Anais do IX Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216
MANUEL BANDEIRA: EXPRESSIVIDADE E SENSIBILIDADE ARTÍSTICA
Bárbara Oliveira
(G – CLCA - UENP/CJ)
Maíra Fernanda Garbeloti
(G – CLCA - UENP/CJ)
Mayara Aparecida de Avelar
(G – CLCA - UENP/CJ)
Rafael Wojnarovicz Mesturiny
(G – CLCA - UENP/CJ)
Tânia Regina Montanha Toledo Scoparo
(Orientadora – CLCA - UENP/CJ)
RESUMO
A Estilística é a disciplina que estuda a expressividade da língua e é capaz de conhecer todo o
seu processo, de acordo com os efeitos de estilo, sobre as manifestações de afetividade,
emoção que o texto oferece. Desse modo, o artigo em questão tem como objetivo analisar
estilisticamente alguns poemas de Manuel Bandeira, poeta que atravessou todas as fases do
Modernismo brasileiro e soube expressar seus sentimentos. Sob uma madura técnica, revelou
seu lirismo completo de experiências cotidianas, descobertas transfiguradas, desejos, perdas,
amor, erotismo, enfim um subjetivismo rico de sensações humanas e sensibilidade artística. A
ideia é, com base nos conceitos da disciplina, explorar o estilo do autor, sua biografia,
envolver-se com sua criação literária, analisar o que está expresso em seus versos, identificar
suas características, suas formas e sua sonoridade.
Introdução
‘‘Eu faço versos como quem chora
De desalento , de desencanto
Fecha meu livro se por agora
Não tens motivo algum de pranto” (...)
Manuel Bandeira
Nosso trabalho fará algumas considerações sobre a Estilística, disciplina
que estuda a expressividade da língua e é capaz de conhecer todo o seu processo, de acordo
com os efeitos de estilo, sobre as manifestações de afetividade, emoção que o texto oferece.
Desse modo, o artigo em questão tem como objetivo analisar estilisticamente alguns poemas
de Manuel Bandeira, poeta que atravessou todas as fases do Modernismo brasileiro e soube
expressar seus sentimentos. Sob uma madura técnica, revelou seu lirismo completo de
experiências cotidianas, descobertas transfiguradas, desejos, perdas, amor, erotismo, enfim
um subjetivismo rico de sensações humanas e sensibilidade artística. A ideia é, com base nos
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conceitos da disciplina, explorar o estilo do autor, sua biografia, envolver-se com sua criação
literária, analisar o que está expresso em seus versos, identificar suas características, suas
formas e sua sonoridade.
Estilística
A estilística estuda processos que podem manipular a linguagem e permitir à
pessoa que fala ou escreve conteúdos emotivos e intuitivos por meio de palavras. Este é o
ramo da linguística que estuda as variações da língua, incluindo o uso estético da linguagem e
suas diferenças que dependem também da situação ou do contexto. A estilística tem como
principal objeto o estilo, “que hoje se aplica a tudo que possa apresentar características
particulares, das coisas mais banais e concretas às mais altas criações artísticas” (MARTINS,
1989, p. 01).
No geral a estilística refere-se à expressão estética das palavras. Cuida dos
modos que exprimem o pensamento mediante a linguagem. Sua finalidade perante alguns
autores teóricos é aumentar o rendimento informativo.
Surgiu no século XX, graças a dois autores: Charles Bally e Leo Spitzer.
