Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura O OLHAR CECILIANO SOBRE O FEMININO ORIENTAL: UM BREVE ESTUDO DE POEMAS ESCRITOS NA ÍNDIA Gisele Pereira de Oliveira1 Dois aspectos pouco estudados na obra de Cecília Meireles: o feminino e o oriente. Por um lado, a crítica não se dedica com rigor à análise da presença e a representação do feminino na poesia ou na prosa ceciliana; mesmo que haja diversos poemas que tratem de mulheres que sejam dedicados a uma, ou que tematizem o feminino na sociedade, na arte, na vida (“O tempo de Gisèle”, “Diana”, “Edite”, “Alvura”, “Gargalhada”, “Balada das dez bailarinas do cassino”, “Mulher ao espelho”, “Mulher adormecida”, “Prisão”, “Lamento da noiva do soldado”, “Sereia” etc.). Por outro lado, o oriente está marcadamente presente na produção literária (e na vida) de Cecília, principalmente no que se refere à Índia e, ao mesmo tempo, é quase ausente em estudos sobre sua obra. Dessa forma, temos como objetivo, aqui, pensar Poemas escritos na Índia em suas relações com o feminino e o oriente. Viajante, e não turista – como adverte a própria poeta –, Cecília via o ato de viajar como uma oportunidade de aprendizado e de vivência com amigos futuros: Cada lugar onde chego é uma surpresa e uma maneira diferente de ver homens e coisas. Viajar para mim nunca foi turismo. Jamais tirei fotografia de país exótico. Viagem é alongamento de horizonte humano. [...] Tenho, nos lugares mais diferentes, amigos à minha espera. Você já reparou que, entre centenas, em cada país, nós temos sempre aquela pessoa que, sem mesmo saber, espera por nós e, quando nos encontra, é para sempre? Por isso é que eu gosto tanto de viajar, visitar terras que ainda não vi e conhecer aquele amigo desconhecido que nem sabe que eu existo, mas que é meu irmão antes de o ser [grifo do autor].2 1 Doutoranda em Letras pela UNESP/Assis. [email protected] 2 BLOCH, Pedro. Cecília Meireles. Revista Manchete, Rio de Janeiro, n. 630, 16/05/1964, p. 37. Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura Em relação à Índia, realiza, em 1953, a convite do Ministro da Índia, Nehru, sua viagem a este país, quando foi condecorada pelo presidente indiano com o título de Doutora Honoris Causa da Universidade de Délhi, e onde se tornou sócia honorária do Instituto Vasco da Gama, em Goa. Ademais, vem a publicar, no Rio, no mesmo período, Poemas Escritos na Índia, e entre 60 e 63, “Gandhi, um herói desarmado”.3 Num panorâmico percurso por sua biografia, a Índia se destaca como constante em sua vida. Primeiramente, foi criada por sua avó de descendência açoriana, que influiu na sua formação intelectual, cultivando desde cedo seu interesse pela pátria portuguesa, mantendo viva a fala camoniana e a cultura local, bem como despertando seu interesse pela Índia e o Oriente, tudo corroborando para sua visão de mundo (Universal? Oriental?), como ela nos diz: Quanto a Portugal basta dizer que a minha avó falava como Camões. Foi ela quem me chamou a atenção para a Índia, o Oriente: “Cata, cata que é viagem da Índia”, dizia ela, em linguagem náutica, creio, quando tinha pressa de algo. Chá-da-Índia, narrativas, passado, tudo me levava, ao mesmo tempo, à Índia e a Portugal.4 À luz dessa influência, relaciona-se não só com aspectos culturais da Índia mas com os aspectos filosófico-religiosos indianos, estudando, por exemplo, o budismo desde durante sua formação escolar,5 os quais a influenciaram, assim como a sua produção lírica. Seja pelo estudo da literatura e da língua (do hindi e do sânscrito6), seja pela admiração que expressou em poemas e crônicas por personalidades como Buda, Gandhi, Rabindranath Tagore, ou pela própria obra em questão, Poemas escritos na Índia, e outros poemas temáticos distribuídos em outras obras, sua longa e frutífera relação com a Índia permeia sua poética de diversas formas. 