INFORMALIDADE E TRAJETÓRIAS DOS TRABALHADORES “CHAPAS” DE
MARECHAL CANDIDO RONDON/PR
PAIVA, Gabriel de A. G.; LAVERDI, Robson (Orientador)
(PIBIC/Fundação Araucária/UNIOESTE).
[email protected]
No dia sete de agosto do ano de dois mil e três, o jornal O Presente, de Marechal
Cândido Rondon, apresentou uma matéria de capa que focalizava o trabalho informal,
especificamente o trabalho dos “chapas” da cidade, esta localizada no Oeste do Estado do
Paraná. Nesta matéria, o que mais impressionava era o tom de espanto com a presença
destes trabalhadores, que se concentram do centro da cidade. Além disso, tinha como
destaque entrevistas com comerciantes e outros moradores da cidade, que colocavam de
muitos modos uma preocupação com a permanência do grupo contra uma “beleza estética”
da cidade.
A cidade de Marechal Cândido Rondon é uma cidade onde se busca afirmar uma
identidade alemã. Ao entrar no município você já percebe os traços arquitetônicos
germânicos que na cidade são utilizados para impressionar aos visitantes. Mais que isto, as
propagandas em torno deste discurso buscam mostrar em contrapelo que a mesma não tem
problemas e/ou contrastes sociais, haja vista seu suposto passado ancestral europeu. Nas
relações sociais tecidas na cidade parece sobrepor-se um esquecimento ao ver o contraste
evidente entre o real e o discurso.
A falta de emprego e as exigências do mercado de trabalho atuais são evidentes,
mas a situação tem se agravado para aqueles que são vistos pela sociedade local como
“indigentes”. Durante os dias úteis, nas esquinas centrais das ruas Santa Catarina e
Tiradentes, os trabalhadores “chapas” permanecem à espera de ofertas de trabalho. Em
conversa com senhor Deoniro, um destes trabalhadores, este me relatou que realiza este
trabalho há mais de 13 anos. Nesta conversa informal demonstrou grande
descontentamento ao falar das condições em que vive e trabalha na cidade.
Particularmente, relativas a sua baixa remuneração. Como diz seu Deoniro, “A dificuldade
se torna maior quando se possui uma família grande”. (Conversa informal com o chapa
Sr.Deoniro, no dia 16 de Março de 2005).
As lutas destes trabalhadores fazem parte do cotidiano da cidade e parecem
expressar outras dimensões. Por exemplo, a família do senhor Deoniro saiu do Estado de
São Paulo quando o mesmo tinha apenas dois anos de idade, buscando oportunidades de
trabalho. A solução foi a migração, entre outras lutas e dificuldades até a chegada no
Paraná. Hoje sua luta é pela sobrevivência na cidade.
Esta pesquisa, em caráter de Iniciação Científica, se encontra em condição inicial,
onde encontro diversos questionamentos sobre esta classe trabalhadora e suas relações
sociais. Nesta, investigo os processos que levaram esta a ocupar e a lutar, por manter-se no
centro da cidade de Marechal Cândido Rondon nas últimas duas décadas. Esta
permanência no centro também tem gerado conflitos com comerciantes e outros atores.
Trata-se de um estudo sobre a formação deste grupo de trabalhadores, buscando também
analisar a relação destes com a entidade supostamente representativa da categoria, o
Sindicato dos Trabalhadores na Movimentação de Mercadorias em Geral de Marechal
Cândido Rondon, denominado “Sindicato do Barrinha”. Este, que descaracteriza a
verdadeira função do sindicato, ou seja, a defesa e continuidade de luta juntamente com a
classe trabalhadora. Esta indignação faz-se presente no depoimento do “chapa” Sr.Pedro
Gomes Magalhães:
[...] eu tenho tudo meu, o que tenho minhas coisa na minha vida, eu trabaie lá com
o Barrinha, hun hun (negativo), não, não, não. Não vem pedi isso ai porque não pra
mim. Ele não paga nem os empregado, quando é pa os empregado e lá na casa, lá
perto pega uma coisa, vai pega o que lá? Pega bosta nenhuma? Que não tem, chega
lá, não e, não, não, não.[...] (Depoimento cedido em 21 de Agosto de 2005).
Assim, também analisar os diversos conflitos e modos de viver e trabalhar destes
sujeitos, entendendo-os a partir de suas trajetórias migratórias e experiências de lutas na e
pela cidade.
Desta forma, a análise é centrada nas vivências destes trabalhadores, em suas
posições, posturas e práticas da vida cotidiana e em sua reprodução de conhecimentos,
apreendidos como sujeitos históricos. As experiências construídas nas relações sociais
conflituosas na cidade parecem ter imposto mudanças no espaço da cidade, dando
visibilidade a formação de novos territórios, em nada coadunados com os projetos oficiais
buscados pelas elites locais. E, a partir de uma reflexão do cotidiano destes trabalhadores,
busco uma compreensão e uma discussão em torno da classe social que a constituem.
Desta feita, a problemática se afirma em torno da luta de classes onde se constituem as
experiências destes trabalhadores na cidade.
