Anais do 5º Encontro do Celsul, Curitiba-PR, 2003 (1243-1247)
O OPERADOR DE IMPERFECTIVO: ‘DIRETO’.
Roberta PIRES DE OLIVEIRA (UFSC/CNPq)
Roberta de Fátima MARTINS (UFSC/ CNPq PIBIC)
ABSTRACT: This paper aims at describing the adverb ‘direct’ in brazilian portuguese. The main
hypothesis, based upon Castilho´s aspectual classification is that ‘direct’ is an imperfective operator
since it gives any sentence an imperfect reading. It may either act upon a semelfactive sentence,
generating a durative interpretation, or upon a interactive sentence, engendering the possibility
repetition.
KEYWORDS: Formal semantics; events; Brazilian Portuguese; aspectualizier; imperfectivity
0. Introdução:
Nossa proposta com este artigo é promover uma descrição do aspectualizador ‘direto’;
aspectualizador porque opera na sentença tornando-a imperfectiva. Para tanto, iremos nos basear na
classificação aspectual de Castilho (1997), que possibilita duas ordenações para este aspectualizador.
Quantitativamente ‘direto’ pode tanto incidir sobre sentenças semelfactivas quanto sobre sentenças
iterativas. No primeiro caso, ele indica um único evento que está em aberto; no segundo indica a
possibilidade de repetição de um certo tipo de evento. Mostraremos também uma breve evidência de que
o advérbio ‘sempre’ não é sinônimo de ‘direto’.
1. Hipótese:
Pires de Oliveira & Gallotti (2001) levantam a hipótese de que o advérbio aspectualizador ‘direto’
pode ter duas interpretações:
A interpretação durativa, quando se trata de um único evento que ocorre sem interrupção (ou com
interrupções tão esporádicas que não vale a pena mencionar) no tempo, como em:
(1) João está estudando direto desde de manhã .
Conforme o gráfico :
MF Evento de Fumar
Nesse caso, o evento de estudar se inicia antes, inclui e ultrapassa o momento de fala, por isso se
trata de um imperfectivo, ele está aberto.
A interpretação reiterativa, que ocorre quando o que perdura no tempo são vários eventos do
mesmo tipo, como em (2):
(2) João fuma direto.
Conforme o gráfico:
e1
e2
e3
MF
e5
e4
Em Pires de Oliveira & Gallotti (2001), as autoras restringem o uso do termo aspectualizador a
ocorrência de ‘direto’ em que ele expressa reiteração. Esta opção se deu porque as autoras basearam-se
exclusivamente em Ilari et alii (1989:83 ) que assim define advérbios aspectualizadores: “indica a
freqüência com que determinado evento se reitera” ,ou ainda “expressa uma quantificação sobre o
evento”. Essa definição exclui tanto o advérbio de modo ‘direto’, exemplificado em (3), quanto o uso de
‘direto’ como durativo, na sentença em (1).
(3) João foi de Brasília a São Paulo direto ontem.
1244
O OPERADOR DE IMPERFECTIVO: ‘DIRETO’.
A classificação de Castilho (1997), é nesse sentido mais promissora, porque permite ao mesmo
tempo excluir ‘direto’ enquanto advérbio de modo e tratar os usos de ‘direto’ em (1) e (2) como um
mesmo caso: ‘direto’ é um aspectualizador. Antes de definirmos aspectualizador, vejamos como Castilho
(1997) classifica o aspecto. Ele elabora uma classificação aspectual que leva em conta duas faces: a
qualitativa e a quantitativa. Se usarmos essa classificação, qualitativamente ‘direto’ deve ser considerado
sempre um operador imperfectivo, porque contribui para que a sentença, onde é empregado, tenha um
sentido de perdurar no tempo, em outras palavras, contribui para que a sentença torne-se aberta no tempo.
Por exemplo:
(4) João fuma direto.
Observe que a única interpretação possível é de que existiram e podem ainda, existir vários
eventos de fumar num intervalo de tempo que está indeterminado mas que inclui o presente. Ou seja, o
fato de que João é um fumante bastante ativo perdura no tempo. Por isso a sentença tem aspecto aberto.
