Programa Escutar e Pensar- Pressa – 18/09/2015 Você já reparou, ouvinte, no título desse nosso programa “Escutar e pensar”? Na prática, esses dois verbos exigem algum tempo para que possam ocorrer e, se temos muita pressa, não damos muita chance nem a um nem a outro. Escutar é mais complexo que ouvir; podemos ouvir sons diversos, ruídos indistintos, vozes. Escutar supõe aplicar o ouvido aos sons e distinguir se é uma música, uma voz humana, por exemplo. Percebendo que é uma voz humana, ainda precisamos prestar atenção nas palavras que acompanham essa voz, para compreender seu significado, o que elas querem dizer. Precisamos estar atentos ao seu ritmo, à sua entonação. Palavras ditas com ironia, por exemplo, podem querer dizer o contrário. A frase “Como você é inteligente...” pode querer dizer “Como você é burro!” E prestar atenção requer concentração, um mínimo de calma, um mínimo de tempo. Pensar é ainda mais complexo, porque envolve, além da atenção e concentração, raciocínio, articulação de conhecimentos, reflexão, imaginação, memória e até intuição. Quando algo importante não nos sai bem, e é tão comum isso acontecer, muitas vezes a pressa nos leva a seguir adiante, “a passar batido”, sem refletir. Se parássemos para pensar um pouco, teríamos alguma chance de aprender com nossos erros, tentar não repeti-los e melhorar nossa vida. É verdade que certas situações exigem de nós pressa e concisão, que é uma forma de economizar tempo – é o que tentamos fazer aqui no programa, onde o tempo é precioso. Mas essa pressa precisa ter a sua dose. A pressa então pode atrapalhar o escutar e o pensar. E pode ainda atrapalhar muitas outras coisas, como os relacionamentos com as pessoas que nos cercam. Ela pode atrapalhar, e muito, nossos relacionamentos com as pessoas que nos cercam. Lembremos situações bem comuns: Em casa, podemos olhar as tarefas escolares dos filhos com pressa, seus boletins igualmente, sem parabenizar as notas boas ou sem tentar examinar, conversar mais, no caso de notas baixas. Professor particular pode ajudar, é claro, mas um contato mais próximo entre pais e filhos pode também indicar muitas situações, se sabemos aproveitar o momento. Quem sabe uma nota baixa seja um sinal de que os filhos estão precisando exatamente um pouco mais da nossa atenção, da nossa companhia... Se na nossa hora de folga, em vez de ver um programa na televisão, ou trabalhar no computador, ficarmos ao lado dos filhos, nos interessando pelo que estão aprendendo na escola, ajudando-os no dever de casa e brincando com eles um pouco, esse maior contato com eles vai fazer bem a todos nós e talvez até as notas deles melhorem.. Ao nos despedirmos das crianças na hora de sair, muitas vezes o fazemos de forma muito rápida, quase automática, sem afeto ou emoção. Isso vale também para o companheiro, companheira, marido, esposa, amigos, familiares, colegas. Um beijo, um gesto afetuoso, deixam suas boas marcas; e a constância desses gestos pode contribuir para que se instale um laço afetivo de confiança, ajudando a suportar a ausência. Para a nossa pressa não faltam justificativas: o emprego, o patrão, o trânsito, o “em cima da hora”, tantas coisas. Isso pode enfraquecer nossos relacionamentos. Nosso momento presente, o único que realmente possuímos, vai passando sem plenitude, sem a atenção que ele merece. A pressa se manifesta em situações bem comuns do nosso dia-a-dia: toleramos muito mal as filas de espera, os atendimentos não imediatos. Queremos ser logo atendidos e pronto! Não importa se alguém chegou antes de nós, se é uma pessoa idosa, se tem uma urgência especial. Temos vários momentos em nossa vida onde podemos constatar que somos amados, apreciados, merecemos respeito. Mas naquele momento, na fila do banco, até numa fila de cinema, numa loja, numa entrevista, temos que ser atendidos logo, senão nos sentiremos desrespeitados, desconsiderados ou até atacados. “Sabe com quem está falando?” quase dizemos. .Não, não podemos esperar, estamos com pressa! Nessas situações, parece que nos sentimos como uma criança com necessidade imperiosa de ser atendida, sob pena de sentir-se abandonada, em desespero. É como se voltássemos a ser aquele bebezinho que sentia fome, não entendia o que estava acontecendo com ele e se desesperava enquanto os adultos demoravam para vir atendê-lo. No trânsito, precisamos sempre passar na frente, atravessar o sinal. É uma forma também de nos sentirmos espertos, de não deixar que nos passem para trás. Provavelmente muitos acidentes seriam evitados, se nos sentíssemos menos tomados pela pressa. “A pressa é inimiga da perfeição”- esse provérbio pode ser aplicado às tarefas feitas com pouco cuidado, onde a intenção maior parece ser a de livrar-se delas. Toda tarefa, trabalho, qualquer atividade feita com capricho tem mais chances de dar certo. Podemos entrever, nas atitudes apressadas, a ansiedade, alguma coisa que não sabemos muito bem o que é, talvez o medo de nos deparar com a imperfeição, com a necessidade de aprimoramento, de mais trabalho. E, muitas vezes, receamos não ter gás, energias, capacidade para continuar a tarefa. Se nos livramos dessa tarefa rapidamente, podemos alimentar a ilusão de ignorar nossos sentimentos, nossas aflições; dessa forma, não precisamos enxergar que somos incompletos, imperfeitos. Em nossos contatos pessoais, muitas vezes olhamos alguém apressadamente e, de repente, já desenhamos o seu perfil, já sabemos quem é aquela pessoa. Às vezes, adotamos atitudes pré-concebidas, porque a pessoa, a um olhar rápido, não se enquadra em nossos modelos. Aqui podemos lembrar certas atitudes preconceituosas que podemos ter com pessoas de aparência modesta, com pessoas menos instruídas, com deficientes, pessoas de raça negra, homossexuais. Às vezes, pode ser o contrário: vemos alguém bem vestido, bonito, bem falante, então já o endeusamos, não temos cautela e, mais adiante, nos decepcionamos muito. A crônica policial freqüentemente descreve assaltantes bem vestidos, pessoas que muito gentilmente se oferecem para ajudar nos caixas eletrônicos. Preste mais atenção, não tenha pressa, na hora de cuidar de seus interesses. Não tenhamos tanta pressa, para julgar, para ouvir. As pessoas que nos rodeiam muitas vezes precisam de nós.. Em sua solidão, por vezes muito dolorosa, precisam de que as escutemos um pouco, precisam de um pouco da nossa atenção. Se estivermos sempre no limite do nosso tempo, sempre atrasados, apressados, não teremos esse tempo de que elas tanto precisam... A vida moderna contribui para nossa pressa? Sim, na medida em que as coisas são feitas sem maior reflexão, sem programação adequada. A vida moderna prega o sucesso a qualquer preço, o lucro rápido, os resultados imediatos. “Corra, corra”, para não perder tempo, para não perder dinheiro, para não ser tratado como bobo, para aproveitar melhor a vida. A ordem é correr. Olhe várias imagens, quase simultâneas, no cinema e na TV, deixe-se impressionar pelas mensagens que tentam lhe passar. Seja esperto, decifre logo os significados, não é preciso pensar muito. Essa parece ser a ordem que recebemos pelos meios de comunicação e até por nossos companheiros do dia-a-dia. Uma árvore leva bastante tempo para crescer, ficar frondosa e dar sombra e abrigo aos pássaros, não é?