Imputabilidade da Criança e do Adolescente Luciana C. Padilha Resumo Observa-se em países desenvolvidos que os indicadores de educação positivos e em crescimento estão intimamente ligados a repressão da criminalidade, sendo mais eficiente uma medida pública de garantia dos direitos fundamentais da criança e do adolescente do que a redução da maioridade penal. Palavras- chave: Imputabilidade. Maioridade. Redução. Introdução Este estudo busca abordar as questões concernentes a criança e adolescente na esfera da discussão da redução da maioridade penal, apoiando-se em estatísticas e indicadores sociais de forma a discutir a PEC 171/1993 em tramitação, analisando soluções para repressão da criminalidade nessa etapa de desenvolvimento psicossocial, procurando afastar o senso comum. 1 Dos Direitos fundamentais da criança e adolescente Segundo o disposto na Convenção Sobre Direitos da Criança, fixada como regra mínima para administração da infância e juventude imputada pela ONU, criança é todo ser humano menor de dezoito anos de idade. Em termos de legislação nacional, inspirada na norma internacional, observamos no artigo 2° da Lei 8069/90, do Estatuto da Criança e do Adolescente, a definição jurídica: “Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa de até doze anos de idade incompletos e, adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.” Seus direitos fundamentais são elencados no artigo 4º do ECA e devem ser assegurados pela família, sociedade, comunidade e Estado. São eles: direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, cabendo ao Estado proteger a criança e o adolescente de qualquer tipo de cerceamento de seus direitos fundamentais (Artigo 5°, Lei 8069/90). Porém, após mais de vinte anos constata-se que parte do conteúdo não passa de letra morta. São adiadas medidas públicas urgentes a serem adotadas das mais diversas naturezas: erradicação a evasão escolar, chacinas e assassinatos, o trabalho e prostituição infantil, a falta de legislação sobre pedofilia e incidência do uso de drogas na infância e adolescência. Estatísticas Os reflexos da falta de investimento do setor público na garantia de direitos básicos como educação são visíveis nas estatísticas. Segundo levantamento da Sinase, realizado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) em 2011, houve um crescimento de 10,69% no número de adolescentes cumprindo medidas de privação e restrição da liberdade, sendo o maior e mais alarmante, no estado de São Paulo. Não restam dúvidas que o aumento da violência está intimamente ligado ao cerceamento dos direitos básicos do adolescente, privados da educação adequada, do ensino profissionalizante, da saúde, da cultura, do lazer. Observamos que 0,09% da população brasileira adolescente está em cumprimento de medidas socioeducativas em meio fechado. Com aumento de 9,68% nos casos de internação provisória. Entre os atos infracionais mais cometidos pelos adolescentes em medida de internação, em primeiro lugar está o roubo (38%), seguido do tráfico (26,6%), homicídio (8,4%) e furto (5,6%). Embora de 2002 a 2011 tenha havido redução no percentual de atos graves contra a pessoa, a participação de adolescentes em atividades secundárias no tráfico de drogas cresceu drasticamente, saltando de um índice de 7,5% para 26,6%. Com a violência crescente e a sensação de impunidade, fortemente aclamada pela mídia, fomenta-se o descontentamento popular. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 82% dos brasileiros são a favor da redução da maioridade penal. O clamor popular tem dado voz e segurança a parlamentares mais conservadores para se manifestarem a favor do projeto de emenda constitucional. Ao contrário do que a maioria da população leiga pensa, o adolescente infrator não está impune. Para todo delito praticado por menor de dezoito anos, há uma sanção imposta por lei, seja medida de segurança (aplicada ao menor de doze anos) ou medida socioeducativa, prevista no artigo 112 do ECA (aplicada a adolescente com idade entre doze e dezoito anos). 2 Maioridade Penal A Constituição Federal, em seu artigo 228 prevê a inimputabilidade do menor de dezoito anos: “Art.228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.” A norma foi positivada também pelo legislador no Código Penal, em seu artigo 27. 2.1 PEC 171/1993 De autoria de Benedito Domingos do PP do Distrito Federal, a PEC tem como proposta a alteração da redação do artigo 228 da Constituição Federal para: “Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial.” O objetivo é atribuir responsabilidade penal ao menor de dezesseis anos. A proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados após manobra do Presidente, Eduardo Cunha (PMDBRJ) na madrugada do dia 31 de Março. Porém o caminho a ser percorrido pelo projeto ainda é logo. Embora aprovada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), foi instalada uma comissão especial, composta por quarenta sessões e vinte e sete deputados que a analisarão. Se aprovada, ela ainda precisará ser votada em dois turnos no plenário da Câmara, precisando do apoio de 60% dos deputados. Depois encaminhada ao Senado e se aprovada, pode ser promulgada, sem necessidade de sanção da presidente Dilma Rouseff. 