente
O Percepto – Programa Personalizado de Prevenção foi idealizado a partir do trabalho
realizado com dependentes de álcool e outras drogas, onde se percebeu a importância de uma
ação preventiva em momentos de maior vulnerabilidade na vida. Um dos focos do programa é a
adolescência por ser considerado um período de extrema vulnerabilidade tanto para o
adolescente quanto para a família. Neste sentido, o lugar onde consideramos que uma ação
preventiva com adolescentes possa ser efetivada, atingindo o próprio adolescente, a família e o
educador, é a escola.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) aponta a
escola como o local mais adequado para o desenvolvimento de ações preventivas voltadas à
melhoria da qualidade de vida, especialmente ações voltadas para a prevenção ao uso, abuso e
dependência de álcool e outras drogas.
O programa do Percepto vai além da temática das drogas, abordando as questões
referentes à adolescência de maneira ampliada e possibilitando que educadores e pais possam
ocupar o lugar de mediadores e interlocutores junto ao adolescente ajudando-o a:
- problematizar e significar suas experiências;
- posicionar-se de forma mais crítica e consciente frente às questões conflituosas da vida
e da própria adolescência.
Uma leitura da contemporaneidade se faz necessária para compreender os
desdobramentos desta na adolescência. Vivemos a cultura da não frustração, do não contato, da
não significação, da primazia do prazer em detrimento da realidade, das drogas que tudo curam,
da busca de uma felicidade plena.
O excessivo não é tolerado e não encontra espaços para ser falado, representado ou
contido. A dor, a insegurança e a sensação de vazio se fazem presentes, muita vezes, através de
atos agressivos voltados para si ou para o outro.
Este cenário é exacerbado pela ausência de adultos mediadores, acentuando as questões
e os conflitos típicos dos jovens e deixando-os numa posição de ainda maior vulnerabilidade e
abandono, num período de grande turbulência onde ocorrem escolhas importantes quanto à
sexualidade, paixões, carreiras, amigos e drogas.
Os pais, por sentirem-se despreparados e ansiosos ao lidar com as questões da
adolescência, tendem a transferir para a escola e, em especial para os professores, a
responsabilidade e a tarefa de orientar seus filhos, porém, com a demanda de que a escola os
atenda em todas as suas necessidades.
“Os adultos também querem se recuperar narcisicamente à custa de seus filhos; na
cultura do individualismo e do narcisismo, os filhos são nossa esperança de imortalidade e de
perfeição” (KEHL, 2001, p. 37).
Sem a possibilidade de incluir falhas, faltas, privações e frustrações, os pais têm
perpetuado a posição narcísica da criança de “sua majestade, o bebê”, conforme termo
utilizado por Freud (1914, p. 98). Dificultam, assim, a inserção da criança no coletivo e a
108
empatia com o próximo, aumentando as possibilidades de que seus filhos se constituam como
pequenos tiranos, demandantes de direitos, descompromissados de deveres.
Este contexto enfraquece a escola na sua importante função paterna de autoridade que
interdita e ao mesmo tempo insere o sujeito na cultura, nas regras, nas leis, no coletivo e no
mundo em sociedade.
A desautorização das figuras parentais e da escola, a evitação de conflitos e o
atendimento de todas as necessidades dos filhos, retro-alimentam um modelo de frágil
estruturação do “Eu”, uma vez que os adolescentes não desenvolvem sua autonomia e
responsabilidade, tornando-se adultos fragilizados, inconsistentes e dependentes.
Além disso, as escolas muitas vezes respondem a uma demanda dos pais de formação de
um sujeito idealizado, perfeito e sem falhas, buscando instrumentalizar o aluno através de uma
extensa agenda que se compara a de um pequeno executivo, deixando pouco espaço para a
pausa e reflexão.
O objetivo do Percepto é propor esta pausa para a reflexão, através de grupos
específicos, acolhendo pais, educadores e alunos nas suas questões frente à passagem pela
adolescência nos tempos atuais. Existe, porém, uma “falta de tempo” da escola, dos alunos e
dos pais que impede muitas vezes esta pausa. É uma falta de tempo físico e, também, uma
falta de tempo frente a uma indisponibilidade interna para a reflexão.
Atravessadas pela justificativa da falta de tempo, nos deparamos com a impossibilidade
de implantar o programa nas escolas em sua íntegra. Muitas vezes a demanda é de um trabalho
reduzido e específico direcionado ou para educadores, ou para pais ou para alunos. Acreditamos,
porém, que todo trabalho que propõe mudanças depende da construção de um vínculo de
confiança. Sendo assim, através de trabalhos mais pontuais, iniciamos uma relação com a escola
e entramos em contato com a sua cultura. E é a partir da compreensão do seu modo de
funcionamento, de seus valores e crenças que vamos desenvolvendo uma parceria e introduzindo
a pausa para a reflexão.