3 Grandes Vocações, S. P., Donato Ed. 4 MEIRELES, Cecília. Poesia Completa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguilar, 1994, p. 80. 5 Carta de 24/04/1938, in: Cartas inéditas de Cecília Meireles a Maria Valupi. Colóquio/Letras, nº 66, março/1982, p. 69. 6 Cf. Ibidem, p. 84. Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura Dando-nos notícia dessas interações desde a obra ceciliana prematura, Gouvêa diz que há na tecitura poética uma busca à perfeição estética que “inclui ressonâncias de tradições místico-filosóficas orientais, como o budismo e o taoísmo”.7 Para Loundo, a presença da Índia na poética da Cecília se constitui como “um expressão existencial e lógica de um imperativo do destino”, que “contém em si mesma elementos-chaves para uma avaliação mais profunda da singularidade e da excelência de uma das maiores vozes da poesia brasileira e da língua portuguesa”.8 A presença da Índia se dará, principalmente, por meio de temas e posturas recorrentes, que parecem se relacionar com suas experiências pessoais, como a supracitada. Pois, para Loundo, se destacam em sua poesia, em relação ao pensamento filosófico-religioso indiano, a “profunda consciência do caráter transitório da existência” e a “disposição de se submeter a uma disciplina de desapego espiritual como forma de alcançar a compreensão das profundezas da realidade e a eliminação do sofrimento”. 9 Em relação ao feminino na obra ceciliana, “ao contrário do que afirma a crítica mais tradicional acerca da autora”,10 como afirma Ana Maria Domingues, é tão reincidente, claro e pungente como diversos outros motivos no universo múltiplo de Cecília, diferentemente do que é preconcebido pela: [...] leitura que, grosso modo, se tem feito da obra de Cecília Meireles [que] está já condicionada a encontrar, em seus textos, um modelo de feminino que se considera inerente à obra da poetisa, ou seja, etéreo, espiritual, alienado, assexuado, incorpóreo.11 7 GOUVÊA, Leila V. B. Pensamento e lirismo puro na poesia de Cecília Meireles. 2003. 201 f. Tese (Doutorado em Letras) – Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2003, p. 12. 8 LOUNDO, Dilip. Cecília Meireles e a Índia: viagem e meditação poética. In: GOUVÊA, Leila V. B. (org.). Ensaios sobre Cecília Meireles. São Paulo: Humanitas, 2007, p. 129. 9 Ibidem, p. 130. 11 Ibidem. 10 OLIVEIRA, Ana Maria Domingues de. Figuras femininas na poesia de Cecília Meireles. Disponível em: http://www.uesc.br/seminariomulher/anais/PDF/ANA%20MARIA%20 DOMINGUES%20DE%20OLIVEIRA .pdf, acessado em 31/08/2010. Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura Ao levar este equívoco aparentemente generalizado em consideração e “tentar ler a obra de Cecília com o desconforto e os olhos de quem procura as evidências contrárias a crenças tão firmemente estabelecidas pela crítica”,12 nos deparamos com um universo marcadamente feminino, como sucintamente apresenta Maria Lúcia Dal Farra: É a força maternal que empreende a reunificação e que transforma o corpo em espaço coletivo e pleno. Se essa é a característica principal da poesia de Cecília, então pode-se dizer que a sua poesia é de mulher. De fato, na apreciação de Murilo Mendes sobre Cecília, ele a trata por “poetisa”, justificando (e isso porque, muito provavelmente, está dialogando com posições antagonistas do seu contexto histórico) que esse “título” é o que parece a ele o “mais adequado a uma mulher”. Também Moreira da Fonseca insiste em vê-la como mulher. Para esclarecer seu ponto-de-vista, informo que ele crê que uma das excepcionalidades de Cecília seja justamente a construção, retifiquemos, a composição de uma poesia densamente feminina, não apenas a poesia feita por alguém que é mulher, mas obra de mulher, com um sem-número de perspectivas sobre as coisas, que os homens