DAS INCONSTITUCIONALIDADES E OUTRAS “COISAS”
Dizem-nos insistentemente que “temos que mudar de vida”. Ora, como ninguém gosta de
mudar de vida para pior, é essencial sabermos, entre outras questões: que razões há para
mudarmos; para onde vamos; por onde e como vamos fazer o caminho para mudarmos.
Importa ainda definirmos, tanto quanto possível, as circunstâncias do presente e as
expectativas para o futuro.
Quanto ao presente temos: 1) Um Poder legislativo, a Assembleia da República, submetido ao
Poder executivo; 2) Um Presidente da República fragilizado pela opção que tomou – auferir as
suas reformas em detrimento do vencimento correspondente à função presidencial; 3) Um
Poder executivo praticante convicto da teoria NHA (Não Há Alternativa), “importada” dos
“mercados” (que se auto definem como “amorais” e que, na prática, agem como imorais,
tendo do risco uma noção “curiosa” – os ganhos são nossos, os prejuízos são vossos; 4) Um
Tribunal Constitucional que se algo é inconstitucional pode deixar de o ser se for um facto
consumado ou se vir alargado o seu âmbito e … inconstitucionalidade.
Consideremos este último ponto.
1. Recentemente, o Tribunal Constitucional, após longos meses de “estagnação
burocrática”, conseguiu apreciar a requerida inconstitucionalidade do roubo dos 13º e
14º das pensões de reformados e pensionistas. Na apreciação que fez, o Tribunal
Constitucional: a) Considera que há inconstitucionalidade na Lei Orçamental, pelo que
não são aceitáveis aqueles “cortes”; b) Mas considera também que essa
inconstitucionalidade deixaria de o ser se o universo que abrangesse fosse mais
alargado! (É pertinente considerar-se que o TC optou em favor da quantidade (o
interesse) em claro detrimento da qualidade (o Valor)); c) E considera, por último, que,
sendo embora inconstitucional, em 2012 é “um facto consumado” pelo que “não há
nada a fazer”. Até porque há uma “razão” mais forte do que a Constituição: a
necessidade de se cumprirem os compromissos assumidos com quem (?) nos (?) ajuda
(???????).
2. Torna-se evidente que também o Tribunal Constitucional se colocou sob o Poder
executivo.
3. E o que diz, com “profunda convicção”, o Poder executivo, isto é, o governo? Que
NHA-Não Há Alternativa!
4. É espantosa esta “convicção” quando, com idêntica “convicção”, o mesmo governo
nos invectiva com: a) A necessidade de sermos criativos nas nossas opções e acções; b)
A necessidade de sermos inovadores nas nossas soluções; c) A necessidade de
enfrentarmos as dificuldades como oportunidades; d) A necessidade de não sermos
“piegas” perante os obstáculos; e) A necessidade de, urgentemente, aprendermos a
lidar com o risco; f) A necessidade de, definitivamente, sermos responsáveis por aquilo
que fazemos ou deixamos de fazer.
5. Acontece que estas 6 necessidades têm em comum um factor determinante para se
atingirem, em qualquer delas, resultados positivos: a capacidade de avaliar
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criticamente as nossas circunstâncias (individuais e colectivas) e de fazermos as nossas
escolhas de forma autónoma e independente (e, só assim, responsável).
Ora, qual é a primeira consequência para quem se atreve a usar o pensamento crítico?
Simplesmente descobre que… Há Alternativas!
Descobre, também, que as escolhas têm muitas razões que as suportam: afectivas,
racionais, éticas, ideológicas,…
Descobre, ainda, que ser responsável é assumir a autoria afectiva, racional, ética,
ideológica, das consequências que os seus actos (ou omissão deles) produzem em si
próprio e nos outros.
Descobre, por último, que quando alguém afirma com “profunda convicção” que “Não
Há Alternativa” está a assumir – tem que assumir! – toda, repito, TODA a
responsabilidade pelos seus actos (ou omissão deles).