Ainda em relação à classe, como nos inspira E. P. Thompson(1981):
[...]os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro deste termo –
não como sujeitos autônomos, “indivíduos livres”, mas como pessoas que
experimentam
suas
situações
e
relações produtivas
determinadas
como
necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida “tratam” essa
experiência em sua consciência e sua cultura (as duas outras expressões excluídas
pela prática teórica) das mais complexas maneiras (sim, “relativamente
autônomas”) e em seguida (muitas vezes, mas nem sempre, através de estruturas de
classe resultantes) agem, por sua vez, sobre sua situação determinada.
Para realizar esta investigação, fez-se necessário o trabalho com as memórias e
experiências. Memórias que devem ser estudadas e compreendidas no processo de vida e
experiência destes trabalhadores. Através destes caminhos, a pesquisa busca aprofundar o
estudo do cotidiano e investigar suas necessidades, experiências, lutas, trajetórias, formas
de trabalho, que se organizam como resistência ao projeto urbano oficial de identidade
germânica da cidade de Marechal Cândido Rondon.
Os processos observados em relação à classe, de forma cautelosa, fornecem
argumentos e características que estão embutidas nas formas de controle da sociedade
capitalista. Quando tratamos de trabalhadores, como os “chapas”, algumas particularidades
devem ser apresentadas. Estudar esta classe trabalhadora é desmascarar suas
inconformidades, apresentando, desta forma, suas lutas reinvindicatórias. Como argumenta
Sidney Chalhoub(2001):
[...]A opção por abordar a questão do controle social do ponto de vista da
experiência cotidiana da classe trabalhadora procura ressaltar o fato de que as
relações de vida dos agentes sociais expropriados são sempre relações de luta, ou
seja, o tempo e o espaço da luta no processo histórico não se restringem aos
movimentos reivindicatórios organizados dos dominados – como os diversos
momentos do movimento operário[...]
Venho investigando este grupo como participantes da vida social da cidade. Tendo
em vista sua existência e a carga de estereótipos que lhes são imputados, é preciso
compreendê-los para além destas discriminações e das formas visuais estéticas da
identidade alemã apregoada na cidade, que reforçam silêncios quanto as suas existências e
pertencimento. A rejeição pela denominação “chapa” é algo presente no cotidiano de parte
destes trabalhadores, isto fica claro no depoimento do Sr.Pedro Gomes Magalhães:
[...] Não tem isso aí. Vocês querem saber comigo, exprementa. (...) não sou de
chapa, eu não sou chapa, eu sou a pessoa que vem, percura como é que eu faço, eu
não sou chapa. É aquele que faz coces. Não é isso. É eu que eu mando, é Deus que
manda vocês faze”(...) Não tenho nada com isso ai não.(...) Não, não, de chapa não,
eu trabalhava de pedreiro. Que eu sou, sou pedreiro, armador de ferragem e cabou.
É só isso. [...] (Depoimento cedido em 21 de Agosto de 2005).
Neste sentido busco compreender como se constituem o trabalho, a organização e
as lutas destes trabalhadores. A presença destes na cidade de Marechal Cândido Rondon é
um processo social recente, porém permeado de problemas e contradições. É preciso
avançar na análise da migração para além dos grupos migratórios étnicos de origem
européia e dedicar atenção as formas como a categoria se faz como classe trabalhadora em
seus próprios processos. Assim busco compreender o processo migratório que se faz
presente nas experiências dos “chapas”, abrindo possibilidades de enriquecer a
historiografia com as marcas da presença destes trabalhadores na cidade, compreendidos
enquanto sujeitos de sua própria história. Como coloca Heloisa de Faria Cruz(1999), nós
devemos dar ênfase outros sujeitos sociais, que não os heróis nacionais. “Na atual
conjuntura, o trabalho dito informal e a rua como espaço de trabalho e sobrevivência vêm
se impondo como direção instigante de pesquisa”.
A proposta estrutura-se na utilização das fontes jornalísticas, dos depoimentos orais,
de processos trabalhistas, de fontes escritas produzidas por instituições relacionadas a estes
trabalhadores e outros dados estatísticos relativos ao mundo do trabalho formal e informal.
Nesta parte da pesquisa busco estudar as lutas dos trabalhadores “chapas” de
Marechal Cândido Rondon, enquanto categoria e em suas trajetórias migratórias. Para o
desenvolvimento da análise das condições de vida destes trabalhadores, utilizo
depoimentos orais, a fim de considerar as memórias individuais e as do grupo. Através do
estudo do cotidiano e das experiências busco compreender o mundo em que vivem. Além
disso venho investigando os processos findos da Vara da Justiça trabalhista de Marechal
Cândido Rondon, sob a guarda do CEPEDAL(Centro de Estudos, Pesquisas e
Documentação da América Latina). O fundo dispõe de mais de 2900 processos que muito
colaborarão na análise dos conflitos, talvez presentes na relação destes trabalhadores com
seus empregadores. Também vem sendo feito um levantamento de documentos da
Prefeitura Municipal de Marechal Cândido Rondon, do Sindicato dos Trabalhadores na
Movimentação de Mercadorias em Geral de Marechal Cândido Rondon e dos jornais
produzidos localmente. Existe o interesse de levantar novas fontes, que poderão ser
incorporadas ao trabalho em vista do avanço desta investigação.
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