Note que ela implica que houve vários eventos fechados de fumar. O que está incompleto não é um
evento de fumar em particular, mas o hábito de fumar incessante, não há desfecho para o hábito de fumar.
A imperfectividade é clara no exemplo (1), em que não há desfecho para o evento de estudar.
2.
Argumentos:
2.1
Perfectivos e imperfectivos: Castilho (1997:04), define imperfectivo, como aquele “que
representa uma predicação que tem existência tão logo iniciada, dispensando seu desfecho”, ou “o estado
de coisas que eles descrevem envolve diferentes fases de execução”.
Uma outra característica do imperfectivo é que ele não permite leitura pontual e terminada. Isso
certamente é verdade com sentenças em que ocorre ‘ direto’.
(5)* Ontem, João fumou direto às 5:00.
(6) Ontem, João fumou às 5:00
A leitura pontual e terminada só é possível com o aspecto perfectivo. O contraste entre (5) e (6)
mostra que a imperfectividade é dada pelo ‘direto’. Por isso dissemos que ‘direto’ e um operador de
imperfectividade: não se trata apenas, como veremos mais adiante, de se combinar com imperfectivos,
mas de tornar a imperfectiva uma sentença perfectiva.
Do ponto de vista quantitativo o ‘direto’ pode tanto se combinar com sentença semelfactiva quanto
com sentenças em que há mais de um evento. No primeiro caso, ele indica que o evento perdura no
tempo.
(7) João lê direto desde às 14:00 hs.
Para Castilho (1997:03), os perfectivos configuram “uma ação cujo começo coincide com seu
desfecho, tornando-se irrelevantes as fases de seu desenvolvimento”, por exemplo:
(8) Você fechou os olhos.
(9) O bebê falou ‘ mama’.
Veja que ao acrescentarmos ‘ direto’ nas sentenças acima, elas se tornam imperfectivas:
(10) Você fechou os olhos direto.
(11) O bebê falou ‘mama’ direto.
No segundo caso indica iteração, em outras palavras, ele se comporta como um quantificador que
indica vários eventos próximos temporalmente, como em :
(12) Eduardo viajou para São Paulo direto neste último mês.
Note mais uma vez, que sem a presença de ‘direto’ a sentença em (12) torna-se perfectiva e referese a um evento particular.
(13) Eduardo viajou para São Paulo neste último mês.
Roberta PIRES DE OLIVEIRA & Roberta de Fátima MARTINS
3.
1245
Télicos e atélicos:
Uma outra propriedade que o ‘direto’ parece exibir, e confirma nossa hipótese de que ‘direto’ é um
operador de imperfectividade, é que ele só pode se combinar com verbos atélicos, ou seja, aqueles verbos
ou expressões verbais que não indicam que há um objetivo final a ser alcançado. Podemos perceber ainda,
que o ‘direto’ quando combinado com verbos télicos tende a reconfigura-los semanticamente como
atélicos.
(14) João caia direto quando criança.
(15) João se afogava direto quando criança.
Em (14) e (15) temos a ocorrência de dois verbos télicos ‘cair’ e ‘afogar’, isto porque o ‘direto’
indica que houve mais de um evento em que ‘João caiu’ ou ‘se afogou’.
Os verbos télicos não possuem inicio, meio e fim da ação separados temporalmente, e esta
propriedade causa dificuldades de interpretação na tentativa de combina-los com o ‘direto’. Entretanto
quando destacamos, ou melhor, especificamos um certo espaço no tempo, ou atribuímos características
que indiquem uma certa regularidade na execução da ação, a interpretação se dá naturalmente.
4.
Propriedades:
Ainda segundo Castilho (1997), dentro da classificação imperfectiva os aspectos podem ser
inceptivos, cursivos ou terminativos. Os inceptivos marcam início de ações e são representados por
verbos como ‘começar’ e ‘iniciar’.
(16) João começou a trabalhar.
(17) João começou a trabalhar direto.
