Agosto/setembro – 2010
Sorria... Você está sendo filmado!
Quem ainda não deparou com um aviso desses? Nos supermercados, nos shoppings, nos
condomínios, nos estádios de futebol, nas lojas de conveniências... Uma advertência, no
mínimo, inconveniente. Tão inconveniente que já provocou uma réplica: “Sorria... Você está
sendo filmado!”.
Racine (1639-1699) disse que “não existem segredos que o tempo não revele”. Hoje, ele diria:
“não existem segredos que a parafernália de apetrechos de micro câmeras, microfones
imperceptíveis e aparelhos de captação de som não revelem”.
De fato, esses aparelhos sofisticadíssimos estão em toda parte, vigiando nossas andanças,
nossos movimentos, nossas vidas. Eles nos veem, mas nós não os vemos, porque, estão
disfarçados de botões, canetas, relógios... Na plataforma do metrô paulistano há 930 câmeras
registrando tudo. Em cada vagão da linha verde foram instaladas quatro. Só na cidade de São
Paulo há quase 600 mil câmeras, uma para cada dezesseis habitantes. Na Inglaterra, onde a
população é a mais vigiada do planeta, há uma câmera para cada quatorze pessoas.
Questão de segurança? Também. Mas não é só. Vivemos uma realidade de “big brother”,
vigiados e teleguiados vinte e quatro horas por dia. O celular nos encontra lá onde nós
estivermos. O GPS segue, por satélite, o carro e seus ocupantes, indicando caminhos e, mais
ainda, registrando os caminhos, tornando possível, mesmo depois, rastrear esses caminhos. A
terra é monitorada vinte e quatro horas por dia. Mais? Não é possível!
“Sorria, você está sendo filmado”, embora, num recado “light”, esconde a preocupação de que
você possa furtar alguma peça. É uma maneira ingênua que funciona como advertência. Mas
que não deixa de nos encucar: será que pensam que sou ladrão? É o nivelamento “por baixo”,
isto é, aquele que enquadra todos numa possível “gatunagem”, como se todos fossem
desonestos.
Nos meus tempos de internato, no seminário, por todos os lados havia um quadro com um
triângulo (representando, certamente, a Santíssima Trindade) com um grande olho aberto e,
debaixo, a frase: “Deus me vê!” Era, mais ou menos, o que diz o Livro dos Provérbios, no
capítulo 15, versículo 3: “Em toda lugar, os olhos de Deus estão vigiando maus e bons”. Mas, o
“vigiando” aqui é empregado em outro sentido. Afinal, o sol nasce para todos, bons e maus.
Graças a Deus, esta mentalidade já está ultrapassada. Afinal, eu não peco porque Deus me vê.
Eu peco porque não vejo Deus. Ou o vejo de uma forma deformada, como um vigia
intransigente, como alguém que “fica atrás da porta” para me apanhar em alguma falha.
Este não é o meu Deus. Meu Deus não é uma câmera escondida, um radar inoportuno. Pelo
contrário, meu Deus é amoroso, terno e compassivo. Um Deus que “fecha os olhos” para não
me ver errar, um Deus misericordioso que vem ao meu encontro, mesmo quando peco. Um
Deus pródigo. Afável, carinhoso, compreensivo. Um Deus que ama e que perdoa porque ama.
Um Deus “mãe”. Agrada-me, sobremaneira, a expressão de João Paulo I que, como Papa,
passou como um meteoro, mas não deixou de registrar a sua rápida passagem, governando a
Igreja por apenas trinta e três dias: “Deus é mãe!”, dizia o Papa. Assustou meio mundo e até
provocou a composição de uma música que tinha como título “Deus é feminino”, exatamente
porque não compreenderam – ou não quiseram compreender o que o Papa “sorriso” queria
dizer. Ele usou a figura inquestionável do amor de mãe. Às vezes enfrentamos problemas na
catequese quando dizemos que “Deus é pai”. Aí a criança se lembra da figura do pai que chega
bêbado em casa, que bate na esposa e espanca os filhos e, então, se pergunta: Deus é pai?
Sorria... Você está sendo filmado! Não só. Filmado, gravado, espionado, vigiado... Não é mais o
medo do “Deus me vê” e sim, a certeza de “o mundo me vê”. Não posso “pisar fora da tolda”.
É o “superego” de Freud, que não deixa fazer nada de errado, mesmo que eu não saiba o que é
errado. O mundo me vigia, a família me vigia, os vizinhos me vigiam, a câmera me vigia.
Será este o nosso destino? Teleguiados? Robôs? Vigiados? E a liberdade? Bem diz o dístico da
bandeira do Estado de Minas Gerais: “Libertas quae sera tamen”. “Liberdade ainda que
tardia”.
Dom Paulo Sérgio Machado
Bispo Diocesano
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