Bally trata do aspecto afetivo da língua falada, que é viva, espontânea, mas que possui uma
gramática, é lexicalizada. Ocupa-se da descrição do equipamento expressivo da língua como
um todo. Opõe-se ao estudo dos estilos individuais e afasta-se da literatura. Condena o ensino
baseado na gramática normativa e nos textos literários. A Estilística para Spitzer é literária,
parte da reflexão,
de cunho psicologista, sobre os desvios da linguagem em relação ao uso comum;
uma emoção, uma alteração do estado psíquico normal provoca um afastamento do
uso linguístico normal; um desvio da linguagem usual é, pois, indício de um estado
de espírito não-habitual. O estilo do escritor – a sua maneira individual de expressarse – reflete o seu mundo interior, a sua vivência. (MARTINS, 1989, p. 07)
São muitos os autores que se ocupam da Estilística, todas as teorias têm sua
validade, sua contribuição. Em geral, o estudo desta disciplina trata da expressividade da
língua portuguesa. Estuda os meios que esta língua oferece aos falantes e aos quem escreve
para se manifestarem, seja com emoção, ou para fazer julgamento, com finalidade de
despertar uma reação afetiva a quem ouve.
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O artigo explorará por meio das análises dos poemas diversas áreas do
campo da estilística.
Manuel Bandeira: vida e estilo
Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho nasceu em Recife, em 1886.
Após quatro anos foi para o Rio de Janeiro e depois para São Paulo. Foi poeta, crítico literário
e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro.
Devido á tuberculose não concluiu a faculdade de engenharia, e se internou
num sanatório suíço, onde teve contato com a poesia simbolista e pós-simbolista francesa, que
serviu de base para sua criação inicial. Já no Brasil, esteve ligado aos modernistas, em
especial com a amizade de Mário de Andrade, o que influenciou fortemente sua poesia.
Alfredo Bosi em sua História Concisa da Literatura Brasileira inicia a crítica
ao poeta da seguinte forma:
Manuel Bandeira chamou-se um dia de ‘‘poeta menor’’. Fez por cento uma injustiça
a si próprio, mas deu, com essa notação crítica, mostras de reconhecer as origens
psicológicas da sua arte: aquela atitude intimista dos crepusculares do começo do
século que ajudaram a dissolver toda a eloquência pós-romântica, pela prática de um
lirismo confidencial, auto-irônico, talvez incapaz de empenhar-se num projeto
histórico, mas, por isso mesmo, distante das tentações pseudo-ideológicas, alheio a
descaídas retóricas. (2005, p. 360-361).
O poeta soube absorver toda ideologia de cada época, as formas clássicas, as
inovações do modernismo, contudo suas experiências literárias e pessoais foram adaptadas á
sua sensibilidade artística.
No que tange à temática de seus versos é possível perceber o predomínio da
morte pelas assombrações de sua doença e perda de seus parentes, além da humildade,
infância e sensualidade (valorização da carne, erotismo) e elementos relacionados ao
materialismo também foram abordadas sob uma interiorização profunda e uma madura
técnica.
Para ilustração das ideias o famoso Pneumotórax:
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
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Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .
— Respire.
...............................................................................................................
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
A biografia retratada através de rica linguagem, versos brancos e livres bem
como o tom prosaico, ‘‘quebram’’ as regras convencionais para um poema.
Seu lirismo então se respalda nas descobertas do cotidiano, Bandeira
observava as pessoas da janela de sua casa na Lapa, porque o problema de saúde às vezes o
impedia de sair. O dia-a-dia desperta uma completa revolução literária aumentando a
melancolia e a crítica.
Há uma forte tendência de valorizar a discussão dos problemas sociais e
através desse viés que se fortalece o som, o sentido das palavras, a expressão estética da
palavra, ou seja, o principio da explicação, a estilística, referindo-se aos modos de exprimir o
pensamento mediante a linguagem. Sua finalidade, segundo algumas correntes teóricas, é
aumentar o rendimento informativo. Para outros, a finalidade da estilística de um texto é
produzir no leitor um efeito: fazê-lo entender o texto e lembrar-se dele. É essa a ferramenta
que o nosso autor utiliza à vontade, caracterizada pela variedade criadora, desde o soneto
parnasiano, pela prática do verso livre, até por experiências com a poesia concretista.
Segundo o linguista brasileiro Mattoso Câmara ‘‘estilo é a linguagem que
transcende o plano intelectivo para carrear a emoção e a vontade’’(Apud MARTINS, 1989 p.