O ‘ direto’ tem a propriedade de combinar-se com o aspecto inceptivo. É justamente esta
propriedade que é evidenciada pelo contraste entre (16) e (17). E o mais interessante é que ao combinarse com inceptivos a única interpretação possível, ou preferencial, é aquela em o aspectualizador aparece
como um iterativo, note:
(18) pôs-se a falar direto.
(19) Começou a falar direto.
(20) * João começou a falar direto desde sábado até hoje.
Com os cursivos, geralmente, observa-se a combinação com a perífrase estar + NDO, como em :
(21) Flávia ESTÁ cuidaNDO daquele menino direto.
(22) Maria ESTÁ cortaNDO os cabelos direto.
(23) Joana ESTÁ faltaNDO a aula direto.
(24) ESTÁ choveNDO direto desde sábado
Eles marcam eventos que ainda não culminaram no tempo, sentenças que obedecem a uma certa
regularidade, cujos eventos estão ainda se desenvolvendo. Sendo que estas representam, observando a
ausência de mais material lingüístico, atividades habituais, como expressando vários eventos de um
mesmo tipo, com exceção de (24) que é durativa, por causa do tipo de verbo.
O terminativo, indica a etapa final de um evento. O aspectualizador ‘direto’ demonstra ainda a
propriedade de incompatibilidade com aspecto resultativo, ou terminativo, isso porque a sua característica
principal é demonstrar a freqüência com que determinado evento (ainda não culminado no tempo)
acontece, ou que perdura no tempo. Sendo, portanto impossível indicar a fase final do evento.
(25)* João acabou de fumar direto.
1246
O OPERADOR DE IMPERFECTIVO: ‘DIRETO’.
A inaceitabilidade de (25) explica-se, porque nela se combina um verbo que indica término de um
evento com o ‘direto’ que atua na sentença justamente, para dar-lhe a interpretação de uma ação aberta
temporalmente.
Existem duas generalizações possíveis e que precisam ser melhor investigadas:
a) O aspectualizador ‘direto’, na interpretação iterativa, poderá ou ser inceptivo ou ser cursivo.
b) Se combinado com um semelfactivo, a interpretação é durativa e o aspecto é cursivo.
A tabela a seguir ajudará a compreender esta nova classificação:
IMPERFECTIVO
- ABERTO NO TEMPO SEMELFACTIVO
- UM EVENTO EM DURAÇÃO CURSIVOS
5.
ITERATIVO
- VÁRIOS EVENTOS INCEPTIVOS
CURSIVOS
Direto e Sempre:
Pires de Oliveira & Gallotti (2001) apontaram a possibilidade de ‘ direto’ ser sinônimo de
‘sempre’. Com o intuito de verificar se existe ou não essa relação de sinonímia entre ‘sempre’ e ‘direto’,
entrevistamos informalmente alguns falantes nativos do Português Brasileiro. Pedimos então que estes
respondessem : Qual é a interpretação preferencial que eles atribuíam ao ‘direto’ na sentença:
(26) Maria fala direto na aula
Unanimamente todos os falantes responderam que o ‘direto’ quantificava os eventos de fala de
Maria na sala de aula. Quando perguntamos para eles a paráfrase de (26) era (27):
(27) Maria fala sempre na aula.
Foram unânimes em dizer que não existia relação de sinonímia. Afirmaram que ‘direto’ atribuía
uma conotação negativa aos eventos de fala de Maria. Observamos então que esta conotação depreciativa
se dava à interpretação semelfactiva que eles estabeleciam com ‘direto’. Ou seja, m (26) eles atribuíam a
‘direto’ a leitura durativa, o aspecto da habitualidade deve-se possivelmente ao verbo no presente.
Podemos, então, concluir que os falantes atribuíam a ‘sempre’ uma interpretação iterativa, ou seja, a
sentença em (27) pode ser verdadeira se Maria fala apenas uma vez em cada uma das aulas. Ela, portanto,
não fala muito, mas freqüentemente. Já em (28) a Maria fala sem parar, o que significa que ela atrapalha a
aula. Os eventos de fala de Maria aconteciam com intervalos entre eles, sendo assim a interpretação
preferencial é que com ‘sempre’ Maria participava das aulas e com ‘direto’ ela incomodava nas aulas.
