Zero Hora/RS - Artigos, Seg, 02 de Abril de 2012
Ministros Aposentados (Paulo Brossard)
A crise que não houve, por Paulo
Brossard*
ARTIGOS À pergunta “quem pode governar?”, poder-se-ia
responder “quem pode governar”. Dir-se-ia um
truísmo, mas não o é, pois o eleito, mesmo que por
maioria absoluta, pode não ter condição de governar.
A senhora presidente foi eleita com mais de 50% dos
votos, mas o seu partido não elegeu cem deputados, e
seu aliado outro tanto, cerca de cem, ao todo menos
de 200, quando a Câmara se compõe de 513
deputados; mutatis mutandis, o mesmo se pode dizer
quanto ao Senado. Ora, a maioria parlamentar pode
empecer mais ou menos a ação do Poder Executivo, e
havendo hostilidade não há senão que esperar o fim
dos mandatos executivo e legislativos. É assim no
sistema presidencial, com mandatos fixos, duração de
quatro anos, chova ou faça sol, sofra o país uma
invasão armada ou suceda um surto de peste; não
podem ser dilatados nem reduzidos, para novo
pronunciamento eleitoral a realizar-se em prazo breve,
como no sistema parlamentar. E ainda é mais
estranhável o conflito quando ambos os poderes são
de origem popular, e selecionados na mesma
ocasião. A experiência recente tem demonstrado que, em tal
situação, o presidente eleito busca o apoio de um ou
mais partidos, geralmente mediante a participação no
governo dos colaboradores novos. Parece que a
senhora presidente não teve dificuldade em compor
numerosa maioria, mais de 400 da Câmara, salvo
engano, e também no Senado. Além do mais, a busca da maioria, ao que sei, não se
deu com base em determinado programa de governo.
O expediente foi mais chão, a entrega pura e simples
de pedaços da administração aos novos sócios
independentemente de sua orientação política e de
seu possível ou declarado antagonismo com o novo
parceiro, até o dia anterior. O resultado não foi
exitoso. Alguns ministros tiveram de ser desnomeados
em condições pouco lisonjeiras. E, o que é pior, a
própria senhora presidente após assumiu a
responsabilidade de “blindar” (emprego o vocábulo
oficializado) alguns de seus preferidos, cujos
antecedentes permitiam reservas. Enquanto isso, a
titular do Poder Executivo praticamente suspendeu as
relações com aqueles que apoiavam seu governo, ou
que formavam a sua base de apoio, como agora se
diz. A justificar essa diretriz, à meia-voz, falava-se na
voracidade de deputados em suas pretensões e se
mencionava a resistência dos mesmos a iniciativa do
Executivo. É possível que haja alguma verdade
nessas alegações, mas se poderia retrucar que o
Executivo não se tem mostrado modelar nesse e em
outros sentidos. Mas o que mais impressiona é que, à
sombra de feudo concedido, se pretendeu desfigurar o
Legislativo, que a Constituição proclama
independente. Outrossim, o Executivo se reserva a
faculdade de interferir na vida do Congresso em suas
atribuições específicas. Como se sabe, em certos
períodos o Poder Legislativo foi submisso aos desejos
do Executivo, mas em nenhum como no longo
consulado autoritário; pretender isso agora, depois da
retomada da normalidade institucional, é intolerável.
De modo que, em verdade, a crise existente não tinha
o simplismo a ela atribuído e era e ainda é bem mais
ampla e complexa. Eis senão que, na véspera de sua viagem à Índia, a
honrada senhora presidente declarou inexistir
qualquer crise, “criação da imprensa”, e que o fato de
a Câmara haver recusado a indicação de uma pessoa
para determinada função não era motivo para haver
crises, pois era natural que o corpo legislativo
aprovasse ou desaprovasse uma proposta do
governo. Enfim, uma colher de bom senso, só
lamentável que ela não houvesse dito essa verdade
alguns dias antes. Mas sempre é tempo para corrigir
um deslize ou mesmo um erro. Assim procedendo, a
autoridade não se diminui, antes se engrandece. A
crise que nunca existiu ainda não se exauriu, e a
senhora presidente mais do que ninguém tem os
predicados para dar-lhe o adequado tratamento.
Demorar a solução importaria em seu agravamento, o
que seria péssimo. *Jurista, ministro aposentado do STF
Download

A crise que não houve, por Paulo Brossard*