03). Outros consideram o estilo diversos fatores atribuídos a ele:
“[...] alguns teóricos só consideram o estilo na língua literária, outros o consideram
nos diversos usos da língua. Alguns relacionam o estilo ao autor, outros à obra,
outros ainda ao leitor, que reage ao texto literário; alguns se concentram na forma da
obra ou do enunciado, outros na totalidade forma-pensamento.” (Idem, p. 2)
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Diante disso, o estilo do literato recifense sempre apelou pelo caráter
emotivo poeticamente transfigurado e contrário ás ideias cristãs, visto que não tinha nenhuma
religião:
O estilo humilde do poeta, impensável de fato fora do contexto cristão, depende de
uma espécie de solidariedade profunda com tudo quanto é desvalido e frágil: as
coisas todas submissas ao poder devastador do tempo; a vida humana sujeita a
quedas; os pobres, seres precários na ordem social injusta [...] Afasta-se, contudo, do
universo cristão pela negação da transcendência, da imortalidade da alma, pela visão
materialista do mundo e o reconhecimento do poder de destruição absoluta da morte.
(AMARAL apud DAVI, 2000, p.249).
Enfim, sua obra abrange o humor, certo ceticismo, uma ironia amarga, a
tristeza e alegria dos homens, a idealização de um mundo melhor, a solidariedade.
Análise estilística dos poemas
A Onda
a onda anda
aonde anda
...........a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
..........aonde?
aonde?
a onda a onda
O poema “A Onda” traz em si palavras muito parecidas, onda – anda aonde - ainda... Há nessa construção o emprego de paronomásia, ‘‘figura pela qual se
aproximam na frase, palavras que oferecem sonoridades análogas com sentidos diferentes, um
jogo de palavras’’ (MARTINS, 1997, p. 67). Outro recurso utilizado é a anáfora, repetição de
termos, e a escolha de pequenos vocábulos que juntos imitam o som de uma onda, remete-se
também a um ‘‘mantra’’ a uma ‘‘espécie de ladainha’’.
A combinação das palavras anda, onda, ainda e onde são constituídas quase
apenas de vogais (leves e fluidas), que apresentam duas consoantes (rígidas) n e d, dá-se a
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ideia de flutuação do mar, o ritmo da água. Diante disso, o poema sugere o movimento
constante da onda, a onda se faz onda quando anda, movimenta-se, se ela estiver parada já não
é mais onda, não anda; através da repetição ‘‘a onda a onda’’ pode-se ter a interpretação de
que a onda parece se ‘‘desfazer’’ em um rochedo ou ‘‘morrer’’ na praia, além de trazer a
biografia do autor, a onda morta, sem mais sentido, como a vida dele que passava por um
momento difícil e depressivo como a onda paralisada.
Em suma o poema “A Onda” o autor pode nos revelar múltiplos
significados e emoções; uma opressão da realidade, a solidão, à busca da evasão, à procura do
lugar ideal, onde praticamente tudo seria possível, trazendo uma intertextualidade consigo
mesmo, pois sendo que, o mar, a onda, traz consigo o lado melancólico da vida, estar só,
depressão, movimento, tempo, embriaguez, etc.
Canção do vento e da minha vida
O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores…
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.
O vento varria as luzes,
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas…
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos.
O vento varria os sonhos
E as amizades…
O vento varria as mulheres…
E a minha vida ficava
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Cada vez mais cheia
De afetos e de mulheres.
O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos…
O vento varria tudo!
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.
O poema ‘‘Canção do vento e da minha vida’’ faz parte do livro Lira dos
Cinquent’anos, publicado em 1940.
Completamente musical, o poeta utilizou vários recursos para atingir com
êxito o formato de uma canção.
Os sinais de pontuação presentes nos versos:
O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores…
O vento varria as luzes,
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas…
A vírgula é empregada para dar uma pausa no ritmo nos dois primeiros
versos que no terceiro terminados em reticências dá-se a ideia de continuação, prolongamento
da varredura do vento, permeando todas as estrofes, além de ser um elemento que auxilia na
relação afetiva.