2.2 Redução em pauta Muitos e acalorados são os debates, porém as questões devem ser analisadas de forma técnica e cuidadosa. Seria a redução da maioridade penal a solução para o combate ao crime organizado e crescente violência de um modo em geral? Os defensores da maioridade penal aos dezesseis anos alegam ser esta indispensável e de caráter urgente. Para o doutrinador Fernando CapezI, o critério biológico não é suficiente para aferir a capacidade de entendimento do adolescente, uma vez que, em plena era da “internet” não há de mais de se falar em jovens desinformados, incapazes de entender acerca de seus atos. Em seu entendimento, devemos levar em conta o desenvolvimento mental do indivíduo, segundo ele, completo já nesta etapa. Sem dúvida, não se pode desconsiderar que o adolescente do século XXI tem mais acesso a informação do que um jovem há vinte, trinta anos atrás. Na Roma antiga, anterior ao critério do desenvolvimento, a imputabilidade se dava por um exame físico, era imputável todo aquele que fosse púbere. Segundo o Dr. Augusto CuryII, psiquiatra e escritor, uma criança de sete anos na atualidade, tem mais informações do que um imperador no auge da Roma antiga, mais do que os grandes pensadores gregos como Pitágoras, Sócrates, Platão e Aristóteles. Porém alerta ao comprometimento do desenvolvimento de crianças e adolescentes por meio da cobrança excessiva. Nunca exigiu-se tanto que amadureça-se tão rápido. O jovem de dezesseis anos não tem a maturidade necessária para discernir o risco de seus atos uma vez que a formação de sua personalidade não está completa, está na fase de auto-afirmação na sociedade, sendo facilmente influenciável, inclusive por informações que nem sempre são de boa qualidade. Capez ainda defende em sua tese a desproporcionalidade entre o delito e a pena, ou seja, em termos do estatuto, do ato infracional e a medida socioeducativa. A pena máxima abarcada pelo estatuto, para crimes hediondos como o homicídio, que pode chegar a trinta anos no Código Penal, é de três anos. A desproporcionalidade da pena sem dúvida é gritante. Conforme pontua BeccariaIII, deve haver proporcionalidade entre o delito e a pena, de modo a reprimir a incidência do mesmo: O interesse de todos não é somente que se cometam poucos crimes, mais ainda que os delitos mais funestos à sociedade sejam os mais raros. Os meios que a legislação emprega para impedir os crimes devem, pois, ser mais fortes à medida que o delito é mais contrário ao bem público e pode tornar-se mais comum. Deve, pois, haver uma proporção entre os delitos e as penas. Mais eficiente que a redução da maioridade penal seria a reforma do Estatuto da Criança e Adolescente, trazendo mais proporcionalidade entre o delito e a pena, reprimindo assim os atos infracionais e a sensação de impunidade, seja por parte do menor infrator, seja por parte da sociedade. É inconstitucional a redução da maioridade penal. A CF garante em seu artigo 60,§4º, IV um patamar de cláusulas pétreas, entre elas os direitos e garantias individuais, impedindo modificação ou abolição, sendo a inimputabilidade do menor de dezoito anos uma delas. Conforme destaca Pinto FerreiraIV, aplica-se a pena considerando as condições do agente: “[...] Destacando-se entre elas inicialmente a individualização da pena, impondo a pena de acordo com as condições pessoais do delinquente, a fim de suavizá-la, numa conquista trazida pela CF.” É inviável a responsabilização penal do maior de dezoito anos, em um país com um sistema penitenciário tão precário, conforme afirma Nucciv. Bauru, uma das maiores cidades do Brasil não tem cela especial para menor de dezoito anos. As condições dos presídios infringem direitos humanos, não parece razoável aos olhos da população brasileira que o governo irá investir em novos estabelecimentos prisionais, e recolher adolescentes no mesmo local que adultos poderá agravar ainda mais o problema, visto que, como já discutido, nessa fase do desenvolvimento são totalmente influenciáveis. Em tese de financiamento, em um país campeão mundial de crescimento de prisão de 1990 a 2000, deve-se investir nos direitos básicos da criança e do adolescente, em escolas, e não em presídios especiais para maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. Sem dúvida, a educação é a maior repressora da criminalidade, e não as penas impostas. Portugal, o 9° país mais seguro do mundo, com decrescente taxa de criminalidade, tem como maioridade penal vinte e um anos, enquanto o Brasil está na 91ª posição, segundo o estudo “Global Peace Index” (Índice Global da Paz). A solução não está na redução da maioridade penal, mas na aplicação de medidas públicas eficazes de modo a garantir os direitos da criança e do adolescente, principalmente a educação e o ensino profissionalizante, inserindo-os de forma saudável na sociedade. Considerações finais Concluímos que, em países desenvolvidos, têm-se investido em educação e nos direitos básicos da criança e do adolescente, visto que estes são o futuro da nação, reprimindo, dessa forma, a criminalidade. Que a redução da maioridade penal ao invés de solução pode representar problema em um sistema penitenciário frágil como o brasileiro, além de gerar custos não suportados pelo país. São eficazes medidas públicas que protejam o desenvolvimento e formação da criança e adolescente, pois estatísticas demonstram que a violência está intimamente ligada ao descaso por parte dos governantes. Como disse Rui Barbosa, deve-se educar a criança para não punir o adulto. Referências Capez, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo/SP. 20ª Edição 2013.Editora:Saraiva. Cardoso de Araújo, Denilson. Eca para fazer eco, crônicas e estudos sobre a lei nº8069/90. São Paulo/SP. Editora: Usina de Letras Secretaria de Direitos Humanos. Levantamento Sinase 2011. http://www.sdh.gov.br/assuntos/criancas-e-adolescentes/pdf/SinaseLevantamento2011.pdf. Disponível em: Acesso em 29/07/2015 i i Capez, Fernando. Redução da maioriade penal: uma necessidade indiscutível. O promotor, atualidades jurídicas. Disponível em: http://www.fernandocapez.com.br/o-promotor/atualidades-juridicas/reducao-damaioridade-penal-uma-necessidade-indiscutivel. Acesso em: 29/07/2015 ii Cury, Augusto. Ansiedade, como enfrentar o mal do século. São Paulo/SP. Editora: Saraiva. iii Beccaria, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo. 4ª Edição 2010. Editora: Revista dos Tribunais. iv FERREIRA, Pinto - Comentários à Constituição Brasileira, 7º volume, Editora Saraiva, São Paulo/SP, 1995 v Nucci, Guilherme, Redução da maioridade penal não reduz criminalidade. Conjur. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-jun-19/reducao-maioridade-penal-nao-reduz-criminalidade-afirma-nucci. Acesso em 29/07/2015