Um exemplo: quando o governo assume como imprescindível o cumprimento do
compromisso contido no “memorando de entendimento” com a “troika” e, para o
conseguir, quebra o compromisso IMPOSTO aos pensionistas e reformados ao longo
de dezenas de anos, só pode haver uma interpretação – o governo submete-se por
inteiro a uma entidade estranha (estrangeira, abstracta e amoral) e, ao mesmo tempo,
exerce o seu poder de uma forma pesporrente, demagógica, autoritária, perante quem
não tem poder para se opor a este acto eivado de um absoluto despudor, roçando a
cobardia. De facto, ao assumir com tamanho empenho a teoria NHA, o governo está,
simultaneamente, a assumir a intenção de nos “interditar o pensamento” (H. M.
Enzensberger).
Este exemplo, gravíssimo embora, será ainda menor diante da brutalidade que é
colocar as Forças Armadas na eminência de obedecerem a ordens ditadas, através que
seja de um governo, por uma entidade estranha (estrangeira, abstracta e amoral)!
É que o Estatuto de Roma e o Tribunal Penal Internacional (que Portugal ratificou e
ajudou a fundar!) explicitamente proíbem que um militar, seja qual for a sua patente
invoque o cumprimento de ordens se, eventualmente, for acusado da prática de um
crime contra a Humanidade ou de um crime de guerra. Se, como o governo afirma,
“Não Há Alternativa”, então a responsabilidade perante uma eventualidade destas
será total e exclusivamente do governo.
Será que o governo, para fazer “emigrar” as suas responsabilidades, alegará, com
“profunda convicção”, o Interesse Nacional? Se assim for, é imprescindível que o
governo esclareça o que é o interesse nacional no país mais desigual da União
Europeia. Um esclarecimento que destrua por completo o sentimento de estarmos (os
militares) a defender apenas interesses privados, alguns privadíssimos, muitos ocultos,
o que os (militares) colocaria ao nível de mercenários, que agem “movidos por
interesses pessoais e materiais”, destruindo as Forças Armadas, que agem em nome
de Valores e de Princípios eminentemente Éticos e Morais.
Tenho, para mim, que os chefes militares sabem, com convicção inabalável, que
quando ordenam aos seus subordinados, homens e mulheres, que vão para zonas de
conflito armado onde podem morrer e podem matar, o fazem em nome desses
Valores e desses Princípios, e numa prática exigentíssima de uma Ética profundamente
Humana. É que a globalização tem destas coisas: o Outro é cada vez mais semelhante
ao Eu: o cidadão planetário de que fala Edgar Morin, embora “nanogesimal” ainda na
sua configuração, já deixou de ser uma mera hipótese académica, elevando a um
extremo nunca até hoje alcançado a exigência de uma consciência humana – e do
Humano – do militar, qualquer que seja a sua patente, o seu cargo, o seu nível de
responsabilidade, na concretização da guerra, isto é, do morrer e do matar.
Estes 21 pontos expressam muitas dúvidas e poucas certezas, e estas, na sua maioria, são
negativas. Mas enquanto todos estes 21 pontos não estiverem assumidos numa identificação
em que nos sintamos todos representados, continuaremos reféns de todos os corruptos, todos
os oportunistas, todos os que fazem do seu umbigo o todo universal, todos os “pequenos
deuses caseiros” (Sidónio Muralha) que, apoiados na despudorada falácia do NHA (Não Há
Alternativa), nos vêem, a todos nós, como meros “objectos produtivos”, como “coisas”, como
“números” numa folha de EXCEL, que vão exibindo diante daqueles a quem se submetem.
É por isto que o caminho que está a ser seguido é errado. E é preocupante constatar
semelhanças, tão evidentes quanto pesadas, com o início de tantas ditaduras que já
aconteceram ao longo da história da Humanidade.
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