Junto com pais, educadores e alunos, propomos uma trajetória que vai do ideal ao
possível. Um possível que inclui acertos e erros inerentes à imperfeição e falibilidade do ser
humano, e que resgata um lugar de saber dos adultos, onde são assumidos os riscos e as
responsabilidades de educar uma criança e prepará-la para a vida, acreditando que o
adolescente pode desenvolver-se como um sujeito crítico e autônomo.
Referências Bibliográficas
FREUD, S. (1914-1916) Sobre o Narcisismo: Uma Introdução. In: “A História do Movimento
Psicanalítico, Artigos sobre a Metapsicologia e outros trabalhos”. Edição Standard Brasileira
das Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 14, p. 77-108.
KEHL, M. R. (2001) Lugares do feminino e masculino na família, in “A Criança na
Contemporaneidade e a Psicanálise”, publicação do Departamento de Psicanálise da Criança
do Instituto Sedes Sapientiae. São Paulo: Ed. Casa do Psicólogo, 2001. v.I, cap. 2, p. 29-38.
109
(B. P15)
RECONSTRUINDO A HISTÓRIA FAMILIAR: UMA EXPERIÊNCIA DE ATENDIMENTO FAMILIAR BREVE
COM PACIENTES DEPENDENTES DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS
Mônica Lazzarini Ferreira Valente1
“A subjetivação do ser humano ocorre em
presença de muitos. Cada ser humano é a
singularização da história de seus ancestrais. Na
atualidade, surgem psicopatologias decorrentes da
ruptura do indivíduo com a sua história, não só
transgeracional, mas também com a história humana.
O re-estabelecimento da memória é questão vital na
recuperação de detenções no processo de vir a ser do
indivíduo” (SAFRA, 2002)
A ruptura do indivíduo dependente químico com a sua história familiar é tema recorrente
nos atendimentos clínicos da família. Neste trabalho chama a atenção como questões
geracionais mal resolvidas ou que devem ser esquecidas ficam de fora da história familiar. Estas
questões pairam no ar, ficando como herança para serem resgatadas pela geração seguinte, e se
não o são, se reeditam na próxima geração.
Normalmente quem costuma trazer à tona questões esquecidas da história familiar é o
paciente com problemas de dependência química. Ele, através da sua história particular com as
drogas, coloca a história familiar em evidência, porém, a família que não tem interesse algum
em que questões mal resolvidas ou já esquecidas sejam atualizadas, deixa capítulos estratégicos
de fora da história. Percebe-se, entretanto, que há algo que clama para que a história familiar
possa ser re-contada.
O trabalho da terapia familiar abre um espaço para que a história familiar possa ser
recontada, reeditada, re-significada e preenchida nas suas lacunas. Cabe ressaltar, porém, que
este trabalho tem que ser realizado com muito cuidado, pois ler alguns capítulos esquecidos da
história pode levar a lugares sombrios, onde o perigo e o medo podem ser impeditivos na
continuidade da leitura da história familiar. Correndo o risco inevitável que o livro desta história
seja fechado e arquivado nos lugares mais secretos da “biblioteca” da família.
O trabalho com a família é extremamente importante quando pensamos em um
tratamento para dependência química, pois é com família que os pacientes vivem as questões do
seu dia-a-dia e onde ocupam um espaço que os impede, na maioria das vezes, de vislumbrar um
lugar diferente, que não o do bode expiatório, e onde a tônica recai sempre sobre a
dependência da substância. A família nestes casos precisa que eles ocupem este lugar, pois isto
garante que outras questões tão ou mais patológicas relacionadas à dinâmica familiar não se
façam presentes.
A família não reconhece o paciente pertencendo ao grupo familiar, sente-o como um
estrangeiro. O paciente, porém, se faz presente através do sintoma da dependência química,
vivendo dia após dia, um sentimento de clandestinidade onde as atividades são realizadas às
escondidas e na ilegalidade. Faz tudo sorrateiramente, entra e sai de casa sem ser visto. Sai
para usar drogas na calada da noite como um gatuno. Uma paciente relata que tem uma
sensação muito estranha quando percebe os movimentos do marido no momento em que este se
prepara para sair e usar drogas. Ela comenta que este “some e reaparece sem ser visto” como se
a sua ausência não fosse notada. “Todo mundo sabe, mas faz de conta que não sabe o que está
acontecendo, é muito louco e estranho”.