Porque neste caso o evento de falar é único. Em (26) Maria não necessariamente precisaria estar falando
do tema abordado na aula.
Já com a sentença:
(28) João exige salada direto
Existiu uma unanimidade em dizer que teríamos como paráfrase:
(29)João exige salada sempre.
Em (28) temos a relação entre dois eventos. O evento de comer e o evento de exigir salada. A
ausência da ambigüidade é por conta da única interpretação possível, ou seja, a interpretação iterativa. A
interpretação semelfactiva fica prejudicada por causa do tipo de predicado. Fica estranho pensar que
alguém fica exigindo salada durante todo o tempo, sem interrupção.
Com esta entrevista concluímos que a relação entre ‘direto’ e ‘sempre’ é condicionada por vários
fatores lingüísticos. E principalmente a interpretação dada ao aspectualizador ‘direto’. Para comprovar
esta teoria, buscamos em sites da Internet sentenças que continham ‘direto’ e ‘sempre’, que pretendemos
analisar futuramente e que estão expostas somente para fins ilustrativos.
Roberta PIRES DE OLIVEIRA & Roberta de Fátima MARTINS
1247
(30) O Bradesco sempre manteve-se à frente no mercado de varejo.
(31) O Bradesco manteve-se direto à frente no mercado de varejo.
(32) Somos sempre Flamengo!
(33) Somos Flamengo Direto. (Durativo)
6.
Conclusão:
Concluímos que o ‘direto’ é um operador que atua na sentença transformando-a em imperfectiva.
Do ponto de vista quantitativo, as sentenças podem ser interpretadas como falando sobre um único
evento, nesse caso, ‘direto’ dá a idéia de duração desse evento, incluindo momento da fala; ou elas podem
expressa várias ocorrências de um evento típico. Indicando iteração. Quais fatores levam um falante
atribuir essa ou aquela interpretação, nos parece uma questão em aberto. Aparentemente o tipo de
predicado e o contexto lingüistico influenciam a escolha entre durativo e iterativo.
Podemos concluir que o advérbio ‘direto’ e o advérbio ‘sempre’ nem sempre dão a mesma
contribuição semântica, porque em alguns casos ‘direto’ concede a sentença uma interpretação
semelfactiva e ‘sempre’ favorece apenas a uma interpretação iterativa .
RESUMO: Descreveremos neste artigo o aspectualizador ‘ direto’. Nossa hipótese baseia-se na
classificação aspectual de Castilho (1997). Quantitativamante ‘direto’ pode incidir sobre sentenças
semelfactivas (um único evento) ou sobre sentenças iterativas ( mais de um evento). Esses usos são
exemplificados, respectivamente, em: ‘João está doente direto desde sábado’ e ‘João fuma direto’.
PALAVRAS-CHAVES:
imperfectividade
semântica
formal;
eventos;
português
brasileiro;
aspectualizador;
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
CASTILHO, Ataliba T. de. O aspecto verbal no português falado. ,1997.(Inédito).
ILARI, Rodolfo. et al.. Considerações sobre a posição dos advérbios. In: CASTILHO, Ataliba T. de
(Org.). Gramática do português falado. São Paulo: Ed. da Unicamp: FAPESP, v.1: A ordem, (1989)
ILARI, R. et alii. 1989. Considerações sobre a Ordem dos Advérbios. In Teixeira de Castilho, A. (org.)
Gramática do Português Falado. vol. I: A Ordem. 63-142. São Paulo: FAPESP e Editora da
UNICAMP.
PIRES DE OLIVEIRA, Roberta & GALLOTTI, Letícia Tancredo. Apontamentos para uma semântica do
‘direto’.In: ENCONTRO DO CELSUL, 4, 2000, Anais... Fpolis: CELSUL, 2001.
Download

O OPERADOR DE IMPERFECTIVO: `DIRETO`. Roberta PIRES DE