O vento varria os sonhos
E as amizades…
O vento varria as mulheres…
Na última estrofe:
O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos…
O vento varria tudo!
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A exclamação ‘‘O vento varria tudo!’’ encerra o compasso rítmico de
continuidade do vento, pelo sentido de que tudo é varrido por ele.
Em relação à expressividade das consoantes é visível o uso da aliteração
(que consiste na repetição de fonemas no início ou interior das palavras) das letras f e v que
imitam sopros, no caso, o de um vento de força gradativa.
As labiodentais [f] e [v] imitam sopros, podendo ter valor expressivo em vocábulos
como voz, vento fala, fofoca, flaflo ( vocábulo criado por Guimarães Rosa: ‘‘o flaflo
do vento agarrado nos buritis’’, Grande Sertão, p.233). São as consoantes
labiodentais que reforçam a ideia do vento simbolizando o fluir da vida nos versos
da ‘‘Canção do vento e da minha vida’’, de Manuel Bandeira (MARTINS, 1997 ,
p.55).
O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores…
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.
Ocorre também a inversão na ordem das palavras folhas, frutos, flores por
frutos, flores, folhas, entende-se que tudo que o vento varreu encheram a vida dele, não
necessariamente na ordem da varredura. Na estrofe seguinte percebe-se a mesma intenção só
que desta vez os vocábulos são substituídos através da figura de linguagem da metonímia (a
substituição do sentido de uma palavra ou expressão por outro sentido, havendo entre eles
uma relação lógica) luzes por estrelas e músicas por cânticos, enquanto a palavra aroma
permanece, porém todas independente da substituição são invertidas.
O vento varria as luzes,
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas…
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos
Está presente também a presença da anáfora, a repetição de ‘‘o vento’’ no
início de cada verso.
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A terceira estrofe apresenta uma nova forma, abandona-se a aliteração e
anáfora que estruturam inicialmente o poema. Devido o valor significativo mais amplo das
palavras sonhos, amizades e mulheres, representa pessoalidade, afeto, intimidade diante das
perdas e consequentemente os ganhos.
O vento varria os sonhos
E as amizades…
O vento varria as mulheres…
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De afetos e de mulheres
Na última estrofe (como aparece em todas as outras, na varredura do vento e
no que se recebia dele) há a presença da antítese (figura que consiste no emprego de termos
com sentidos opostos):
O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos…
O vento varria tudo!
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.
Considerações finais
Pretendemos com a elaboração de este artigo explorar o estilo de Manuel
Bandeira, sua expressividade marcada pela criatividade e ousadia que atravessou todas as
fases do Modernismo brasileiro e nos encontra com tanta força e identificação nos dias de
hoje. Por meio da leitura e análise foi possível encontrar tanto os elementos estilísticos quanto
momentos propícios para uma fruição e satisfação de experiência literária. No mais,
concluímos com um verso do poeta simples, humilde, porém intenso:
‘‘(...) Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.
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Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.’’
E que possamos tornar de suas palavras, reflexões para a nossa vida, através de usa
intensa simplicidade.
Referências
BANDEIRA, Manuel. Antologia poética. 12. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2005.
MARTINS, Nilce Sant’Anna. Introdução à estilística: a expressividade na língua
portuguesa. 2ª. ed. rev. e aum. São Paulo: T. A. Queiroz, 1989 e 1997.
AMARAL, Emília...[et al.]. Português: novas palavras: literatura, gramática e redação. São
Paulo: FTD, 2000.
Para citar este artigo:
AVELAR, Mayara Aparecida de et al. Manuel Bandeira: expressividade e sensibilidade
artística. In: IX SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS - Estudos
Linguísticos e Literários. 2012. Anais... UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná –
Centro de Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2012. ISSN – 18089216. p. 527-536.
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