110
Um dos membros do grupo familiar é sacrificado, este não tem acesso e não pode
pertencer a história familiar, esta é contada sem ele. Neste sentido a importância do resgate da
historia familiar e do recontar. A família quando é convidada a contar a história familiar é
solicitada a incluir o paciente que foi “esquecido” na história. O sacrifício deste foi o de ter se
submetido a ficar de fora da história familiar, carregando consigo histórias e lembranças
insuportáveis para a imagem da família que poderiam sujá-la e denegri-la.
A ferramenta de transmissão da história familiar é a memória familiar. Neuburguer (1999
p. 33) distingue duas memórias no âmbito familiar, a primeira conhecida como memória
depósito que representa todas as fontes potenciais de informações concernentes a família como
o relato dos mais velhos, os símbolos familiares, os livros de lembranças, fotos, vídeos, filmes,
objetos, túmulos, correspondências, registros e outros documentos genealógicos, além das
regras de funcionamento da família.
E a segunda, que é a memória familiar processo, pela qual se autoriza ou não a dispor das
informações, e a elas ter acesso. A memória familiar é, essencialmente, um processo de seleção
daquilo que convém esquecer para sustentar, manter e transmitir o mito de um grupo familiar
(NEUBURGUER, 1999, p. 194)
A transmissão do mito familiar pode ser positiva como no caso das famílias que desejam
transmitir o próprio mito, ou negativa onde todos os esforços são no sentido de esquecer ou
apagar o mito, de modo a transmitir um conteúdo mais adequado, não só à realidade familiar,
mas ao projeto que se busca transmitir. É um processo de auto-reparação que opera por meio da
transmissão à geração seguinte (NEUBURGUER, 1999, p. 194).
Na maioria das vezes, as famílias que operam o mito de maneira negativa, vivem os
contatos com os outros, que não os familiares, de maneira perigosa, trazendo perigos reais ou
potenciais para a família, tanto para a sua identidade, quanto para sua própria existência como
grupo diferenciado (NEUBURGUER, 1999, p. 194).
As famílias que apagam seus aspectos considerados anormais ou suas particularidades
produzem uma patologia de transmissão, que dificulta o estabelecimento e a construção de uma
família para a geração seguinte (NEUBURGUER, 1999, p. 194).
A experiência demonstra que sempre há algo que é mantido em segredo nestas famílias,
os segredos familiares são um fato marcante nas famílias com dependentes de substâncias
psicoativas.
Para Ramos (1990, p. 102) todas as famílias convivem com um “segredo”, que está
associado a uma situação de impossibilidade, de desvio ou de “vergonha” pela qual passou um
membro da família atual ou algum ente passado. É freqüente observarmos problemas
relacionados à homossexualidade, prostituição, suicídios, adultério, delinqüências ou doença
mental.
O paciente identificado, ou seja, aquele apontado pela família como enfermo, é
geralmente quem se encontra excluído pelo segredo familiar e o seu comportamento inadequado
pode ser uma tentativa sintomática de denunciar esse segredo (RAMOS, 1990, p. 102).
Como dito anteriormente, o trabalho com a família visa situar o paciente dentro do grupo
familiar, verificando qual é o papel que ele vem desempenhado dentro da família. Isto é
realizado através de entrevistas direcionadas, com o intuito de mapear a história familiar
transgeracional, resgatando a história dos avôs, pais e do próprio paciente. Nas primeiras
entrevistas procuramos colher dados sobre a filiação e informações gerais sobre os membros
presentes e ausentes da família. Indagamos sobre os primórdios da doença e verificamos quais
foram os conflitos, as circunstâncias, os acontecimentos concomitantes ou anteriores à aparição
dos sintomas. Indagamos sobre as reações da família, os comportamentos e atitudes de cada um
dos membros e como o grupo foi atingido pela doença do paciente. Observamos se os sintomas
111
estão centrados apenas nele, em outro dos membros ou na interação. Como diz Eiguer (1989 p.
180) a novidade que a terapia familiar pode trazer consiste em “povoar” a vida destas famílias
tanto com objetos e lembranças antigas, como com novas imagens, e em promover a descoberta
de instrumentos que permitam “pensar” estes objetos e estas imagens, articulando, assim, os
objetos e imagens antigos em mitos novos. A história da família, neste sentido, adquire uma
nova dimensão, podendo ser contada de uma maneira diferente, com os personagens assumindo
papéis diferentes em lugares distintos.
Para a família, assim como para o paciente, entrar em contato com a história familiar e
com a sua própria história de vida, abre para a possibilidade de um novo olhar, favorecendo um
novo arranjo de funções e papéis, deslocando o paciente do lugar cristalizado que lhe foi
outorgado.