não teriam, poesia na qual uma das grandes forças é a delicadeza, e delicadeza de poeta, que transfigura a vida em canto.13 Dito isso, abordaremos agora nosso objeto neste trabalho, qual seja apreciar a visão do feminino oriental por Cecília Meireles. O livro Poemas escritos na Índia se dá como um relato de viagem em poesia descritiva plástica dos lugares, objetos, pessoas observadas e das sensações vividas pelo eulírico. Os instantes são elegidos e erigidos em palavra poética, uma quase 12 Idem. 13 DAL FARRA, Maria Lúcia. Cecília Meireles: imagens femininas. Cadernos Pagu (27), julhodezembro de 2006, p. 350. Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura prosa lírica, na qual uma miríade de sons, de cores, cheiros, seres, luzes e sombras se amalgamam resultando em uma sinfonia poética oriental. A Índia exerce sobre o viajante um assalto aos sentidos, ou seja, somos imediata e, então, continuamente atacados por diversas e intensas sensações, que nos desafiam a entender o aspecto humano a partir de outras perspectivas, que questionam nossas noções mais básicas sobre a vida contemporânea, ocidental, judaico-cristã e binária (masculino/feminino, pobre/rico, erudito/ignorante, santo/demoníaco etc.). Como nos diz JeanClaude Carrière, roteirista que acumula mais de trinta viagens à Índia: É difícil amar a Índia. O amor pode ser aniquilado ao primeiro contato, que é capaz de fazer com que as malas sejam refeitas e seja retomado o caminho de volta. Pode ser confundido com o exotismo e com o pitoresco. Exige muitas viagens e uma atitude bastante estranha, feita de candura, que é propícia à surpresa, e de um ceticismo crítico que constantemente questiona o objeto do amor, o denigre, o detesta. [...] Outra atitude, mais delicada, consiste em esquecer por alguns dias, ou algumas semanas, nossa crença, profundamente estabelecida, na racionalidade do mundo. Se nos falta ingenuidade, se esquecemos de ver e ouvir, se quisermos tudo explicar e compreender, trazer todo o espetáculo para a nossa lógica, compará-lo, avalia-lo, ficaremos rapidamente desgarrados, decepcionados, até exasperados.14 Para nós, a Índia nos expõe, isto é, aflora nossas convicções mais profundas, nossos pré-conceitos e preconceitos, nossas estruturas intelectivas com as quais conhecemos e re-conhecemos o mundo. Nesta perspectiva, viajar pela Índia é, sem dúvida, a possibilidade de reavaliação, 14 CARRIÈRE, Jean-Claude. Índia: um olhar amoroso. Trad. Claudia Fares. 2ª ed. São Paulo: Ediouro, 2009, p. 05. Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura desconstrução e reformulação do ser, do pensar, do sentir. Nossa inquietação busca apreender o olhar da viajante Cecília das mulheres indianas nessa miríade de imagens e sensações. Para tanto, primeiramente, elencamos os poemas que nos oferecem este percurso, quais sejam, “Humildade”, “Adolescente”, “Canção para Sarojíni” e “Deusa”, além de versos significativos inclusos em outros poemas do mesmo volume. Aqui, devido aos limites da publicação, apresentaremos apenas o poema “Humildade”: Varre o chão de cócoras. Humilde. Vergada. Adolescente anciã. Na palha, no pó seu velho sári inscreve mensagens de sol com o tênue galão dourado. Prata nas narinas, nas orelhas, nos dedos, nos pulsos. Pulseiras nos pés. Uma pobreza resplandecente. Toda negra: frágil escultura de carvão. Toda negra: e cheia de centelhas. Varre seu próprio rastro. Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura Apanha as folhas do jardim aos punhados, primeiro; uma por uma por fim. Depois desaparece, tímida, como um pássaro numa árvore. Recolhe à sombra suas luzes: ouro, prata, azul. E seu negrume. O dia entrando em noite. A vida sendo morte. O som virando silêncio. Consonante com o tom prevalecente no livro, o da visão do viajante, o eu-lírico narra uma passagem breve, transitória, sutil e discreta. Como narrativa lírica, o poema se inicia in media res, ou seja, somos assaltados com a ação da protagonista: o varrer o chão, que se configura de fato, na Índia, como profissão vitalícia de uma classe, ou casta, de mulheres humildes. Além disso, a humildade se materializa pela postura da “adolescente anciã”: “de cócoras”. Por outro lado, isso representa uma concepção indiana de postura cotidiana, que se opõe à ocidental, que é a de não permanecer em pé ao executar diversas atividades diárias, tais como cozinhar, tomar banho, orar, oferecer homenagens aos deuses, trabalhar (por exemplo, ao vender algo em lojas), etc. Há uma nuance de permanência, de calmaria, tempo vagaroso, contínuo, pois não se anda, não se corre, se senta, se agacha, se Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura põe de cócoras, se verga, se torna humilde, sempre, como uma submissão à entidade tempo, que nos atropela, que não cede, não se isenta, nunca. A ação da anciã inclui uma escrita: “Na palha, no pó/seu velho sári inscreve/mensagens de sol/com o tênue galão15 dourado.” Essas “mensagens de sol” que são inteligíveis linguisticamente, pois são apenas imagens, e como tal exclusivas à compreensão do eu-lírico que as testemunha, são como a própria anciã, transitórias, uma vez que esta “varre seu próprio rastro”. Todavia, o instrumento de escrita, o “galão dourado” introduz um aspecto que se impõe à visão do eu-lírico, qual seja, o brilho, a luz, que se intensifica com os demais objetos pessoais que se dão como extensão do corpo da própria anciã: “Prata nas narinas,/ nas orelhas,/nos dedos/nos pulsos./Pulseiras nos pés. A aliteração dos “s” dá ao poema uma cadência vagarosa, ventejada, como se intuíssemos uma brisa que permeia a imagem e lhe dá o movimento que lhe é atributo intrínseco desde o início da narrativa lírica, nos levando à descrição sucinta da mulher que varre para viver, e varre sua própria vida da trama do tempo e do espaço: “uma pobreza resplandecente”. Característica predominante na Índia aos olhos, ou seja, uma pobreza, uma humildade ou simplicidade, respingada por metais reluzentes que nos rementem a outros tempos, aos tempos dos reis e rainhas, como nos afirma Carrière: [...] soma-se [à pluralidade, à diferença que reúne], como percebem todos os visitantes, uma viagem física no tempo, um transporte imediato para as luzes e os aromas de outra época, nos meandros de algum palácio de idade indefinida. Nenhum esforço é exigido aqui: basta se deixar levar, deslizar pela passagem temporal que está entreaberta para qualquer um em todos os lugares.16 Esta criatura humilde, mas esplendecente, intermediária entre tempos, entre seres, se configura ao olhar do eu-lírico, como simulacro de 15 Galão: tira de tecido bordado com fios de ouro, prata, seda, algodão etc., us. como enfeite, debrum ou acabamento em roupas, cortinas, estofamentos etc.; tira dourada aplicada em uniformes, como distintivo de determinadas patentes militares (cf. Dic. Houaiss). 16 CARRIÈRE, op. cit., p. 06. Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura opostos: “Toda negra: frágil escultura de carvão./Toda negra: e cheia de centelhas.”; presente/passado; tradição/ contemporaneidade; mensagem/ inteligibilidade linguística; presença/ ausência. O ritmo da narrativa gradativamente se dilui, como se estivesse em compasso com a sutileza e discrição da protagonista, pois a seguinte estrofe, que descreve sua próxima ação, ou seja, ela “apanha as folhas do jardim”, se dá espaçada com uma palavra por verso, mimetizando a redução do ritmo, a redução das folhas coletadas: Apanha as folhas do jardim aos punhados, primeiro; uma por uma por fim. Essa gradual diminuição, na verdade, antecipa visual (na estrutura da estrofe) e semanticamente (no uso da palavra “uma”) o final da