Referências Bibliográficas
EIGUER, A. A família do paciente psicótico. In: Um divã para a família. 3. ed. cap. 5, Porto
Alegre: Artes Médicas, 1989. p. 81-93.
Memorandum: memória e história em psicologia. Belo Horizonte: Safra, 2002- Memória e
Subjetivação. ISSN: 1676-1669. Disponível em: http://www.fafich.ufmg.br/ ~memorandum/
artigos02/safra02.htm. Acesso em: 21 ago. 2008.
NEUBURGUER, R. A memória familiar. In: O mito familiar. cap. 2, São Paulo: Summus, 1999. p.
32-49.
RAMOS, M. O segredo familiar. In: Introdução à terapia familiar. cap. 7, São Paulo: Ática, 1990.
p. 68-73.
112
FÓRUM ESPECIAL…………………………………………………………………………113
FÓRUM SOBRE O FUTURO DAS FAMÍLIAS E GRUPOS (F2)
De qué futuro hablamos?
Janine Puget
El futuro se construye todos los días. Es así como el pasado se construye a partir del
presente y el futuro se construye a partir de las fallas que ofrecen los cuerpos teóricos que
manejamos. También están aquellas situaciones del pasado que influyen en la determinación del
presente o sea las tiñen de recuerdos.
Durante muchos años he concebido al trabajo con grupos, familias y parejas aplicando
para su comprensión un modelo estructural. Ello implicaba una teorización que partía de mis
conocimientos del aparato psíquico de un solo sujeto y ampliándolo lo aplicaba a la cuestión de
los grupos, familias y parejas. Entonces lo que buscaba era entender las fallas en la
complementariedad entre las personas, las semejanzas entre ellas. Principalmente basaba mi
escucha y el recorte que hacía del discurso de los pacientes en lo que podríamos llamar las
vicisitudes de las identificaciones proyectivas e introyectivas de cualquier tipo así como a las
vicisitudes de las transferencias-contratransferencias sean éstas directas o cruzadas.
Poco a poco me fui dando cuenta que esta manera de encarar el tema si bien tenía algún
fundamento y daba posibilidades de mayor comprensión de las dificultades que tenían las
personas en su vida de relación, poco a poco llevaba a intercambios repetitivos. En pocas
palabras, los pacientes aprendían a reconocer cuando proyectaban en el otro, cuando eran
portadores de identificaciones que no les correspondía, cuando se hacían cargo de problemáticas
que sentían que no eran las suyas, etc.. Evidentemente este efecto de comprensión o pseudocomprensión de la dinámica vincular, me producía incomodidad, me hacía ruido, o sea me
llevaba a pensar que estas hipótesis si bien eran válidas no daban cuenta de una posible apertura
de las mentes y de la dinámica vincular.
Fue entonces y gracias al malestar que sentí que comencé a dar más fuerza al concepto
de diferencias que separan a las personas, al espacio entre dos infranqueable dado que
corresponde a la irreducible ajenidad de cada sujeto, y a las dificultades con la alteridad de
cada sujeto. Así nació la idea que había que dar un lugar a las formas de intercambio suscitadas
a partir del espacio entre dos. Para dar más desarrollo a mis ideas, tuve que recurrir a la
antropología y a la filosofía que me ofrecieron maneras de pensar los intercambios que incluían
la alteridad. Algunos de ellos la idea que un intercambio aumenta el espacio entre dos, aumenta
la complejidad de un vínculo y lleva a que a medida que se instala la relación sea esta de grupo,
de familia o de pareja, cada vez las personas se conocen menos si bien tienen el prejuicio que
se deberían conocer mas. Este tema del incremento de la complejidad vincular a medida que
transcurren los intercambios es sumamente rico y al mismo tiempo difícil de pensar.
Entonces empecé a escuchar aquellas frases que aluden a reproches porque el otro no es
como se lo tenía pensado, no reacciona como lo esperado y no me representa como hubiera
querido. Así también se fue desalojando la fuerza explicativa de lo que en su momento
llamamos chivo expiatorio o sea la idea que uno de los miembros del grupo (familia y pareja)
puede estar cargando con una parte del malestar grupal. Ello había sido pensado desde un
modelo estructural y no desde lo que la vincularidad depara en un constante devenir. No se va
tratar entonces de desalojar el modelo estructural sino tan solo de hacerlo convivir
adecuadamente con un modelo vincular en el que se sostiene que la subjetividad se construye
todos los días y en cada contexto relacional, que no se va a buscar fortalecer una identidad sino
113
por el contrario darse cuenta que este modelo identitario no contempla lo que un vínculo
promueve.
114
Download

ÍNDICE POR ORDEM ALFABÉTICA