narrativa que se aproxima “por fim”: “Depois desaparece,/tímida,/como um pássaro numa árvore”. Sua delicadeza ativa, pois discreta em seu dever cotidiano, vagarosamente se esvai da visão do eu-lírico, levando consigo sua “pobreza resplandecente”, suas “centelhas”, uma vez que “Recolhe à sombra/suas luzes:/ouro/prata/azul./E seu negrume”. Dessa forma, a narrativa se encerra, pondo em cena a premissa que parece percorrer todo o poema, qual seja, a da brevidade, a transitoriedade: “O dia entrando em noite./A vida sendo morte./O som virando silêncio”. Assim, o eu-lírico, “o estudante empírico”17 apreende de uma singela cena cotidiana, típica atividade atribuída às mulheres indianas, concepções básicas no pensamento indiano: 1) a transitoriedade e brevidade da vida, que é submissa às rodas incessantes do tempo, o galopar dos cavalos do tempo, como no poema “Cavalgada”, “Escuta o galope certeiro dos dias/saltando 17 Título de um livro de Cecília. Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura as roxas barreiras da aurora./[...] Escuta o galope sem pausa/da cavalgada que vai para oeste.”, pois, como a Cecília bem conhecia, se apresenta na Bhagavad-gita, o livro essencial da teologia hindu, nas palavras da própria Pessoa Suprema, “Sou o tempo que não se extingue” (Bhagavad-Gita 10.33) e “O tempo Eu sou, o grande destruidor dos mundos” (BG 11.32); 2) a premissa de que por cumprir o seu dever (aqui, hereditário pelo sistema de castas), vendo-o como resultado inerente do ciclo de nascimentos e mortes, ou pela reencarnação, como fruto maduro das sementes plantadas pelas ações passadas, ou seja, do karma, como o lavor da anciã, asseverado também pelas palavras da Suprema Pessoa na Bhagavad-gita, “Execute seu dever prescrito [aquele adquirido pelo nascimento], pois fazê-lo é melhor do que não agir, já que não se pode manter o próprio corpo sem trabalhar” (BG 3.8) e “Portanto, sem apego pelos frutos das atividades, deve-se agir por uma questão de dever, pois trabalhar sem apego, alcançase o Supremo” (BG 3.19). Parece-nos, assim, que Cecília elege uma típica mulher simples, discreta, tímida, “frágil escultura de carvão”, para falar sobre o tempo, a ação cotidiana, ou dever ocupacional, e, ao mesmo tempo, descrever essa leveza feminina indiana que passa quase sem ser percebida, a não ser pelo olhar perscrutador da Cecília viajante, e, retomando as palavras de Dal Farral, “é a força maternal que empreende a reunificação e que transforma o corpo em espaço coletivo e pleno”. Assim, esta mulher indiana carrega em si, como um exemplar de seu povo, o amalgamado de sua história, de sua cultura, no agir, no passar, na vestimenta, nos adornos, como sinédoque da longa história da Índia, onde cada passo é uma dança e cada palavra, uma canção. Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura Bibliografia BLOCH, Pedro. Cecília Meireles. Revista Manchete, Rio de Janeiro, n. 630, 16/05/1964, p. 34-37. DAL FARRA, Maria Lúcia. Cecília Meireles: imagens femininas. Cadernos Pagu (27), julho-dezembro de 2006, p. 333-371. GOUVÊA, Leila V. B. Pensamento e lirismo puro na poesia de Cecília Meireles. 2003. 201 f. Tese (Doutorado em Letras) – Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2003. LOUNDO, Dilip. Cecília Meireles e a Índia: viagem e meditação poética. In: GOUVÊA, Leila V. B. (org.). Ensaios sobre Cecília Meireles. São Paulo: Humanitas, 2007, p. 129178. MEIRELES, Cecília. Poesia Completa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguilar, 1994. ______. Cartas inéditas de Cecília Meireles a Maria Valupi. Colóquio/Letras, nº 66, março/1982, p. 63-71. OLIVEIRA, Ana Maria Domingues de. Figuras femininas na poesia de Cecília Meireles. Disponível em: http://www.uesc.br/seminariomulher/anais/PDF/ANA%20MARIA%20 DOMINGUES%20DE%20OLIVEIRA.pdf, acessado em 31/08/2010.